O direito de poder sonhar com uma vida digna. Nem toda a população brasileira tem isso. A falta dele se manifesta das mais diferentes formas. Aqui, vamos tratar do direito de ter acesso ao ensino superior. No Brasil, país de mais de 220 milhões de pessoas, nem todos têm acesso ao estudo. Os exagerados índices de pobreza, a falta de infraestrutura que gere trabalho decente e rendas compatíveis determinam que muita gente, principalmente a gente negra, não terá acesso aos bancos escolares na tenra idade, na adolescência e na idade adulta. Essas pessoas, de diferentes identidades de gênero, poderão não ter gabaritação estudantil.
O Fundo Baobá para Equidade Racial está, nesses seus quase 10 anos de existência, apontando formas de contribuir para que o Brasil alcance níveis de sociedade justa. Uma das bases de trabalho do Baobá é a Educação. Permitir o amplo acesso a ela é a meta, buscando os seguintes aspectos:
- Enfrentamento ao racismo institucional no ambiente escolar, tanto na educação infantil, no ensino fundamental e no ensino médio;
- Projetos de vida e ampliação de capacidades socioemocionais entre adolescentes e jovens
- Entrada e permanência no ensino superior (investimentos em alunos e alunas do ensino médio e de cursos preparatórios)
- Formação de lideranças políticas
- Formação de novos quadros
Com base nisso e com apoio da Citi Foundation, Demarest Advogados e Amadi Technology, o Fundo Baobá para Equidade Racial criou o programa Já É, que vai proporcionar a 100 jovens negros e negras da periferia de São Paulo e da Grande São Paulo fazer um curso preparatório para o vestibular durante um ano. Esses jovens, de idade entre 17 e 25 anos, que já tenham terminado o ensino médio ou estejam cursando o último ano em escola pública, terão um computador com acesso à Internet para que possam ter aulas não presenciais durante o período da pandemia; auxílio transporte e auxílio alimentação em caso de as aulas voltarem a ser presenciais. O custo das despesas com as aulas também será bancado pelo Baobá.
Esse acesso vai proporcionar a esses 100 jovens negros e negras a possibilidade de poderem ser os artífices de suas próprias vidas ao se formar. Embora pesquisas como a realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2020 indiquem que o número de negros em cursos superiores tenha aumentado, isso em muito se deve à adoção das ações afirmativas, como a política de cotas, que reserva aos negros uma porcentagem de vagas em cursos superiores em faculdades e universidades. Mas o caminho de chegada às faculdades tem trajeto difícil e um gargalo entre a saída do Ensino Médio para o Superior. Sem a preparação adequada, cruzar essa barreira é algo bem difícil, principalmente para quem tem histórico de carências de vida nas mais diversas ordens. O programa Já É tem foco sobre jovens de sexo masculino, jovens transsexuais, jovens mães, jovens que residem em bairros, territórios ou comunidades periféricas.
O fato de terem essa importante oportunidade de acesso ao curso superior é comemorado por importantes educadores que foram convidados pelo Fundo Baobá para Equidade Racial para fazer a seleção dos estudantes. O processo incluiu três etapas seletivas: 1) Análise de Formulário de Inscrição; 2) Entrevista Individual e 3) Análise pelo Comitê de Seleção.
Um dos avaliadores convidados foi o geógrafo e Mestre em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP) Billy Malachias. “A perspectiva mais direta para esses jovens é a de poder sonhar com o acesso à universidade. Isso que é feito pelo Baobá, que é o investimento naquilo que antecede a chegada à faculdade, o acesso, é de suma importância.Já a política de cotas é da própria instituição pública e garantida por lei. Essas duas ações (cotas e investimento) são convergentes entre si e colaboram para uma mudança do acesso de jovens negras e negros para o ensino superior”, disse.
A pedagoga e doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense Mônica Sacramento comemora a iniciativa do Baobá. Mônica é coordenadora de projetos do Criola, organização da sociedade civil que promove a defesa e direitos das mulheres negras. “Acho de extrema importância iniciativas que possibilitem suporte para a construção de trajetórias de jovens para mitigação dos efeitos das instituições e mecanismos de socialização e a forma como os indivíduos e grupos racializados se posicionam e são posicionados em relação a eles”, afirmou.
Bacharel pela USP em Matemática Aplicada a Negócios e pedagoga com especialização em Matemática, Francielle Santos é coordenadora pedagógica do Instituto Canoa, organização criada com a missão de viabilizar a formação de professores de excelência no Brasil. Como uma das avaliadoras, ela elogiou a iniciativa do Fundo Baobá. “Essa iniciativa é fundamental pela oportunidade que oferece aos jovens de aumentar as chances de acesso ao ensino superior e, portanto, de assumir posições de lideranças posteriormente. Além disso, a forma como essa proposta foi desenhada pode trazer mais informação sobre o quanto é importante contemplar de uma forma mais integral as necessidades desses jovens, por exemplo, no que diz respeito ao acompanhamento e permanência ao longo dessa preparação”, disse.
Selma Moreira, diretora executiva do Fundo Baobá, em recente live realizada pelo Women in Science and Engineering (Wise), falou sobre a importância do Já É para esses 100 jovens negros e negras. “Todos esses cuidados que tomamos no edital ajudam a entender os desafios da educação para a equidade racial, que são proporcionais à sua importância. Sem acesso à educação, um povo é condenado a repetir os mesmos padrões. Mas quando pensamos em educação para a promoção da equidade racial, precisamos levar em conta inúmeros níveis de desigualdade: Diferença de acesso; Diferença de qualidade; Diferença no conteúdo educacional; Diferença no tratamento.”
O programa Já É, com certeza, é uma grande contribuição para que esses jovens se tornem protagonistas de seus futuros. Além do que, também é transformador na vida dos avaliadores do processo de seleção. “Eu me sinto bastante feliz em ter participado. Sempre me vejo como um agente que precisa apoiar iniciativas como essa do Fundo Baobá. Eu me vejo como alguém que colabora para transformações de vida por meio da qualidade de minha formação docente. Que é algo que contribui para que pessoas se inspirem a trilhar um caminho universitário, acadêmico, ativista. Não é possível ser um educador sem que a gente pense em possibilidades melhores de vida, indiscriminadamente, para todos os espaços”, afirmou o geógrafo Billy Malachias. “O convite para compor o comitê de seleção do edital, além de uma satisfação pessoal por integrar um grupo qualificado e de trajetórias profissionais tão expressivas, transforma, em alguma medida, minha trajetória individual e profissional”, afirma Monica Sacramento, cujo pensamento é seguido por Francielle Santos: “Toda e qualquer oportunidade de conhecer os anseios, desafios, necessidades e potencialidades de jovens negros é uma experiência transformadora para mim. Essa experiência me fez renovar e ampliar as minhas razões para esperançar”, afirmou.
Além de Billy Malachias, Mônica Sacramento e Francielle Santos, também fizeram parte do comitê selecionador do Já É, a pedagoga com habilitação em Orientação Educacional pela Universidade Federal do Maranhão, Socorro Guterres, membro da Assembleia Geral do Fundo Baobá para Equidade Racial e Milton Alves dos Santos, pedagogo formado pela USP, com atuação nas temáticas da juventude e da infância.