Coletivo de Mulheres Negras de Pernambuco atua na formação de lideranças comunitárias

Coletivo pernambucano promove formações de ampliação das capacidades de intervenção de mulheres negras junto às suas comunidades

Por Andressa Franco*

 

Se o papel das lideranças comunitárias ganhou destaque em algum momento, foi na pandemia de covid-19. Com uma atuação que visa promover constante melhoria nos territórios onde vivem, representando os moradores de seus bairros e favelas, elas buscam desenvolvimento social para a região e facilitam a apresentação de demandas ao poder público. Com a pandemia, esse trabalho ficou ainda mais visível, com as campanhas locais de distribuição de cestas básicas e outras iniciativas para garantir que as informações sobre prevenção chegassem e assim minimizassem os impactos que a doença gerou no contexto social.

O fortalecimento de lideranças e coletivos de mulheres negras com essa atuação, visando a ampliação de suas capacidades de intervenção junto às suas comunidades, foi uma das motivações do Coletivo Filhas do Vento, de Pernambuco. O projeto “Travessias Negras: das margens periféricas aos centros decisórios do poder” teve como ênfase o alcance do público feminino negro jovem.  

O projeto foi aprovado para integrar a 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. Uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations.

Coletivo Filhas do Vento

 

Lideranças: negras, femininas e comunitárias

Militante do movimento de mulheres negras desde 2010, Emanuelle Nascimento é educadora e doutoranda em sociologia. Com a experiência integrando organizações como a Articulação Negra de Pernambuco e a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, decidiu em 2016 se juntar a outras quatro mulheres no Coletivo Filhas do Vento. Um grupo de mulheres periféricas que acessaram a universidade, e promovem ações formativas de enfrentamento ao racismo, ao sexismo, discriminação de gênero e raça.

Propósitos que intensificaram ao serem contempladas com o recurso do Fundo Baobá, primeiro projeto aprovado do grupo. “O projeto foi, na perspectiva profissional, minha principal descoberta. Me mostrou que eu sou boa em gestão financeira, e que a gente tem potencial de fazer aquilo que tem vontade na área dos projetos”, pontua Emanuele. Ela conta que ampliou sua rede, conheceu profissionais, militantes e lideranças de todo Brasil.

Entre os resultados, destaca a captação de novas integrantes e a contratação de uma assessoria voltada para ampliar as possibilidades de articulação do coletivo, identificando redes de apoio técnico e financeiro. Também foi possível adquirir equipamentos básicos para as ações realizadas pelo grupo e criação de um site produzido por mulheres negras. 

Além disso, foram realizadas formações políticas e de fortalecimento institucional para as integrantes dos encontros “Rodas Negras On-Line”. As formações também contemplaram as participantes das oficinas voltadas para elaboração de projetos e desenvolvimento das capacidades individuais e coletivas, promovidas para mulheres negras do estado. 

Uma dessas mulheres foi a líder comunitária Lídia Lins, ativista de direitos humanos e articuladora social. Em 2016 ela fundou o Coletivo Ibura Mais Cultura, no bairro onde mora, atuando com as agendas políticas raciais, de gênero, sexualidades e segurança pública. Lídia é bacharel em direito, assessora técnica do GAJOP – Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares, e cofundadora do Empodera LAB – laboratório de inovação social das favelas. Este último atua desde 2020 no fortalecimento da participação social da população negra e favelada nos espaços decisórios. 

Para Lídia, a população negra sofre processos de exclusão quando começa a acessar espaços de poder e decisão, e por isso precisa se munir de conhecimento teórico para disputar narrativas e defender as próprias pautas. “Eu acredito que informação é poder. Nas formações tivemos textos e referenciais históricos muito bem apresentados e as discussões eram muito ricas. Para mim enriqueceu muito no sentido de realizar uma incidência mais qualificada”, descreve.

A ativista participou das atividades em um momento de enfrentamento à covid-19, onde prestava ajuda humanitária às famílias que estavam expostas e atingidas pelas condições impostas pela pandemia. Nesse sentido, conta que as formações ajudaram a costurar os argumentos de disputa na pressão política pelo auxílio emergencial, e na cobrança por uma resposta do estado no enfrentamento às desigualdades geradas naquele momento. Principalmente para a população que ainda não tem acesso a certos espaços de conhecimento. 

“O recurso, conhecimento, às vezes chega muito depois se a gente não tem uma ponte, nem consegue formular redes, e acessar de alguma forma algum espaço de poder”, acrescenta. O desafio, de acordo com ela: “é ao mesmo tempo estar no território contribuindo com a transformação social, e fazer parte dessa parcela da população que é atingida pelas mazelas sociais”.

 

Mulheres, Juventude e Educação

As ações realizadas pela organização com o recurso não pararam por aí. Para o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, realizaram o lançamento de uma série de vídeos com temas relevantes, como: “Aláfia: Revoluções Feministas Negras”, sobre as lutas das mulheres negras; “Jovens Insurgências”, sobre juventude negra; e “Enraizando Saberes Ancestrais”, sobre educação antirracista. Além de apresentar a trajetória dos até então quase cinco anos de atuação do coletivo no vídeo “Ventania”. O Coletivo também abordou a experiência na execução do projeto do Programa de Aceleração em meio ao contexto da pandemia de covid-19, no vídeo “Travessias”

Responsável por coordenar a ação, Waneska Viana tem formação em sociologia, especialização em gestão pública e mestrado em educação, culturas e identidades. Desde a graduação, a recifense iniciou seu diálogo com os movimentos sociais e a partir dessas interações, iniciou no Coletivo Filhas do Vento. Ela acredita que o Programa foi o melhor acontecimento da história do coletivo. 

Para Waneska, o objetivo da série de vídeos é dar visibilidade aos temas que são importantes para o coletivo: mulheres, juventude e educação. Sendo a educação uma pauta cara para as integrantes, por terem acessado a universidade e terem um entendimento de que a educação antirracista, além de combater o racismo, permite a construção de uma identidade positiva. 

“Eu entendo que o material que a gente construiu pode ser utilizado como subsídio por outros grupos. Porque a gente não só fala dos temas, mas traz possibilidades para abordá-los”, reflete. Ela conta que participou do vídeo sobre juventude, “e aí a gente traz muito esse norte das nossas percepções profissionais de como lidar com esse público, e de fato fazer uma ação antirracista”, explica.

As gravações aconteceram em agosto, quando algumas das integrantes já estavam vacinadas, em espaços fechados e abertos, e mantendo os cuidados de biossegurança contra o vírus. O vídeo institucional foi gravado com todas juntas, de máscaras. “Já fazia muito tempo que a gente não se encontrava presencialmente. Inclusive no processo entraram novas integrantes e fizemos um kit de boas-vindas para as novatas”. Depois de publicados no canal da organização no YouTube, foram publicados no Instagram como ação para o Novembro Negro.

 

Travessias pandêmicas

Adaptar todas as atividades pensadas originalmente em formato presencial, para um formato online, foi uma tarefa que recaiu sobre todas as lideranças contempladas com o Programa. Segundo Emanuele, todos os grupos e lideranças fizeram um bom trabalho, mas a dificuldade com o formato online para as mulheres negras é ainda maior por ser um campo em que historicamente estas acessam com atraso. 

“Mas a equipe deu um suporte muito bom no sentido de acolher as nossas dúvidas sobre como nos situarmos nesse novo espaço. Fizemos as adaptações sempre em diálogo com o Baobá, que ia realmente fazendo esse acompanhamento e dando direcionamentos”, comenta a Emanuele, que também frisa as perdas decorrentes da pandemia, como um dos desafios.

Nesse sentido, o grupo organizou uma oficina de fortalecimento emocional, para dividir angústias, e lidar com aquele contexto de perdas e incertezas. Iniciativa essencial para Waneska, que se descobriu grávida no início da pandemia, o que acabou despertando muitas inseguranças. E também para Lídia, que conta que, como os cursos aconteciam à noite depois de um dia cansativo, o momento também se tornava de autocuidado a partir das trocas. “Era chegar e ter um espaço que a gente pudesse dialogar sobre as coisas que estavam acontecendo, compartilhar angústias”, desabafa.

“Foi muito difícil se articular para disponibilizar informação sobre a pandemia, combater notícias falsas, tudo com uma linguagem acessível entre pares, nossos vizinhos, amigos. Era preciso se atualizar muito rápido”. A líder comunitária acrescenta ainda que, durante as ações, sempre havia uma formação política por trás, discutindo com a comunidade sobre de onde vinham os recursos: dos movimentos sociais, e não do governo.

A série de vídeos também surgiu como alternativa diante do cenário pandêmico. A princípio, o recurso seria direcionado para atividades educativas presenciais com crianças e adolescentes, e também para uma viagem de articulação para os Estados Unidos. O objetivo era dialogar sobre a perspectiva do trabalho contra o sistema prisional feito no país. Na impossibilidade das duas atividades, redirecionaram as ideias para a produção audiovisual.

 

Próximos Passos

De olho nos próximos passos, as Filhas do Vento, que iniciaram o projeto com cinco integrantes e hoje contam com nove, já conseguiram aprovar um pequeno projeto de fortalecimento institucional em outro edital.  

Com a experiência adquirida no Baobá, as pernambucanas agora estão pensando em fazer um planejamento estratégico, e aperfeiçoar sua comunicação, para potencializar o material que já produzem hoje. Para Emanuele, foi uma surpresa que um edital se propusesse a fortalecer grupos e organizações de mulheres negras, ao invés de apenas propor realização de atividades. “A gente agora visa aprovação em outros editais pensando ações mesmo, acho que a gente está na expectativa de voltar a promover atividades presenciais”, idealiza.

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

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