Movimento de Mulheres do Subúrbio Ginga realiza formações para mulheres negras da Região Metropolitana de Salvador

Com o apoio do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, o grupo promoveu a formação de 20 mulheres para captar recursos e gerir projetos sociais

Por Jamile Novaes*

 

O papel de liderança desempenhado por mulheres negras ao longo da história do Brasil é de fundamental importância para o processo de libertação e garantia de direitos da população negra. Dandara dos Palmares, Luiza Mahin, Tereza de Benguela, Antonieta de Barros, Marielle Franco, e muitas outras, mostram que “quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”, como afirma a filósofa estadunidense Angela Davis.

Por todo o país, mulheres negras seguem aquilombando-se e atuando para transformar a sociedade, como é o caso do Movimento de Mulheres do Subúrbio Ginga. A organização foi fundada em 2010 por 15 mulheres do bairro de Santa Luzia do Lobato, Subúrbio Ferroviário de Salvador (BA). O objetivo da entidade é fortalecer o protagonismo feminino na comunidade para o enfrentamento de violações aos direitos humanos, ao racismo, sexismo e à violência doméstica, além de promover a autonomia financeira das mulheres. Durante a última década, o grupo vem desenvolvendo uma série de ações em parceria com outras organizações da sociedade civil, dentro e fora do Subúrbio.

O grupo é um dos contemplados na 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations.

 

Formação de novas lideranças

Ao pesquisar sobre ações voltadas para a transformação da realidade de mulheres negras na Região Metropolitana de Salvador, o Ginga identificou um número considerável de organizações recém criadas e percebeu a necessidade de promover uma formação que capacitasse mulheres negras representantes dessas entidades. Era preciso compartilhar conhecimento para que essas mulheres captassem seus próprios recursos e pudessem gerir os seus projetos de forma autônoma. Apoiadas pelo Programa Marielle Franco, as mulheres do Ginga receberam suporte técnico e financeiro para realizar o projeto “Mulheres Negras: elaborando estratégias, fortalecendo saberes”. 20 entidades escolheram as suas representantes para participar do curso que aconteceu entre outubro de 2020 e agosto de 2021. 

Dentre as participantes, estava Raquel Menezes, idealizadora do Núcleo de Apoio às Comunidades de Lauro de Freitas – NAC, entidade que visa promover a transformação social atuando em redes de colaboração com outras associações comunitárias para dar suporte e encaminhar as demandas da população local. Segundo Raquel, “o projeto mostrou como construir, passo a passo, cada etapa de um projeto social, para que saibamos nos adaptar a cada situação requerida por editais ou oportunidades”. Apesar de ainda não participar da concorrência de editais, a formação permitiu ao NAC estruturar o projeto Cicloturismo de Base Comunitária com foco no turismo, meio ambiente, economia solidária e arte-educação. O projeto foi abraçado por outras organizações comunitárias e já está em execução.

A experiência formativa de troca de conhecimentos entre as mulheres do Ginga e das organizações contempladas pelo projeto abriu um leque de possibilidades, que só foi possível graças ao esforço conjunto empenhado para analisar as demandas, fragilidades e potencialidades de cada coletivo. “Fiquei muito feliz de poder trabalhar com mulheres negras que partilham tantas experiências de vida comuns à minha como mulher negra”, comemora  Cláudia Isabele Pinho, integrante do grupo Ginga e facilitadora do curso. De acordo com ela,  no percurso da formação foi preciso reorientar os conteúdos conforme as questões eram trazidas pelas contempladas. “Respondê-las me desafiou, tanto do ponto de vista técnico quanto analítico, porque elas me cobraram respostas que interseccionavam articulação política, ética e compliance. Por isso, também ficou a sensação de uma experiência realmente relevante em que eu também fui formada nas trocas e desafios durante o processo”, explica.

 

Impactos da pandemia de Covid-19

A proposta inicial do projeto era realizar formações presenciais, o que precisou passar por adaptações para seguir as normas de segurança estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em função da pandemia de Covid-19. Para isso, as mulheres do Ginga precisaram, antes de tudo, se capacitar para utilizar aplicativos e plataformas virtuais que garantissem a inclusão de todas as participantes. A partir daí perceberam que precisariam adotar um ambiente virtual de aprendizagem, com aulas transmitidas online, o que foi um desafio tendo em vista as limitações de acesso à internet.

“Tentamos nos cercar de todos os instrumentos e mecanismos pedagógicos possíveis e acessíveis. Isso demandou uma mudança na carga horária, que teve que ser ampliada para assegurar a aprendizagem com aulas de reforço, de compartilhamento das leituras, repercurso de módulos pendentes e plantões de orientação dos projetos”, conta Maíse Zucco, integrante do grupo Ginga e coordenadora pedagógica da formação.

Alterar o projeto para o formato virtual também demandou ajustes no plano pedagógico para garantir a permanência das cursistas. Foi necessário utilizar ferramentas que assegurassem a acessibilidade de mulheres com baixa visão e promover o acolhimento psicológico para lidar com questões de saúde mental e experiências de violências que se intensificaram durante o contexto pandêmico. 

 

Continuidade

Além da oportunidade de oferecer formação a outras mulheres e organizações, o apoio do Fundo Baobá permitiu também ao próprio grupo Ginga se reestruturar internamente e dinamizar a sua atuação. “Evoluímos enquanto grupo, superando as nossas dificuldades tecnológicas, explorando habilidades individuais para uma melhor gestão do tempo e das pessoas. Assim, avançamos na gestão da nossa entidade, descentralizando a administração das ações com o compartilhamento de responsabilidades”, nos conta Carine Lustosa, integrante do grupo Ginga e coordenadora geral do projeto. De acordo com ela, o programa contribuiu para a formação política do movimento, fortalecendo o emocional e psicológico diante desse cenário pandêmico. “Cada oficina promovida nos ajudou a resistir, acolhendo-nos e alimentando-nos de conhecimento e esperança, mostrando-nos que somos capazes de ir além e transformar essa realidade”, afirma.  

Com base no aprendizado adquirido com a execução do projeto, o grupo Ginga pretende se colocar na concorrência de editais para financiar os seus projetos futuros, além de dar continuidade às articulações e ações em rede para promover diálogos sobre temáticas de interesse dos coletivos de mulheres negras. “Nós crescemos como grupo, lapidamos talentos e lideranças enquanto nos mantivemos firmes no objetivo de melhorar a vida das mulheres no nosso município, estado e país. Tudo isso, apesar do contexto de retração dos direitos sociais e ataque à democracia”, conclui Cláudia Isabele.

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

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