A criação do Fundo Baobá para Equidade Racial, em 2011, foi alicerçada sobre três pilares: articulação social, mobilização de recursos e investimentos programáticos. Dentro do item “investimentos programáticos”, quatro balizamentos coordenaram nossas ações nesses quase dez anos de atividades de filantropia para a equidade racial: Viver com Dignidade, Educação, Desenvolvimento Econômico e Comunicação & Memória. Todas as ações estabelecidas foram construídas levando sempre em conta essas diretrizes.
Nenhuma jornada vitoriosa é constituída apenas de caminhos fáceis de serem percorridos. É preciso muita firmeza de propósitos, perseverança e alto poder de convencimento. Sem isso, não construímos alianças, não estabelecemos parcerias e não alcançamos o que preconiza nossa teoria de mudança: a população negra inserida e incluída de forma justa no desenvolvimento da sociedade brasileira.
Felizmente, estamos alcançando nossos principais objetivos. Mas ainda há muito a caminhar. A sociedade brasileira tem se tornado permeável em relação às questões de equidade de raça e gênero, como se espera de uma sociedade plural em relação a todas as diferenças.
Neste ano de 2021, que marca os 10 anos de fundação do Baobá, nossa busca não será diferente. Temos um leque de projetos nos quais vamos trabalhar e que ajudarão ainda mais a consolidar o nome de nossa instituição como principal articuladora da promoção da equidade para a população negra no Brasil. As novidades de 2021 você saberá ao longo do ano!
O que será destacado aqui é como foi 2020 para o Fundo Baobá. Um ano completamente atípico, conturbado pela pandemia do Coronavírus na esfera mundial – e que serviu para explicitar as desigualdades raciais em várias nações.
A luta contra o racismo eclodiu de forma positiva, ganhando repercussão e ações pelo mundo todo, até o Brasil. Estamos na esfera dos países de economia emergente, com potencial econômico para se tornar uma grande potência. Porém, nosso nível de desenvolvimento está na linha do mediano para baixo, marcado por uma abissal desigualdade social e um racismo incrustado nas relações sociais. Devemos baixar a cabeça? Não! Devemos lutar pela busca desse desenvolvimento, que trará crescimento econômico, equilíbrio socioambiental, paz, segurança, saúde e bem-estar para a população do país.
De forma evidente, o segmento da filantropia para equidade racial no Brasil sofreu impactos. Dos 207,8 milhões de pessoas no Brasil, 55,8% se descrevem como pardos, 9,3% como negros e 43,1% como brancos. Pretos e pardos formam a população negra. Todos os indicadores sociais – de educação, condições de vida, engajamento político, emprego e renda – refletem a desigualdade da sociedade brasileira e o papel nela desempenhado pelo racismo estrutural. Até recentemente, os esforços filantrópicos das organizações não negras da sociedade civil se limitavam a oferecer assistência, preservando ao mesmo tempo a posição social dos beneficiários. Não é, portanto, coincidência a coexistência entre a filantropia mainstream e o racismo estrutural.
E, no intuito de melhorar as condições das pessoas negras da sociedade brasileira, o Fundo Baobá atuou com determinação em 2020. Nossos parceiros de tempos, e outros que chegaram mais recentemente, têm nos ajudado na busca por consolidar nossos objetivos. São eles: WK Kellogg Foundation, Ford Foundation, Instituto Ibirapitanga, Open Society Foundations, Citi Foundation, J.P. Morgan, Fundação Lemann, Laudes Foundation, Porticus, Imaginable Futures, Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, OAK Foundation, Instituto Unibanco, The Coca-Cola Foundation, Instituto Coca-Cola Brasil, BV Banco, Instituto Votorantim, Google, Wellspring Philanthropic Fund e Demarest Advogados.
Esses parceiros apoiadores, além dos doadores individuais, têm nos propiciado investir em nosso fortalecimento institucional e realizar doações por meio de editais que, este ano, trataram de auxílio emergencial, educação, primeira infância e produção acadêmica para subsidiar a tomada de decisão. Entre 2011 e 2020 o Baobá lançou 15 editais de apoio. Destes, cinco tiveram lançamento em 2020. Cerca de 450 beneficiários diretos e mais de 210 mil indiretos. Investimento de R$ 10,2 milhões. Com relação ao Programa Marielle Franco, em 2020 foram doados R$ 3.148.285,34. São marcas significativas, mas sabemos que nosso potencial de trabalho pode nos levar a muito mais e vamos alcançar isso.
Abaixo, selecionamos alguns fatos que fizeram ao no de 2020 do Fundo Baobá:
Em 14 de março ocorreu o aniversário de dois anos da morte de Marielle Franco, vereadora e socióloga, assassinada no Rio de Janeiro ao lado do motorista Anderson Gomes. O Fundo Baobá, que em 2019 havia lançado um edital em apoio a mulheres negras líderes e a organizações lideradas por mulheres negras, que, recebeu o nome de Marielle Franco, fez seu posicionamento por intermédio de artigo assinado pela diretora executiva do Fundo, Selma Moreira, no jornal O Globo. Veja artigo neste link: Precisamos proteger todas as Marielles
Abril de 2020 marcou o lançamento do edital Doações Emergenciais no Contexto da Pandemia da Covid-19, voltado para organizações sem fins lucrativos ou pessoas físicas negras, comprometidas com a equidade racial e engajadas na promoção de ações para a proteção de pessoas e comunidades, que apresentassem propostas de ações de prevenção ao coronavírus realizadas junto à população residente em comunidades periféricas e outros territórios de vulnerabilidade; população em situação de rua; população privada de liberdade; idosos; jovens em cumprimento de medidas socioeducativas; populações residentes em áreas remotas de todas as regiões do país, comunidades quilombolas, ribeirinhas, indígenas, ciganos, migrantes, refugiados, e outras comunidades tradicionais, nas florestas e ilhas, onde existissem casos notificados. A resposta ao edital foi imediata e em menos de 15 dias mais de 1.000 candidaturas foram feitas visando o apoio financeiro. Esse edital atingiu o que determina o propósito de criação do Fundo Baobá: contribuir para o enfrentamento ao racismo promovendo justiça e equidade racial para a população negra, a mais atingida pela pandemia.
O edital em parceria com o Desabafo Social também aconteceu em abril. A objetivação foi apoiar ideias e projetos com foco em pessoas em situação de risco em São Paulo e no Rio de Janeiro – iniciativa que, posteriormente, foi ampliada para todo o país. Na primeira fase, 64 projetos de homens e mulheres de 15 a 35 anos foram selecionados. Na segunda fase, estendida para todo Brasil, 86 projetos foram incentivados, perfazendo 150 no total. O montante investido no Desabafo Social foi R$ 30 mil e cada ideia foi contemplada com valores que variaram de R$ 60 a R$ 350.
Também em abril, o Fundo Baobá apoiou a coalizão Éditodos, que criou o Programa de Emergências Econômicas para apoio a Empreendedores(as) das Comunidades, Favelas e Periferias. Coube ao Baobá gerenciar os recursos e fazer com que esses chegassem até a ponta. Além de atuar como fundo de captação de recursos no Brasil e fora dele visando o investimento em organizações e lideranças negras, o Baobá também atua como parceiro fiscal e operador para outras organizações negras que têm por objetivo implementar ações de filantropia.
O 1o de maio marca o Dia Internacional do Trabalho. O Fundo Baobá esteve na mídia em entrevista da diretora executiva Selma Moreira sobre financiamento de projetos de prevenção à Covid 19 entre negros, pobres e indígenas: Fundo Baobá financia projetos de combate à Covid-19 para negros, pobres e indígenas
Também em maio, no dia 25, ocorreu nos Estados Unidos a morte de George Floyd. Ele foi asfixiado por um policial. O fato teve repercussão mundial e iniciou uma série de protestos em território norte-americano e em todo mundo. Floyd virou símbolo da luta antirracismo. No Brasil, o portal UOL publicou o posicionamento do Fundo Baobá sobre essa questão em entrevista concedida pela diretora executiva Selma Moreira. Veja aqui a íntegra da entrevista: Qual o Reflexo da Filantropia na Equidade Racial?
No início de julho, com o Brasil sofrendo severamente com a Covid-19 e chegando à marca de quase 33 mil mortes, foi lançado o edital Primeira Infância no Contexto da Pandemia da Covid-19, com foco em famílias com crianças de 0 a 6 anos – um grupo que até então estava recebendo pouquíssima atenção no contexto da pandemia. Seu objetivo foi explícito: selecionar iniciativas de apoio a famílias que tivessem em seu núcleo crianças de 0 a 6 anos, mulheres e adolescentes grávidas, mulheres que deram à luz ou homens responsáveis e corresponsáveis pelo cuidado de crianças. A parceria do Baobá foi com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, a Porticus América Latina e a Imaginable Futures. As iniciativas estão sendo implementadas e, em breve, pretendemos compartilhar resultados, boas práticas e lições aprendidas.
Em julho, foi lançado o edital para o programa Já É: Educação e Equidade Racial. . O parceiro na iniciativa foi a Citi Foundation, braço do Citi Group para investimentos sociais. O objetivo: oferecer condições favoráveis para que 100 jovens negres da cidade de São Paulo e região metropolitana conseguissem vencer as dificuldades que impedem o acesso ao ensino superior. As aulas começam em março de 2021.
Difusão do conhecimento e divulgação de artigos que contribuíssem para melhorar ações de filantropia para a equidade racial no Brasil pós-pandemia foi a tônica do edital para Produção de Artigos Acadêmicos, lançado em agosto. A parceira nessa iniciativa do Fundo Baobá foi a Fundação Ford. A proposta do edital era selecionar 20 artigos que serão reunidos em uma publicação bilíngue a ser lançada no primeiro semestre de 2021.
Dois importantes eventos de parceiros do Fundo Baobá agitaram o calendário do mês de outubro: a Live do Citi sobre Promoção da Equidade Racial para a População Negra no Brasil e o Webinário Investimentos Filantrópicos para a Promoção da Equidade Racial, feito pelo JP Morgan. O Webinário discutiu se houve ou não progresso rumo à justiça racial na filantropia brasileira. Além disso, discutiu também como ampliar a incidência de investimentos sociais privados em organizações, grupos e coletivos negros.
Em novembro, um importante evento internacional, o Moving Forward Rebuilding a More Just and Equitable Educational Future – Wise, discutiu a questão do acesso à Educação. A diretora executiva do Baobá, Selma Moreira, falou para o público de países no exterior, sobre essa dificuldade de acesso enfrentada pela jovem população negra brasileira. Em sua fala, Selma Moreira chamou a atenção para o fato de que há um conceito enraizado na cabeça de muita gente na sociedade brasileira de que o elemento negro, independentemente de sua idade ou sexo, é inferior. “O fato de não terem acesso ao estudo, principalmente em seus níveis superiores, poderá ocasionar o não acesso aos melhores postos de emprego, talvez não consigam reunir condições de criar e administrar o seu próprio negócio e, em inúmeros casos, sequer terão moradia e meios de sobrevivência”.
Grandes marcas se reuniram para apoiar o edital Programa de Recuperação Econômica de Pequenos Negócios de Empreendedores(as) Negros(as), que o Fundo Baobá lançou. Essas marcas foram o Instituto Coca-Cola Brasil, Banco BV e Instituto Votorantim. Juntos, eles apoiarão pequenos empreendimentos liderados por pessoas negras em comunidades periféricas ou territórios em contexto de vulnerabilidade socioeconômica no Brasil. Ao todo, serão investidos mais de R$ 1,6 milhão.
O Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro, foi a data escolhida para que fosse anunciado o apoio do Google ao Fundo Baobá. A ação conjunta visa contribuir para a promoção da equidade racial no Brasil, viabilizando projetos focados no avanço da justiça racial e combate à violência contra a população negra. O Google fará uma doação de US$ 400 mil, mais de R$ 2,1 milhões. Infelizmente, na mesma data, o Fundo Baobá e todo o Brasil tomaram conhecimento de que, em Porto Alegre, no interior de uma loja do grupo Carrefour, foi morto por espancamento João Alberto, um cidadão negro brasileiro. João foi morto por seguranças da loja. Esse triste acontecimento lembra a todos nós a importância de ações de enfrentamento ao racismo e promoção da equidade racial para garantir a construção de sociedades democráticas, justas e inclusivas. E reforça nosso compromisso com o trabalho que vamos desenvolver na próxima década, começando agora, em 2021.
Feliz Ano Novo!