Fundo Baobá cria, no Brasil, o primeiro Círculo de Doação liderado por pessoas negras 

Filantropia negra deve se mobilizar no sentido de exercer a doação, visando promover projetos que trabalhem a equidade racial e a justiça social para a população negra

Por Wagner Prado 

O dia 30 de novembro de 2021 é considerado uma marca histórica para o Fundo Baobá para Equidade Racial. No ano em que completou 10 anos de atividades, o Baobá, único fundo dedicado, exclusivamente, para a promoção da equidade racial para a população negra no Brasil, lançou o seu Círculo de Doação. E por que a marca é histórica? O Fundo Baobá é uma organização comandada por pessoas negras e engajadas nas questões relativas ao povo preto brasileiro. O Círculo de Doação criado pelo Baoba é o primeiro no país e o único que conta com  negros na liderança. 

O Baobá está plantando uma semente para que a filantropia negra se eleve e se fortaleça no Brasil. A missão do Fundo Baobá é prover recursos financeiros, que propiciem apoio para que programas, projetos, iniciativas de organizações, grupos e coletivos negros ou pelo próprio Baobá sejam implementados. De 2014 a 2021, o Baobá investiu cerca de R$ 15 milhões em 833 iniciativas negras, incluindo apoio emergencial no contexto da pandemia da COVID-19. Indiretamente, impactou mais de meio milhão de vidas em todo o território nacional.

Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco –  objetiva fazer com que coletivas e grupos de mulheres negras sejam fortalecidos em todas as suas capacidades, além de desenvolver as potencialidades para fortalecer a liderança de mulheres negras. Os parceiros apoiadores são Ford Foundation,  Instituto Ibirapitanga, Kellogg Foundation e Open Society Foundation.  

Programa Já É: Educação e Equidade Racial – objetiva fornecer bolsas de estudo em cursinho preparatório para o vestibular. O programa também oferece orientação vocacional e suporte suporte psicossocial, vale transporte, refeição e internet, para jovens negros, com idade entre 17 e 25 anos, residentes no município de São Paulo ou na Grande São Paulo. A trajetória escolar desses estudantes tem que ter sido feita em escola pública. No primeiro ano de apoio, os parceiros foram Citi Foundation, Demarest Advogados e Amadi Technology.

Vidas Negras, Dignidade e Justiça –  destina-se a apoiar iniciativas de organizações, movimentos sociais, coletivos negros que busquem desenvolver ações práticas para o enfrentamento ao racismo, à violência sistêmica e às injustiças criminais no Brasil. 

Os três exemplos de editais, lançados entre 2019 e 2021, dão ideia da importância de realizar o ato da doação para que um número incalculável de pessoas possa ser beneficiada por ações sociais responsáveis. 

Objetivo do Círculo de Doação

O Programa Filantropia para Equidade Racial é uma iniciativa que visa promover os valores da filantropia para equidade racial e será baseado nos seguintes critérios: Consistência, Sustentabilidade,  Coerência e Confiança. Serão convidados a fazer parte lideranças negras nacionais e internacionais, influentes em suas áreas de atuação. Elas serão responsáveis por liderar o primeiro Círculo de Doação para Equidade Racial no Brasil. Além disso, vão desempenhar papel fundamental para elevar o protagonismo de pessoas negras na filantropia brasileira. Caberá também a essas lideranças apoiar o Fundo Baobá na expansão do relacionamento e engajamento de doadores individuais em potenciais doações  entre R$ 5 mil e R$ 50 mil,  de acordo com o nível de engajamento.  O objetivo será fazer crescer o impacto transformador do investimento em organizações negras atuantes em todo território brasileiro e que contribuam para o combate ao racismo. Serão realizados encontros periódicos com os doadores para:
fortalecer a cultura de doação em prol do combate ao racismo,
promover lideranças negras,
inspirar novos doadores,
compartilhar histórias e celebrar os resultados alcançados a partir das doações. 

O Selo Filantropia pela Equidade Racial será disponibilizado para todas as lideranças negras que fizerem parte do Círculo de Doação.

Sinônimo de engajamento e de grande doador

Para a maioria das pessoas, o heptacampeão mundial de Fórmula 1 Lewis Hamilton é um piloto que já colocou seu nome na história. No final de 2021, ele recebeu do governo da Inglaterra o título de Sir, passando oficialmente a ser reconhecido como Cavaleiro da Ordem do Império Britânico, o que confere a ele um status de nobreza. Hamilton foi o oitavo esportista mais bem pago do mundo em 2021, segundo levantamento da revista Forbes, tendo alcançado a casa dos US$ 82 milhões em faturamento (quase R$ 425 milhões). 

O ativismo político de Hamilton e sua condição de esportista milionário se juntam no sentido da co-responsabilidade social. O astro do esporte investe parte do que ganha em Educação. O objetivo de Lewis Hamilton é contribuir para que questões estruturais que impedem o acesso igualitário aos meios educacionais sejam erradicadas, principalmente no que diz respeito a alunos negros. “Qualquer jovem do planeta merece ter o mesmo direito de receber uma ótima educação. As famílias não devem considerar carreiras para seus filhos pensando: Bem, essa carreira não serve, porque não tem como mu filho entrar nesta área. Não tem ninguém que se parece com a gente nesta área. Então, a representatividade é uma conquista importante”, afirmou o heptacampeão em entrevista em novembro, quando disputou e venceu em São Paulo o GP Brasil.

Uma ideia que tem maior sentido se você fizer parte do elo 

O tema continua sendo filantropia. Primeiro, porém, vamos recorrer à etimologia: estudo que define a origem e a evolução das palavras. Então, a origem de filantropia está na junção de duas palavras gregas. Filos, que significa amizade, amor, e  Antropo, humanidade. 

O amor pela humanidade pode ser exercido de várias formas. A reunião de pessoas  visando o bem estar de outras é uma delas. E o privilégio dessa reunião não envolve unicamente gente de melhor poder aquisitivo. Quem não pode contribuir financeiramente pode fazê-lo  de outras formas. A isso se dá o nome de doação. 

A doação pode ser definida como uma das ferramentas de colaboração que aproveita pequenas, médias e grandes quantias oferecidas e são direcionadas para ações de cunho social. Mas não é apenas com dinheiro que se faz doação. Ela pode ocorrer também com horas de trabalho voluntário das mais diferentes formas. 

Filantropia para Justiça Social e Equidade Racial

O modelo de desenvolvimento econômico que acabou se arraigando pelo mundo ao longo da história fez  enfraquecer as pessoas individualmente. Aspectos como justiça, dignidade e igualdade foram esquecidos para que outros, de infinitamente menor  valor, tomassem os seus lugares. A desigualdade em vários setores está fazendo com que as pessoas voltem a se unir buscando um fortalecimento comum. Elas estão, inclusive, procurando fugir do assistencialismo oficial, que dirige e destina uma ajuda, mas não tira as pessoas da vala comum. Isso está mudando. 

As comunidades estão tomando ciência de seu poder de movimentação e articulação. Elas não querem mais receber verbas que são utilizadas para manter o status de quem já detém o poder e vê os vulneráveis, como eternamente beirando a exclusão. As massas também querem o poder. 

O que a filantropia para justiça social e equidade racial pretende é fazer com que o poder volte a essas massas e chegue às massas negras. Por intermédio das doações todo um contingente de excluídos passará a ser valorizado e vai alcançar o bem-estar na educação, o bem-estar no trabalho, o bem-estar na saúde, o bem-estar na moradia. Acima de tudo, vai alcançar o respeito e passará a ser respeitado. 

Histórico dos Círculos de Doação

Uma das formas elaborados por filantropos para juntar quantias que pudessem patrocinar o bem comum são os Círculos de Doação. A partir do início do Século 19 (1800 a 1899), a sociedade dos Estados Unidos passou a se movimentar em torno da formação de associações que visassem o bem social. O pai desse ideário foi o pensador e político francês Alexis Tocqueville (1805-1859). Para ele, a igualdade entre as pessoas era a principal característica da democracia e o desenvolvimento igualitário da sociedade seria um processo que não poderia ser detido.  

O empresário e autor norte-americano Kevin Eikenberry definiu assim os Círculos de Doação: “Os círculos de doação são grupos voluntários que permitem aos indivíduos reunir seu dinheiro (e às vezes seu tempo como voluntários) para apoiar organizações de interesse mútuo. Eles também oferecem oportunidades de educação e engajamento entre os participantes sobre filantropia e mudança social, conectando-os a instituições de caridade, suas comunidades e uns aos outros”. 

Quando Eikenberry fala em oportunidades de educação, isso remete diretamente à formação das Universidade e Instituições Comunitárias Historicamente Negras (Historically Black Colleges and Universities – HBCU), que passaram a ser formadas na segunda metade dos anos 1800 nos Estados Unidos. Elas foram instituídas para levar a população afro-americana ao ensino de nível superior. Hoje, são mais de 100, a maioria delas originárias a partir de Círculos de Doação. 

Um fato que ilustra bem a ação dos Círculos de Doação e de filantropos ligados a eles  ocorreu na Morehouse College (uma HBCU), em Atlanta (Geórgia), em 2020. O bilionário negro norte-americano Robert F. Smith, proprietário da Vista Equit Partnes, qua atua no ramo da tecnologia, militante da causa antirracista e cujo patrimônio pessoal ultrapassa os US$ 7 bilhões, esteve na formatura dos alunos da Morehouse. Lá, ele anunciou a doação de US$ 40 milhões para quitar as dívidas estudantis de todos os formandos.  

Quadro brasileiro

Embora o mundo esteja sofrendo com a pandemia da Covid-19 há dois anos, alguns aspectos positivos devem ser ressaltados. A cultura de doação no Brasil cresceu nos últimos cinco anos, de acordo com pesquisa divulgada pelo Instituto do Desenvolvimento Social (IDIS). O impacto da pandemia, que obrigou, algumas pessoas a se recolher em seus lares acabou prejudicando principalmente aqueles que optam por doar trabalho e não finanças. De qualquer forma, a sociedade brasileira está mais consciente sobre o trabalho das instituições que buscam a filantropia para obter recursos e poder ativar seus projetos.   

O Fundo Baobá para Equidade Racial, atuando há 10 anos buscando ampliar as  oportunidades de desenvolvimento individual e coletivo para a população negra brasileira nas áreas de Educação, Trabalho, Emprego e Renda, Saúde, Acesso à Justiça,  acredita que a sua contribuição é fundamental para que possamos transformar mentalidades e gerar oportunidades justas. Os investimentos feitos por meio de programas e projetos pelo Fundo Baobá, seus resultados  e a forma de doar para que esta transformação social siga sendo realizada estão no site baoba.org.br

Baobá na imprensa em Janeiro

imprensa

Por Ingrid Ferreira

O mês de janeiro foi marcado pelo grande número de matérias sobre o edital gastronômico Negros, Negócios e Alimentação, exclusivo para a região metropolitana de Recife.

O edital foi lançado pelo Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a General Mills no dia 18 de novembro de 2021. Tem como intuito beneficiar  empreendedores e empreendedoras selecionados com um aporte financeiro de R$ 30.000 (trinta mil reais), além de assessoria e suporte técnico na realização de seus projetos.

Veículos de comunicação como o Farofa Magazine, Revista Menu, UOL e Tudo do Bem publicaram matérias dando destaque ao aporte financeiro de R$ 30.000, que os donatários receberão ao longo do processo de conclusão de seus projetos. 

Enquanto isso,  Diário de Pernambuco,  Revista Raça, portal Terra, Notícia Preta, Trace, Alma Preta, Folha de Pernambuco, Geledés, Giro MT Notícias, Segs, Observatório 3º Setor, Rede Filantropia, Ceert, o Twitter da Agência Retruco e o site Reflexões do dia falaram sobre  a prorrogação do prazo de inscrição para o BNegros, Negócios e Alimentação, que ocorreu em janeiro. A prorrogação do prazo de inscrição deu possibilidade para que mais empreendedores do ramo da gastronomia participassem do edital.

Nos últimos dias do período de inscrição, houve uma mobilização da equipe interna do Fundo Baobá, que saiu de São Paulo com destino a Recife (respeitando todas as normas sanitárias vigentes), para conversar com os interessados em inscrever-se no edital. A equipe do Baobá apoiou e passou todas as informações. O  Twitter de Eduarda Nunes teve postagem sobre isso.

Além disso, uma das principais regras do edital também foi alterada ao final do processo. Anteriormente era obrigatório possuir CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) ativo desde 2019. Com a nova regra, as pessoas interessadas não mais precisariam ter o cadastro. Isso ampliou a possiblidade de participação de um grupo maior de pessoas, e o Blog Edgard Homem noticiou a informação, além do programa Notícia da Hora, da TV Pernambuco, retransmitido no Youtube, que contou com a fala da Diretora de Programa do Fundo Baobá, Fernanda Lopes, que deu entrevista também para Rádio Cidade em dia, falando como Empreendedorismo Negro se torna alavanca para a equidade racial.

Coletiva Negras que movem – Portal Geledés

Na coluna Coletiva Negras que Movem,  do Portal Geledés em parceria com o Fundo Baobá, duas matérias ganharam a mídia, sendo a 1ª “Em 2022, apoiem escritores negros… Mas apoiem de verdade!” falando sobre a importância de dar visibilidade para o trabalho de escritores negros e negras, mulheres e profissionais independentes.

Na 2ª matéria com o título “Rendendo o assunto sobre: Como ser “arrimo” de família sem se comprometer financeiramente?”, o texto trata de como apoiar as pessoas a não se anularem nesse processo, cuidando dos seus e de si, aprendendo assim a respeitar-se.

Apoiadas (os) do Fundo Baobá

Nos apoiados do Fundo Baobá encontra-se a matéria “O Rio Grande do Sul também é terra de negros”, escrita por Jorge Maia, apoiado pelo Fundo Baobá em 2018. A matéria enviada ao Portal Geledés aborda desconstrução de que o Sul é exclusivamente povoado por brancos. Fala da população negra e de sua importância cultural na região.

Já É: Programa de acesso à educação pública de nível superior começa a dar seus primeiros resultados 

Estudantes negros, negras e negres da periferia de São Paulo foram selecionad@s em 2021. Primeiras aprovações na Unesp, USP e Unicamp já aconteceram 

Por Wagner Prado

Está lá na lista da Unesp (Universidade Estadual Paulista), na da USP (Universidade de São Paulo) e Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) para quem quiser conferir. Os cursos são os de Artes Cênicas (Unesp), Arquitetura e Urbanismo (USP), Letras (USP) e Pedagogia (Unicamp). Os nomes das alunas?: Jakeline Souza Lima, Karina Leal, Larissa Araújo Aniceto e Thais Sousa Silva. Ver nomes em uma lista de aprovação para uma universidade tem um grande significado, principalmente se formos pensar sobre o que está por trás de cada uma dessas aprovações. É possível imaginar algumas coisas como determinação, garra e, acima de tudo, a gana por mudar uma realidade de vida. É sobre isso que vamos falar aqui. A gana pela mudança. 

Larissa Araújo Aniceto, aprovada na FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) da USP

Para que as populações escolares em diferentes faixas etárias possam ter acesso à Educação, o Fundo Baobá promove apoio a esse ideário: 

➤ Enfrentamento ao racismo institucional no ambiente escolar, tanto na educação infantil, no ensino fundamental e no ensino médio

Projetos de vida e ampliação de capacidades socioemocionais entre adolescentes e jovens 

Entrada e permanência no ensino superior (investimentos em alunos, alunas e alunes do ensino médio, em cursos preparatórios e nos primeiros períodos do curso de graduação)

Formação de lideranças 

➤ Formação de novos quadros técnicos com atuação no poder executivo, legislativo, judiciário, em organizações da sociedade civil organizada, no setor privado, instituições multilaterais.

Em fevereiro de 2021, o Fundo Baobá para Equidade Racial, atuando na base de trabalho Educação, lançou o Programa Já É.  Um número de 84 jovens negros, negras e negres, entre 17 e 25 anos, foi selecionado para estudar em um curso preparatório para o vestibular. Além de não terem que pagar as mensalidades, cobertas pelo programa, também receberam vale transporte e vale alimentação, quando as aulas passaram do sistema remoto para o presencial. O Programa Já é, em seu primeiro ano de funcionamento, contou com o apoio da Citi Foundation, Demarest Advogados e Amadi Technology.  

Aprovações em universidades públicas durante o segundo trimestre de 2021 e/ou as diferentes situações familiares, pautadas por dificuldades de várias ordens,  fez com que alguns desses estudantes tivessem que se afastar do Programa. De 84, 75 continuaram matriculados e 69 permaneceram efetivos em todas as atividades, mesmo com o planejamento tendo sido alterado por conta da pandemia.  Sem poder frequentar as aulas presencialmente, alunos, alunas e alunes receberam computadores portáteis e chip telefônico/internet de dados para que pudessem acompanhar as aulas de forma remota. O objetivo do Programa foi fazer com que os jovens com esses perfis alcançassem instituições públicas de ensino, pela qualidade e nível de excelência que as mesmas possuem. Pessoas negras, pobres e de periferia, normalmente, estão alijadas de frequentar esses ambientes de excelência, embora tenham e possuam os mesmos direitos de qualquer outra pessoa em frequentá-los. 

O acesso à Educação no Brasil é balizado pelo poder aquisitivo das pessoas. Quem goza de boa condição financeira vai ter acesso às melhores escolas e, dentro delas, a todas as ferramentas de última geração que as diferenciam: tecnologia, laboratórios, troca de informações com instituições do exterior, intercâmbios. Alunos negros têm consigo a crernça de que por não terem tido acesso a um ensino básico de qualidade, o nível de excelêna das universidades públicas não é para eles. Um Programa como o Já É, além de outras iniciativas negras, surge para derrubar esses muros de separação. Estigmas têm que ser rompidos. 

Estudo e Pobreza

A OSC (Organização da Sociedade Civil) Todos pela Educação divulgou nota na primeira quinzena de fevereiro/2022 sobre a alfabetização de crianças brasileiras de 6 a 7 anos. Se levarmos em conta que a falta de alfabetização na tenra idade será  prejudicial para tentativas de aprendizado no futuro, isso é estarrecedor e limita o futuro de muitos jovens.

Alfabetizar é o objetivo buscado nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental, de acordo com a BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Entre 2019 e 2021, o número de crianças brasileiras entre 6 e 7 anos que não sabem ler e escrever aumentou 66,3%. Para que isso seja melhor compreendido, em 2019 era 1,4 milhão de crianças. Em 2021, houve aumento de 1  milhão e o número de crianças brasileiras entre 6 e 7 anos que não sabem ler subiu para 2,4 milhões. Os dados foram colhidos na última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, que  ainda identificou que entre crianças brancas e pretas/pardas há uma grande diferença na alfabetização. O número de crianças pretas e pardas que não sabiam ler em 2019 era de 28,8% e 28,2%, respectivamente.  Em 2021, o número subiu para 47,4 e 44,5. Entre as crianças brancas, no mesmo período, o número subiu de 20,3% para 35,1%.     

Continuidade

Independentemente do número de aprovações obtidas, o Programa Já É terá continuidade em 2022. As aprovações de 2022 têm e devem ser analisadas pela sua qualidade. Serão espelhos para outros alunos que vierem dispostos a encarar o desafio de alcançar uma instituição pública de ensino superior. 

Resiliência

No início do texto perguntamos sobre o que está por trás de uma aprovação no vestibular. As alunas aprovadas na Unesp e na USP falam sobre o nascer de um sonho, a batalha para se alcançar um objetivo e a emoção da recompensa. 

Quando e como se estabeleceu o seu sonho de chegar à faculdade? Que profissão você pensou em seguir e o que motivou isso? 

Jakeline Souza Lima –   Comecei a sonhar em entrar em uma universidade quando entendi a importância da educação em nossas vidas e que a educação pode ser uma ferramenta de libertação e de luta. Meus pais sempre me incentivaram a estudar, sempre me ajudaram nas lições de casa.  Eu decidi que realmente queria entrar na universidade quando percebi que meus pais já não estavam mais conseguindo me ajudar nos deveres, não por falta de tempo ou vontade, mas porque eles não tinham chegado naquele conteúdo e nem naquela série que eu estava. Ali eu entendi que precisava romper o ciclo de falta de acesso à educação, pois eles sempre precisaram trabalhar desde muito cedo. 

O curso que escolhi foi Licenciatura em Teatro. Eu decidi fazer teatro,  pois  comecei a sentir que todas as minhas opções anteriores não eram o que eu realmente queria e todas tinham algo em comum: uma tentativa inconsciente de me esconder. O teatro surgiu na tentativa de me provar que eu podia estar à frente das coisas, que não precisava me esconder. Fiz curso técnico em teatro na etec de artes e essa experiência só me fez ter certeza de que era isso mesmo que eu queria fazer para minha vida. Foi então que decidi o curso da faculdade. Também escolhi a licenciatura por uma questão de me abrir mais possibilidades de trabalho e porque eu amo muito o fato de poder ser professora e ensinar. Acho que ser professor é um ato artístico e político também.

Larissa Araujo Aniceto – O sonho de chegar à faculdade iniciou com o apoio de familiares, amigos e professores, ao identificar que as oportunidades seriam abrangentes para quando eu iniciasse a graduação. A profissão que seguirei é em Letras para, futuramente, ser professora de Português, porque acredito no poder de transformação da educação para o Brasil. 

Larissa Araújo Aniceto, aprovada na FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) da USP

Karina Leal – Desde pequena fui incentivada aos estudos pelos meus pais, até para diminuir um problema de ansiedade decorrente de uma doença crônica de pele. Então,  a paixão pelo desenho e o esforço me levaram a escolher a  faculdade de Arquitetura e Urbanismo.

Quais as dificuldades para alcançar isso? 

Jakeline – As dificuldades foram ter que lidar com a falta de acesso à educação. Por ter estudado sempre em escola pública, eu  me vi numa defasagem gigante com os conteúdos do vestibular. A questão da pandemia também dificultou muito as aulas on-line, pois na minha casa eu tinha que me dividir em auxiliar meus pais, ajudar nas coisas de casa e estudar. Tinha dias que era bem difícil,  porque eles (meus pais) achavam que por eu estar em casa podia ser solicitada a todo tempo. Então,  foi bem complicado em alguns momentos. E uma das grandes dificuldades foi a persistência. Manter-me confiante durante todo o percurso de estudos,  porque vira e mexe eu sentia que não estava aprendendo nada e que não ia conseguir.  Chorava muito depois das aulas de exatas,  principalmente, porque tenho muita dificuldade e muitas vezes não conseguia entender. 

Larissa – Diversas dificuldades surgiram, tanto no âmbito socioeconômico como na questão de inteligência emocional. Mas todos foram amenizados com a minha rede de apoio.

Karina –  A rotina turbulenta de consultas médicas e os horários de trabalho dos meus pais trouxeram grande empecilho quanto à presença nas aulas. Porém,  essas dificuldades foram superadas pela minha família ter a noção da importância e das consequências positivas da educação.  

Como você chegou ao Já É ou o Já É chegou a você? 

Jakeline –  Uma amiga me indicou o Programa, pois sabia que eu estava querendo muito começar estudar,  mas que não tinha dinheiro para pagar um cursinho. Ela viu no instagram e lembrou de mim. No mesmo instante que ela me enviou a mensagem eu já fui correndo me inscrever.

Larissa – Conheci o Já É por meio de indicação de um colega e o Programa foi essencial para a minha aprovação, pois a equipe do Fundo Baobá é extraordinária e, com diversos incentivos, nos auxiliou a ingressar na universidade pública. 

Karina – O programa Já É chegou até mim por meio de uma prima que estava me ajudando a encontrar uma bolsa em um cursinho, já que procurava uma forma de diminuir o impacto da pandemia no meu ensino.

Karina Leal, aprovada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP

Conte sobre sua emoção ao ver seu nome na lista de aprovação do vestibular? 

Jakeline – Eu fiquei muito emocionada, muito mesmo, principalmente porque além da aprovação eu fui aprovada em 8º lugar. Apesar de ser só um número, significou muito pra mim essa colocação. Também significou muito a minha nota na prova de habilidades, porque apesar de ter uma certa experiência na área eu ainda sou muito insegura e ter a maior nota em habilidades também significou muito para mim enquanto artista.

Larissa – A emoção de ser aprovada no vestibular foi semelhante à de ser aprovada no Já É: muita felicidade e orgulho de toda a trajetória que está sendo construída. 

Karina– Saber que eu fui aprovada no curso desejado e na primeira tentativa de entrar na USP trouxe muita felicidade para mim e para todas as pessoas que me apoiaram nessa jornada árdua, que teve como agravante a pandemia. Porém, com os diversos auxílios da Baobá esse problema conseguiu ser revertido.

O que você espera para seu futuro?

Jakeline – Eu espero aproveitar todas as oportunidades que a universidade me proporcionar. As aulas nem começaram e eu já tenho sentido como a universidade abre um leque gigante de possibilidades. Eu espero criar e estabelecer relações, fazer contatos, aprender muito. Eu espero conseguir fazer intercâmbio por meio da faculdade  e começar a dar aula. Quero muito trabalhar com crianças e adultos. Nossa, eu espero muita coisa. Está sendo um sonho muito grande. 

Larissa – Para o futuro, desejo uma sociedade mais igualitária e que mais jovens possam ter acesso à universidades de excelência, assim como desejo o meu sucesso profissional e realização pessoal como professora de Português.

Karina – Eu desejo que eu continue perseverante e otimista, conseguindo ultrapassar barreiras e consolidar uma boa carreira como arquiteta.

Trajetória do Edital Quilombolas em Defesa: Vidas, Direitos e Justiça 

Comunidades quilombolas vulnerabilizadas pela pandemia da COVID-19 têm a oportunidade de fortalecer suas estratégias de resistência através de projetos selecionados em edital

Por Ingrid Ferreira

O edital Quilombolas em Defesa: Vidas, Direitos e Justiça lançado no dia 01 (um) de outubro de 2021, foi pensado e realizado pelo Fundo Baobá para Equidade Racial, em parceria com a Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas). Com objetivo de apoiar organizações quilombolas nas áreas de sustentabilidade econômica e geração de renda, soberania e segurança alimentar e defesa dos direitos quilombolas, o edital integra a Aliança entre Fundos e vai financiar os projetos de 35 organizações. Cada uma receberá o valor de R$ 30.000 (trinta mil reais), perfazendo R$ 1.050.000 (Um milhão e cinquenta mil reais).

No dia 01 de fevereiro aconteceu o primeiro encontro com as organizações selecionadas no edital, o evento contou com a participação dos donatários, do Diretor Executivo do Fundo Baobá, Giovanni Harvey,  e da Diretora de Programa, Fernanda Lopes, membros e membras da equipe de Programa, Administrativo-Financeiro e de Comunicação.

Segundo entrevista com representantes que tiveram seus projetos aprovados nos três diferentes eixos é possível verificar que a iniciativa irá agregar conhecimento e experiências para as organizações quilombolas que estão tendo a oportunidade de participar pela primeira vez de um edital em parceria com o Fundo Baobá, contribuindo no conhecimento em gestão de projetos. Como diz José Gaspar, Sócio da Associação Quilombola de Boa Vista Rosário no estado do Maranhão, inscrito no eixo 1 (Recuperação e sustentabilidade econômica nas comunidades quilombolas) do edital.

José Brandão Costa Gaspar – Sócio da associação quilombola de Boa Vista Rosário – MA

E José ainda ressalta que: “A ideia do edital é de grande relevância pois as comunidades Quilombolas na grande maioria não têm oportunidades de receber nenhum incentivo e  necessitam de reconhecimento pelos trabalhos desenvolvidos que, na grande maioria, são trabalhos hereditários das comunidades remanescentes de quilombo. Além de que as comunidades  integrantes do projeto proposto buscam valorização, igualdade de gênero e independência financeira”.

O projeto que será desenvolvido pela Associação Quilombola de Boa Vista do Rosário (MA), tem como objetivo o desenvolvimento social, cultural, ambiental e econômico do território quilombola de Boa Vista e adjacências, fortalecendo a produção agroextrativista e artesanal das famílias quilombolas. A organização tem mais de 11 anos e destinará as ações a produção culinária de bolos, doces e biscoitos com produtos do agroextrativismo, além da produção de Biojóias tendo como base o Coco babaçu.

No eixo 2 (Promoção da soberania e segurança alimentar nas comunidades quilombolas),  Evânia  Antonia  de Oliveira, artesã  e professora em sua comunidade e representante da Associação Quilombola de Conceição das Crioulas – AQCC, de Salgueiro, no Pernambuco, fala que o edital vai apoiar no fortalecimento do trabalho coletivo, na geração de renda das pessoas que residem do território. Segundo a líder, ao se engajar no projeto as pessoas terão acesso a informações e novos aprendizados.

Evânia Antonia de Oliveira Alencar – Artesã e professora – Associação Quilombola de Conceição das Crioulas – AQCC, de Salgueiro (PE)

O projeto ao qual Evânia responde, tem o intuito de garantir a segurança alimentar e o fortalecimento da perspectiva agroecológica quilombola: sendo baseado na produção agrícola associada a práticas ecológicas, éticas, culturais, econômicas, políticas e sociais. A organização tem cerca de 11 anos de formalização e possui o intuito de fortalecer e qualificar a produção de horticultura em quintais produtivos.

Mais contribuições nos foram dadas por Tatiana Ramalho, vice presidente da Associação dos Remanescentes de Quilombos de Alto Alegre e Adjacências (inscrito no eixo 3 – Resiliência comunitária e defesa dos direitos quilombolas), Para Tatiana “o edital nos trouxe a possibilidade de pensar em uma atividade para fortalecimento da identidade quilombola, pois nesse momento pandêmico e no processo das vacinas percebemos em alguns momentos que algumas pessoas têm dúvidas sobre nossa história, sobre o ser quilombola. E nesse sentido, o projeto apoiado pelo edital vai nos trazer a possibilidade de fortalecer através das narrativas, vivências, saberes e sabores as potencialidades do quilombo”.

Tatiana Ramalho da Silva – Vice presidente da Associação dos Remanescentes de Quilombos de Alto Alegre e Adjacências – Na cidade Horizonte (CE)

O projeto tem o objetivo de promover a igualdade racial em direitos para a população quilombola de Alto Alegre, buscando fortalecer juntamente com as comunidades do estado do Ceará a luta pela titulação dos territórios, elaborar e sugerir políticas inclusive de ações afirmativas, promover trabalhos e estabelecer estratégias para proporcionar desenvolvimento sócio econômico, educacional e cultural, além de proteção ao meio ambiente, aos saberes e fazeres quilombolas da comunidade, combatendo as ações racistas e discriminatórias. 

A organização possui mais de 11 anos e tem como proposta fortalecer a identidade quilombola com memórias, histórias, saberes, fazeres e sabores ancestrais, colocando as práticas que fortalecem as raízes africanas e afro-brasileiras; para além das especificidades que é de utilizar de rodas de conversas que ocorrem na comunidade para alcançar os objetivos citados acima.

O Fundo Baobá, o Fundo Brasil de Direitos Humanos e  o Fundo Casa Socioambiental que, juntos, constituem a Aliança entre Fundos, atuam em prol da justiça racial, justiça social e justiça ambiental. As ações da Aliança são financiadas pela Fundação Interamericana (IAF).  Os três, com editais independentes, têm o intuito de contribuir na redução dos impactos que as crises sanitária e econômica ocasionam nos povos indígenas, comunidades quilombolas e outros povos tradicionais mais vulnerabilizados pela pandemia da COVID-19.