De casa, no bairro dos Aflitos, no Recife, Ana Elisa Barbosa de Andrade Melo, de 50 anos, gastava 45 minutos no trânsito para percorrer os 13 km que a separavam de Candeeiro, comunidade no bairro do Ibura, na periferia da capital pernambucana. Ali, uma vez por semana, entre 4 de novembro de 2020 a 7 de janeiro de 2021, ela promoveu atividades de narração de histórias para meninos e meninas de 0 a 6 anos. Encontros proporcionados pelo Edital Primeira Infância no Contexto da Covid-19, do Fundo Baobá.

Projeto de Ana Elisa Barbosa de Andrade Melo – Aflitos (PE)

“Através das histórias motivamos as crianças a conhecerem novos contextos; estimulamos a criatividade, a reflexão, e principalmente o contato com os livros e a leitura. A ludicidade facilita o processo de ensino-aprendizagem”, acredita.

 Ana Elisa é formada em História, tem mestrado em Gestão do Desenvolvimento Local Sustentável e experiência de 12 anos atuando em ações voluntárias no terceiro setor. As doações emergenciais do Fundo Baobá a permitiram retomar um antigo projeto de narração de histórias a domicílio, que havia interrompido no começo da pandemia por falta de recursos:

“Me candidatei à iniciativa por acreditar que a primeira infância é o período mais importante da vida do ser humano. Assim é necessário um trabalho integral e integrado, onde a família tem papel fundamental”.  

Projeto de Ana Elisa Barbosa de Andrade Melo – Aflitos (PE)

A meta inicial era envolver 20 crianças, mas o projeto chamou tanta atenção que outras chegaram, totalizando 37 crianças assistidas. Em cada casa, ao menos um adulto acompanhava os encontros e outros dez responsáveis participaram de oficinas sobre o papel da leitura no desenvolvimento infantil e técnicas de mediação:

“Eu entrava nas casas sem os sapatos; usava máscara e viseira o tempo todo. Levava álcool em gel para higienizar as minhas mãos e o material utilizado. Depois de contar as histórias deixava tarefas para que os pequenos fizessem associações com as histórias que ouviram. Deu certo. As crianças recontavam as histórias para outros parentes e me esperavam voltar, mas às vezes os pais esqueciam dos encontros e era viagem perdida. Esse foi o maior desafio, porém eu quero muito participar de outros editais e replicar a experiência”.

Projeto de Ana Elisa Barbosa de Andrade Melo – Aflitos (PE)

Relatos como o de Ana Elisa ecoaram entre os participantes do edital. Mais do que apoiar e confortar uma parcela carente da população neste momento de tantas incertezas, muitos buscavam mudanças profundas. 

No município pernambucano de Trucunhaém, onde a cultura negra-indígena ainda é muito viva nos rostos dos habitantes e em tradições como o Maracatu de baque solto, o Coco e o Catimbó; a antropóloga e parteira Helena Maria Tenderini Ferreira da Silva, 45, promoveu a saúde e o bem-estar de 70 adultos, adolescentes e crianças na primeira infância, resgatando alguns aspectos culturais: consultas e parto com parteira; horta; produção e distribuição de fitoterápicos para pessoas com sintomas de gripe. 

Tudo ocorreu entre as primeiras semanas de novembro e janeiro. Foram dois meses de muito trabalho, com atenção especial para as grávidas, puérperas, fazendo assim diferença para os bebês. 

Projeto de Helena Maria Tenderini Ferreira da Silva – Trucunhaém (PE)

”É importante cuidar da gestação para que, tanto o gestar, como o nascer sejam os mais naturais possíveis. Os momentos da gravidez, do parto e a primeira infância exigem muita atenção, pois podem fragilizar as mulheres emocional e fisicamente. Elas precisam estar bem informadas, a partir do saber tradicional”, acredita.

Helena Maria que há cinco anos trabalha como parteira na sua região, adaptou seus saberes à fase da pandemia e, graças ao edital, conseguiu comprar novos equipamentos para dar um suporte melhor às parturientes – ao menos três delas foram acompanhadas e deram à luz ao longo da execução do projeto. Helena chegou a realizar um dos partos em domicílio e apoiou um caso de depressão pós-parto. 

“Criei um grupo virtual (com encontros pelo Google Meet) para promover as rodas de gestantes que eu já promovia presencialmente antes da pandemia, na comunidade. As mulheres puderam dizer como se estavam se sentindo física e emocionalmente; compartilhar questões familiares e dúvidas sobre o parto, o pós-parto e a maternidade”.

Projeto de Helena Maria Tenderini Ferreira da Silva – Trucunhaém (PE)

O atendimento se complementava com visitas individuais, nas casas das participantes, quando Helena Maria usava mais da sua experiência como parteira, apalpando e medindo a barriga da gestante, checando a posição e o tamanho do bebê; auscultando os batimentos cardíacos; observando os olhos, a pele e língua das mulheres, a fim de descobrir se estavam anêmicas ou com alguma infecção, por exemplo. As visitas permitiram que ela envolvesse os pais e outros membros da família no processo da gestação, bem como nas transformações da gestante e do feto. 

“No decorrer do projeto eu também realizei escutas individuais e remotas, com gestantes e puérperas, e o acompanhamento de um caso de violência doméstica.  Também precisei orientar pessoas que relaxaram com os cuidados de higiene durante a pandemia. Mas com certeza faria tudo novamente, porque sei da importância do trabalho! Desejo participar de outros editais, aprimorando essas ideias e executando novas, pois há muito o que fazer na minha região. Esse tipo de apoio tem fortalecido a nós mulheres, ampliado a nossa capacidade de atuação e autonomia”, comemora.

Projeto de Helena Maria Tenderini Ferreira da Silva – Trucunhaém (PE)

Saindo do Nordeste e descendo o mapa pelo litoral, chegamos até Armação dos Búzios, na Microrregião dos Lagos do Estado do Rio de Janeiro. Um município com 23 praias e mais de 27.500 moradores (Censo IBGE, 2010) que, nos anos 1960, tornou-se conhecido internacionalmente com a visita da atriz francesa Brigitte Bardot. Desde então, Búzios ganhou força como destino turístico e o apelido de Saint-Tropez brasileira, embora tenha um lado carente que os visitantes não conhecem. 

Beatriz Raquel Silva Souza, 38, mora no bairro Cem Braças, que cresceu a partir de loteamentos ilegais. Ela pleiteou uma doação emergencial do Fundo Baobá, porque desejava oferecer suporte biopsicossocial a mulheres e adolescentes grávidas ou puérperas da sua comunidade e de um bairro vizinho (Capão).

“Sou doula desde 2015, consultora em amamentação, instrutora de yoga e massoterapeuta. Faço trabalhos sociais desde a adolescência e antes da pandemia já dava aulas gratuitas de yoga aqui no bairro. Com o apoio do Fundo Baobá foi possível levar os serviços de doula às pacientes dos Postos de Saúde da Família da região, e os profissionais de saúde olharam de outra forma para esse trabalho”, conta satisfeita. 

Projeto “Doula Comunidade” de Beatriz Raquel Silva Souza – Búzios (RJ)

A função doula ainda não é profissionalmente reconhecida, porém consta o Código Brasileiro de Ocupações e tem sido cada vez mais requisitada por gestantes que buscam acolhimento, apoio físico e emocional, da gravidez ao pós-parto.

A palavra doula tem origem grega e significa “servir”. Tudo o que Beatriz Raquel queria. Ela foi à luta: divulgou o projeto nos postos de saúde e também nas redes sociais, reunindo assim quatro gestantes (e seus companheiros) interessadas em participar de encontros virtuais com outras quatro doulas de diferentes cidades e estados. 

Divulgação do projeto “Doula Comunidade” de Beatriz Raquel Silva Souza – Búzios (RJ)

“Uma parte do recurso foi usada para ajudar as mães com o enxoval, então montei kits básicos com fraldas ecológicas, absorventes de seio ecológicos e outros itens definidos com elas. Também acompanhei alguns trabalhos de parto e forneci aulas de yoga na gestação (on-line).”

As participantes deram à luz cinco bebês (dois gêmeos) no decorrer do projeto, exigindo maior atenção de Beatriz, inclusive no pós-parto. Mas estava cumprida a missão de apresentar àquelas mães a opção do parto mais humanizado, com menos riscos de cesariana, menos chance de depressão pós-parto e menos bebês com problemas respiratórios. Sem contar a melhor adaptação ao ato de amamentar. Mães mais seguras e calmas, bebês mais saudáveis.

Projeto “Doula Comunidade” de Beatriz Raquel Silva Souza – Búzios (RJ)

“Eu faria tudo novamente, mas de forma diferente. Talvez com foco na educação perinatal, no coletivo, e posteriormente marcaria encontros individuais para tratar de temas pontuais. Assim poderia atingir um número maior de mulheres em diferentes períodos gestacionais e envolver mais doulas”, avalia, ainda mais experiente e amadurecendo ideias.

QUER IMPULSIONAR A CULTURA DE DOAÇÃO?

Doe para o Fundo Baobá para Equidade Racial
Junte-se a nós.
DOE AGORA