Filantropia negra deve se mobilizar no sentido de exercer a doação, visando promover projetos que trabalhem a equidade racial e a justiça social para a população negra
Por Wagner Prado
O dia 30 de novembro de 2021 é considerado uma marca histórica para o Fundo Baobá para Equidade Racial. No ano em que completou 10 anos de atividades, o Baobá, único fundo dedicado, exclusivamente, para a promoção da equidade racial para a população negra no Brasil, lançou o seu Círculo de Doação. E por que a marca é histórica? O Fundo Baobá é uma organização comandada por pessoas negras e engajadas nas questões relativas ao povo preto brasileiro. O Círculo de Doação criado pelo Baoba é o primeiro no país e o único que conta com negros na liderança.
O Baobá está plantando uma semente para que a filantropia negra se eleve e se fortaleça no Brasil. A missão do Fundo Baobá é prover recursos financeiros, que propiciem apoio para que programas, projetos, iniciativas de organizações, grupos e coletivos negros ou pelo próprio Baobá sejam implementados. De 2014 a 2021, o Baobá investiu cerca de R$ 15 milhões em 833 iniciativas negras, incluindo apoio emergencial no contexto da pandemia da COVID-19. Indiretamente, impactou mais de meio milhão de vidas em todo o território nacional.
➜ Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco – objetiva fazer com que coletivas e grupos de mulheres negras sejam fortalecidos em todas as suas capacidades, além de desenvolver as potencialidades para fortalecer a liderança de mulheres negras. Os parceiros apoiadores são Ford Foundation, Instituto Ibirapitanga, Kellogg Foundation e Open Society Foundation.
➜ Programa Já É: Educação e Equidade Racial – objetiva fornecer bolsas de estudo em cursinho preparatório para o vestibular. O programa também oferece orientação vocacional e suporte suporte psicossocial, vale transporte, refeição e internet, para jovens negros, com idade entre 17 e 25 anos, residentes no município de São Paulo ou na Grande São Paulo. A trajetória escolar desses estudantes tem que ter sido feita em escola pública. No primeiro ano de apoio, os parceiros foram Citi Foundation, Demarest Advogados e Amadi Technology.
➜ Vidas Negras, Dignidade e Justiça – destina-se a apoiar iniciativas de organizações, movimentos sociais, coletivos negros que busquem desenvolver ações práticas para o enfrentamento ao racismo, à violência sistêmica e às injustiças criminais no Brasil.
Os três exemplos de editais, lançados entre 2019 e 2021, dão ideia da importância de realizar o ato da doação para que um número incalculável de pessoas possa ser beneficiada por ações sociais responsáveis.
Objetivo do Círculo de Doação
O Programa Filantropia para Equidade Racial é uma iniciativa que visa promover os valores da filantropia para equidade racial e será baseado nos seguintes critérios: Consistência, Sustentabilidade, Coerência e Confiança. Serão convidados a fazer parte lideranças negras nacionais e internacionais, influentes em suas áreas de atuação. Elas serão responsáveis por liderar o primeiro Círculo de Doação para Equidade Racial no Brasil. Além disso, vão desempenhar papel fundamental para elevar o protagonismo de pessoas negras na filantropia brasileira. Caberá também a essas lideranças apoiar o Fundo Baobá na expansão do relacionamento e engajamento de doadores individuais em potenciais doações entre R$ 5 mil e R$ 50 mil, de acordo com o nível de engajamento. O objetivo será fazer crescer o impacto transformador do investimento em organizações negras atuantes em todo território brasileiro e que contribuam para o combate ao racismo. Serão realizados encontros periódicos com os doadores para:
– fortalecer a cultura de doação em prol do combate ao racismo,
– promover lideranças negras,
– inspirar novos doadores,
– compartilhar histórias e celebrar os resultados alcançados a partir das doações.
O Selo Filantropia pela Equidade Racial será disponibilizado para todas as lideranças negras que fizerem parte do Círculo de Doação.
Sinônimo de engajamento e de grande doador
Para a maioria das pessoas, o heptacampeão mundial de Fórmula 1 Lewis Hamilton é um piloto que já colocou seu nome na história. No final de 2021, ele recebeu do governo da Inglaterra o título de Sir, passando oficialmente a ser reconhecido como Cavaleiro da Ordem do Império Britânico, o que confere a ele um status de nobreza. Hamilton foi o oitavo esportista mais bem pago do mundo em 2021, segundo levantamento da revista Forbes, tendo alcançado a casa dos US$ 82 milhões em faturamento (quase R$ 425 milhões).
O ativismo político de Hamilton e sua condição de esportista milionário se juntam no sentido da co-responsabilidade social. O astro do esporte investe parte do que ganha em Educação. O objetivo de Lewis Hamilton é contribuir para que questões estruturais que impedem o acesso igualitário aos meios educacionais sejam erradicadas, principalmente no que diz respeito a alunos negros. “Qualquer jovem do planeta merece ter o mesmo direito de receber uma ótima educação. As famílias não devem considerar carreiras para seus filhos pensando: Bem, essa carreira não serve, porque não tem como mu filho entrar nesta área. Não tem ninguém que se parece com a gente nesta área. Então, a representatividade é uma conquista importante”, afirmou o heptacampeão em entrevista em novembro, quando disputou e venceu em São Paulo o GP Brasil.
Uma ideia que tem maior sentido se você fizer parte do elo
O tema continua sendo filantropia. Primeiro, porém, vamos recorrer à etimologia: estudo que define a origem e a evolução das palavras. Então, a origem de filantropia está na junção de duas palavras gregas. Filos, que significa amizade, amor, e Antropo, humanidade.
O amor pela humanidade pode ser exercido de várias formas. A reunião de pessoas visando o bem estar de outras é uma delas. E o privilégio dessa reunião não envolve unicamente gente de melhor poder aquisitivo. Quem não pode contribuir financeiramente pode fazê-lo de outras formas. A isso se dá o nome de doação.
A doação pode ser definida como uma das ferramentas de colaboração que aproveita pequenas, médias e grandes quantias oferecidas e são direcionadas para ações de cunho social. Mas não é apenas com dinheiro que se faz doação. Ela pode ocorrer também com horas de trabalho voluntário das mais diferentes formas.
Filantropia para Justiça Social e Equidade Racial
O modelo de desenvolvimento econômico que acabou se arraigando pelo mundo ao longo da história fez enfraquecer as pessoas individualmente. Aspectos como justiça, dignidade e igualdade foram esquecidos para que outros, de infinitamente menor valor, tomassem os seus lugares. A desigualdade em vários setores está fazendo com que as pessoas voltem a se unir buscando um fortalecimento comum. Elas estão, inclusive, procurando fugir do assistencialismo oficial, que dirige e destina uma ajuda, mas não tira as pessoas da vala comum. Isso está mudando.
As comunidades estão tomando ciência de seu poder de movimentação e articulação. Elas não querem mais receber verbas que são utilizadas para manter o status de quem já detém o poder e vê os vulneráveis, como eternamente beirando a exclusão. As massas também querem o poder.
O que a filantropia para justiça social e equidade racial pretende é fazer com que o poder volte a essas massas e chegue às massas negras. Por intermédio das doações todo um contingente de excluídos passará a ser valorizado e vai alcançar o bem-estar na educação, o bem-estar no trabalho, o bem-estar na saúde, o bem-estar na moradia. Acima de tudo, vai alcançar o respeito e passará a ser respeitado.
Histórico dos Círculos de Doação
Uma das formas elaborados por filantropos para juntar quantias que pudessem patrocinar o bem comum são os Círculos de Doação. A partir do início do Século 19 (1800 a 1899), a sociedade dos Estados Unidos passou a se movimentar em torno da formação de associações que visassem o bem social. O pai desse ideário foi o pensador e político francês Alexis Tocqueville (1805-1859). Para ele, a igualdade entre as pessoas era a principal característica da democracia e o desenvolvimento igualitário da sociedade seria um processo que não poderia ser detido.
O empresário e autor norte-americano Kevin Eikenberry definiu assim os Círculos de Doação: “Os círculos de doação são grupos voluntários que permitem aos indivíduos reunir seu dinheiro (e às vezes seu tempo como voluntários) para apoiar organizações de interesse mútuo. Eles também oferecem oportunidades de educação e engajamento entre os participantes sobre filantropia e mudança social, conectando-os a instituições de caridade, suas comunidades e uns aos outros”.
Quando Eikenberry fala em oportunidades de educação, isso remete diretamente à formação das Universidade e Instituições Comunitárias Historicamente Negras (Historically Black Colleges and Universities – HBCU), que passaram a ser formadas na segunda metade dos anos 1800 nos Estados Unidos. Elas foram instituídas para levar a população afro-americana ao ensino de nível superior. Hoje, são mais de 100, a maioria delas originárias a partir de Círculos de Doação.
Um fato que ilustra bem a ação dos Círculos de Doação e de filantropos ligados a eles ocorreu na Morehouse College (uma HBCU), em Atlanta (Geórgia), em 2020. O bilionário negro norte-americano Robert F. Smith, proprietário da Vista Equit Partnes, qua atua no ramo da tecnologia, militante da causa antirracista e cujo patrimônio pessoal ultrapassa os US$ 7 bilhões, esteve na formatura dos alunos da Morehouse. Lá, ele anunciou a doação de US$ 40 milhões para quitar as dívidas estudantis de todos os formandos.
Quadro brasileiro
Embora o mundo esteja sofrendo com a pandemia da Covid-19 há dois anos, alguns aspectos positivos devem ser ressaltados. A cultura de doação no Brasil cresceu nos últimos cinco anos, de acordo com pesquisa divulgada pelo Instituto do Desenvolvimento Social (IDIS). O impacto da pandemia, que obrigou, algumas pessoas a se recolher em seus lares acabou prejudicando principalmente aqueles que optam por doar trabalho e não finanças. De qualquer forma, a sociedade brasileira está mais consciente sobre o trabalho das instituições que buscam a filantropia para obter recursos e poder ativar seus projetos.
O Fundo Baobá para Equidade Racial, atuando há 10 anos buscando ampliar as oportunidades de desenvolvimento individual e coletivo para a população negra brasileira nas áreas de Educação, Trabalho, Emprego e Renda, Saúde, Acesso à Justiça, acredita que a sua contribuição é fundamental para que possamos transformar mentalidades e gerar oportunidades justas. Os investimentos feitos por meio de programas e projetos pelo Fundo Baobá, seus resultados e a forma de doar para que esta transformação social siga sendo realizada estão no site baoba.org.br