Por Ingrid Ferreira
O Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco foi lançado em 2019. A implementação dos planos de desenvolvimento individual se deu de 2020 a 2021. Muitas mudanças e conquistas foram vividas desde então e, para saber mais sobre a atualidade de algumas das mulheres negras apoiadas, conversamos com Karen Franquini do projeto “Ganbatte”, que é Gerente de Projetos, Mentora de Carreira, Consultora de Empreendedorismo Periférico, Mestre em Gestão da Inovação e Empreendedorismo, Impacto Social e focada em Diversidade, Equidade e Inclusão; Luciane Reis, do projeto “Mercafro”, que é Especialista em Diversidade e Inclusão; e Laiara Amorim Borges, do projeto “Voe como uma garota negra”, que é Headhunter social, Comissária de Bordo na Azul Linhas Aéreas Brasileiras e co-fundadora do coletivo Quilombo Aéreo.
Confira abaixo a entrevista:
Três anos após terem sido selecionadas pelo edital do Fundo Baobá, como você descreve os seus avanços?
Karen Franquini
O Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco proporcionou o desenvolvimento acelerado de habilidades para minha atuação como Empreendedora, Mentora de Carreira, Gerente de Projetos e Liderança Negra, potencializando os meus talentos e força de trabalho para ajudar outros profissionais a atingirem seus objetivos, gerar impacto positivo na vida das pessoas e contribuir com a mudança de realidades. Como resultado do apoio do projeto, identifiquei novas áreas de atuação, como Mentora de Carreira e Gerente de Projetos, visando ampliar a empregabilidade de mulheres e profissionais negras (os), além disso, fui aprovada no Mestrado. Nos meus avanços atuais, me tornei Mestre em Desenvolvimento Local pela UNISUAM (Centro Universitário Augusto Motta) – RJ, na linha de pesquisa em Gestão da Inovação e Empreendedorismo, com o tema da dissertação “Desenvolvimento de Negócios de Impacto: Ferramentas e Boas Práticas para Empreendedores Sociais”. Agora eu tenho o objetivo de aprofundar o estudo sobre o ecossistema de negócios de impacto e iniciar o Doutorado em Desenvolvimento Local. A participação no Programa gerou uma mudança de mentalidade, me proporcionou uma descoberta e a valorização da minha visão e potencialidade como mulher e liderança negra, e a minha capacidade de produção intelectual e de planejamento e execução de iniciativas de impacto social.
Luciane Reis
Considero que o principal avanço foi a defesa da minha dissertação no fim do ano passado. Após a defesa, iniciei o processo de operacionalizar o que foi teorizado durante o Programa, que consiste na elaboração do plano detalhado de identificação e triagem dos estudos existentes sobre o negro na área econômica e de desenvolvimento pessoal. Para isso fiz o mapeamento de uma série de especialistas junto aos vários campos do ecossistema empreendedor e empresarial que pauta o problema do negro nesses setores, e o mapeamento de monografias sobre temas econômicos, financeiros, de autoconhecimento e desenvolvimento publicados ou ligados à problemática negra.
Laiara Amorim Borges
Estamos no terceiro ano, e por mais que o Programa tenha se iniciado de forma individual, ele se desmembrou de diversas formas, e eu pude atuar em diversas frentes por conta desse edital. Uma delas é o coletivo que hoje faço parte, que é a Primeira Escola Antirracista da Aviação Civil Brasileira. Em 2022, nós conseguimos formar uma turma exclusiva de pessoas negras periféricas e dentre essas pessoas temos quilombolas, empregadas domésticas e mulheres trans. No mesmo ano, já conseguimos empregar 50% delas dentro da área de formação. Ainda que seja um trabalho árduo, é muito gratificante. Por ser uma frente muito nova, temos encontrado muitos desafios, principalmente com as empresas, para haver aceitação e inclusão. Infelizmente, muitas vezes as empresas só querem fazer atividades pontuais com pessoas negras em novembro (Mês da Consciência Negra). Mas estou no 3º ano e celebro a nossa jornada por tudo que conquistamos até aqui, mas ainda não alcançamos a nossa meta.
Com a pandemia, alguns planos de desenvolvimento tiveram que ser reformulados. No momento atual, tem algum ponto que você resgatou?
Karen Franquini
O meu Plano foi reformulado devido à pandemia e pela primeira vez na vida tive recursos para investir no meu desenvolvimento pessoal. Consegui visualizar a minha trajetória profissional, independentemente da Ganbatte, negócio de impacto social que fundei e tem como objetivo conectar as empresas a profissionais diversos. Agora me sinto protagonista da minha história, consigo reconhecer minha evolução e potencial para gerar transformações sociais significativas na vida de profissionais periféricos.
Luciane Reis
Sim. Estou organizando a plataforma, fruto do investimento feito pelo Programa, para ser lançada até o meio do ano que vem. Defender a dissertação foi um momento bastante complicado e, por conta disso, acabei demorando um pouco para conseguir seguir em frente. Somente agora estou retomando. O site ainda continua sendo um projeto. Estou também organizando o primeiro livro das lideranças aceleradas pelo projeto e que tem uma coluna no site do Géledes denominada “Negras que Movem”.
Laiara Amorim Borges
A pandemia foi o maior desafio a ser enfrentado por todas as lideranças do Programa, porque houve o aumento do desemprego junto ao isolamento, e nós tivemos que reformular tudo o que estava planejado. Um exemplo disso é que quando começou o edital, um dos meus objetivos era a minha aceleração enquanto mulher pilota na aviação, pois hoje não há nenhuma mulher ocupando esse cargo. Mas quando começou a pandemia, todos os aeroclubes fecharam e eu me deparei com outras questões sociais e psicossociais que atrapalharam muito a minha formação, tanto que eu ainda não concluí. Eu já sabia que não finalizaria no prazo do edital, mas o recurso era para custear parte da minha formação. Eu retomei as minhas horas de voo, mas, por conta da inflação, tudo foi afetado. Ainda assim continuo focada no meu objetivo, ainda que caminhando mais devagar por conta das circunstâncias, e isso faz com que eu compreenda também a importância de ser apoiada por outras mulheres pretas, o poder da militância e as políticas afirmativas, além de que, durante o edital, nós tivemos muitas sessões de mentoria, encontros sensacionais, que é tudo que estou utilizando hoje, e esse caminho tem me mostrado a importância de todo esse processo.
Ao final da primeira edição do Programa, publicamos um e-book, podcast, para contar sobre os esforços e os resultados do Programa, de cada mulher e das organizações de mulheres. Estes materiais tiveram alguma repercussão na sua trajetória?
Karen Franquini
A principal repercussão da publicação do e-book do edital e do podcast foi a valorização da minha trajetória e atuação como empreendedora e liderança negra, e o compartilhamento dos aprendizados para fortalecer a trajetória de outras mulheres e lideranças negras.
Laiara Amorim Borges
O e-book foi muito importante para que eu pudesse mensurar tudo o que tinha acontecido, algo que eu não tinha feito antes. Tanto que teve um momento da entrevista que eu acabei me emocionando, porque nós enquanto mulheres negras sempre estamos nos cobrando muito e não percebemos tudo que fazemos. E precisamos valorizar as nossas pequenas vitórias ao longo da caminhada, e eu espero que ele (E-book) tenha alcançado outras pessoas que possam se inspirar nele e acreditar que ocupar qualquer espaço é possível.
Analisando o seu processo atual, todas as suas metas foram concluídas? Quais são os próximos desafios?
Karen Franquini
Ainda não realizei todos os meus objetivos profissionais, mas aprendi a celebrar e agradecer por cada conquista e principalmente por cada desafio. Aprendi a respeitar e aplicar toda a minha potencialidade, resiliência e determinação para conquistar o que desejo e lutar pelo que acredito. Os meus próximos objetivos profissionais são iniciar o Doutorado Profissional em Desenvolvimento Local na UNISUAM, com o tema da tese de “Diversidade em Programas de Empreendedorismo Social: Mecanismos e Boas Práticas para Inclusão de Empreendedores de Grupos Minorizados”; fortalecimento da minha marca pessoal e da atuação como Líder, Empreendedora Social, Mentora de Carreira e Gerente de Projetos; reposicionamento da Ganbatte e foco em apoiar profissionais periféricos no desenvolvimento de suas carreiras.
Luciane Reis
Nem todas, mas estou agora revisitando meu plano de desenvolvimento individual para ver o que consigo operacionalizar. Durante o processo eu consegui profissionalizar o material existente do Mercafro. O site está pronto e foi defendido enquanto uma tecnologia social na Faculdade de Administração da UFBA (Universidade Federal da Bahia). O repertório/discurso que ele quer pautar foi também defendido em formato de especialização na Faculdade de Educação da UFBA. Defender essa tecnologia e seu repertório junto a duas escolas importantes para legitimação acadêmica foi fundamental para o processo que desejo iniciar a partir de agora. O próximo passo é transformar a dissertação em um livro. lançar a plataforma e seu conteúdo a partir do passo a passo sinalizado no primeiro ponto.
Laiara Amorim Borges
Nem todas as metas foram alcançadas, mas por conta da pandemia. Houve metas que foram se apresentando ao longo do processo e eu consegui concluir, ainda que algumas parcialmente: a questão da empregabilidade, principalmente. Com relação ao objetivo principal, essa meta ainda está em vias de ser alcançada, por meio da elaboração de artigos sobre o assunto, pois antes do “Voe como uma garota negra” não existiam artigos dessa área, inclusive a publicação internacional de um capítulo de um livro que fala da situação atual no Brasil das mulheres dentro desse campo tecnológico da aviação. Outra meta que foi concluída também foi o site do projeto. Neste espaço virtual é possível encontrar informações do projeto, editais, abertura de próximas turmas, impactos sociais e parcerias. A única meta que ainda não foi concluída foi a da minha formação pessoal, mas desmembrou pra tantas coisas que eu já me sinto realizada.
Karen Franquini complementa falando que: “O principal aprendizado que gostaria de compartilhar é: Seja gentil com você mesma, não se cobre tanto, respeite seu processo e valorize cada conquista. O grande segredo para atingir objetivos é fazer pequenas ações com frequência, respeitando seus limites e cada dia dando um novo passo. É começar com os recursos que tem, com as habilidades que possui para se desenvolver. Celebrar e valorizar cada passo e conquista que te aproxima do seu objetivo”.
O Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco é uma iniciativa do Fundo Baobá, com o apoio da Kellogg Foundation, Ford Foundation, Instituto Ibirapitanga e Open Society Foundations. O Programa, que teve início em 2019, busca ampliar e consolidar a participação de mulheres negras em posições de poder e influência, através de investimento em seus planos de desenvolvimento individual, formações políticas e técnicas e ainda no fortalecimento das organizações, grupos e coletivos liderados por elas.