A juventude de 15 a 29 anos, negra, pobre, do sexo masculino, e nordestina, representa a maioria das vítimas de homicídio no país. E após a morte desses jovens, são as famílias enlutadas, em sua maior parte constituída por mulheres e pessoas negras, que passam a lidar com o Sistema de Justiça Criminal no processo de investigação, julgamento e responsabilização. Estas são as principais conclusões da tese de doutorado “Juvenicídio e Acesso à Justiça no Nordeste: Atravessamentos de Raça, Classe e Gênero nas Narrativas de Famílias de Vítimas do Estado”, defendida por Jenair Silva, uma das donatárias da primeira edição do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco.
O trabalho da pesquisadora denuncia o “juvenicidio” que está ocorrendo no Brasil, uma vez que a juventude se constitui como parte social mais afetada pela dinâmica homicida, que é presente na realidade brasileira devido à prática do Estado de violação de direitos humanos, que tem como resultado o aumento da violência urbana, oriunda de uma ampla repressão e criminalização da pobreza.
“É imediato reconhecer que existe uma estrutura que se articula intencionalmente para vitimizar jovens negros a partir de uma consubstância de raça, gênero e classe. Ações superficiais como “formação de policiais” não resultam nas ações necessárias para gerar segurança às nossas juventudes. É preciso realmente pensar em ações, projetos, programas e políticas que cheguem às raízes da questão e, de fato, contribuam com a mudança”, afirma Jenair, em entrevista ao Baobá.
Na tese, a mesma dialogou sobre vários fatores que contribuem para o estado atual da situação – mais de 42% dos homicídios de jovens brasileiros, de 15 a 29 anos, ocorre no Nordeste: o racismo, o aumento da pobreza, o aprofundamento das desigualdades, a potencialização do discurso do “bandido bom é bandido morto” por governos recentes, entre outras questões objetivas e simbólicas, que contribuem significativamente para esse quadro que a fez refletir que as iniciativas para a assistência ideal ainda não são expressivas e, ainda assim, boa parte vem das organizações não governamentais.
Para Jenair, é importante que o Estado se responsabilize com os impactos causados a partir da sua vitimização, direta ou indireta, em todas as suas ordens – econômicas, com a garantia de acesso ao trabalho, e as necessidades básicas de vida das famílias empobrecidas, necessidades psicológicas, ofertando suporte psicológico a toda a família no atravessamento do luto e jurídico, produzindo segurança institucional das famílias com oferta de programas específicos que conhecem a realidade e oferecem suporte jurídico às famílias nordestinas.
A tese teve inspiração no método Materialista Histórico Dialético, como uma intencionalidade de aproximação da realidade a partir das pessoas que constroem seus contextos. Nesse sentido, na impossibilidade de ouvir os jovens negros vítimas de homicídio, Jenair ouviu os familiares dessas vítimas, sobretudo as mães que estão em processo de luta por memória, verdade e justiça pela vida retirada dos seus filhos.
Jenair Silva, que é natural de Iguatu – Ceará, se conectou com a juventude negra através da sua militância em um encontro nacional da juventude negra em 2007. Naquela oportunidade teve a chance de dialogar sobre o homicídio de jovens de Natal, Rio Grande do Norte. A partir disso, foi possível ampliar o debate e aprofundar estudos sobre as políticas de produção de morte no Brasil. Sua jornada recebeu um impulso importante quando foi selecionada pelo Edital proposto pelo Baobá – Fundo para Equidade Racial juntamente com a Fundação Kellogg, Fundação Ford, Open Society Foundations e Instituto Ibirapitanga que busca ampliar a participação de mulheres negras em posições de poder e influência, através de investimento em seus planos de desenvolvimento individual, formações políticas e técnicas e ainda no fortalecimento das organizações, grupos, coletivos liderados por elas..
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