Edital Primeira Infância valorizou a experiência de profissionais que atuam em áreas estratégicas

A bacharel em psicologia Alessandra Danielly Cruz tem 25 anos, mas já adquiriu bastante experiência de vida atuando como técnica social de um Centro de Referência da Assistência Social, na região de Orobó, em Pernambuco; vendo de perto a precariedade dos serviços voltados para as famílias e para a primeira infância nos territórios quilombolas. No exercício da profissão uma coisa sempre a incomodou bastante: os casos de violência doméstica, que aliás aumentaram em muitos lares durante a pandemia e as medidas de confinamento, quando as mulheres passaram a ficar mais tempo em contato com potenciais agressores. 

Projeto da Alessandra Danielly Cruz das comunidades Quilombolas Águas do Velho Chico (PE)

 “Essa violência ainda é vista de forma naturalizada, como algo que ‘a mulher procurou”, pois não existem ações governamentais efetivas voltadas para o tema dentro do território. Entendo a importância do ambiente saudável para a formação de uma criança saudável, então quis levar até as famílias cadastradas algum conhecimento acerca das violências existentes no seio familiar e suas consequências para o desenvolvimento infantil”.

O Fundo Baobá, através do Edital Primeira Infância no Contexto da Covid-19, incentivou Alessandra na missão. O período para o cadastramento coincidiu com as últimas eleições municipais, o que atrapalhou um pouco o contato com as famílias que vivem nas comunidades Quilombolas Águas do Velho Chico. Mesmo assim chegou até 25 mães e 25 crianças de 0 a 6 anos.

Projeto da Alessandra Danielly Cruz das comunidades Quilombolas Águas do Velho Chico (PE)

 

“Houve a oferta de escutas psicológicas, com o intuito de trabalhar a saúde mental das mães. Elas apresentaram seus medos diante da pandemia, os desgastes físicos e mentais, a mudança na rotina, entre outras questões”, conta.

As escutas aconteceram por meio de videochamadas. E à distância também foram propostas atividades infantis, relacionadas ao desenvolvimento físico-motor, cognitivo e emocional. Alessandra gravou vários vídeos explicando o que é primeira infância, a importância na estimulação e as características de cada faixa etária. Na sequência encaminhava algumas práticas para os pais aplicarem com os filho, fortalecendo assim os vínculos familiares. Alessandra diz que receptividade foi muito boa:

“Eu recebi muitos agradecimentos pela iniciativa. As mães relataram anseios no que se refere à formação dos filhos, o medo de não estarem atuando de forma satisfatória para o desenvolvimento deles. O projeto me fez perceber o quanto a minha comunidade é carente de informação e de serviços, e enxergar como, enquanto profissional e pertencente ao local, eu posso fazer mais pelo meu povo”.

Alguns dos trabalhos de apoio à primeira infância, feito pela Alessandra Danielly Cruz das comunidades Quilombolas Águas do Velho Chico (PE)

Desde o início das medidas de isolamento social, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) tem percebido mês a mês redução de uma série de crimes contra as mulheres em diversos estados. Sinal, segundo o próprio FBSP, de que as vítimas estão encontrando mais dificuldades em denunciar as violências sofridas. 

No município de Centro Novo do Maranhão, a assistente social Bruna Rafaelly Cavalcanti da Cruz, 36, percebeu essa tendência no dia a dia profissional. 

“Passamos a receber mais relatos de violência doméstica, porém através de terceiros. Não por quem sofreu a agressão”, comenta Bruna, lembrando ainda que a cidade tem muitas famílias em situação de vulnerabilidade social, o que favorece o cenário da violência doméstica.

Projeto da Bruna Rafaelly Cavalcanti da Cruz – Centro Novo do Maranhão (MA)

Era preciso agir e a doação emergencial do Baobá chegou na hora certa para aproximadamente 150 pessoas de 20 famílias, que receberam visitas domiciliares cercadas de cuidados:

“Contei com uma psicóloga e uma nutricionista na equipe. Dividimos a execução do projeto em duas etapas na primeira realizamos um trabalho socioeducativo voltado para a prevenção e combate da COVID 19, e assuntos relacionados aos impactos da epidemia da doença. A segunda etapa constou da realização de oficinas de teatro de fantoches, de casa em casa, com as famílias e entrega de lanches. Nessa fase conseguimos nos mobilizar e adquirimos parcerias para a aquisição de cestas básicas. As atividades presencial nos permitiram entender o real contexto em que as famílias estão vivendo, favoreceu a escuta e os diálogos.”

Projeto da Bruna Rafaelly Cavalcanti da Cruz – Centro Novo do Maranhão (MA) 

Ao lançar o edital, em parceria com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Porticus América Latina e Imaginable Futures, o Fundo Baobá definiu que os candidatos deveriam ter formação e prática nas áreas de saúde, educação ou assistência social. Havia a certeza de que a experiência profissional seria um fator agregador de resultados. Assim como Alessandra e Bruna, o histórico da psicóloga Marcy Maria Ferreira Gomes, 53, confirma isso.

“Trabalho desde 2008 na favela da Mangueirinha, na área da Primeira Infância. Depois de tantos anos atendendo famílias com casos de violência intrafamiliar, não há outra conclusão senão a de que a referida violência está intimamente ligada à violência e ao racismo estrutural que essa população sofre desde o início de sua vida”, desabafa, certa de que a negligência do Estado e da sociedade leva à violação de direitos fundamentais, como educação, saúde, trabalho e lazer, e afeta a qualidade das relações intrafamiliares e suscitando violências intrafamiliares. 

 

“O desenvolvimento pleno de uma criança depende uma família fortalecida, a qual só é possível com uma comunidade igualmente forte. A incidência da pandemia aprofundou as vulnerabilidades sofridas por essas famílias, o que significa que a proteção à criança ficaria ainda mais fragilizada. Vi no edital um meio de somar esforços na proteção das crianças de 0 a 6 nos da Mangueirinha, através de oficinas virtuais para mães e filhos, promovendo o fortalecimento desse vínculo como forma de prevenção à violência intrafamiliar.”

Com o apoio da Associação Brasileira Terra dos Homens, ela iniciou as atividades promovendo uma roda de conversa presencial para a formação de cinco agentes de proteção comunitários, todos moradores da favela e capazes de apoiar as famílias no tema da primeira infância. 

“Essa atividade seguiu todos os protocolos de segurança, sendo desempenhada em lugar aberto, com uso de máscaras, álcool em gel e distanciamento de dois metros.

Projeto da Marcy Maria Ferreira Gomes – Favela da Mangueirinha (RJ)

Na ocasião, os agentes entraram em contato com suas vivências em sua própria infância. Depois desenvolvemos juntos o planejamento e o cronograma de oficinas virtuais para as famílias”, esclarece.

“A oficineira responsável, que compõe o grupo de agentes comunitários, gravou os vídeos com o passo a passo das oficinas e enviou para o grupo de Whatsapp das famílias, para que desenvolvessem as propostas com os filhos. Importante salientar que a escolha de uma liderança local para a execução das oficinas foi proposital, a fim de aumentar identificação por parte dos participantes e o engajamento nas atividades. As famílias receberam material complementar e após as oficinas, postavam no grupo o resultado alcançado”.

Nesse ritmo ocorreram oficinas do brincar, de montagem de álbuns de família e de construção de brinquedos. Momentos de criatividade, concentração e diálogo.

Projeto da Marcy Maria Ferreira Gomes – Favela da Mangueirinha (RJ)

 “As oficinas tiveram como escopo a aproximação e o fortalecimento dos vínculos da família, mãe e filhos, como também o estímulo de suas competências individuais, a valorização da importância do brincar para as crianças e a redução do estresse ocasionado pelo momento da pandemia, prevenindo, portanto, violências intrafamiliares.”

O projeto promoveu ainda suporte terapêutico e rodas de conversas virtuais com temas relacionados à prevenção e cuidados com a Covid-19, gestação, cuidados na primeira infância e nas relações intrafamiliares, beneficiando ao todo 40 famílias e 70 crianças.

Projeto da Marcy Maria Ferreira Gomes – Favela da Mangueirinha (RJ)

Será que a dedicação da equipe valeu a pena? Marcy Maria responde com o relato de uma mãe atendida pelo projeto – responsável por seis filhos: 

“A montagem da árvore de Natal com eles foi um momento que aproximou muito. Deu um sentido em viver em família. Eu nunca montei uma árvore com eles. Sempre trabalho fazendo faxina nessa época e não dá tempo para organizar o Natal na minha casa. Mas devido à pandemia eu fiquei em casa esse ano e foi muito bom. As oficinas com os filhos diminuíram a agitação e as brigas entre os irmãos.”  (J.S, 32 anos).

https://www.youtube.com/watch?v=QCLbgBIFrqE&feature=youtu.be

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