Por Eliane de Santos
Reunir esforços para encorajar uma parcela vulnerável da população quando ela mais precisa: em tempo de pandemia e de recomendações oficiais para o isolamento social. Neste momento novo e difícil para todos, o Fundo Baobá para Equidade Racial -em parceria com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, a Porticus América Latina e a Imaginable Futures- lançou um desafio: o Edital para Primeira Infância no Contexto da Covid-19.
Os requerimentos foram recebidos entre os dias 6 e 26 de junho, mês em que, de acordo com a Universidade Johns Hopkins (EUA), o Brasil já somava o segundo maior número de mortes por Covid-19 (58 mil), atrás dos Estados Unidos (126 mil).
Ao todo foram selecionadas iniciativas de 54 profissionais com formação superior e experiência nas áreas de educação, saúde e assistência social. Brasileiros dos quatro cantos do país igualmente ameaçados pelo novo coronavírus, porém dispostos a (de maneira segura) fazer diferença nas vidas de crianças de até seis anos ou mesmo de famílias inteiras.
Na zona rural de Feira de Santana, na Bahia, por exemplo, Daiane Pereira, de 35 anos, encontrou no edital a possibilidade de oferecer suporte pedagógico e de fortalecer o vínculo entre crianças, pais ou responsáveis, moradores do Quilombo Candeal II.
“A escola da comunidade fechou por causa da pandemia e nenhum suporte foi providenciado pelo poder público. Não houve ensino remoto, acompanhamento pedagógico, nem entrega de atividades. Absolutamente nada foi feito entre os meses de março e setembro. Percebi que as famílias estavam perdidas”, conta Daiane.
Graduada em Letras, especialista em estudos literários e mestre em cultura, memória e desenvolvimento regional, ela apostou nas palavras e plantou o projeto Cultivando Sonhos, a fim de resgatar a dignidade de 15 famílias nas quais estão 25 crianças com idades de 3 a 6 anos.
“Nossos monitores passavam pelas casas para entregar e recolher as ‘sacolas do saber’, com os livros de literatura que também tratavam de representatividade negra. Cada família ficava com a sacola por uma semana, para que tivessem momentos de leitura com seus pequenos e de forma que toda bibliografia do projeto circulasse na comunidade. Além disso, tivemos os ‘padrinhos literários’, voluntários que acompanhavam as famílias virtualmente, auxiliando nos momentos de leitura. A nossa orientadora pedagógica gravou histórias, elaborou os roteiros de leitura, sugeriu atividades e brincadeiras.”
Saiba mais sobre o projeto no Facebook e Instagram.
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Também na Bahia, no município de São Francisco do Conde, Layla Carvalho, 37, e Mighian Danae Ferreira, 40, encontraram no edital a saída para aprimorar o projeto social Facul das Crias, que ambas já desenvolviam dentro da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Seu propósito é dar mais visibilidade à infância, maternidade e paternidade negras nos espaços institucionais.
“Os recursos recebidos pelo Fundo Baobá nos permitiram aprofundar algumas ações e reflexões durante a pandemia. Nosso objetivo era acolher crianças, puérperas, mães e pais com ações voltadas para a formação de meninos e meninas, além de conversas sobre preocupações que envolviam a comunidade”, diz Layla.
Uma dessas preocupações estava relacionada à garantia do alimento durante a pandemia, quando a falta de trabalho, a queda da renda familiar e o aumento do preço dos alimentos se agravaram. Vale lembrar que a Bahia registrou o maior índice de desocupação (20,7%) entre os estados do país no terceiro trimestre de 2020, quando, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Brasil tinha 14, 1 milhões de pessoas sem empregos formais.
Foi nesse cenário que Layla, cientista política, e Mighian, pedagoga, envolveram 47 adultos e 26 crianças em atividades como a oferta de crédito de R$ 60 para a compra de frutas, verduras e legumes com um feirante local; a edição de um livro de receitas contemplando o uso desses ingredientes, e ainda a produção e compra de fraldas reutilizáveis e ecológicas. Medidas simples, porém transformadoras.
“Buscaremos mais recursos também para viabilizar nossas ações no período pós-pandêmico, a fim de garantir um espaço para a formação complementar das crianças de São Francisco do Conde”, planeja Layla.
A mais de 800 Km dali, em Olinda, na região metropolitana do Recife (PE), a parceria chegou através de dois encontros semanais com duração de uma hora cada; máscaras e álcool em gel disponíveis para os convidados. Instantes de acolhimento emocional e aprendizado para 12 mães e 15 crianças do bairro Rio Doce, num espaço onde era possível exercitar a criatividade e fortalecer vínculos.
“Dividimos os convidados em três grupos. Para as mães oferecemos oficina de confecção de brinquedos com feltro e recursos terapêuticos visando o aprendizado de um ofício, a troca de experiências e o empoderamento feminino. Também promovemos orientações sobre a primeira infância. Já para as crianças foram oferecidos o brincar e o interagir”, conta Jaqueline Leite Serafim, 47 anos, responsável pelo projeto.
“Sou pedagoga e estudiosa da Neuroeducação. Aprendi que estímulos na fase da primeira infância são importantes para a formação do adulto. Podemos aproveitar essa janela de oportunidade aberta pelo edital para impulsionar o desenvolvimento da criança e gerar impactos no destino dela”.
O maior desafio neste projeto foi vencer o distanciamento: “Duas pessoas contraíram a Covid. Para não deixá-las sem a assistência, nós preparamos e entregamos em suas casas um kit com o material necessário e orientações para a costura dos brinquedos. Fizemos contato por chamadas de vídeo no WhatsApp para mais instruções e acompanhamento das crianças. Não desistimos”, orgulha-se Jaqueline.
“Vamos continuar com o projeto, dando assistência às mães, orientando sobre como empreender e cuidar das suas crianças na fase da primeira infância. Queremos que as participantes das primeiras oficinas sejam mediadoras nas próximas, gerando renda e melhorando a autoestima.”
Todas as ações que apresentamos aqui são inspiradoras e deixaram lições para as próprias idealizadoras. A Daiane, lá de Feira de Santana, se emociona ao falar dos resultados:
“Foi gratificante ouvir os relatos dos pais e das crianças. Depoimentos como o de Mirela, de 4 anos, me dizendo que a princesa do livro é como ela, isto é, negra com cabelo crespo; ou ainda ver a emoção de outra menina, chamada Julia, ao descobrir um livro cujo título leva o seu nome e com o qual passou a se identificar. Os pais dizem que o projeto deveria ter acontecido antes e que não poderia terminar”, comemora.
Siga o Fundo Baobá e surpreenda-se com as outras inciativas contempladas no Edital Primeira Infância. Descubra o tanto de amor e empatia que o ser humano é capaz de promover!