Por Vinícius Vieira

No mês de abril de 2020, durante a gestação da sua segunda filha, a empresária e esteticista Zarah Flor Rizzo descobriu um nódulo no seio esquerdo enquanto fazia um auto exame durante o banho: “Relatei para minha médica obstetra que havia encontrado um nódulo, a médica me examinou e me tranquilizou falando que era um nódulo de leite empedrado, não me senti confortável pois eu conhecia meu corpo e sabia que tinha algo errado”.

A insistência da empresária em relação àquele nódulo levou Zarah a pedir a realização de um exame ultrassom: “Eu sabia que tinha algo de errado, mas a médica achou melhor não fazer porque poderia afetar as glândulas mamárias”. Zarah não desistiu e decidiu ligar no laboratório solicitando o exame: “A atendente também informou que era melhor não realizar o exame pelo mesmo motivo”. Zarah ligou novamente em outra oportunidade e insistiu com a ideia até que o exame fosse feito: “A médica realizou o exame de mama e falou que não era nada, apenas a mama que estava com uma pequena inflamação e com um pouco de líquido por conta das minhas próteses mamárias”.

Após o nascimento da filha, Zarah Flor retornou à obstetra para realização de exames de rotina pós parto e comentou sobre o aumento do nódulo. A médica pediu para ela não se preocupar, mas mesmo assim ela não desistiu de investigar: “Saí do consultório e no estacionamento mesmo eu liguei no meu convênio e perguntei se poderia marcar um mastologista sem encaminhamento médico. A resposta foi sim. Marquei uma consulta com o mastologista e marcamos a biópsia”. Em novembro de 2020, saiu o resultado da biópsia.  Zarah Flor estava com câncer de mama. 

Zarah Flor Rizzo, empresária e esteticista

Segundo um estudo apresentado pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), o câncer de mama é o segundo tipo que mais acomete as mulheres brasileiras, representando em torno de 25% de todos os tipos de câncer que afetam o sexo feminino no país. Por isso, o mês de outubro é dedicado à conscientização e controle do câncer de mama, conhecido popularmente como Outubro Rosa.

O movimento foi criado no início da década de 1990 pela Fundação Susan G. Komen for the Cure, nos Estados Unidos e é celebrado anualmente no mundo todo. O Brasil aderiu à campanha do Outubro Rosa em 2010, com o apoio do Inca, como forma de conscientizar a população feminina sobre a importância do autocuidado. 

Ao aprofundar as estatísticas da doença no país, desagregando os dados por raça/cor, no ano de 2019 o Inca apresentou evidências de que a taxa de mortalidade por câncer de mama entre as mulheres negras era maior: 10% superior à observada para  mulheres não negras. O Instituto classifica uma das causas que leva a mais mortes, o diagnóstico tardio da doença.

No caso de Zarah, mesmo com todas as interpelações médicas, o diagnóstico precoce da doença proporcionou a ela um tratamento em tempo hábil: “Hoje eu estou curada! Fiz cirurgia, que foi realizada no quadrante. Sigo em tratamento ainda. Ele acaba em Fevereiro de 2022”.

Câncer de mama e as mulheres negras

Para a médica ginecologista Ligia Santos, é preciso compreender que os estudos mostram que o câncer de mama não acomete mulheres negras de forma mais prevalente que as não negras. Porém, quando uma mulher negra apresenta câncer de mama precocemente (antes dos 50 anos, mais especificamente antes dos 45 anos),  a doença tende a ser mais grave e com prognóstico pior,  e isso está atrelado ao fator social: “Os determinantes sociais de saúde são importantes fatores para a pior evolução da doença,  pois eles atuam dificultando o diagnóstico e o tratamento precoce das mulheres negras. Sabemos que a maioria das mulheres negras está na base da pirâmide social e dependem muito do SUS,  que é um sistema fundamental para a nossa sociedade, mas possui muitas falhas. Logo, essas mulheres tendem a fazer menos mamografias de rastreamento, passam em menos consultas médicas e com especialistas e com isso podem ter o diagnóstico mais tardio e, consequentemente, mais mortes”.

Ligia Santos, médica ginecologista

Mariana Ferreira, outra médica que atua na área da ginecologia e obstetrícia, também afirma que, no que diz respeito a diagnóstico precoce, a partir do rastreio com mamografia, ainda há uma grande disparidade quando avaliamos o acesso por raça/cor e classe: “Mulheres negras e com escolaridade mais baixa são aquelas que mais têm dificuldade em acessar o rastreio. Isso acaba atrasando o diagnóstico e, consequentemente, o prognóstico se torna mais reservado”.

Os dados do Inca mostram que, enquanto 66,2% das mulheres brancas fizeram o exame da mamografia, somente 54,2% das negras fizeram no mesmo período. Para a médica Ligia Santos, o acesso à saúde é um benefício que embora seja legal é negado a muitas pessoas: “Os mais pobres vivem nas periferias que, geralmente, acabam ficando para segundo plano quando se pensa em políticas públicas em geral ou que não possuem a estrutura que deveriam ter para que o atendimento seja equânime”, segundo a médica. Isso é visível na escassez de equipes, de especialistas e equipamentos de saúde em alguns bairros: “Como a falta de mamógrafos, além da dificuldade em agendar consulta com especialista, entre outros tantos fatores. Sendo assim, uma mulher que deveria fazer o diagnóstico/tratamento precoce acaba perdendo muito tempo entre idas e vindas para poder ‘entrar’ no sistema”.

Para a empresária Zarah Flor, a falta de acesso a direitos básicos por parte da população negra, sendo eles cada vez mais escassos, impacta diretamente no aumento do índice de mortalidade de doenças como o câncer de mama: “A falta da inclusão acaba refletindo na comunidade negra e limitando o mínimo para viver em sociedade. E os números estão aí para comprovar que somos as mais afetadas pela desigualdade onde não temos o mínimo para sobreviver”.

Mariana Ferreira também acredita que, para a mulher que ainda se encontra ativa economicamente, o acesso vai impactar. Por outro lado, a médica também afirma que o medo do diagnóstico também afasta algumas mulheres: “Por se tratar de uma doença ainda cercada de muitos estigmas, acaba fazendo com que muitas mulheres, mesmo após apalparem tumor na mama, acabam por postergar a busca por atendimento. Por isso que estratégias e campanhas que tragam conscientização sobre a doença são tão importantes”.

Cuidado com a saúde da mulher negra para além do Outubro Rosa

Apesar de outubro ser dedicado à prevenção e à conscientização sobre o câncer de mama, tanto Mariana quanto Ligia reforçam a importância dos cuidados de outras enfermidades que são letais para a população negra de modo geral: “Não podemos esquecer que a população negra é mais suscetível à hipertensão e diabetes,  que contribuem para o surgimento e piora das doenças cardiovasculares, que são as que mais matam no mundo, além da depressão, que é a doença que mais incapacita pessoas”, afirma Ligia.

Mariana Ferreira, ginecologista e obstetra – Foto: Gabriella Maria

Mariana reforça a importância de campanhas preventivas como a do Outubro Rosa, considerando que as estratégias de prevenção em saúde da mulher negra passam por vários aspectos: “Desde avaliação de risco para doenças cardiovasculares, tentativa de controle de fatores de risco como diagnóstico e controle de condições como hipertensão, diabetes, obesidade, estímulo à prática de atividade física”. Porém, a médica afirma que ainda há campos na saúde da mulher que também requerem atenção e conscientização:  “O rastreio de acordo com a faixa etária para câncer de colo do útero e mama; a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, através do acesso a métodos contraceptivos, assim como acesso à pré-natal de qualidade e acompanhamento ao parto,  para desta forma prevenir desfechos negativos. São várias as intervenções que podem ser feitas no que diz respeito à saúde da mulher negra”, finaliza.

Recentemente, Zarah Flor integrou uma campanha publicitária de uma famosa loja de departamentos, no qual ela e outras mulheres reais contam como venceram a doença. No vídeo, Zarah diz:

“Eu fui me reconectando, eu consegui trazer a minha autoestima de volta, eu quero estar sempre presente, não deixo nada pra depois, eu quero fazer hoje e agora, eu me sinto uma nova mulher”

Para o Fundo Baobá, Zarah explica o significado desta frase: “Essa afirmação eu levo para vida. Com ela, eu me renovo todos os dias e com a cura do câncer de mama, só me fez enxergar ainda mais o quanto as coisas simples da vida precisam ser valorizadas. Estar com a família, com meu marido e minhas filhas, acabam nos encorajando para lutar contra a doença”. Finaliza.

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