Revolta dos Búzios: Um suspiro de esperança em tempos sombrios

Com inspiração nos ideais da Revolução Francesa (1789-1799) e na Revolta de São Domingos, no Haiti (1791-1804), o dia 12 de agosto de 1798 amanheceu de uma maneira diferente para a população baiana. Diversos manuscritos foram espalhados pela cidade convocando a população para uma luta que defendia a proclamação da República, o fim da escravidão, a redução de impostos e outras reivindicações justas aos mais subalternizados perante a sociedade brasileira. Era um momento no qual a população enfrentava uma crise socioeconômica e estava insatisfeita com o controle da Coroa Portuguesa. 

“Animai-vos povo baiense que está para chegar o tempo feliz da nossa Liberdade: o tempo em que todos seremos irmãos, o tempo em que todos seremos iguais. Hoje celebramos o legado de inteligência, resistência, estratégia e coragem na Revolta dos Búzios.” Esses foram os dizeres espalhados pelos muros da cidade de Salvador, gerados pela indignação e desejo de um levante do povo baiense. 

Os integrantes da luta utilizavam um búzio no punho como forma de identificação pelas causas que reivindicavam, algo que tem origem nas raízes africanas – daí a origem do nome do movimento.

Com o apoio das elites locais, negros livres, brancos pobres e mestiços, que exerciam profissões como sapateiro, pedreiro e soldado, desejavam o fim do pacto colonial para aumentar os lucros dos próprios negócios, além de alcançar mais poder econômico e político. O movimento também ganhou força e agregou os segmentos mais pobres da população baiana para defender propostas que realmente os representassem. E assim se consolidou uma das maiores manifestações populares comandadas pelo povo negro, que lutava por democracia, exigia direitos de igualdade de raça e de gênero para todos os brasileiros.

A luta também ficou conhecida como Revolta dos Alfaiates, devido ao grande número desses profissionais que estavam presentes no movimento. O protagonismo foi marcado por homens como João de Deus, Manuel Faustino dos Santos Lira e os soldados Luís Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas, mas não só: ele também contou com participação de mulheres negras, como Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento, ambas alforriadas.

Nessa época, a população da cidade de Salvador estava em situação de pobreza, depois que a capital do Brasil colônia foi transferida para o Rio de Janeiro, em 1763. Esses eram anos em que o Iluminismo europeu espalhava os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade que inspirariam a Revolução Francesa, a Revolta de São Domingo e a independência das colônias ibéricas na América. Foi nesse contexto que se firmou o desejo de fundar na Bahia uma república democrática, onde não houvesse diferenças sociais e todos fossem iguais. Pois como se não bastasse a desigualdade, a discriminação e o racismo institucionalizados pela escravidão, crueldade e violênciaAs penas aos rebeldes não deixam dúvidas sobre isso.

À época, o governador da Bahia, Fernando José de Portugal e Castro,  soube através de denúncias sobre possíveis encontros e providenciou uma ação rápida para prender os revoltosos. Alguns conseguiram fugir e, após um ano e dois meses depois dos acontecimentos, os acusados assumiram a culpa e receberam a pena de morte por enforcamento, seguida por esquartejamento. Luís Gonzaga das Virgens, Lucas Dantas, João de Deus e Manuel Faustino dos Santos Lira tiveram seus corpos expostos em diversos locais da cidade de Salvador para “servir de exemplo”. Até os dias de hoje não se sabe do paradeiro das mulheres Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento

Apesar de seu terrível desfecho, a Revolta dos Búzios influenciou outros movimentos, como a própria Independência do Brasil (1822), além da Revolta dos Malês (1835). E assim segue até hoje, inspirando a população negra a estar sempre a postos para as lutas por uma vida digna, justa, igualitária e livre.

 Pois apesar de terem passado 225 anos desde então, a violência ainda atinge principalmente os corpos negros. A falta de acesso à educação e saúde pública ainda afeta mais as pessoas negras. O mercado de trabalho formal ainda é menos acessível ao trabalhador negro. A fome, a violência racial e de gênero ainda atingem mais os descendentes das populações escravizadas do Brasil colônia. Nossa população segue lutando e reivindicando direitos e os “revoltosos” da Bahia seguem como um exemplo a ser lembrado e honrado.

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