Em um país como o Brasil, cuja maioria da população é predominantemente negra (56%), como incutir nas diretrizes sócio-empresariais que é fundamental investir na diversidade? O tema diversidade atualmente deveria ser encarado como questão de avanço e sobrevivência para qualquer instituição, em qualquer segmento, que queira de fato promover ações que contribuam para a equidade e a erradicação de uma das piores doenças sociais: o racismo.
Alguns estudos acadêmicos evidenciam que empresas que têm a diversidade como valor atingem graus de desenvolvimento de seus negócios em nível maior que aquelas que não a valorizam. O que determina isso? As diferentes trocas de experiências entre as pessoas. Visões diversificadas levam a um número maior de possibilidades de desenvolvimento de uma ideia ou um produto. O que determina esse maior leque de opções são as diferentes vivências dos funcionários. Onde existe a homogeneidade existe também a limitação. Diferenças contribuem para o aprimoramento.
Para discutir a questão da diversidade dentro das empresas e o trabalho da filantropia voltada ao combate ao racismo e à equidade racial, aconteceu em outubro o webinário Filantropia e Justiça Racial, promovido pelo JP Morgan em parceria com o Fundo Baobá para Equidade Racial. Nele, importantes agentes da filantropia, da educação e do combate fizeram suas palestras em mesas que trouxeram muitos fatos e esclarecimentos sobre importantes questões na busca por uma sociedade justa e igualitária. Juntamos aqui falas importantes de Fabio Alperovitch e de Tricia Calmon.
Fabio Alperovitch, da Fama Investimentos, administrador de empresas formado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), com cursos de extensão na Universidade da Califórnia (Berkeley) e na Harvard Kennedy School -profissional que atua na captação de recursos financeiros para empresas- enxerga uma certa dificuldade de muitas delas em levar a temática da diversidade, equidade e combate ao racismo para dentro de seus muros. “Além de procurar diversidade de gênero, procuramos diversidade racial, diversidade de identidade de gênero e orientação sexual. Para a grande maioria das empresas, se conectar com esses grupos diversos e fazer com que se sintam parte integrante da empresa, eliminando vieses muitas vezes inconscientes, representa um desafio”, afirma.
Para Tricia Calmon, graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduada em Gestão de Políticas Públicas de Gênero e Raça, também pela Universidade Federal da Bahia, além de membro do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá para Equidade Racial, a dificuldade empresarial em lidar com questões de raça e gênero está nas bases em que a sociedade brasileira foi alicerçada, por isso nem sempre os investimentos convertidos em ações filantrópicas ganham sentido efetivamente transformador. “A falta de intencionalidade e de compreensão sobre a natureza do racismo colocou boa parte da filantropia brasileira na armadilha de pensar em promover a almejada justiça social sem mexer nas bases escravagistas nas quais está assentada a sociedade. Parte da elite brasileira se orgulha dessa herança e se ressente das mínimas fissuras ocorridas nesse pacto de silêncio e morte nos últimos anos”, diz.
Trabalhar com filantropia no Brasil requer muito foco em fazer com que estruturas opressoras sejam abaladas. “Com a pandemia do novo coronavírus, que escancarou as desigualdades sociorraciais, e com o fenômeno da violência policial iconizado no caso George Floyd, estamos diante da oportunidade de atualizar o debate no campo da filantropia. Não se trata de fenômenos novos, mas estamos em um novo momento. É hora de decidir por um projeto de sociedade sustentável e inclusivo que descolonialize os pensamentos e imagine o Brasil do presente e do futuro como um país viável para todas as pessoas. Sem isso, seguiremos assistindo a elites que almejam ganhar dinheiro no Brasil e constituir suas vidas fora do país. Neste cenário de nada importa o fortalecimento da sociedade brasileira como um todo”, afirma Tricia Calmon.
Para Fabio Alperovitch, que reforça a opinião de Tricia Calmon, a questão do investimento em diversidade dentro das empresas tem impacto positivo direto na economia brasileira. “Acredito que as empresas que têm projetos de diversidade e inclusão têm um impacto muito forte não só nas comunidades onde elas operam, mas na economia brasileira como um todo. A nossa história tem um legado de discriminação racial muito forte que ainda é muito presente no dia a dia do país. No Brasil, conforme dados do IBGE de 2018, mais da metade da população brasileira se declara como preta ou parda. No entanto, a sua representatividade no mercado de trabalho e em cargos de liderança é extremamente baixa. Ao termos uma empresa investida preocupada com esse tema e com metas específicas a serem atingidas, avançamos, mesmo que pouco, na redução dessa desigualdade”, afirma Alperovitch.
Tricia Calmon reforça que investimentos sociais privados ou filantropia empresarial devem ser muito bem balizados e focados nas necessidades das comunidades para as quais são destinados. Dessa intenção foi que surgiu o Fundo Baobá. “O programa para equidade racial da Fundação Kellogg, gestado desde 2008, resultou no que hoje é o primeiro e maior fundo para financiamento de ações para o enfrentamento ao racismo: o Fundo Baobá. As desigualdades regionais precisam ser consideradas e não se deve descansar enquanto os investimentos não chegarem em boa proporção às regiões mais empobrecidas, como é o caso do Norte e Nordeste brasileiros”, finalizou.