População quilombola do Pará será priorizada em projeto de promoção da saúde mental

Por Wagner Prado

O Fundo Baobá para Equidade Racial, com apoio da  Johnson & Johnson, deu início a uma ação colaborativa em torno de comunidades quilombolas do estado do Pará. O projeto, intitulado Saúde Mental Quilombola: Direitos, Resistência e Resiliência, foi elaborado frente a uma demanda da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e juntou, pela primeira vez, uma equipe multidisciplinar que vai atuar em 12 comunidades da região Tocantina com a missão de promover a educação em saúde, fortalecer as estratégias de resistência e resiliência nessas comunidades negras quilombolas. 

Equipe multidisciplinar montada pelo Fundo Baobá no aeroporto Val de Cans, em Belém (Pará) – Crédito: Tay Silva

Segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil há  5.972 comunidades quilombolas. O número exato será divulgado quando forem  revelados oficialmente os dados do Censo 2022, cuja coleta de dados foi encerrada em 31 de dezembro. Até agosto, porém, os números já coletados pelo IBGE indicavam três estados liderando o contingente populacional quilombola no Brasil: Bahia, com 116.437 pessoas; Maranhão, com 77.683 e Pará, com 42.439. 

A equipe multidisciplinar conta com profissionais das áreas de Enfermagem, Psicologia, Jornalismo, Publicidade, História, Administração e Direito. Profissionais do Pará juntaram-se e, no mês de janeiro, darão início às ações que vão acontecer até o mês de maio de 2023. A região Tocantina abrange as seguintes localidades: Abaetetuba. Acará, Baião, Barcarena, Cametá, Igarapé-Miri, Limoeiro do Ajuru, Mocajuba, Moju, Oeiras do Pará, Tailândia e Tucuruí, o equivalente a, aproximadamente, 35 mil km2. 

O projeto Saúde Mental Quilombola: Direitos, Resistência e Resiliência objetiva promover o protagonismo e a soberania quilombola em defesa de sua cultura, tradições e saberes. Para isso, faz-se necessário e essencial a adoção de políticas públicas governamentais e não governamentais também, principalmente políticas como essa estabelecida pelo Fundo Baobá  e apoiada pela Johnson & Johnson, que possam fortalecer as comunidades formadas pela população quilombola. 

O líder quilombola Magno Nascimento, representante do Quilombo África,  é coordenador de projetos da Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará – MALUNGU, organização que vai articular toda a ação que será feita no campo. Magno ressalta a importância do projeto.  “Discutimos muito para qual território faríamos a parceria. Tivemos casos de suicídio na região em que o projeto vai  ser aplicado. Em meio à pandemia, mas também devido ao empobrecimento, houve muita dificuldade de deslocamento e tudo. As comunidades quilombolas da região Tocantina estão entre as que têm a menor assistência por parte do Estado. Por muitos motivos. Porque é uma pena dizer isso, mas o estado do Pará sempre teve esse tamanho desde que o Brasil é Brasil. Não sabemos por que os políticos vivem alegando dificuldade logística e limitação de recursos. Na prática, isso é o racismo institucionalizado e muito latente contra os direitos dessa população. Esse trabalho que será feito vai ser muito importante para reverberar, como denúncia, aquilo que nós, infelizmente, passamos”, afirmou.   

A diretora de Programa do Fundo Baobá, Fernanda Lopes, enaltece a importância das comunidades para o alcance dos resultados esperados. “Trata-se de uma iniciativa que vai contribuir com as estratégias de resistência da comunidade e, ao mesmo tempo, promover saúde, estimular e valorizar as diferentes práticas de cuidado. Todas as pessoas importam. O projeto também reforça o que chamamos de força de trabalho em saúde pública, que não é composta  só por pessoas com nível superior de ensino. Envolve as parteiras, benzedeiras, agentes comunitários de saúde, auxiliares de enfermagem, técnicos, aquelas pessoas que fazem comunicação para promover saúde. Usar a arte e a educação, junto à comunicação, para democratizar o acesso à informação em saúde é muito importante”, afirmou. Ao longo da execução da ação, espera-se que, além da melhoria da qualidade da saúde mental,  núcleos de influência sejam formados ou fortalecidos nas comunidades, núcleos que saibam ainda mais sobre o direito à saúde, reivindiquem por acesso e melhores serviços   para a população quilombola.”, completou Lopes.

A fala da diretora do Fundo Baobá vai ao encontro do que é descrito pelo estudante de  Enfermagem Djalma Pereira Ramalho, que trabalha como técnico na Unidade Básica de Saúde na comunidade do Igarapé Preto. Djalma, que também é secretário de Cultura da  Associação dos Remanescentes Quilombolas de Igarapé Preto a Baixinha (ARQIB), iniciou na saúde a partir de conhecimentos práticos que depois foram incrementados com uma formação técnica. Atualmente ele também se dedica ao ensino superior na área de enfermagem e obstetrícia. “Quero continuar meu trabalho aqui na comunidade, porque fomos abandonados aqui, principalmente no período da Pandemia. Acredito muito nessa ação. Ela vai dar um norte sobre os primeiros passos que devemos dar com relação à melhora da saúde. A nossa integração, como profissional, como o conhecimento daqueles que vêm com o conhecimento técnico, vai melhorar bastante a situação da saúde aqui”, afirmou Djalma Ramalho.

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Primeira Pessoa

Até chegar à Comunidade Quilombola do Igarapé Preto, uma das 12 que fazem parte da Associação das Comunidades Remanescente de Quilombo de Igarapé Preto a Baixinha (ARQIB), eu nunca havia pisado em um quilombo, embora a trajetória do povo preto, meu povo, esteja ligada a eles. Para chegar lá, percorremos 265km de Belém à cidade de Baião, que fica às margens do Rio Tocantins. Baião é uma cidade pequena, com menos de 50 mil habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Representantes quilombolas reunidos na comunidade do Igarapé Preto com equipe multidisciplinar montada pelo Fundo Baobá

Para quem é urbano e criado em São Paulo, maior cidade do país, algumas coisas acabam não fazendo parte do nosso cotidiano, como fazer a travessia de um rio. E que rio é o Tocantins! Um mundo de água. Já estávamos em uma das margens antes da 6h da manhã. A travessia duraria uma hora. A temperatura era agradável, o que dava um sabor meio romântico àquela travessia em uma balsa de nome Camila. 

Quando alcançamos a margem oposta, fizemos um percurso de mais 30 minutos de carro por uma estrada de terra batida. A sede da ARQIB, que fica na comunidade de Igarapé Preto, tem um grande galpão, que logo soube ser uma construção quase comum nos quilombos. É no galpão da Associação que são feitas as reuniões, os comunicados que devem ser ouvidos e sabidos por todos e as grandes festas. A nossa chegada estava envolta em um clima de festa. As lideranças das comunidades atenderam de pronto ao chamado da ARQIB. 

Conversa no Galpão da Comunidade do Igarapé Preto, em Baião (Pará)

Fomos recebidos com um super e calórico café da manhã: sucos de cupuaçu e maracujá; bolo de chocolate, mandioca cozida, pão de queijo, bananas colhidas na plantação do local. Enfim, uma verdadeira festa. E como a conversa iria ser longa, o negócio foi comer bem para conseguir aguentar até a hora do almoço. 

A conversa para levantar as expectativas das lideranças comunitárias quilombolas sobre a ação de saúde foi bem produtiva. As experiências vividas por eles no período mais forte da pandemia da Covid-19 foram expostas e vão servir para balizar o que será feito na implantação da ação Saúde Mental Quilombola: Direitos, Resistência e Resiliência. Os quilombolas tiveram perdas irreparáveis por conta da dificuldade de acesso ao teste diagnóstico, aos serviços, ao tratamento, aos kits de higiene e proteção individual, da demora em receber a vacinação.

Enquanto a conversa sobre experiências, expectativas e diretrizes acontecia, na cozinha o trabalho corria a todo vapor. Um feijão com mocotó foi preparado, com arroz branquinho, macarronada, guisado de pato e farofa. Difícil foi conter o sono depois de comer tudo isso, que estava muito bom. 

Deixamos a comunidade do Igarapé Preto por volta das 16h para retornar a Belém. A gama de informações colhidas foi muito grande. Ficam a expectativa da volta ao Pará para rever as pessoas e dar início às ações do projeto. Que será gratificante, não tenho a menor dúvida! 

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