Edital Quilombolas em Defesa: Fundo Baobá investe em organizações comunitárias e em seus projetos 

Por Wagner Prado

Há 14 meses, o Fundo Baobá para Equidade Racial, em parceria com a Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) e apoio financeiro da IAF (Inter-American Foundation) abria as inscrições para o edital Quilombolas em Defesa: Vidas Direitos e Justiça. O Brasil vivia a pandemia da Covid 19 e o Quilombolas em Defesa destinava recursos diretamente para comunidades quilombolas e povos indígenas em situação de vulnerabilidade. 

O Quilombolas em Defesa faz parte das ações da Aliança Entre Fundos por Justiça Racial, Social e Ambiental. A Aliança é uma iniciativa de filantropia colaborativa entre o Fundo Baobá, o Fundo Brasil de Direitos Humanos e o Fundo Casa Socioambiental. As três organizações fazem parte da Rede Comuá

Pela primeira vez o Brasil realiza um Censo Quilombola. Entre 1 de agosto e 29 de agosto, o IBGE já havia recenseado 386.750 pessoas de origem quilombola. De acordo com o órgão, a população quilombola está distribuída em cerca de 6 mil comunidades espalhadas pelo país. A coleta de dados do Censo foi prorrogada para dezembro. Em princípio, iria até 31 de outubro. Os estados com maior contingente populacional quilombola, até agosto, eram Bahia (116.437), Maranhão (77.683) e Pará (42.439). 

Dos 34 projetos apoiados, pinçamos dados apresentados em relatório narrativo elaborado por três organizações. São elas:  Associação Comunitária Quilombola dos Agricultores Familiar de Patos II, da cidade de Campo Formoso, na Bahia, que tem o projeto Quintais Produtivos: Fortalecimento de Iniciativas Agroecológicas Realizadas por Jovens e Mulheres. Sua líder é Aliete Alves da Gama. A segunda coleta foi com a  Associação de Remanescentes de Quilombolas da Praia de Sabauma, em Tibau do Sul, no Rio Grande do Norte.  Firmino Gomes de Castro Neto é quem responde pela coordenação do projeto Raízes Ancestrais do Sabor e Saber: Cultivando Alimentos Ecológicos e Biodiversos. A Comunidade Kilombola Morada da Paz Território de Mãe Preta (CoMPaz),  cujo responsável é  Baoga Babá Kinni, seu conselheiro gestor, foi a terceira. O projeto é o  Kanzuá Comida Sagrada no Território da Mãe Preta. A economia quilombola está bem centrada na produção agrícola, que é feita visando alimentar de forma interna (comunidade) e externa (venda para a arrecadação de fundos). 

É possível descrever alguma influência do apoio recebido por meio desse edital nas ações que a Associação realiza? 

Associação Comunitária Quilombola dos Agricultores Familiar de Patos III (Aliete Alves da Gama) – Ocorreu a ampliação da relação de confiança entre a direção e os associados por conta da transparência do serviço prestado. Credibilidade nos trabalhos prestados pela comunidade, fortalecimento da associação e melhoria na comunicação, principalmente após a compra de um notebook, o que tem facilitado a comunicação interna e a divulgação para fora das ações da associação. 

Associação de Remanescentes de Quilombolas da Praia de Sabauma (Firmino Gomes de Castro Neto) – Houve uma maior sensibilização para a questão da segurança alimentar entre os membros da equipe interna e também a comunidade. Também ocorreu o aprendizado no sentido do planejamento, da gestão desse planejamento, prestação de contas e documentação. Documentamos cada etapa do que foi feito. Passamos a entender melhor a questão de contratação legal de serviços e também de profissionais externos (prestadores de serviços). O projeto passou a mobilizar interesses para o plantio agroecológico, o que gerou a ativação de espaços coletivos anteriormente em desuso. 

Comunidade Kilombola Morada da Paz Território de Mãe Preta (Baoga Babá Kinni) – CoMPaz (RS) – Consideramos que o apoio recebido nos potencializou na nossa organização interna, nos auxiliando na escrita de novos projetos e na escrita dos relatórios de prestação de contas. Hoje nos sentimos muito mais empoderados para nos candidatarmos ao recebimento de recursos. Estamos potencializando o empreendedorismo sócio-comunitário na CoMPaz com as oficinas e feiras que estamos desenvolvendo. Neste sentido, o apoio que tivemos e estamos tendo do Fundo Baobá tem sido muito significativo. 

Para garantir que os resultados do projeto fossem alcançados, que desafios vocês tiveram que superar? 

Associação Comunitária Quilombola dos Agricultores Familiar de Patos III (Aliete Alves da Gama) –   Tínhamos poucos recursos financeiros. A estratégia para superar isso foi utilizar mão de obra familiar e aproveitamento de materiais disponíveis na comunidade. A questão do transporte para a coordenação fazer a mobilização das famílias no território foi difícil de solucionar, mas conseguimos isso com a potencialização do veículo utilizado pelo projeto. Outro fator vencido foi o da distância de entrega dos produtos e equipamentos pelos fornecedores. O trajeto da loja até a comunidade. A estratégia foi considerar o frete no valor global da  licitação.

Associação de Remanescentes de Quilombolas da Praia de Sabauma (Firmino Gomes de Castro Neto) –  Tivemos insuficiência de recursos humanos qualificados para cumprir etapas burocráticas. Mas nossa equipe passou a dedicar mais tempo para o aprendizado e para para cumprir as tarefas existentes. A reabertura do processo de titulação de terra quilombola por parte do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) causou uma ruptura entre os membros da associação e a comunidade. Isso fez com que decidíssemos nos manter afastados dessa questão e optamos por colocar nosso foco na temática da segurança alimentar e nutricional. 

Comunidade Kilombola Morada da Paz Território de Mãe Preta (Baoga Babá Kinni) – Tivemos excesso de chuvas no período de inverno. Fizemos uma necessária reprogramação das atividades. Houve dificuldades para conseguir mudas e sementes de qualidade próximo ao nosso território. A solução foi vencer a distância de 50km e buscar essas mudas e sementes em Porto Alegre. 

O edital ofereceu algumas atividades de formação. Como esses conhecimentos  estão sendo postos em prática? 

Associação Comunitária Quilombola dos Agricultores Familiar de Patos III (Aliete Alves da Gama) –  Sim, porque conseguimos ampliar e potencializar os sistemas produtivos já integrados, já existentes no quilombo com a aquisição de materiais para o melhoramento das estruturas de hortifruticultura e avicultura das famílias.  Compramos 9 telas de galinheiro, arame e estacas para esticar as telas. Isso contemplou 9 famílias da comunidade. Compramos 90 saquinhos de sementes diversificadas (coentro, alface, cebolinha, rúcula) e 135 mudas de goiaba, manga, laranja, pinha e acerola. Realizamos  roda de aprendizado sobre Soberanias e Segurança  Alimentar e Nutricional. Houve o comparecimento de 13 pessoas. Compramos 18 sacas de milho,  que serviram de ração para as galinhas de 9 pessoas beneficiadas pelo projeto. Fizemos uma oficina teórico-prática sobre manejo sanitário e alimentação alternativa de aves. A oficina foi ministrada por técnico agrícola e alcançou 12 pessoas. Por fim, efetuamos a compra de notebook que vai facilitar a comunicação, a participação do grupo em eventos virtuais, além de servir como ferramenta de arquivamento dos arquivos digitais da associação. 

Associação de Remanescentes de Quilombolas da Praia de Sabauma (Firmino Gomes de Castro Neto) – Sim. Estamos em fase de execução do objetivo específico, que é estruturar cultivos de alimentos da cultura quilombola (raízes, macaxeira, batata doce, inhame) através do incentivo de práticas tradicionais agroecológicas e modelos comunitários. Estamos realizando reuniões para apresentar o projeto para colaboradores e instituições. Fazendo visita técnica aos produtores, além do cadastramento dos mesmos e relatórios de campo.  As visitas técnicas têm apoio da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte e do IFRN (Instituto Federal Rio Grande do Norte) para levantar dados para projeto de compostagem e gestão de resíduos sólidos que gerem insumos agrícolas e sejam utilizados no plantio. Também estamos mais tecnológicos, com a compra de equipamentos eletrônicos, compra de cadeiras e mesas e instalação de rede de acesso à internet. 

Comunidade Kilombola Morada da Paz Território de Mãe Preta (Baoga Babá Kinni) –  Na medida em que o projeto avança, estamos nos sentindo melhor para potencializar o cultivo de ervas fitoterápicas e a articulação da produção de verduras e legumes agroecológicos. Realizamos um curso de construção de estufa, de 26 a 30/09,  para fortalecer o cultivo agroecológico. Tivemos o comparecimento de 12 pessoas. Fizemos uma feira na Morada Portal, em Porto Alegre. Foram levados produtos da CoMPaz, como fluidos, pomadas e  sabonetes. Público alcançado foi de 35 pessoas., Também fizemos uma feira no Terreiro de Chão Batido da CoMPaz, que teve público de 40 pessoas. Os produtos comercializados foram todos produzidos pela CoMPaz. Temos tido boa receptividade do público, boa articulação da liderança da comunidade, o trabalho vem sendo feito com muita unidade, com  planejamento estratégico e grande cooperação das nossas redes de apoio.

O Edital

As propostas selecionadas pelo edital Quilombolas em Defesa: Vidas, Direitos e Justiça tinham que estar alicerçadas em um dos três eixos temáticos estabelecidos. 1) Recuperação e Sustentabilidade Econômica nas Comunidades Quilombolas; 2) Promoção da Soberania e Segurança Alimentar nas Comunidades Quilombolas e 3) Resiliência Comunitária e Defesa dos Direitos Quilombolas.  O Eixo Temático 1 prioriza iniciativas de aquisição de equipamentos e mercadorias, além da produção e comercialização de produtos quilombolas; o incentivo à criação de metodologias coletivas de planejamento, além da gestão de compras e vendas e a geração de empregos. No Eixo 2, organizações com foco no fortalecimento da cultura e tradição na produção de alimentos; agricultura de subsistência; segurança alimentar por intermédio de novos arranjos entre campo e cidade; fortalecimento da perspectiva agroecológica quilombola e agroecologia a partir da perspectiva quilombola. O Eixo 3 visa o fortalecimento de ações solidárias que contemplem necessidades das comunidades quilombolas , frente ao problemas advindo da Covid-19; fortalecimento de soluções criativas em torno da mobilização de recursos financeiros, técnicos e humanos para promover transformações na comunidade e uso da tecnologia para mobilizar e engajar quilombolas na busca por seus direitos. 

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