Em meio aos ataques racistas feitos pelo brasileiro Nelson Piquet ao piloto Lewis Hamilton, primeira lei antirracista brasileira completa 71 anos
Por Wagner Prado
Em 28 de junho, o mundo ficou surpreso após ser divulgado o áudio de uma entrevista do três vezes campeão de Fórmula 1, o brasileiro Nelson Piquet, chamando o sete vezes campeão do mesmo esporte, o britânico Lewis Hamilton, de neguinho. A divulgação do áudio ocorreu às vésperas do Dia Nacional Contra o Racismo, que no Brasil é comemorado em 3 de julho.
O ato racista de Piquet, esportista que marcou sua trajetória pelos impropérios que sempre saíram de sua boca, foi condenado por grande parte da sociedade brasileira e mundial e já rendeu uma denúncia ao Ministério Público do Distrito Federal, que poderá resultar em processo criminal com pena prevista de um a três anos de detenção. O crime é o de Injúria Racial. Tanto o racismo quanto a injúria racial são caracterizados como uma maneira de discriminar as pessoas com base em questões raciais ou cor da pele.
Piquet chamou Lewis Hamilton de neguinho, pelo menos quatro vezes, ao analisar um lance do Grande Prêmio de Silverstone, na Inglaterra, em 2021, em que Hamilton não permite ser ultrapassado pelo belgo-holandês Max Verstappen, da equipe Red Bull. Verstappen é namorado de Kelly Piquet, filha de Nelson.
O Dia Nacional Contra o Racismo foi instituído em 3 de julho de 1951. Naquela data, o então presidente Getulio Vargas (1882/1954) assinou a Lei 1390/51, de autoria do deputado Afonso Arinos de Melo Franco (1905/1990), que condenava a discriminação racial no Brasil. A lei ficou popularmente conhecida como Lei Afonso Arinos. Em seu texto, ela determinava o seguinte: “Constitui contravenção penal, punida nos termos desta Lei, a recusa, por parte de estabelecimento comercial ou de ensino de qualquer natureza, de hospedar, servir, atender ou receber cliente, comprador ou aluno, por preconceito de raça ou de cor.”
Em 1989, após a promulgação da Nova Constituição do Brasil, ocorrida em 1988, é instituída a Lei CAÓ, a Lei 7716, de 5 de janeiro de 1989, que amplia para crime as ações resultantes de preconceito de raça ou de cor. A lei ficou conhecida como Lei CAÓ, apelido do então deputado federal, advogado e jornalista Carlos Alberto Oliveira. Já em 13 de maio de 1997, a Lei 9.459 faz alterações na lei de 1989, estendendo também a lei para a punição a crimes de preconceito por etnia, religião ou procedência nacional, que é a ofensa a alguém que vem de outro país e seu gentílico (italiano, japonês, sudanês, por exemplo) é usado de forma pejorativa e/ou ofensiva.
A professora Ynaê Lopes dos Santos, doutora em História Social e pesquisadora, autora do livro “Racismo brasileiro: uma história da formação do país”, em entrevista à rádio CBN-SP deu sua visão sobre o que é o racismo. “O racismo é um sistema de poder. Quem paga o ônus desse sistema são as pessoas não brancas: negros e indígenas. O racismo é um problema da sociedade brasileira e, para desconstruí-lo é necessário que as pessoas brancas tomem consciência dessa sistematização do racismo em suas próprias vidas. Elas têm que tomar consciência de que têm o usufruto dos privilégios do racismo, mesmo que elas não tenham clareza sobre isso. A Educação é a principal forma de transformar essa nossa condição profundamente racista.”
A professora Ynaê fala em desconstrução. O primeiro alvo dessa desconstrução seria a queda de estereótipos que reforçam, de maneira infeliz, a representação social negativa sobre as pessoas pretas. Ações educativas antirracistas têm que ser adotadas de formas mais efetivas. E aqui não se está falando apenas em ações que possam ser implementadas exclusivamente no ambiente educacional-escolar-formativo. A análise é sobre o cotidiano formativo de qualquer pessoa. O volume de (des)informação recebido pelas pessoas reforça preconceitos, reitera estigmas, influencia atitudes e comportamentos discriminatórios, pois molda sua (des)educação para muito além do que é passado nos bancos escolares.