Por que celebramos hoje o Dia Internacional das Pessoas Afrodescendentes?

Por Vinícius Vieira

Hoje, dia 31 de agosto de 2021, celebramos pela primeira vez o Dia Internacional das Pessoas Afrodescendentes. A data é uma iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU), como forma de relembrar a célebre 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, organizada por ela entre os dias 31 de agosto e 8 de setembro de 2001, na cidade de Durban, na África do Sul.

Celebrando 20 anos na presente data, a Conferência de Durban teve a participação de 173 países e 4 mil ONGs. No final do encontro, dois documentos foram gerados como forma de aplicar políticas públicas de combate ao racismo em todo o mundo: a Declaração de Durban e o Programa de Ação.

3ª Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, organizada, em 2001, na cidade de Durban, na África do Sul

O Brasil esteve presente na Conferência. A sociedade civil negra organizada, em especial as mulheres negras, tiveram papel fundamental. O país não só é signatário de suas resoluções, como compôs a relatoria oficial do evento. Para o doutorando em Saúde Coletiva (PPGSCM/IFF/Fiocruz), mestre em Políticas Públicas em Direitos Humanos (UFRJ), psicólogo, pesquisador da Fiocruz e coordenador do Plano Fiocruz de Enfrentamento à Covid-19 nas Favelas do Rio de Janeiro, Richarlls Martins, a participação do país na Conferência trouxe avanços significativos: “A Conferência de Durban é um marcador histórico no âmbito global e especialmente aqui no Brasil, trazendo pautas relacionadas à promoção da equidade racial e de enfrentamento ao racismo”. 

Richarlls Martins, doutorando em Saúde Coletiva (PPGSCM/IFF/Fiocruz), mestre em Políticas Públicas em Direitos Humanos (UFRJ), psicólogo e professor do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Algumas das pautas defendidas pelo movimento negro no final dos anos 80 e na década de 90 foram reforçadas em Durban e convertidas em políticas públicas: a utilização do critério de autodeclaração de cor/raça nos censos demográficos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e as políticas afirmativas para inclusão de pessoas negras no ensino superior, como o sistema de cotas em instituições públicas e o Programa Universidade para Todos (ProUni). Com a visibilidade estatística, cuja importância foi tão ressaltada na Conferência Mundial, sabemos hoje que a maioria da população brasileira é negra, representando 54,6% e que, em 2018 negros  passaram a representar 50,3% dos estudantes do ensino superior da rede pública.

Entretanto, 20 anos depois, mesmo com todas estas conquistas simbólicas, a realidade da população afrodescendente ainda está longe do ideal. As desigualdades seguem pujantes e fazendo vítimas. Em junho, a mesma ONU da Conferência de Durban divulgou um relatório especial de Promoção e proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais das pessoas africanas e afrodescendentes contra o uso excessivo da força e outras violações dos direitos humanos por agentes policiais. O documento foi apresentado à Assembleia Geral pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos e aprovado após o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos, que deflagrou uma série de protestos no mundo e popularizou um brado: “Vidas Negras Importam”.

A premissa do documento é desconstruir culturas de negação, desmantelar o racismo sistêmico e acabar com a impunidade para as violações dos direitos humanos por parte de agentes policiais. O Brasil é um dos países que mais tem mortes de pessoas negras por policiais, o próprio relatório cita um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública no qual a taxa de mortalidade em 2019, devido a intervenções policiais, foi 183,2% maior para pessoas afrodescendentes do que para pessoas brancas. O mesmo estudo foi realizado em  2020 e mostrou que 78% dos mortos pela polícia eram negros. 

O relatório da ONU ainda cita os assassinatos de Luana Barbosa dos Reis Santos, que foi morta na frente do seu filho de 14 anos, na cidade de Ribeirão Preto (SP), e do jovem João Pedro Mattos Pinto, que foi assassinado dentro de casa em uma ação policial no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (SP).

Luana Barbosa dos Reis Santos e João Pedro Mattos Pinto

Segundo Richarlls, tudo se trata de um processo histórico de violação de direitos: “Tivemos avanços significativos em algumas áreas setoriais, mas a grande dificuldade desse processo se dá na temática de garantia de direito à vida da população negra. Tudo isso está enraizado no processo histórico de violação dos direitos da população negra, a partir de um processo secular de escravização, que ainda quer permitir o flagelo sobre o corpo negro”. Inclusive, Richarlls faz questão de mencionar que o momento político e econômico atual, além da grande crise sanitária, derivada da pandemia do novo coronavírus, impactou diretamente na vida da população afrodescendente brasileira: “Nos últimos três anos nós tivemos um retrocesso, começando pela perda do ministério da igualdade racial, havendo uma defasagem no âmbito da governança das políticas públicas. Hoje nós temos uma ampliação da extrema pobreza na população negra, além do aumento de desemprego e da violência letal contra afrodescendentes”.

Por reconhecer os impactos do racismo na vida e no desenvolvimento de afrodescendentes, a ONU instituiu de 2015 até 2024 a Década Internacional de Afrodescendentes, sendo uma ocasião para promover maior conhecimento, valor e respeito às conquistas da população afrodescendente e às suas contribuições para a humanidade, além de promover o respeito, proteção e a concretização de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, conforme reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Década Internacional dos Afrodescendentes: 2015-2024

Richarlls diz que é preciso aproveitar essas ocasiões para trazer visibilidade para a luta afrodescendente: “O nosso país precisa ser alvo de solidariedade global. Especialmente no que diz respeito à pauta de ampliação e defesa dos direitos da população negra”.

Aliança entre Fundos: Conheça a iniciativa inédita no campo da filantropia do sul global

Por Vinícius Vieira

No dia 26 de agosto, aconteceu o evento virtual que discutiu os “Impactos da COVID-19 e a filantropia para a justiça social no Brasil”, que também marcou o lançamento da Aliança Entre Fundos, uma iniciativa surgida a partir da mobilização comunitária pela justiça racial, social e ambiental, propondo um novo modo de atuação no ecossistema da filantropia no Brasil: a filantropia colaborativa para a justiça social.

Integram esta iniciativa inédita o Fundo Baobá para Equidade Racial, o Fundo Brasil Direitos Humanos e o Fundo Casa Socioambiental. Juntos, os três Fundos irão fazer um aporte inicial de R$ 2,5 milhões, distribuídos em diferentes editais. A grande novidade é o modo de atuação no ecossistema da filantropia no Brasil. Esta é a primeira vez que três Fundos se reúnem para promover o maior aporte de recursos diretos para os povos indígenas e as comunidades quilombolas mais vulnerabilizadas pela pandemia.

O Fundo Baobá, que celebra dez anos de atividades em 2021, é o primeiro e único Fundo no país dedicado à promoção da equidade racial. A organização realizou no ano de 2020, cinco editais inseridos no contexto da Covid-19, entre eles o “Apoio Emergencial para Ações de Prevenção ao Coronavírus”, que apoiou 350 projetos (215 de indivíduos e 135 de organizações) de comunidades vulneráveis, mulheres, população negra, idosos, povos originários e comunidades tradicionais. Acerca das comunidades quilombolas, este edital apoiou 17 iniciativas de organizações quilombolas e 16 projetos de pessoas que moram em quilombos. 

O Fundo Brasil Direitos Humanos é uma fundação independente e sem fins lucrativos, formada no ano de 2006 e que atua promovendo o respeito aos direitos humanos no país, criando mecanismos sustentáveis, inovadores e efetivos para fortalecer organizações da sociedade civil e para desenvolver a filantropia de justiça social. No dia 8 de abril, a organização lançou o edital “Fundo de Apoio Emergencial: Covid-19”, que atendeu 271 pedidos de organizações, grupos e coletivos que atuaram no enfrentamento às consequências da pandemia junto às suas comunidades.

O Fundo Casa Socioambiental é uma organização que atua desde 2005 e busca promover a conservação e a sustentabilidade ambiental, a democracia, o respeito aos direitos socioambientais e a justiça social por meio do apoio financeiro e fortalecimento de capacidades de iniciativas da sociedade civil na América do Sul. As suas ações voltadas para o combate da Covid-19 resultou em uma série de parcerias, principalmente em defesa dos povos indígenas, diante do contexto pandêmico, como a campanha do “Fundo de Emergência da Amazônia”, que foi criada justamente para canalizar fundos diretamente para as comunidades indígenas que enfrentam o novo coronavírus na floresta amazônica.

A Iniciativa da Aliança entre Fundos foi impulsionada pelo reconhecimento da atuação e do protagonismo dos povos indígenas, da população quilombola e das organizações de base comunitária diante da pandemia da COVID-19. Antes individualmente e agora unidos, os Fundos atuam na construção de convocatórias para o apoio a ações de grupos, organizações e/ou indivíduos que visem enfrentar os impactos da pandemia.

Selma Moreira, diretora-executiva do Fundo Baobá para Equidade Racial, salienta a importância da aliança inédita entre os três Fundos, ao atender diretamente as comunidades mais vulneráveis: “Decidimos nos voltar para essas comunidades de povos tradicionais, que têm mais dificuldade para acessar esse tipo de recurso. E também resolvemos trabalhar juntos nessa operação por causa da pandemia. Há muitos recursos, mas também muita disputa por eles”.

Selma Moreira, diretora-executiva do Fundo Baobá para Equidade Racial

“A luta por direitos é coletiva e, portanto, incentivar e viabilizar o trabalho em rede no campo dos direitos humanos é uma estratégia central na atuação do Fundo Brasil”, diz Allyne Andrade, superintendente adjunta do Fundo Brasil de Direitos Humanos. “Por isso, faz muito sentido para nós que as fundações criem metodologias de apoio conjunto às organizações e grupos ativistas. Essa é uma parceria que fortalece todas e todos nós.”

Allyne Andrade, superintendente adjunta do Fundo Brasil de Direitos Humanos

Já a fundadora e diretora de desenvolvimento estratégico do Fundo Casa Socioambiental Maria Amália Souza, afirma que a organização nasceu e sempre funcionou a partir de alianças, parcerias e uma enorme rede de confiança. “Para atuar em territórios complexos e levar recursos para as mãos dos verdadeiros guardiões planetários, é preciso trabalhar junto. Portanto, a Aliança entre Fundos é uma realização importantíssima, pois viabiliza uma coordenação ímpar no campo da filantropia para a justiça social, onde trabalharemos de forma coordenada para ampliar nosso impacto coletivo na sociedade como um todo”.

Maria Amália Souza, fundadora e diretora de desenvolvimento estratégico do Fundo Casa Socioambiental

Os editais de cada uma das instituições que compõem a Aliança Entre Fundos, serão lançados em Setembro.

 

Vida Quilombola – Respeitar, reivindicar e se impor para ter respeito

Por Wagner Prado

No mês de julho entrevistamos duas líderes quilombolas: Selma Dealdina, secretária executiva da Coordenação Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e Luiza Cavalcante Santos Dias, do Sitio Agatha, na Zona da Mata, em Pernambuco. Uma conversa rica, de muito aprendizado sobre a vida nos quilombos. Nesta edição, a conversa será com o Jhonny Martins de Jesus, quilombola com origem na comunidade de Furnas do Dionísio em Jaraguari/MS e que atualmente reside no Quilombo Salinas, em Campinas do Piauí (PI), estudioso da vida nos quilombos, outra importante figura entre essa rica comunidade 

Quais as principais reivindicações da comunidade quilombola hoje?
Acesso à terra (titulação), educação, saúde com o enfrentamento ao COVID e vacina para todos/as quilombolas. Apoios com projetos que gerem renda e emprego nos quilombos. 

Que barreiras impedem chegar a essas reivindicações?
O racismo estrutural e institucional e o sucateamento das políticas públicas são algumas das barreiras impostas aos quilombolas.  O Estado brasileiro, com suas estruturas e posturas racistas, é um entrave, uma vez que a política quilombola é vista como uma política de governo e não de Estado. Para atender a algumas poucas reivindicações exigidas pelo movimento quilombola, precisamos recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), como foi o caso recente do COVID em territórios quilombolas. 

Jhonny Martins de Jesus, liderança quilombola no Quilombo Salinas, em Campinas do Piauí (PI)

Como está a questão do não reconhecimento das terras quilombolas?
Nossa maior reivindicação é a titulação dos territórios quilombolas. São 1.767 processos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). São 2.819 quilombos certificados e 3.475 quilombos identificados no Brasil. A CONAQ estima que existam no país 6.300 quilombos. São 134 territórios quilombolas titulados; 47 territórios quilombolas parcialmente titulados. Sem a garantia definitiva dos nossos territórios, continuaremos a sofrer com as violações do Estado brasileiro.

Você se considera um estudioso da vida e da cultura quilombola?
Sou um estudioso da vida e da cultura quilombola e também sou um agricultor quilombola.

Que ensinamentos o modo de vida quilombola pode trazer para homens e mulheres neste quase ¼ do século 21?
Aprendemos com nossos ancestrais a lutar pela garantia dos nossos territórios, a viver em coletividade, cuidando da terra, da água, das pessoas que no quilombo vivem, guardando os conhecimentos ancestrais. A prendemos a lidar com as plantas medicinais, a produzir e manter a cultura e a tradição quilombola, mas também a fazer o enfrentamento ao racismo,  que em pleno Século 21 precisamos denunciar, numa sociedade que viola os corpos negros, que não titula os territórios quilombolas. Vivemos numa reflexão mútua em aprender e ensinar sobre nosso modo de viver e fazendo com que a sociedade conheça a história do Brasil. Para isso, precisam saber que ainda existem sim, quilombos neste país.    

Quilombo Salinas, em Campinas do Piauí (PI)

No contexto da Pandemia, os quilombolas deixaram de ser priorizados?
No dia 9 de setembro de 2020, a CONAQ, juntamente com entidades que apoiam a luta quilombola, e partidos políticos, protocolou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 742 (ADPF), que reconheceu o direito à implementação de medidas específicas para combate à COVID, diante da vulnerabilidade social das comunidades, agravada pela pandemia. Isso não se restringiu à vacinação, mas também a materiais de higiene; promoção de testagens; logística para acesso a leitos hospitalares; garantia do acesso à alimentação; à água potável e falta de efetivação do direito à terra. Esses foram alguns dos elementos abordados pela ADPF.

Saiba mais sobre a ADPF

A contribuição negra para a Comunicação no Brasil

Por Vinícius Vieira

No dia 5 de agosto, estreou nos principais cinemas do país o filme Doutor Gama, que narra a trajetória de Luiz Gama, líder abolicionista. A vida de Luiz Gama já foi abordada pelo Fundo Baobá em uma matéria especial, mas é importante salientar que Gama foi uma figura importantíssima para a modernização da Comunicação no país. No ano de 1864, o advogado e jornalista fundou o primeiro jornal ilustrado humorístico da capital paulista, o Diabo Coxo, considerado algo inovador para a época.

Diabo Coxo – Jornal ilustrado idealizado por Luiz Gama

Para Edson Cardoso, jornalista, mestre em Comunicação Social, doutor em Educação e membro do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, há um grande apagamento da história de pessoas negras que contribuíram para o avanço da Comunicação no país, assim como foi Luiz Gama: “José do Patrocínio, outro grande nome do século XIX, é considerado um dos maiores jornalistas que o país conheceu”, relembra Edson. “Mas, além dos indivíduos que se destacaram por seus méritos numa realidade adversa e hostil, há uma imprensa negra vinculada ao coletivo de associações e entidades, que diz respeito aos esforços de organização política”, completa.

José do Patrocínio, jornalista e abolicionista

Foi justamente com a premissa de valorizar e preservar a memória negra brasileira, que nasceu das mãos de Edson Cardoso o Irohin, que surgiu no ano de 1996, como um jornal impresso e hoje é um centro de memória e documentação da história negra, além do projeto de uma biblioteca. O nome Irohin é uma palavra de origem Iorubá que significa notícia. O seu criador considera o Irohin um projeto de maturidade: “Antes do Irohin, eu editei o Raça & Classe e o Jornal do MNU (Movimento Negro Unificado), ambos tabloides. Na revista da UnB (Universidade de Bahia), Humanidades, eu era um faz-de-tudo, com o nome três vezes no expediente, e sou também o editor convidado em 1988 para o número do Centenário da Abolição”, sendo que neste último, Edson contou com a colaboração de Lélia Gonzales, Luíza Bairros, Helena Teodoro, entre outras personalidades negras. “No Irohin, tive oportunidade, finalmente, de coordenar um projeto que envolveu muita gente jovem talentosa, num momento de enfrentamento decisivo como foi a luta pela legitimidade das ações afirmativas. Eu já tinha o mestrado em Comunicação, mas a minha aprendizagem foi lenta e acidentada, fora da escola. O projeto de valorização da memória era, em princípio, valorização da memória do Irohin”, conta Edson, que também afirma que aos poucos vai incorporando outras dimensões no projeto.

Edson Cardoso, jornalista, mestre em Comunicação Social, doutor em Educação e membro do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá

Quando se fala em resgate de memória, automaticamente pensamos em personalidades renomadas, porém Edson salienta a importância de registrar e contar memórias de pessoas comuns: “é justamente no cotidiano das nossas comunidades que vamos encontrar o rico patrimônio de uma cultura de resistência e continuidade que enfrenta os obstáculos a nossa participação econômica, social e política”. Edson usa como exemplo a história do Valdir Macário, um cabeleireiro que foi brutalmente assassinado em 2016, em seu local de trabalho, em Salvador: “Valdir era referência comunitária importante, uma perda inestimável. Exatamente por isso que eu tenho insistido, em várias intervenções, de que nós devemos valorizar mais as estratégias de sobrevivência utilizadas pela população negra. Sempre estivemos por nossa própria conta, sobrevivemos por nossa própria conta. Os recursos públicos, as políticas públicas, seletivas e orientadas pelo racismo, foram responsáveis pelo aprofundamento das desigualdades raciais. Portanto, é preciso que retornemos à nossa comunidade, sempre. Para nos convencermos de que nada nos é impossível.

Valdir Macário, “Valdir Cabeleireiro”, assassinado em 2016 na Bahia

157 anos depois da fundação do primeiro jornal ilustrado, pelas mãos de Luiz Gama, hoje temos um avanço significativo de pessoas negras na Comunicação. Se por um lado celebramos a presença da jornalista Maju Coutinho como âncora do jornal com maior duração da emissora mais popular do país, Edson faz questão de frisar que no país dos 56,4% da população negra, segundos dados do IBGE, a TV brasileira se comporta como um selo colonial: “Quando você examina um selo de Angola e Moçambique emitidos por Portugal, que era a matriz colonial, a imagem representada no selo era portuguesa. Angola e Moçambique, invisíveis, eram representados por imagens portuguesas, com despudor e arrogância”, diz o jornalista que ainda cita Muniz Sodré para concluir o pensamento: “Ele disse que a TV brasileira, para o negro, era como o espelho para o vampiro. Não reproduzia sua imagem, tal qual como os selos coloniais”, completa.

Mesmo que a representatividade seja pequena, Edson Cardoso acredita que é importante valorizar todas as conquistas: “Quando falamos em avanço, falamos em pequenas mudanças nesse quadro de violência brutal. Há um longo e tortuoso caminho ainda a ser percorrido, mas todos os passos são importantes. Mesmo os vacilantes e trôpegos, o importante é que a direção é correta”.

Edson ressalta, entretanto, que existem muitos veículos de comunicação e que não podemos ficar limitados apenas à grande imprensa: “Temos que nos debruçar também sobre um rico e diversificado acervo: o frente-e-verso, o panfleto, o informativo, a precária e sofrida edição única, os cartazes. Têm um sentido coletivo, de intervenção política, que nos interessa muito”.

Por fim, Edson, que seguiu a profissão de jornalista tendo como exemplo o pai que era tipógrafo, acredita que o essencial para a juventude negra que quer trilhar no caminho da Comunicação é se engajar no esforço coletivo que atravessa gerações: “Tenho esperanças de que a produção intelectual e o avanço das pesquisas conduzidas por intelectuais comprometidos trarão mais luz para os embates que travamos no campo decisivo da Comunicação”.

10 Anos do Baobá: Após uma década de atuação, Fundo lança olhar para o futuro

Martha Rosa, professora e doutora em História, e Giovanni Harvey, presidente do Conselho Deliberativo do fundo, falam sobre o tema

Por Wagner Prado

A comemoração dos 10 anos de atividades do Fundo Baobá para Equidade Racial coloca, à equipe de governança da instituição, questionamentos. Alguns deles: Como serão os próximos 10 anos? Como expandir? Como ser a melhor opção para os doadores? Como será a atuação política? Internacionalizar-se ou manter-se local? 

Algumas dessas questões foram colocadas para a historiadora e professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Martha Rosa Queiroz, e para o presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, Giovanni Harvey. Para se ter o olhar no futuro é importante se voltar para o passado, talvez a maior fonte de aprendizado visando um bom planejamento. 

O primeiro aspecto abordado por ambos é quanto aos próximos desafios para o Baobá. Para a professora Martha Rosa, ter forte presença nas capitais e cidades do Nordeste é tão fundamental quanto ter voz atuante a partir de estados nordestinos, notadamente alguns dos quais as populações mais sofrem com questões de desigualdade econômica no Brasil. “O mais  importante é se firmar como uma voz política em defesa da equidade racial e do combate ao racismo e efetivar sua inspiração primeira de falar a partir do nordeste.”  Para Giovanni Harvey, o foco está na maior capacidade e independência de atuação do Baobá. “Acho que o desafio que nós temos, nos próximos dez anos, é alcançar a cifra dos R$ 250 milhões de balanço patrimonial para que o Baobá possa ter, de fato, capacidade de incidência maior. Nós podemos dizer isso, sem prejuízo do avanço institucional e sem prejuízo da necessidade de fazer esse debate”, afirma.

Mas mesmo sem ainda ter alcançado a cifra desejada em termos de doações recebidas, que hoje estaria na casa dos R$ 30 milhões, o Baobá já seria, com 10 anos de existência, uma instituição consolidada? Martha Rosa Queiroz afirma que sim: “Do ponto de vista  organizacional, sim. Somos uma instituição bem estruturada e com princípios definidos.  Concebendo a consolidação como um processo constante, o Baobá está  consolidado para perceber, analisar e atender as demandas, que são muitas e atualizadas  cotidianamente”, diz. 

Martha Rosa, historiadora e professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

O presidente do Conselho Deliberativo tem a sua própria visão: “A consolidação ainda não foi alcançada. Nós temos um aspecto institucional, esse aspecto institucional está  ligado ao desenho do Baobá, sua governança, as funções que são necessárias para que o Baobá possa cumprir a sua missão.  Existe o segundo aspecto que é o financeiro, patrimonial, que diz respeito ao quanto esse endowment (balanço patrimonial) dá consistência a que o Baobá possa cumprir as suas atribuições e um terceiro aspecto eu chamaria de mais político-institucional. No institucional, temos um desenho evoluído e estamos próximos da consolidação, com uma assembleia geral, um conselho fiscal, um comitê de investimento. Eu diria que nós avançamos bastante nesses dez anos e que sobre esse ponto de vista o Baobá está mais próximo da consolidação do que nos outros aspectos.”

Analisando o Brasil com o olhar progressista, o que se enxerga é um retrocesso em termos políticos, o que não facilita uma evolução para quem, como o Fundo Baobá, trabalha com ações afirmativas. A partir desse cenário, ambos, Martha Rosa e Giovanni Harvey, pensam em como deverá ser o trabalho do Baobá caso o cenário político brasileiro siga inalterado. “Será necessário ampliar alianças  com diferentes setores, fortalecer o Movimento Negro  e investir em ações de agenda de autossustentação política e econômica”, afirma a professora Martha Rosa. 

Giovanni Harvey acredita que a estratégia futura, mesmo nesse momento em que, administrativamente, a política brasileira está passando por um período de ruptura,  seja continuar com o mesmo foco no trabalho desenvolvido até aqui. E o motivo é simples: “Não quero dar a esse ciclo de quatro anos da história do Brasil a capacidade de desconstruir o que foi construído em mais de trinta anos (desde a Constituição de 1988). Eu não reconheço a condição de se evitar que a sociedade civil e a iniciativa privada, mesmo sob este Governo, tomem iniciativas que nunca tomaram na história e que essas iniciativas tenham o peso superior ao que eles (Governo) deixaram de fazer nesse momento. Mas, sem dúvida alguma, estamos diante de uma tentativa de desconstrução”, afirma. 

Giovanni Harvey, presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá

O caminho da internacionalização do Fundo Baobá é inevitável na estratégia de arregimentar novos e importantes investidores e fortalecer a relação com quem já se tem dialogado ou com quem o fundo já atua em parceria. 

Finalizando a conversa sobre o olhar para o futuro, Martha Rosa e Giovanni Harvey falam sobre as vantagens de apoiar o Baobá, sendo um pequeno ou grande doador. “Milhões de potencialidades são abortadas sistematicamente no Brasil em função da mentalidade escravocrata  que ainda impera no país.  Investir em um Fundo que enfrenta essa mentalidade significa abrir horizontes infinitos”, diz Martha Rosa.  Giovanni Harvey é contundente: “Não se faz combate ao racismo promovendo o racismo. Então, se eu tenho uma instituição fundada e liderada sob a hegemonia de pessoas negras e outra liderada por pessoas brancas, as duas instituições se propõem a fazer o enfrentamento à discriminação étnico-racial no Brasil, eu vou botar dinheiro na instituição de negros. Então, a condição preliminar,  independentemente do ser o Baobá ou não ser o Baobá, é reconhecer o protagonismo das pessoas negras”, conclui Harvey.

Fundo Baobá na imprensa em Julho

Por Vinícius Vieira

No mês de julho, membros da diretoria do Fundo Baobá foram destaque na imprensa, falando da importância da promoção da equidade racial em nosso país. 

O economista e membro do conselho deliberativo da organização, Elias Sampaio, foi entrevistado na matéria Exclusão racial no topo da pirâmide de renda do Brasil deve aumentar, publicada na Folha de São Paulo, no dia 3, e também compartilhada no portal O Tempo. A reportagem abordou a desigualdade entre negros e brancos mais ricos do país. O IFER (Índice Folha de Equilíbrio Racial) indicou que, em 2019, a população negra representava 54% da população brasileira com 30 anos ou mais, mas apenas 30,4% se encontravam no topo da pirâmide de renda. As projeções mostram que se não houver nenhuma alteração no componente econômico ao longo dos anos, essa fatia de negros no topo da pirâmide pode, ao invés de aumentar,  encolher, chegando a 24% em 2046.

Em sua fala, Elias Sampaio salientou a importância de incluir a questão racial na centralidade das políticas econômicas do Brasil: “A questão racial é o elemento mais importante para se discutir o desenvolvimento brasileiro. É um problema estruturante”.

A diretora de programa do Fundo Baobá, Fernanda Lopes, foi entrevistada na matéria especial Como suas ancestrais, empreendedoras negras driblam dificuldades e criam as próprias oportunidades, publicada no portal Alma Preta. O centro da reportagem é o empreendedorismo de mulheres negras, que têm usado a internet como a principal ferramenta de difusão do seu trabalho. Fernanda falou de estratégias que as afroempreendedoras podem utilizar para criar a própria oportunidade de crescimento: “Buscar informações sobre o seu campo de atuação, e o que as pessoas que atuam no mesmo setor têm realizado para divulgar o trabalho, seus produtos, e o que eles trazem de diferencial. Ou seja: é preciso ter uma visão geral do que estão fazendo, para poder fazer diferente, ou fazer semelhante a ponto de ser percebido”.

Também foi destaque na imprensa no mês de julho o Pacto de Promoção da Equidade Racial, uma iniciativa desenvolvida por um grupo de 140 apoiadores, entre eles, investidores institucionais, empresários, CEOs, representantes do movimento negro, ONGs, pesquisadores, entre outros, que têm a ambição de conseguir, no tempo do crescimento de uma geração, melhorar a educação pública para conseguir obter uma representação mais justa dos profissionais negros no mercado de trabalho. O Fundo Baobá participou da concepção da iniciativa, com contribuições importantes de membros do Conselho Deliberativo e Assembleia Geral. A diretora-executiva do Fundo Baobá, Selma Moreira, foi entrevistada pelo jornal Valor Econômico e falou da importância do Pacto: “É obrigação da geração atual, a fim de reparar as injustiças acumuladas no passado, equilibrar o presente e promover um futuro mais justo e inclusivo”.

O Pacto de Promoção da Equidade Racial foi destaque também no Estadão, Idis e no Bonde

 

Julho das Pretas

O mês de julho é conhecido como o “Julho das Pretas”, em virtude da comemoração do Dia da Mulher Negra e Dia Nacional de Tereza de Benguela, duas organizações apoiadas pelo Fundo Baobá, foram destaque na mídia com a realização de eventos para celebrar o Julho das Pretas. A Rede de Mulheres Negras do Piauí organizou o 3º Encontro Estadual de Mulheres Negras, nos dias 14, 16 e 17 de julho, contando com palestras e discussões sobre intolerância religiosa, feminismo negro, entre outras questões que perpassam a vida de mulheres negras. O evento virtual foi destaque no portal G1 do Piauí e também no portal Pensar Piauí.

Rede de Mulheres Negras do Piauí

O Coletivo Filhas do Vento, de Recife (PE), apoiado no Programa de Aceleração e Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, foi destaque no portal SOS Corpo, com o lançamento do projeto audiovisual sobre pautas feministas negras, contando a trajetória de cinco anos do coletivo. Todo o material disponibilizado pode ser acessado no site oficial das Filhas do Vento.

Coletivo Filhas do Vento – PE

Fechando o mês de julho, no dia 30, aconteceu o lançamento do Dossiê Temático: Mulheres Negras da Paraíba no Contexto da Pandemia da Covid 19, escrito e organizado pela Coletiva de Mulheres Negras na Paraíba – Abayomi. O documento lançado tem como premissa produzir e difundir informações sobre as condições das mulheres negras na Paraíba, no contexto pandêmico, além de estimular os principais setores do Estado a se comprometer com a pauta racial. O evento virtual contou com as autoras colaboradoras, além das participantes do comitê científico do dossiê e da diretora de programa do Fundo Baobá, Fernanda Lopes. O mesmo foi divulgado no G1 Paraíba, no Brasil de Fato, no Jornal Floripa e no portal da Edna Soares.

 

Apoiadas

No campo das apoiadas do Fundo Baobá, em especial do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, a advogada, atriz, doutora em Ciências Sociais pela PUC/SP e liderança apoiada do Programa, Enedina do Amparo Alves, participou da live de abertura do Seminário Estadual Segurança Pública e violência policial: quais corpos são alvos?. A jornalista, co-fundadora da Plataforma Conexão Malunga e pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisa em Análise do Discurso da UFBA, Mariana Gomes, participou do podcast do LeMonde Diplomatique, que falou sobre os resultados do Relatório Direito à Comunicação 2020, produzido pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. Enquanto a mestra em Cultura e Sociedade (UFBA) e fundadora do Commbne, Midiã Noelle, escreveu para o Correio (BA) a coluna Desistir pra continuar seguindo: uma reflexão sobre a pausa de Simone Biles, falando sobre a ginasta norte-americana, que desistiu de competir no jogos olímpicos em Tóquio, para cuidar da saúde mental.

Ainda sobre o Programa Marielle Franco, o Instituto Ibirapitanga, um dos financiadores do edital, ao lado da Fundação Ford, Fundação Kellogg e Open Society Foundations, fez uma matéria especial com quatro lideranças apoiadas pelo programa: Dandara Rudsan, Jenair Alves, Monalyza Alves e o Grupo de Mulheres Lésbicas e Bissexuais Maria Quitéria.

Monalyza Alves e outras três lideranças negras, apoiadas no Programa Marielle Franco, no portal do Instituto Ibirapitanga 

Coluna “Negras que Movem” – Portal Geledés 

Enquanto isso, na coluna Negras Que Movem, publicada no portal do Instituto Geledés da Mulher Negra, com textos e reflexões feitas pelas mulheres negras apoiadas no Programa Marielle Franco, a jornalista e autora do livro-reportagem “Negra Sou: a ascensão da mulher negra no mercado de trabalho”, Jaqueline Fraga escreveu o artigo Precisamos falar sobre as personagens negras em “Salve-se quem puder”.

Enquanto o artigo Resistências! foi escrito em parceria pela assistente social e especialista em gestão pública, Brígida Rocha dos Santos; com a bacharel em Direito, coach de desenvolvimento pessoal afrocentrado, defensora popular, coordenadora cultural e de eventos e integrante do coletivo Juventude de Terreiro Cenarab (MG), Lorena Borges, na companhia das lideranças quilombolas: Emília Carla Costa (Quilombo Santo Antônio dos Pretos – São Luís Gonzaga/MA), Lucimar Sousa Silva Pinto, (Sitio Raízes – Pirapemas/MA) e Tânia Heloísa de Moraes (Quilombo Ostra – Eldorado no Vale do Ribeira/SP).