Por Vinícius Vieira
Hoje, dia 31 de agosto de 2021, celebramos pela primeira vez o Dia Internacional das Pessoas Afrodescendentes. A data é uma iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU), como forma de relembrar a célebre 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, organizada por ela entre os dias 31 de agosto e 8 de setembro de 2001, na cidade de Durban, na África do Sul.
Celebrando 20 anos na presente data, a Conferência de Durban teve a participação de 173 países e 4 mil ONGs. No final do encontro, dois documentos foram gerados como forma de aplicar políticas públicas de combate ao racismo em todo o mundo: a Declaração de Durban e o Programa de Ação.
O Brasil esteve presente na Conferência. A sociedade civil negra organizada, em especial as mulheres negras, tiveram papel fundamental. O país não só é signatário de suas resoluções, como compôs a relatoria oficial do evento. Para o doutorando em Saúde Coletiva (PPGSCM/IFF/Fiocruz), mestre em Políticas Públicas em Direitos Humanos (UFRJ), psicólogo, pesquisador da Fiocruz e coordenador do Plano Fiocruz de Enfrentamento à Covid-19 nas Favelas do Rio de Janeiro, Richarlls Martins, a participação do país na Conferência trouxe avanços significativos: “A Conferência de Durban é um marcador histórico no âmbito global e especialmente aqui no Brasil, trazendo pautas relacionadas à promoção da equidade racial e de enfrentamento ao racismo”.
Algumas das pautas defendidas pelo movimento negro no final dos anos 80 e na década de 90 foram reforçadas em Durban e convertidas em políticas públicas: a utilização do critério de autodeclaração de cor/raça nos censos demográficos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e as políticas afirmativas para inclusão de pessoas negras no ensino superior, como o sistema de cotas em instituições públicas e o Programa Universidade para Todos (ProUni). Com a visibilidade estatística, cuja importância foi tão ressaltada na Conferência Mundial, sabemos hoje que a maioria da população brasileira é negra, representando 54,6% e que, em 2018 negros passaram a representar 50,3% dos estudantes do ensino superior da rede pública.
Entretanto, 20 anos depois, mesmo com todas estas conquistas simbólicas, a realidade da população afrodescendente ainda está longe do ideal. As desigualdades seguem pujantes e fazendo vítimas. Em junho, a mesma ONU da Conferência de Durban divulgou um relatório especial de Promoção e proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais das pessoas africanas e afrodescendentes contra o uso excessivo da força e outras violações dos direitos humanos por agentes policiais. O documento foi apresentado à Assembleia Geral pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos e aprovado após o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos, que deflagrou uma série de protestos no mundo e popularizou um brado: “Vidas Negras Importam”.
A premissa do documento é desconstruir culturas de negação, desmantelar o racismo sistêmico e acabar com a impunidade para as violações dos direitos humanos por parte de agentes policiais. O Brasil é um dos países que mais tem mortes de pessoas negras por policiais, o próprio relatório cita um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública no qual a taxa de mortalidade em 2019, devido a intervenções policiais, foi 183,2% maior para pessoas afrodescendentes do que para pessoas brancas. O mesmo estudo foi realizado em 2020 e mostrou que 78% dos mortos pela polícia eram negros.
O relatório da ONU ainda cita os assassinatos de Luana Barbosa dos Reis Santos, que foi morta na frente do seu filho de 14 anos, na cidade de Ribeirão Preto (SP), e do jovem João Pedro Mattos Pinto, que foi assassinado dentro de casa em uma ação policial no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (SP).
Segundo Richarlls, tudo se trata de um processo histórico de violação de direitos: “Tivemos avanços significativos em algumas áreas setoriais, mas a grande dificuldade desse processo se dá na temática de garantia de direito à vida da população negra. Tudo isso está enraizado no processo histórico de violação dos direitos da população negra, a partir de um processo secular de escravização, que ainda quer permitir o flagelo sobre o corpo negro”. Inclusive, Richarlls faz questão de mencionar que o momento político e econômico atual, além da grande crise sanitária, derivada da pandemia do novo coronavírus, impactou diretamente na vida da população afrodescendente brasileira: “Nos últimos três anos nós tivemos um retrocesso, começando pela perda do ministério da igualdade racial, havendo uma defasagem no âmbito da governança das políticas públicas. Hoje nós temos uma ampliação da extrema pobreza na população negra, além do aumento de desemprego e da violência letal contra afrodescendentes”.
Por reconhecer os impactos do racismo na vida e no desenvolvimento de afrodescendentes, a ONU instituiu de 2015 até 2024 a Década Internacional de Afrodescendentes, sendo uma ocasião para promover maior conhecimento, valor e respeito às conquistas da população afrodescendente e às suas contribuições para a humanidade, além de promover o respeito, proteção e a concretização de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, conforme reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Richarlls diz que é preciso aproveitar essas ocasiões para trazer visibilidade para a luta afrodescendente: “O nosso país precisa ser alvo de solidariedade global. Especialmente no que diz respeito à pauta de ampliação e defesa dos direitos da população negra”.