Conheça a história do IMUNE, organização que se reinventa e faz ecoar a voz e as lutas das mulheres negras há duas décadas no Mato Grosso

Por Giovane Alcântara*

 

O Instituto de Mulheres Negras (IMUNE) do Mato Grosso completa neste ano 20 anos de trajetória na organização em torno das pautas das mulheres negras. O IMUNE, nome que faz referência à imunização, nasceu no início dos anos 2000 a partir da necessidade de ecoar e discutir as temáticas de raça e gênero que não encontravam espaço em outros movimentos sociais na época.

A organização foi uma das contempladas na primeira turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. Uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations. O projeto “Voz IMUNE: 18 anos em movimento” teve como um dos principais objetivos registrar, divulgar e preservar a memória do primeiro grupo de mulheres negras do Mato Grosso, e culminou na produção de um livro que conta a história e as lutas do grupo.

A professora Antonieta Costa, conhecida como Nieta, é uma das fundadoras do IMUNE. Ela conta que as mulheres que fundaram o Instituto não visualizaram inicialmente onde iriam chegar. “A proposta realmente era fazer essa mudança, discutir mulheres negras na perspectiva de propor políticas públicas, ações afirmativas, de ter uma discussão no Mato Grosso, que até então não tinha nada direcionado para as mulheres negras. A gente já militava no movimento social, mas quando a gente ia discutir gênero e raça acabava a reunião”, diz.

Criado antes do IMUNE, o grupo de dança afro Filhas de Oxum também faz parte da história da organização. Cristina Benedita da Silva, professora da educação básica, relata que conheceu o IMUNE no grupo de dança. “Fiz parte do grupo Filhas de Oxum, com a professora Antonieta, a professora Lenis e o grupo tinha como objetivo maior a valorização de meninas em vulnerabilidade social. E nós trabalhávamos muitas coisas com elas” conta Cristina. Ela diz que pensando na valorização, saúde e educação, eram feitas visitas nas casas delas. “Tínhamos as parcerias das mães com a gente, que participavam no grupo, faziam parte das oficinas”, complementa.

Cristina afirma também que havia um acompanhamento também na escola destas meninas inicialmente atendidas pelo Instituto, visando a valorização da mulher negra enquanto sujeitas importantes para a sociedade. “Eu também não tinha muito essa consciência. E através do grupo aprendi muita coisa, consegui trabalhar, estudar, e fazer faculdade. Muitos não se reconhecem como negros e através do grupo de dança muitas meninas aprenderam. Algumas até estão sendo reprodutoras desse nosso trabalho”, comemora.

Nieta relembra que o cenário da época em que se deu o surgimento do grupo de dança era interessante, já que em Cuiabá havia muito preconceito com a religiosidade de matriz africana e o grupo levava o nome de um Orixá. “E a gente ousou, mesmo as meninas não sendo de Axé”. Conta ainda, que no livro, lançado como produto do projeto, há relatos das meninas que fizeram parte do grupo de dança e que elas se sentem parte dessa história. “O Filhas de Oxum chama atenção para a possibilidade de mudança das nossas crianças e adolescentes. Porque é importante você pegar aquela criança que está ali, fazer um trabalho, mostrar e valorizar o quanto ela é bonita, o quanto ela é inteligente. E hoje essas crianças, que a gente viu lá atrás, são advogadas, engenheiras, professoras. Isso para a gente não tem preço”, reforça Nieta.

Inicialmente o IMUNE tinha reuniões mensais que aconteciam alternadamente na casa das integrantes do grupo, já que elas não tinham uma sede. “A gente começou a fazer as reuniões de mulheres negras e essas reuniões eram encontros afetivos. A gente sempre se reunia para tomar um chá, fazer um almoço, um jantar e aproveitava esses momentos para discutir as questões que nos afetam”, conta Jackeline Silva. Ela é produtora cultural, trabalha com elaboração e gestão de projetos e faz parte do IMUNE desde a fundação.

Jackeline explica que esses encontros foram importantes para a consolidação do IMUNE. Ela lembra das feijoadas para arrecadar dinheiro e posteriormente o passo da institucionalização com a criação do CNPJ. “A gente entendeu que era importante dar um passo a mais de um coletivo para que ele se tornasse uma organização formal, e aí anos depois a gente se deparou com essas possibilidades de projetos. Para que a gente tivesse um fomento, para ter condições mínimas de trabalho, até para produzir materiais”, pontua.

Em duas décadas de existência, o Instituto tem na bagagem como primeira ação a produção do jornal Voz IMUNE, em 2003. “Nesse jornal nós buscamos o que as mulheres estavam fazendo, as mulheres que trabalhavam, o que estava acontecendo com elas naquele momento”, diz Nieta. Houve também a experiência com uma revista sobre saúde mental da mulher negra, que teve 200 exemplares. A revista foi fruto das rodas de conversa que tinham como tema saúde, educação, mercado de trabalho, emprego, renda e segurança pública. A revista foi sendo distribuída nos encontros nas comunidades. 

Nieta relata que depois de um tempo o IMUNE cresceu e foi sendo reconhecido. A comunidade vinha chamando as mulheres do Instituto, ao invés delas irem. “A comunidade começou a reconhecer a importância desse trabalho. As secretarias de educação, de saúde, o poder público começou a conhecer, e o IMUNE começou a se inserir também nos conselhos de promoção da igualdade racial e saúde da população negra”, diz. 

Com essa inserção, a organização também passou a articular em torno de outras frentes, como a de povos de matriz africana, através da parceria com a Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (RENAFRO). E é aí que a história da professora Sônia Aparecida Silva se encontra com a do IMUNE. “Uma história de construção como mulher, como pessoa. Perceber-me como uma Sônia antes e outra Sônia depois. E eu gosto de dizer isso dentro do meu campo de visão, que é o Axé, que a gente encontrou dentro do IMUNE essa possibilidade de construir alguma coisa aqui em nosso estado”, relata Sônia.

Atualmente com 55 anos, Sônia diz que não tem vergonha de dizer que foi estando dentro do IMUNE que conseguiu ter essa visão de transformação. “Hoje eu vejo além muro, vejo a necessidade de conhecer o contexto histórico, de saber quem eu sou dentro de um Axé, e o que eu posso fazer como mulher, com as mulheres. A questão da consciência do que eu posso ajudar a transformar na minha comunidade, com as crianças”, afirma.

Sônia compartilha que gosta de estar na construção do IMUNE, nas rodas de conversa, que até seus filhos têm hoje uma outra consciência. Conta também sobre a importância de se sentir preparada para lidar com os desafios. “Saber me defender, saber me colocar dentro do meu âmbito de trabalho. Poder usar meu turbante, minhas contas. Hoje eu não choro mais. Eu sei me colocar nesse meio daí e fazer com que as pessoas me respeitem”, relata. 

Lidia Djú, de Guiné-Bissau, é professora da educação básica. Ela conta que conheceu o IMUNE através da professora Nieta. “Antes de conhecer o Instituto, eu já conhecia a Nieta. E surgiu a oportunidade de conhecer o Instituto e lá se vão mais de sete anos. E a gente está ali, batalhando, fazendo o que a gente pode para apoiar as mulheres que precisam de apoio, qualquer tipo de apoio”, conclui.

 

Voz IMUNE: 18 anos em movimento

Jackeline explica que o edital de apoio do fundo Baobá foi uma oportunidade sensacional para o IMUNE. “Quando o Fundo Baobá se propôs a realizar o fortalecimento de grupos coletivos e lideranças, foi incrível porque nós já tínhamos uma história, algumas décadas de trabalho. E aí conversei com a Nieta, eu falei ‘olha, eu acho que é uma oportunidade incrível e a gente tem grandes chances de passar’”, relata.

Ela afirma que o apoio e o projeto foram importantes porque possibilitaram que o IMUNE se voltasse para a formação interna, já que as ações são muito para fora. “A gente pôde dedicar para olhar para dentro da organização, se organizar, colocar em dia os nossos papéis, a documentação e principalmente, que é o mais importante, contar a nossa história”, reforça Jackeline.

Nieta define a experiência de ser apoiada pelo Fundo Baobá como emocionante e que o fomento mudou a história do IMUNE. Já Sônia observa que existe o IMUNE antes e o IMUNE depois do Baobá. “O que era o IMUNE antes, a gente se reunia e compartilhava nosso saber e experiências nas nossas casas, com nossas irmãs. Compartilhava o alimento. O IMUNE depois do projeto apoiado se tornou uma construção forte. A gente precisava disso. Eu vejo esse momento com o Baobá, com o livro, de consolidação… A gente cresceu” pontua Sônia. Ela comenta ainda que hoje Cuiabá sente a força da organização. “Somos poucas, mas somos mulheres prontas para a transformação, eu acho que isso é forte dentro de nós, então a gente precisava desse boom”, complementa.

Cristina diz que só tem a agradecer ao Baobá pelo apoio. “Por ter consolidado a luta de muitos anos e ter mostrado ao mundo isso que nós fizemos e continuamos fazendo, e só temos a melhorar cada vez mais.  A nossa história está presente na sociedade, no Brasil, para todos conhecerem”, reforça.

 

Pandemia de covid-19

A pandemia de covid-19, que impactou o mundo a partir de 2020, impôs desafios para as mulheres do Instituto de Mulheres Negras na adaptação à nova realidade. Nieta destaca entre os desafios lidar com o mundo virtual. “Essa questão do afeto que a Jacke colocou, a gente achava que só poderia ter se a gente estivesse junto, abraçado e conversando. A nossa reunião sempre foi uma reunião de confraternização. Então no momento que veio a pandemia a gente teve uma quebra. Porque a gente não podia mais abraçar e estar junto. E a maioria não conseguia mexer na ferramenta, que era um monstro, que era a internet”. 

Além disso, Nieta diz que nem todas as mulheres estavam com acesso a celular, computador e internet, e o recurso do projeto deu a possibilidade de superar algumas dessas dificuldades. “Nós vimos a possibilidade de superação, que foi os instrumentos que conseguimos comprar, como computador, mais celular e pagar internet para que todo mundo tivesse acesso”, reitera.

Silvina Jana Gomes, professora, vinda de Guiné-Bissau, atualmente é tesoureira do IMUNE e já está na organização há mais ou menos nove anos. Ela conta que a pandemia tem sido um momento desafiador, mas que com o apoio do Fundo Baobá conseguiram aprender. “Hoje a gente tem mais conhecimento e consegue entrar online. No começo a gente sentiu falta da reunião presencial, que todo mundo já estava acostumada, mas com o passar do tempo isso melhorou também”, argumenta.

Sônia destaca que em meio a dificuldade de lidar com as reuniões online, seu filho a auxiliava. Ela aponta outro desafio que foi lidar com as consequências da covid-19 nas comunidades e o adoecimento das pessoas. “O que eu acho mais importante de tudo isso é que a gente conseguiu superar e fechar esse ciclo. Foi muito desafio lidar com tudo isso e tentar fazer as nossas rodas, ajudar os nossos e as comunidades aqui no meio da pandemia, perdendo pessoas, gente sofrendo. Foi muito difícil, a gente ainda está com essa dor aqui dentro da gente”.

 

O futuro: não andamos sós

Passada a execução do projeto, Nieta chama atenção para o quesito organização que a participação no edital do fundo Baobá proporcionou ao IMUNE. Desde a prestação de contas que as mulheres não estavam acostumadas a fazer, até uma divisão de tarefas melhor definida. Segundo ela, esse processo formativo gerou novas oportunidades. “O Baobá abriu o nosso olho nas formações para o diálogo que a gente tem hoje com o poder público, com estado, com o município”, relata. O IMUNE conseguiu construir uma afroteca comunitária com um projeto apoiado pela Lei Aldir Blanc, além de estarem preparadas para poder enfrentar outros editais. “Hoje temos a primeira biblioteca afro pública do estado do Mato Grosso, que é a biblioteca do Centro Cultural Casa das Pretas, a sede do Instituto Mulheres Negras; temos um um espaço destinado a trabalhar a questão da identidade de cabelo, nós temos um salão lá dentro, que a Silvina e a Lidia coordenam”, comemora Nieta.

Jackeline acredita ser difícil pensar os próximos períodos com pandemia, porque as mulheres negras ainda são o elo frágil das desigualdades. “Em termos de sonhos, eu imagino o IMUNE uma grande potência. Não só no centro-oeste, mas até a nível de América do Sul. Quem sabe a gente consiga se articular também com as redes latino-americanas e caribenhas”. Outro ponto levantado pela produtora cultural é a continuidade da luta. “Acho que o nosso primeiro passo é firmar sede, formar novas lideranças que possam dar continuidade a luta. A juventude negra precisa se apropriar da luta e seguir em frente”, finaliza.

Nieta cita o trecho do poema presente no livro do IMUNE, de uma poetisa que é a primeira mulher negra a compor a Academia Mato Grossense de Letras. “A gente se assume, a gente se assina, mulheres meninas, somos IMUNE / trocando com negras / mostrando as negras/ chamando mais negras para novas certezas / são tantos saberes / são tantas belezas / que o nosso peito bate ao saber que percorremos / com 18 anos sendo estandarte da negra voz, da negra arte, da negra cor”. Ela diz que o IMUNE quer dar essa continuidade, manter a sede, ser o estandarte que sempre carregaram e fazer ecoar a voz e salvar mulheres negras da vulnerabilidade.

“Nós não temos dúvida de que sairão outras Sônias, Cristinas, Jackelines, Lídias, Silvinas, Carols, Maristelas, outras Agathas e todo mundo que está no IMUNE. Uma coisa a gente tem certeza: que a nossa voz não vai silenciar. Como a voz da Marielle não silenciou, quando pensaram que ela sumiu, ela ressurge em muitas Marielles”, reitera Nieta. 

A professora acredita que é preciso semear as lutas, bem viver, semear toda forma de respeito e compromisso com a pauta. “O IMUNE plantou muitas sementes nesses dezenove anos. E nós vamos continuar colocando as sementes e regando a semente”. 

Para concluir, Nieta faz um pedido: “Que o Deus da vida nos abençoe para que a gente possa fazer isso. Que todas as nossas ancestrais, que estão em cada uma de nós, nos dêem força para enfrentar essa adversidade que é ser uma mulher preta num país extremamente racista, machista e excludente. Mas a gente não anda só, né? Isso é o mais importante, nós não andamos sós”.

 

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

Portal Blogueiras Negras se reinventa para contar as histórias das mulheres negras

O grupo, que há 9 anos ocupa a internet com narrativas de mulheres negras, ganhou fôlego com o Programa de Aceleração de Lideranças Femininas Negras do Fundo Baobá

Por Giovane Alcântara*

 

Mesmo com dados evidenciando que as pessoas negras são a maioria no país, ainda pouco se vê desse grupo ocupando espaço nas mídias tradicionais, nas redações e nas TV’s. Isso porque estruturalmente a comunicação é dominada por grandes empresas, grupos e famílias brancas. Pensar na democratização, no acesso e em outras narrativas é uma tarefa histórica dos movimentos negros. 

O lançamento do pasquim que oficialmente deu origem à imprensa negra, “O Homem de Côr” (1883), inicia uma história que, apesar de invisibilizada, se confunde com a história da mídia brasileira.  Nos dias atuais muitas redes desenvolvem um trabalho pautado em visibilizar narrativas negras e dialogar a partir de um outro lugar, vestindo a bandeira do que é, e  sempre foi, muito caro no debate sobre raça, gênero e sexualidades. Redes como Revista Afirmativa, Negrê, Correio Nagô, Geledés, Alma Preta, Blogueiras Negras, Notícia Preta, Portal Mundo Negro, dentre outras, vem abrindo caminhos para novas perspectivas dentro da comunicação nacional.

Atualmente, como ao longo da história, essas mídias encontram diversos problemas para a sua manutenção e sustentabilidade. Como afirma Larissa Santiago, representante do portal Blogueiras Negras: “eu também acredito que, para as mídias contra-hegemônicas, é necessário haver investimento financeiro. A gente precisa ganhar dinheiro pelo trabalho que a gente faz. Esse reconhecimento precisa vir também financeiramente, mas não só”. A blogueira negra acredita que é preciso que o trabalho das pessoas negras comunicadoras precisa ser reconhecido também entre os seus pares e que é preciso criar redes. “Eu acho que é muito importante que os movimentos sociais e os movimentos negros, os quais caminham aí do lado das mídias negras, estejam atentos a esse processo e que a gente se retroalimente né?! Nós, as mídias, criando conteúdo para os movimentos, os movimentos criando conteúdo para as mídias negras”, defende.

O Blogueiras Negras, da qual Larissa é integrante, é uma das contempladas na 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations.  

Essas mídias negras, alternativas, comunitárias, disseminam e amplificam outras vozes se relacionando com os movimentos sociais e os tempos históricos instituídos. São herança de um passado não tão distante, e muito presente. 

 

Outras vozes: Blogueiras Negras

Criado em 2012, o Blogueiras Negras surge de uma provocação “Onde estavam as blogueiras negras brasileiras?”. Reunidas em novembro daquele ano, as mulheres a partir de uma blogagem coletiva, desenvolveram textos sobre a relação interseccional entre raça e gênero, levando em consideração duas datas importantes do calendário brasileiro: o 20 de novembro (Dia da Consciência Negra) e o 25 de novembro (Dia Internacional de Combate à Violência contra as Mulheres).

A princípio o projeto tinha como objetivo amplificar as vozes de mulheres negras, mas essa missão mudou. Segundo Viviane Gomes, coordenadora do Blogueiras Negras, atualmente a organização quer inspirar mulheres negras a contarem suas próprias histórias na internet. “Veja que a missão muda um pouquinho, porque a gente entendeu que dar visibilidade a gente já conseguiu fazer. Então, a gente quer inspirar outras mulheres a continuarem contando suas histórias na internet”, afirma.
O apoio do Programa de Aceleração de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco permitiu a continuidade do projeto, mas não era esse o principal objetivo da comunidade de autoras que compõem o Blogueiras Negras. 

 

Legado e continuidade

O principal objetivo da comunidade de autoras do Blogueiras Negras, com o apoio do Fundo Baobá, era estruturar um planejamento estratégico da organização. A ideia era pensar e viabilizar, primordialmente, a preservação e a memória dos textos que já estavam publicados. Até então, a intenção era o encerramento do projeto. Ainda de acordo com Viviane Gomes, o projeto permaneceu no ar porque elas compreenderam que ele não era apenas mais delas e representavam uma outra cadeia produtiva de mulheres e da sociedade em geral. “A gente compreendeu também que esse projeto não era mais só nosso, não era só das pessoas que cuidavam dele diretamente, imagina se a gente tirar [do ar]. A gente é referência de pesquisa acadêmica também, se a gente retira esse blog do ar a gente também retira esses textos do ar. Entendemos que o projeto não era mais nosso, o projeto era da comunidade que fazia ele”, afirma. 

Nesse sentido, o Fundo Baobá foi fundamental para a continuidade do Blogueiras Negras, no que tange estruturar um ambiente mais seguro para a comunidade de autoras e do próprio blog. “Até pra ele ser deixado sem atualização precisa de uma estrutura. Não apenas para a sua manutenção e disponibilização em local seguro. Mas, a gente decidiu, também, que nós deveríamos atualizar essa missão inspirando outras mulheres negras a contar suas próprias histórias na internet. Continuando esse legado, deixando esse legado para as futuras gerações”, complementa. 


Pandemia e planos

A pandemia de covid-19 pegou todo mundo de surpresa e com as lideranças do Blogueiras Negras não foi diferente. Durante esse período, alguns planos tiveram que ser alterados: “A gente transformou muito o projeto com a chegada da covid-19. Tínhamos 100% das atividades presenciais, encontros planejados, milhares de atividades que seriam presenciais”, comenta Larissa. Ela afirma que as blogueiras negras já vislumbravam em fevereiro os indícios de um momento bastante duro no Brasil. “E nesse percurso, de 2020 pra cá, nós tivemos perdas irreparáveis. Nós tivemos mortes de familiares dentro do grupo, tinham as pessoas doentes dentro do grupo. Nós também adoecemos nesse processo, mentalmente, fisicamente… Então isso tudo dificultou a execução 100%, mas nós fomos capazes de produzir as coisas que a gente se comprometeu” relata Larissa.

Viviane diz que esse adoecimento foi o estopim para que as autoras envolvidas no projeto procurassem ajuda psicológica. “Esse tempo teve um preço muito alto pra nossa saúde mental porque a gente trabalhou o triplo. Quando você tem poucas pessoas e uma delas não consegue fazer as coisas, é óbvio que as outras ficam sobrecarregadas. E é óbvio que algumas coisas podem sair do lugar nesse processo e saíram, a gente simplesmente paralisou”, comenta. Viviane aponta que, apesar de iniciar as atividades propostas e de já ter feito o planejamento estratégico, havia uma dificuldade em converter isso nos produtos que elas queriam. 

A coordenadora ainda nos revelou que o fato de não ter conseguido levar o número de pensadoras, autoras, que haviam pensado para o planejamento estratégico, fez  sobrar recurso que foi investido em terapia. “E a gente finalmente teve a coragem de pedir ajuda. Hoje a gente faz um acompanhamento com a Amma Psique, com a Lucinha, Maria Lúcia da Silva. Conseguimos concretizar, finalizar os objetivos, e tá conseguindo também trabalhar questões que são muito específicas da população negra no que se refere ao trabalho, ao sucesso, ao nosso desenvolvimento intelectual. Coisas que a gente encolhia, não trabalhava e não pensava”.

 

Efeito Multiplicador

O financiamento do Fundo Baobá foi importante para o Blogueiras Negras porque permitiu a continuidade, o acesso e a multiplicação dos conhecimentos adquiridos. Além da sistematização de planejamento estratégico da instituição. Desses encontros nasce uma cartilha (ainda em fase de conclusão) que ajudará outras instituições a se organizarem. Como afirma Ana Mesquita, responsável pelo desenvolvimento do planejamento estratégico: “Uma das qualidades desse projeto foi ter pensado que essas oficinas não iriam ficar somente internas para Blogueiras. A sistematização é justamente para se criar uma publicação e para que essa publicação seja uma multiplicadora dos conhecimentos adquiridos ao longo do processo de formação e do processo de planejamento”.
Mesquita, que é especialista em planejamento e gestão territorial, afirma que não se recorda de uma publicação desse formato para área de comunicação com foco em organizações sociais pequenas. “Então eu acho que vai ser um documento muito inédito. Porque esses processos de planejamento estratégico são muito caros, né? Eles são caros e eles têm uma elite que domina esses conhecimentos e as populações negras de baixa renda, periféricas, indígenas, não têm acesso ao conhecimento”, afirma. Ana diz ainda que  esse conhecimento é importante para, por exemplo, pleitear verbas públicas, conseguir financiamentos e se posicionar frente a outras organizações. “Quando você cria uma cartilha para multiplicar esses conhecimentos, você amplia o escopo de atuação daquela organização para outras organizações que vai ter contato com a cartilha”, finaliza.

Ainda não há data marcada para o lançamento da publicação, mas grupos, coletivos e organizações sociais da comunicação de todo país podem esperar que vem coisa boa por aí!

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

Coletiva NegrasFotosGrafias desenvolve projetos visuais com foco no protagonismo de mulheres negras

Apoiada pelo Fundo Baobá, a organização alcançou visibilidade local, nacional e internacional

Por Danielle Souza*

 

Apesar de representarem 52,2% da população brasileira (IBGE – 2020), as mulheres ainda são subrepresentadas em espaços de poder e liderança. No mercado fotográfico, isso não é diferente. A grande maioria dos profissionais de fotografia são homens. Segundo pesquisa feita pela Women Photograph, iniciativa online com mais de 850 fotógrafas documentais ao redor do mundo, a representatividade de mulheres nos cliques das principais agências de notícias internacionais em 2018 foi inferior a 10%. Se feito um recorte racial, as mulheres negras têm ainda menos oportunidades de mostrarem os seus trabalhos e de ocuparem espaços historicamente negados como este.

Em contrapartida a essa realidade, surge em 2016 a Coletiva NegrasFotosGrafias, através do movimento e articulação de fotógrafas negras do circuito carioca, a fim de apresentar novas narrativas produzidas por e para mulheres negras. NegrasFotosGrafias foi uma das coletivas  apoiadas na 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. Uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations.

Intitulada no feminino, a Coletiva realiza exposições, rodas de conversa, debates e lives que colaboram com a educação visual, a interlocução de linguagens, ensino de fotografia, criação e memória viva. O objetivo é utilizar isso como instrumentos afirmativos para equidade racial e de gênero. Sua missão é fomentar a visibilidade das mulheres negras e suas produções, assim como a consciência de afrovisualidade brasileira a partir de narrativas visuais afirmativas, antirracistas e antissexistas. O nome evidencia o protagonismo de mulheres negras que, ao registrar imagens, escrevem narrativas e grafam seus nomes na embranquecida fotografia e visualidade brasileira”, afirma Adriana Medeiros, organizadora do Projeto Olhar e Escuta em Rede de Criação. 

A iniciativa tem por objetivo estimular as mulheres negras ao desafio de se reconectarem aos territórios de afeto internos e externos, através da reflexão, aprimoramento e publicização de suas trajetórias e ações diante do mundo e da localidade. A Coletiva atua em regiões periféricas do Rio de Janeiro, como Duque de Caxias, zona norte e oeste da cidade, verdadeiros ‘berços de formação, produção e circulação visuais’. “Esses territórios são guardiões da história, cultura e saberes populares, reinventores cotidianos da identidade viva brasileira. Também são palco de negligência e violação de direitos pelo poder público e privado, que se aprofundam, adoecem e matam nossos povos”, declara Adriana. 

Atuação em meio a pandemia

Assim como outras organizações, antes da pandemia, as atividades do grupo eram desenvolvidas de forma presencial. Mas, a perda do contato físico não impediu que elas avançassem em suas conquistas no espaço acadêmico, escolar, entre coletivos e lideranças. Com o apoio do Fundo Baobá foi possível aprimorar conhecimentos em gestão, elaboração de projetos, planejamento, gestão financeira, marketing digital, comunicação interna e externa, além de ajustar as novas capacidades tecnológicas, atraindo mais seguidores nas mídias sociais. Essa migração para o digital possibilitou conexões com outros coletivos no Rio de Janeiro, em outros lugares do Brasil, países da América Latina e Estados Unidos, evidenciando a atuação da Coletiva em âmbito local, nacional e internacional. 

Segundo Adriana, essa rede de criação já era um dos objetivos almejados pela Coletiva há algum tempo. “Estamos finalizando novos conteúdos com novas conexões e parcerias com potencial alcance. Essa rede busca intervir artisticamente na produção de sentidos com efeito político para preservação da memória das mulheres negras e na construção de identidades referenciadas em nossa ancestralidade, atualizando a própria identidade brasileira”, afirma a coordenadora. Adriana ressalta também o quanto esse processo tem sido rico e prospectivo, não só na busca por novas parcerias, mas também no fortalecimento das antigas. 

A Coletiva NegrasFotosGrafias tem, atualmente, 9 membras. Ao longo do projeto foi possível conectar-se a mais 25 profissionais envolvidas nas capacitações e produções, além de grupos de estudantes e projetos atendidos pela Coletiva, onde são aplicados os aprendizados. Só nas mídias sociais da instituição, foram mais de 400 pessoas impactadas com as lives e aulas promovidas, sendo a grande maioria mulheres negras.

A professora Simone Ricco faz parte da Coletiva desde o início e confessa que esta é uma experiência desafiadora, que envolve esforço mas que resulta em fortalecimento. “Conciliar a vida profissional com as ações da Coletiva me tira da zona de conforto, pois as demandas envolvem criação artística e criação de meios para transformar os projetos em ações concretas”, afirma.

Simone reforça ainda que o formato de atuação colaborativa da Coletiva foi de suma importância para sua atuação no projeto, beneficiando-a e a todas as membras, com a ampliação de conhecimentos. Para ela, os relatórios de avaliação também foram importantes no processo, pois ensinaram sobre organização, apontando questões técnicas e estruturais que as fizeram aprender sobre pontos fortes e fracos presentes no percurso da Coletiva. “Também vale destacar os aprendizados sobre autocuidado e psicologia, resultantes dos encontros com o Instituto  AMMA Psique e Negritude e do curso de Comunicação Não Violenta, além de todas as mudanças aplicadas em nossa prática a partir das oficinas. A aprovação no edital é uma aprendizagem sobre conquistas possíveis a partir da mobilização de mulheres negras. Aprendi a acreditar mais em nós”, finaliza a professora.

Outra membra que também está presente na Coletiva NegrasFotosGrafias desde a sua idealização é a antropóloga e professora universitária, Bárbara Copque. Para ela, neste espaço é possível estar em irmandade, refletindo sobre os regimes de visualidades e representações que envolvem as mulheres negras. “As imagens pretas são violadas, controladas e,constantemente, demandam questões. Se antes pensar tais questões eram individuais, pessoais, hoje toma-se outra dimensão. É uma questão política que precisamos enfrentar e confrontar”, afirma. Bárbara ressalta ainda que, ao participar do Programa, pôde pensar em conjunto na estruturação das ações da Coletiva, como: cursos de formação sobre diversas áreas pertinentes à organização; produção de uma memória e sua preservação, bem como seu compartilhamento.

 

Olhar e escuta para o futuro 

A Coletiva NegrasFotosGrafias se prepara para fazer o lançamento do seu website, além de também ter criado o seu canal no YouTube, outra ferramenta de divulgação das suas ações. A logomarca da organização também mudou e hoje, ressignificada, está mais alinhada às premissas do grupo. Ela enfatiza agora o compromisso político com a ancestralidade, o feminino e a fotografia a serviço da igualdade. Foram feitos investimentos na infraestrutura, com equipamentos para armazenamento, e banco de imagens, para gerar conteúdos narrativos visuais em abrangência estadual. 

A Coletiva NegrasFotosGrafias também recebeu convites para participar de reflexões na pesquisa e no meio fotográfico diante de outros coletivos negros e feministas. A organização desenvolveu reportagens através de memórias locais e a série Ciranda das Rainhas, com lideranças negras, onde cada ativista reconheceu a luta uma da outra, mesmo em territórios e campos de atuação diversos. 

Em termos de perspectivas para o futuro, a Coletiva pretende atuar na produção de microreportagens; séries de conversa audiovisuais; oferecimento de curso de formação visual antirracista e antissexista, trazendo referências femininas pretas e ancestralidade; e inserção no mercado de acervos fotográficos. Além disso, elas também aguardam pelo resultado de projetos submetidos a editais artísticos com outros coletivos e estudam a criação de uma rede de corresponsabilidade com acervos locais e visualidades produzidas por pessoas negras.

Com o foco no olhar sobre as mudanças nos territórios segundo as dificuldades na pandemia, a Coletiva fez a preservação de acervos particulares, histórias de grande impacto da imaginária local. Segundo a coordenadora Adriana Medeiros, aprender a governança em grupo também as potencializou a realizar seus sonhos e projetar o futuro sem restrições, inspirando outras lideranças e outros projetos. Além da técnica, as formações auxiliaram na visão política do mundo relacionada aos aprendizados internos como autocuidado, paciência, coragem, autoestima, sabedoria, autoconhecimento e confiança no grupo, proporcionando valorização de cada membra e equilíbrio interno.

“Estamos mais instrumentalizadas para produzir novas visualidades e produzir alicerces de formação visual e fotográfica, que incluam a perspectiva histórica local e política, técnica decolonial. Esse período representou um desfecho de tudo o que provocamos e buscamos por um ano e hoje podemos tornar visível. Aprendemos a resistir e acreditamos”, conclui Adriana.

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

Nas ruas e nas redes: Marcha das Mulheres Negras de São Paulo segue em passos firmes

Organização apoiada pelo Fundo Baobá precisou se adaptar em meio a pandemia do coronavírus

Por Morgana Damásio*

 

Pela tela do computador, Mara Lúcia da Silva, a Omara, se apresenta. É lésbica, feminista e seus cabelos grisalhos também nos contam sobre os anos na luta antirracista. Mais tarde descubro que ela também carrega o samba no coração. Na janela ao lado, com um sorriso, Eliane Almeida conta que é jornalista, tem 50 anos e é mãe de Isabela, de 20 anos, e de Vitória, de 8 anos. Na sequência, conheço Fernanda Chagas, jovem, socióloga e pesquisadora. Mulheres negras: Omara, Eliane e Fernanda; partilham os passos na Marcha das Mulheres Negras de São Paulo (MMNSP). Juntas, ajudam na construção da organização, de uma maneira horizontal e coletiva com outras mulheres negras. 

“O que tem de maravilhoso dentro da Marcha é a pluralidade” conta Omara. “Existem mulheres que são partidárias, mulheres que não são partidárias, mulheres que estão ali autonomamente, que fazem parte de outros coletivos  e que se somam  para fortalecer. Somos Marcha, mas também somos outras coisas, então somos múltiplas”, completa. Para ela é justamente essa multiplicidade que faz a Marcha ter força e conseguir todos os anos trazer mais gente para continuidade do processo de luta.

A Marcha das Mulheres Negras de São Paulo é uma das sementes da Marcha de Mulheres Negras contra o Racismo, a Violência, e pelo Bem Viver, realizada em novembro de 2015, em Brasília. Um marco histórico, em que mais de 100 mil mulheres negras de todo Brasil ocuparam a Esplanada dos Ministérios, pautando um novo projeto de sociedade para o Brasil. Além de São Paulo, outros estados como a Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e Pará seguiram com ações estaduais. “É um espaço onde nós mulheres negras conseguimos refletir, lutar, pensar na criação de políticas públicas e debater as nossas especificidades a partir da questão racial, que na verdade é a nossa luta desde sempre […] Essa caminhada já vem de muito mais tempo e de uma forma bem descentralizada”, conta Fernanda Chagas.

A MMNSP foi uma das iniciativas apoiadas na 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. Uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations. “Nós mergulhamos, foram dias e dias de reuniões no SESC, café, fala e debate. Foi muito rico esse processo, porque mobilizou nossas mulheres. Só que juntamente com a aprovação do projeto veio o corona, né? Ficamos paralisadas, a gente pensou tudo no físico e tivemos que transformar para o virtual”, explica Fernanda, que também destaca que muitas companheiras não tinham celular ou acesso a internet.

Assim nasceu o “Projeto Aquilombar e Ampliar Universos – formação política para mulheres negras”, que entre março de 2020 e julho de 2021 impulsionou a formação das mulheres do MMNSP para atuação política e compreensão da realidade social. O objetivo do projeto foi fortalecer estratégias de comunicação e ampliar o alcance da luta antirracista para as redes sociais. Foram 12 formações com diferentes temáticas; cerca de 50 atividades relativas ao Julho das Pretas e a Marcha do 25 de julho em 2020 e 2021; além da reativação do site, criação do canal do Youtube e otimização do uso estratégico do Facebook e Instagram. “Acontecia uma formação política e uma técnica, intercaladas, e isso foi de um grau muito enriquecedor. Hoje a gente consegue perceber, inclusive, qual o potencial temos de utilização dessa ferramenta para as próximas marchas”, exemplifica Eliane. Ela pontua que a Marcha entendeu que, apesar da preferência pelo presencial, há a possibilidade de que mulheres que não estejam em São Paulo participem das reuniões por outros canais. Eliane destaca que se apropriar dos conhecimentos técnicos é também uma ferramenta política.

Nas formações, temas como: segurança digital, artivismo, produção de conteúdo para redes sociais, violência política contra mulheres negras e os impactos da pandemia para mulheres negras foram trabalhados. Além dos processos formativos, as mulheres da Marcha seguiram com os outros projetos, articulações políticas e se engajando nas questões trazidas ou agravadas pela pandemia e que afetam, sobretudo, as comunidades negras. Tais como: projeto político e representatividade nas eleições, vacinação, moradia, emprego, genocidio, demarcação de terras quilombolas e indígenas e auxílio emergencial. “Todo dia tem alguma coisa, todo dia é um sete a zero. Nós perdemos algumas companheiras e também tem os meninos que elas deixaram, né? A gente tenta, dentro do possível, também fazer um acompanhamento desses jovens. É correr atrás de  terapia, escola, é muita demanda”, partilha Omara. Ela rememora o quanto a rede de apoio se intensificou entre as mulheres da Marcha durante o período de isolamento social.

 

“Nenhum passo atrás” 

No primeiro ano de experiência do projeto, o Julho das Pretas realizou trinta dias ininterruptos de atividades, alcançando mais de um milhão de pessoas na internet. No dia 25 de Julho foram doze horas de programação aberta online. “ A sobrecarga foi  uma loucura, porque a gente não tinha realmente dimensão dessa coisa, né?”, comenta Omara sobre a adaptação da programação para o espaço virtual.  “ Quando acabou estávamos esgotadas”.

Na edição deste ano de 2021, as mulheres refletiram sobre a sobrecarga e o autocuidado e reduziram a quantidade de ações durante o mês. “A formação sobre autocuidado foi um momento muito importante para nós, de fortalecimento mesmo. Pra que a gente conseguisse ver e entender tudo que estava acontecendo”, comenta.

A marcha virtual, das 16h às 20h, foi mantida. Projeções e faixaços em 5 regiões de SP (capital) e mais 4 cidades paulistas (Santos, Osasco, Santana de Parnaiba e Mauá) foram realizados.

As mulheres da Marcha destacam que a formação sobre planejamento estratégico e governança, oferecidas pelo Baobá, também foram fundamentais para esse realinhamento. A formação trouxe reflexões importantes sobre a missão da organização,  a visão e o planejamento a curto, médio e longo prazo. “ A Marcha cresceu em qualidade e alcance”, finaliza Omara.

Trecho do Manifesto MNNSP

E como fazemos em São Paulo desde 2016, demonstramos nossa indignação e força. Milhares de mulheres negras e indígenas, lésbicas, bissexuais, trans e travestis, quilombolas, ativistas e ciberativistas, jovens, idosas, estudantes, educadoras, donas de casa, militantes, artistas, desempregadas, profissionais liberais, profissionais do sexo, servidoras públicas, comunicadoras, professoras, catadoras de recicláveis, profissionais da saúde, defensoras de direitos humanos, parlamentares, jornalistas, católicas, protestantes, de terreiro, sem religião, com fé na força de cada uma de nós, seguimos avançando e movendo o Brasil pelo Bem Viver.

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

Mulheres negras periféricas de Recife (PE) se reinventam em projeto de formação política feminista e antirracista

A Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, Espaço Mulher e Cidadania Feminina promoveram em conjunto formações com mulheres de bairros da capital pernambucana, além de se fortalecerem institucionalmente

Por Jamile Araújo*

 

Com o objetivo de fortalecer lideranças negras, femininas e periféricas de Recife (PE) e região metropolitana, o “Projeto Olori: mulheres negras e periféricas construindo lideranças” foi um dos projetos apoiados na 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. Uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations. Executado coletivamente pela Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, Espaço Mulher e Cidadania Feminina, o projeto realizou formações com mulheres de bairros da capital pernambucana, e ações de fortalecimento das três organizações que construíram a iniciativa. A trajetória de Ediclea Santos, Liliana Barros e Rosa Marques, coordenadoras do projeto Olori, mostra a resistência e reinvenção das mulheres negras nas estratégias de combate ao racismo e ao machismo. 

Liliana Barros faz parte do coletivo Cidadania Feminina, uma organização de mulheres negras periféricas sediada no Córrego Euclides, em Recife. Liliana explica que os principais eixos de atuação do Cidadania é o enfrentamento da violência contra as mulheres e o combate ao racismo.  “Eu comecei pelo Cidadania Feminina, depois integrei o Fórum de Mulheres de Pernambuco, e em 2016 nasceu a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e comecei uma aproximação. Hoje eu integro a Rede de mulheres Negras, trabalho na sala da rede”, diz. Liliana também integra a Articulação de Mulheres de Bairros, composta por nove entidades que se organizam para se manterem na atual conjuntura.

O Espaço Mulher é um grupo de mulheres negras, periféricas, feministas e antirracistas, que tem 22 anos de história, seu nascimento data de 22 de janeiro de 1999, na comunidade de Passarinho em Recife. “Começou com um grupo de trabalhadoras domésticas. Eu vim do Morro da Conceição, lá eu já fazia parte do grupo de mulheres do Morro, já fazia teatro e já conhecia o fórum de mulheres”. Clea, como Ediclea é chamada por suas companheiras, relata que entrou para a militância nos anos 80. “E até hoje a gente faz a resistência diária, pela falta de políticas públicas. Além de ser um grupo de mulheres negras que luta por várias coisas aqui na comunidade, como saúde e educação, porque é uma comunidade pequena, que a escola e a saúde que tem não agrega todos os moradores”. Assim como Clea, Evandra Dantas, conhecida como Vânia, também faz parte do Espaço Mulher e da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco. “Eu e Clea estamos desde o começo do Espaço Mulher, porque nós éramos trabalhadoras domésticas”, diz.

Desde 2015 o Espaço Mulher realiza uma ação chamada “Ocupe Passarinho”. Antes da pandemia as mulheres faziam palanque feminista na rua, carta política, feira agroecológica e oficinas para mulheres. Clea conta ainda que em Passarinho falta lazer e esporte para os jovens, por isso a comunidade tem realizado diversas reuniões com secretarias em torno dos temas segurança pública, lazer e esporte. 

Com uma trajetória em movimentos sociais desde a década de 80 entre movimentos de juventude e movimento negro, Rosa Marques hoje é militante da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco. Rosa relata que a Rede foi fruto do processo de construção da Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo à Violência e pelo Bem Viver. A Marcha aconteceu em 2015 e reuniu em Brasília mais de 100 mil mulheres negras de todo o Brasil. “Quando a Marcha das Mulheres Negras iniciou sua construção, a gente foi sendo convidada para articular as mulheres negras nos estados. Então se formou um comitê impulsor de Pernambuco e cada uma, a partir do seu local, de suas possibilidades financeiras, pois não tínhamos recurso mesmo de mobilizar, foi juntando essas mulheres”, afirma.

Segundo Rosa, fizeram parte dessa construção diversas mulheres, organizadas em coletivos ou não. “E a gente foi construindo essa marcha nos processo de formação política. Porque a gente não queria que as mulheres fossem para a Marcha por irem, a gente queria que elas soubessem porque estávamos indo, porque estávamos marchando contra o machismo, contra o racismo e pelo bem viver”, ressalta. 

Rosa conta que elas saíram da Marcha com dois compromissos, o primeiro foi realizar a Marcha em Recife, depois de Brasília, para as mulheres que não foram. E “o segundo foi o fechamento do comitê. E aí nasce a Rede, porque a gente fechou o comitê, mas as mulheres disseram ‘nós não queremos mais voltar para as nossas casas e dormir’”, diz Rosa.

 

Formação política e fortalecimento das organizações

De acordo com Rosa, a ideia do projeto surgiu para fortalecer umas às outras enquanto segmento de mulheres negras, pois a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco já possui uma inserção no campo da mobilização de recursos e já teve outros projetos financiados, mas o Espaço Mulher e o Cidadania Feminina possuem menos estrutura e necessitavam bastante de apoio financeiro. “Quando a gente viu esse edital a gente pensou: ‘é agora’”, afirma.

O Projeto Olori contou com formação política virtual para mulheres negras periféricas organizadas e não organizadas em coletivos, beneficiando cerca de 200 pessoas. Mas, possibilitou também que fossem adquiridos equipamentos, que houvesse a sistematização das histórias das organizações, a catalogação dos livros da Biblioteca Maria Antônia, do Cidadania Feminina, entre outras coisas.

“Nosso projeto foi muito interessante porque foi um trabalho de formação com mulheres da articulação de bairros de várias periferias da cidade do Recife e região metropolitana. Ele foi voltado para a questão da formação, e iria ser feito presencialmente, aí chegou a pandemia, foi todo mundo naquela loucura, sem saber como iria acontecer”, relata Liliana.

Ela conta que houve muitas formações e diálogos com as pessoas do Fundo Baobá para organizar como seria a execução do projeto nesse período. “Então a gente começou o grande desafio de fazer as formações online, com mulheres que muitas vezes tinham muita dificuldade com o acesso, porque para a gente é tudo muito novo. A Rede disponibilizou crédito para os celulares das mulheres para contribuir, fez orientações de como entrar”, relata.

Mesmo com os desafios impostos, Liliana compartilha que as formações tiveram participação constante. “As mulheres estavam acompanhando ali com toda dificuldade. Teve um fato que muito me surpreendeu e não esqueci: foi a Elisângela Lopes, que ela estava no quintal de casa e com ela tinha mais quatro pessoas assistindo a formação’”, conta. 

Clea diz que o projeto veio também para dar visibilidade e contribuir com equipamentos para o Espaço Mulher. “Ajudou a gente a comprar vários equipamentos que a gente não tinha, computador, telão, caixa de som, veio muita coisa pra gente. Nós também somos artesãs, o dinheiro dos artesanatos que  a gente vende é para um lanche, para pagar uma água ou luz. Então a gente só tem a agradecer”.

Liliana ressalta que além da catalogação da biblioteca e de materiais, a sistematização da história das organizações foi muito importante. “O Cidadania Feminina começou num quintal de uma casa, mulheres tomando cerveja e foi aumentando o número de mulheres. A gente sabe da história, mas a gente não tinha isso registrado”, descreve. A militante afirma ainda que o projeto deixou frutos não só no Cidadania, mas por onde ele passou com a formação. 

O Espaço Mulher deu um grande passo a partir do projeto: a produção do estatuto da organização. “A gente tinha um problema seríssimo porque a gente não tinha grana,  e esse projeto deu a oportunidade de estarmos fazendo nosso estatuto, está no cartório”, relata Clea. Ela diz ainda que as mulheres permanecem no grupo da formação e que estão animadas para saber se terá continuidade. “Foi um projeto diferente porque nem todas as mulheres sabiam abrir o aplicativo, e a maioria que se inscreveu permaneceu do início até o fim. Foi um projeto que deixou frutos e, para gente, foi muito rico”, reforça.

Além do grande desafio imposto pela pandemia de covid-19, as mulheres apontam que coordenar um projeto coletivamente foi algo novo para elas. “A gente não tinha feito isso ainda, a gente faz cada uma no seu segmento ou organização. Então foi um grande desafio coordenar um projeto juntas. Buscando outras mulheres que não estavam nem na rede, nem no Espaço Mulher, e nem no Cidadania Feminina, para somar nesse processo de formação política e a gente teve muitos aprendizados”, destaca Rosa.

 

O processo em meio a pandemia 

As coordenadoras do projeto consideram que a pandemia foi o pico da surpresa desagradável. “A gente estava com o projeto presencial, mas quando chegou a pandemia a gente se deparou com as nossas mulheres em processo de fome, depressão, inquietação, de doenças, e a gente no início não olhou muito para o projeto, fomos cuidar de nós mesmas. Porque ou a gente cuidava ou a gente ia se perder”, explica Rosa. 

Rosa afirma ainda que a pandemia também trouxe mudanças de comportamento e novos conhecimentos: “Agora, minha filha, pede para Ediclea, Vânia, e Liliana organizarem uma live aí. Daqui há um dia elas estão fazendo webnário. Isso foi um aprendizado. A gente não tinha acesso a essas informações, mas a gente buscou e executou o projeto lindamente”, aponta. Vânia reage ao comentário de Rosa sobre o webnário: “Não sei fazer ainda, mas se me botar para fazer eu faço”, diz de forma descontraída. 

Um dos aprendizados com o projeto que Liliana pontua foi o de fazer planejamento.  “Para nós que somos de organizações periféricas, a gente não pensa muito no planejamento, a gente planeja, mas o dia a dia da gente é nos ‘corres’ mesmo. Então, parar para pensar como ia ser, planejar essas ações foi uma parte da formação que nós tivemos”.

 

“Enquanto eles pensam em nos matar, coletivamente a gente resiste para não morrer”

“Eu acho que o Fundo Baobá poderia proporcionar novamente esse tipo de projeto, e também proporcionar que outras organizações possam fazer. O Espaço Mulher agora com o estatuto em mão, ele pode ter um espaço de onde buscar recursos”, pontua Rosa.

Liliana reflete sobre o futuro na perspectiva do momento atual que o Brasil atravessa: “Quando você pergunta o que esperamos para frente, não consigo pensar. Porque para nós que somos de bairros populares, a situação não está fácil, está extremamente difícil”. Ela acredita que é preciso continuar fortalecendo as lideranças que estão na base. “Porque muitas de nós já não conseguimos reunir tantas mulheres porque as dificuldades estão deixando as mulheres sem acreditar, o sentimento do descrédito começa a aflorar com muita força”, reitera. Ela diz ainda que sonha com projetos mais acessíveis para quem é da base. 

Fico pensando como fortalecer esses grupos. A gente só entrou nesse projeto porque a gente estava em grupo, no coletivo. Porque a maioria das organizações pedem que os grupos tenham CNPJ, os grupos periféricos de mulheres negras ‘dançam’, todas as vezes que a gente escreve”, diz Clea sobre os desafios para o futuro. Clea conta que o Espaço Mulher resiste porque possui grandes parceiras que “chegam junto em termos de alimentação, de doação, dando oficina, então a gente tem uma grande parceria que nos fortalece. E a gente só se fortalece quando está no coletivo. Porque se a gente estivesse sozinha aqui em Passarinho, pode ter certeza, a gente não tinha saído do canto”.

Clea finaliza reforçando sua gratidão ao Fundo Baobá e ao projeto. “Só tenho a agradecer a esse projeto, por esse apoio, por fazer tanta gente se reconhecer como mulher negra, porque a gente precisa falar de racismo. A gente tem que sustentar que é mulher negra, periférica, e a gente resiste. Enquanto eles pensam em nos matar, coletivamente a gente resiste para não morrer”, conclui.

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

Fundo Baobá apresenta as 47 iniciativas empresariais escolhidas para serem apoiadas pelo seu edital de Recuperação Econômica

Em evento virtual ocorrido no dia 24 de março, o Fundo Baobá para Equidade Racial reuniu os selecionados para serem apoiados pelo edital de Recuperação Econômica, lançado em novembro de 2020. Estiveram presentes na live de lançamento membros das 47 iniciativas apoiadas, além de representantes da Coca Cola Foundation, do Instituto Coca Cola Brasil, Banco BV e Instituto Votorantim. 

A situação de pandemia que acontece em todo mundo levou o Fundo Baobá a lançar em 11 de novembro de 2020 o edital de Recuperação Econômica para Micro e Pequenos Empreendedores (as) Negros (as). Um rigoroso processo de seleção foi iniciado e concluído no dia 25 de fevereiro, com a divulgação da lista dos escolhidos. O edital teve 700 inscrições, 598 foram validadas, 273 foram para a entrevista, 141 receberam a recomendação para avaliação e, como determinavam as regras, 47 iniciativas foram selecionadas para  receber aporte de R$ 30 mil. As iniciativas teriam que ter composição societária de três empreendedores negros ou negras. 

Na abertura do evento, a diretora de Programas do Fundo Baobá, Fernanda Lopes, destacou a importância do programa de Recuperação Econômica. “Esse programa é parte da resposta do Fundo Baobá, frente aos impactos da emergência sanitária na vida da população negra. Sabemos que a pandemia do coronavírus acentuou as desigualdades socioraciais no nosso país. Sabemos como o empreendedorismo negro foi afetado, que a saúde financeira dessas empreendedoras e empreendedores foi afetada. Esse programa tem o objetivo de fortalecer o ecossistema de apoio ao emprendedor negro, envolvendo diversos atores que atuam nesse campo, Esse programa se insere dentro de um eixo prioritário de investimento do Fundo Baobá,  que é o desenvolvimento econômico”, disse. 

O presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, Giovanni Harvey, enalteceu o espírito das pessoas empreendedoras e chamou a atenção para o incentivo que elas precisam ter. “De forma geral as pessoas acham que aqueles que empreendem não precisam de investimento. E é com muita alegria que vejo instituições como Coca Cola e BV se juntarem a esse tipo de iniciativa. Mais do que ter tido coragem de apoiar essa pauta está a coragem de apoiar uma pauta para os invisíveis. São os mais invisibilizados com o discurso ilusório de que quem empreende não precisa de investimento. A ação de empreendedores negros e negras acontece desde antes da abolição”, concluiu. . 

Giovanni Harvey, presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá

Membro do Conselho Fiscal do Baobá, Marco Antônio Fujihara usou uma analogia para se referir ao espírito empreendedor dos apoiados pelo Programa de Recuperação Econômica. 

“Empreender é como soltar uma pipa. A gente vai soltando corda e ela vai voando. E se a gente tiver muita corda, ela vai voando sempre. Façam essa sua pipa voar muito alto. Mas tenham os pés no chão. Só pelo fato de terem participado desse processo vocês já são liderança”, afirmou

Marco Antônio Fujihara, membro do Conselho Fiscal do Baobá

Heloisa Binello, gerente de Comunicação do Instituto Coca Cola Brasil, e Tiago Silva Soares, gerente de Marketing e Sustentabilidade do Banco BV, falaram respectivamente sobre o que motivou a ideia do edital e a determinação que os apoiados terão que ter. “Nós tínhamos que olhar para o que viria com a pandemia, que era a necessidade de recuperação econômica. Então, espero que essa jornada seja tão importante para vocês como está sendo pra gente”, afirmou.

Heloisa Binello, gerente de Comunicação do Instituto Coca Cola Brasil

Tiago Soares, abordando a determinação, lembrou a trajetória de seus pais como empreendedores. “Minha mãe teve uma banca de jornal, uma pequena livraria e vendeu roupa.  Meu pai foi dono de farmácia. Então, cresci vendo os prazeres e as dificuldades que o empreendedor tem. Parabéns por continuarem em um momento tão difícil pelo qual o Brasil e o mundo estão passando. Espero que seja um caminho muito positivo para todo mundo”, afirmou Tiago Soares. 

Tiago Silva Soares, gerente de Marketing e Sustentabilidade do Banco BV

Representando o FA.Vela, parceiro operacional do Fundo Baobá, estavam presentes João Souza, diretor de Futuros Inclusivos, e  Ludmilla Correa, diretora de Projetos e Programas. “Tivemos a oportunidade de conhecer muitas histórias de resiliência. Particularmente, li, vi e ouvi mais de 200 histórias. Conseguimos desenhar várias experiências e necessidades a partir das escutas que realizamos. Agora, começamos uma jornada incrível para o desenvolvimento de vocês”, disse Ludmilla.

Ludmilla Correa, diretora de Projetos e Programas do FA.Vela

A voz das pessoas apoiadas

Entre as histórias de resiliência vistas  por Ludmilla Correa está a de Ana Verônica Isidorio, do Ceará, da iniciativa Atitudes & Negritudes Cariri, juntamente com Luziana Souza e Antonio Carlos Dias de Oliveira. Mulher lésbica, ela falou da satisfação em ter sido selecionada pelo edital de Recuperação Econômica. “Sou preta, pobre, lésbica e moro longe. A sensação de participar desse projeto é inexplicável. Acreditávamos que seríamos escolhidas. Confiávamos muito no nosso trabalho. Somos de uma região que tem o maior índice de feminicídio do Ceará. Estar aqui é uma grande vitória”, disse Ana Verônica.

Ana Verônica Isidorio, da iniciativa Atitudes & Negritudes Cariri (CE)

Tayná Maysa Passos, do Afroitas – Arte,  estética e gastronomia preta, de Pernambuco, falou da sua esperança de vencer com seu próprio negócio, ao lado de Lucilene Ferreira e Maíra de Melo. “É difícil viver de empreendedorismo. Viver do seu próprio negócio. Mas eu tinha muita esperança de vencer. Agradeço Iansã, que jogou um vento para que a gente ganhasse”, agradeceu.

Tayná Maysa Passos, do Afroitas (PE)

Do Amapá, Rejane Soares e suas parceiras Alcimar Guedes e Nadia Correa formaram o Afrolab Virtual. “É gratificante mostrar que o Norte tem população preta. Que tem mulher preta à frente dos negócios. Que tem gente na nossa luta”, disse Rejane Soares. 

Rejane Soares, Afrolab Virtual (AP)

Encerramento

Coube à diretora executiva do Fundo Baobá, Selma Moreira, encerrar o evento com uma exaltação aos parceiros do Baobá e um pedido para que incentivem novos parceiros. “O que estamos vendo aqui é o resultado de uma história com muitas intersecções. Esses parceiros têm histórico de trabalho e investem na temática do empreendedorismo há longa data. Quero agradecer a eles, que acreditaram e investiram. Peço que busquem outros parceiros para que a gente possa fazer esse tipo de projeto acontecer. Vamos fazer as placas tectônicas se moverem. Quando a gente fala em empreender trata-se de como vamos mover nossa teia. Trata-se de justiça também. Acreditamos muito na potência desses conjuntos. No poder desses trios de empreendedores e empreendedoras”, afirmou.

Esperança Garcia: Iniciativa de coletivo piauiense forma mulheres negras como lideranças

O resultado foram organizações de mulheres locais com maior participação em editais, conselhos, sindicatos e liderando as entidades de que participam

Por Andressa Franco*

 

A necessidade de fortalecer a luta pelo combate ao racismo, ao sexismo, por um modelo de democracia plurriracial e para construção de uma sociedade centrada no bem viver, pede por novas lideranças determinadas a ocupar espaços decisórios fundamentais. Nesse sentido, a capacitação e a formação política e organizacional são instrumentos para percorrer esse caminho.

Possibilitar que novas lideranças femininas tenham habilidade de incidir politicamente em suas entidades ou locais de atuação, através de formações internas e externas, foi uma das motivações do Ayabás – Instituto da Mulher Negra do Piauí para escrever o projeto “Esperança Garcia – Conhecimento de Resistência”. A proposta foi contemplada na 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. Uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations. 

O título do projeto faz alusão a Esperança Garcia, mulher negra escravizada do Piauí, que foi considerada a primeira mulher advogada do estado. Em 1770 ela enviou ao presidente da Província uma petição denunciando os maus tratos que ela e seu filho sofriam na fazenda onde trabalhavam. 

 

Equipe Ayabás

 

O Projeto 

O Instituto Ayabás nasceu com o propósito de debater as implicações do racismo e do sexismo na sociedade, além de lutar pela eliminação das desigualdades e pela valorização e promoção das mulheres negras. Luzilene de Sousa e Silva, conhecida como Leninha, atualmente faz parte da coordenação da organização, e está presente desde a sua fundação. Ela  é bióloga, especialista em cultura afrodescendente e educação brasileira.

Leninha conta que dedicou um dia inteiro à escrita do projeto ao lado da contadora do instituto. Uma vez aprovadas, começaram a desenvolver as atividades, que precisaram ser adaptadas para o contexto da pandemia de covid-19. “Não tínhamos nenhuma habilidade com tecnologia. Mas dissemos: ‘vamos meter a cara e fazer’, e ao meu ver foi um sucesso”, avalia. O resultado foram organizações de mulheres locais com maior participação em editais, conselhos, sindicatos e liderando as entidades que participam. Além disso, ela cita também como resultado o fortalecimento interno da instituição, e maior visibilidade alcançada pelo grupo. 

“É isso que a gente quer, mais lideranças femininas à frente de organizações, porque somos nós, mulheres negras, que carregamos o Brasil nas costas”, acrescenta. Pessoalmente, Leninha, que nem mesmo se considerava uma liderança, destaca as habilidades que adquiriu na área das mídias sociais, e no desenvolvimento de projetos com as consultorias oferecidas pelo Fundo Baobá. “Além do dom da fala. Eu sou envergonhada demais, e com os depoimentos das meninas que disseram que eu fazia parte das mudanças de vidas delas, eu me encorajei mais a falar”, relata.

Para dar início às ações desenvolvidas pela iniciativa, o instituto começou com uma enumeração de entidades e movimentos sociais relacionados com a temática de racismo e gênero no Piauí, para realizar a inscrição dessas mulheres nas oficinas. A partir daí, os resultados se manifestaram a partir da elaboração do site da organização; do primeiro projeto aprovado por uma das entidades participantes das formações; e da produção de um documentário sobre sua realização.

As Ayabás também foram responsáveis pela realização de eventos como a Feira Preta no Julho das Pretas e o III Encontro Estadual de Mulheres Negras, que desencadeou na formalização da Rede de Mulheres Negras do Piauí. Além de aumentar as participações em lives nacionais, regionais e locais falando sobre feminismo negro, enfrentamento ao feminicídio e participação de mulheres negras na política.

 

Nascem novas liderança

Participar dos cursos promovidos pelo instituto afetou a vida de dezenas de mulheres. É o caso da quilombola Marcília Rodrigues, de 31 anos, conhecida como Chitara. Ela enviou um depoimento em vídeo para as mulheres do instituto agradecendo a iniciativa. Professora de capoeira, militante negra rural, quilombola do Grupo Cultural Capoeira de Quilombo do município de São João do Piauí e descendente do território Riacho dos Negros, Chitara participou das formações no intuito de aprender do zero a prática de designer para desenvolver artes para os movimentos sociais em que atua.

“Eu não sabia nada do trabalho de um designer, e hoje posso criar artes de divulgação dos nossos trabalhos. Nos nossos movimentos hoje o dinheiro que a gente gastaria para fazer banners, cartazes e camisetas, conseguimos desenvolver atividades para os próprios movimentos, o que era um dos meus sonhos”, relata. Chitara também é técnica agrícola, comunicadora social, mobilizadora sociocultural, membra no Conselho Municipal de Direitos das Mulheres de São João do Piauí e fundadora do Coletivo de Mulheres Quilombolas Descendentes do Território Riacho dos Negros. 

“O depoimento dela é maravilhoso, fiquei muito feliz porque o projeto deu ciência às lideranças não só daqui de Teresina, que é a capital do estado, mas também do interior bem longínquo”, pontua Leninha. 

Para a jovem quilombola, os desafios que se seguem são enormes porque ainda são poucos os espaços ocupados por seus pares. “Lidamos com o não acesso às políticas públicas voltada para nós, as retiradas do direito de manter a educação nos nossos territórios e acesso negado ao trabalho para que possamos viver, ter o que comer, conseguir nos manter na roça produzindo”, desabafa Chitara.

Assim como Chitara, Maria das Mercedes Alves de Souza, de 39 anos, também decidiu contribuir para sua comunidade depois de participar das oficinas do projeto. Assim, participou das eleições para coordenadora da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Piauí, e foi eleita. “Eu acho que foi o máximo dos nossos objetivos”, afirma Luzilene satisfeita.

Também conhecida como Cesinha, Maria das Mercedes é pedagoga, especialista em educação do campo e indígena da etnia Gamela. A entidade que hoje coordena tem por objetivo contribuir com os povos do campo na luta pelo acesso à terra, água e direitos na construção de uma vida digna para comunidades, territórios e trabalhadores e trabalhadoras rurais. Ela afirma que o Instituto da Mulher Negra do Piauí teve uma grande influência na sua formação política, e como liderança dentro de uma instituição. “O Instituto despertou muito em mim a busca pelo meu lugar enquanto mulher no meio social, a lutar pelos meus direitos, a ver que o espaço da mulher é onde a gente deseja estar”, conta. 

 

Obstáculos e Estratégias 

Ocupar uma cadeira de liderança, sendo uma mulher, traz consigo muitos obstáculos. “A gente enfrenta uma sociedade muito cruel, machista e um patriarcado muito forte quando ocupa uma coordenação. Mesmo encontrando no órgão que a gente está atuando o fortalecimento, a sociedade em si ainda é preconceituosa”, destaca Cesinha. Ela acredita que as capacitações como as promovidas pelo Ayabás são, de fato, a melhor alternativa para se enfrentar esses desafios e fazer com que as mulheres se sintam confortáveis quando ocupam essas posições.

Mas, antes de enfrentar esses problemas, os processos de capacitação que influenciaram nas formações dessas mulheres também tiveram suas próprias adversidades. Com a chegada da pandemia, todos os cursos foram adaptados para o formato online, e o acesso à internet foi a dor de cabeça número um. Para isso, algumas das saídas foram as gravações das aulas, e a criação de trabalhos fora do meio virtual para serem realizados entre um encontro e outro.

Lucineide Medeiros, professora da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), educadora popular, militante feminista e integrante da Frente Popular de Mulheres Contra o Feminicídio, ficou responsável por ministrar a oficina de Gestão e Liderança. Ela conta que houve um envolvimento importante de todas as mulheres que participaram.

“No final os testemunhos foram de que o processo trouxe um estímulo para pensar o desafio de ocupar espaços na sociedade e gestar a sociedade que a gente quer, começando pelos lugares em que estamos”, relata a professora. Ela explica que, para além de ocupar esses espaços, foi passado que é preciso fazer isso a partir de princípios que não reproduzem os valores patriarcais e colonialistas, raiz de uma série de problemas sociais.

De acordo com Lucineide, todas as aulas tinham em média 45 mulheres. De diferentes faixas etárias, territórios, rurais, urbanas, mulheres que já eram militantes, ou que ainda não eram. Assim como mulheres de diferentes escolaridades. Por isso, ela teve o cuidado de organizar estratégias que alcançassem o máximo possível essas diferenças. Algumas atividades que implicam escrita, por exemplo, foram adaptadas para as várias formas de expressão que não somente a escrita, como também as expressões artísticas.

“Também haviam as questões de conciliar esses processos de participação com outros afazeres. Para uma parte das mulheres isso não é fácil, considerando que estão em múltiplas tarefas, como as domésticas. Também penso que tem o desafio de, estando nesse espaço virtual, ter condições adequadas para participar, como um ambiente silencioso, ventilado, que dê uma tranquilidade para se concentrar”, acrescenta.

 

Projetos Futuros

De olho no futuro, o projeto que as integrantes do Ayabás vislumbram no horizonte é a Escola de Formação de Lideranças de Mulheres Negras no Piauí. “Esse é nosso projeto maior, assim como trabalhar com crianças e adolescentes, incentivar porque eles são o futuro, os próximos líderes”, enfatiza Leninha. 

O grupo também pretende organizar mais uma edição do Encontro Estadual de Mulheres Negras, já que em 2021 não foi possível. A coordenadora, além disso, idealiza desenvolver oficinas de empoderamento e capacitação dentro do Memorial Esperança Garcia. “A gente também quer trabalhar a questão do afro empreendedorismo, está em alta e diz muito sobre a subsistência das mulheres negras”, finaliza.

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

Juristas negras criam metodologia de aprendizagem para viabilizar maior acesso e ocupação do Sistema de Justiça

A coletiva de Pernambuco apoiada pelo Fundo Baobá, Abayomi – Juristas Negras, desenvolveu uma metodologia própria com o objetivo de incidir e transformar o Sistema Nacional de Justiça

Por Brenda Gomes*

 

Ao longo do tempo, pessoas negras foram afetadas pelas estruturas racistas do país. Mesmo com recentes avanços relacionados a acessos e ampliação da escolaridade, ainda existem grandes desigualdades entre negros e brancos no Brasil. Para as mulheres negras, afetadas pela discriminação de raça e gênero, a situação é ainda mais difícil. Essas desigualdades podem ser visualizadas nas diversas áreas, principalmente, nos espaços de poder. 

No Brasil, na maior parte dos ambientes de liderança e cargos de direção que são ocupados por mulheres, são por mulheres brancas. Somente 0,4% são pretas, segundo dados do Instituto Ethos e do Banco Interamericano de Desenvolvimento. No sistema judiciário, a presença dessas mulheres muitas vezes está apenas representada na base, enquanto homens ocupam os espaços de destaque. Pensando na diminuição dessas desigualdades que a Coletiva Abayomi – Juristas Negras tem realizado ações a fim de impulsionar a carreira de profissionais negras nesta área. 

De acordo com a advogada Débora Vanessa Gonçalves, uma das co-fundadoras da coletiva, a missão do grupo é combater de forma estratégica o racismo estrutural. O foco da organização é ocupar cargos nos órgãos que compõem o Sistema de Justiça Brasileiro. “Vivemos dentro de uma estrutura de poder que é originalmente racista e sexista, o que faz com que as mulheres negras sejam prejudicadas em todos os sentidos. Nossa missão, como coletiva de mulheres negras, é levantar nossas pautas nos espaços que estamos inseridas e levar também outras mulheres negras conosco”, afirma. 

O nome “Abayomi”, de origem yorubá, significa “encontro precioso”. O que diz muito sobre o grupo, que foi formado em 2019, em Pernambuco, após um encontro de juristas negras. O evento foi realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil, seção Pernambuco (OAB/PE) no Dia  Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. 

 

Abayomi Juristas Negras em primeiro eventos na OAB Pernambuco

 

A coletiva é um dos grupos apoiados na 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. Uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations. Com o apoio do Fundo Baobá, um dos investimentos da coletiva foi no aperfeiçoamento da Metodologia Abayomi da Aprendizagem – MADA, que tem como proposta utilizar outras áreas de conhecimento para impulsionar o ensino e as aprendizagens. 

Desenvolvida pela Procuradora Federal e co-fundadora da Abayomi, Chiara Ramos, a metodologia envolve atividades como mentoring, coaching, treinamento estratégico e estudo em grupo afrocentrado. “Diferente dos cursos tradicionais, a técnica leva em consideração quatro pilares: o intelectual, que é toda a teoria exigida nos exames; o mental, que considera as nossas experiências psicológicas; o físico, e o espiritual, onde buscamos resgatar a identidade e autoestima das participantes e colaborar para o rompimento de diversas crenças limitantes”, afirma Débora. 

Com a pandemia de Covid-19, os encontros presenciais das turmas MADA deram espaço a turmas virtuais, o que permitiu a inclusão de alunas de outros estados, ao todo foram 102 pessoas matriculadas. Durante a formação, as alunas tiveram acesso a cronogramas de estudos semanais; encontros on-line para debate de metas; aulas e palestras; atendimentos individuais e simulações de provas objetivas e dissertativas online. Além da formação referente aos temas tratados nos concursos, as participantes são provocadas a ampliarem a capacidade de leitura política a respeito de temas fundamentais para a compreensão do racismo no Brasil.  “Nós não queremos entrar nos espaços apenas para ter números de mulheres negras, queremos estar nesses espaços para fazer diferença. Então, ter esse aquilombamento, onde a gente faz o reconhecimento da nossa negritude e o reconhecimento do nosso espaço, faz com que a gente ocupe os espaços de poder com um outra visão” declara Débora. A advogada ainda afirma que após muita luta, conseguiram na OAB/PE a cota de 30% para advogadas negras dentro do sistema. “Hoje nossa meta é ocupar espaços dentro da diretoria, e só chegaremos lá através de formas estratégias e nos articulando como quilombo”, completa.

Apesar da trajetória das mulheres negras juristas, apesar do empenho de coletivas como as Abayomis, o cenário da magistratura ainda é marcado por sub-representatividades. Segundo o censo divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça em 2021, apenas 15,6% dos magistrados do país se autodeclaram como pessoas negras. Quando é feita a segmentação entre sexo e raça, as mulheres negras ocupam apenas 5% dos cargos de juízes do Brasil, 553 dos 10.782. Menos de 5% de mulheres negras exercem os cargos de Procuradoras Federais, Juízas Federais, Procuradoras da Fazenda Nacional, Juízas estaduais, Procuradoras do Trabalho, Advogadas da União e Juízas do Trabalho. Em alguns órgãos, como a Justiça Militar, os conselhos superiores da magistratura e a Procuradoria da República, não possuem mulheres negras enquanto membros. Números que, para Débora, são frutos do racismo estrutural.

“Eu consigo identificar as sutilezas do racismo hoje. Quando a gente consegue entrar nos espaços para exercer a advocacia, é muito visível a falta de diversidade. E o que podemos fazer quando pegamos a nossa OAB? Sermos autônomas? Estamos a serviço da comunidade? Tudo isso são caminhos possíveis, mas não queremos só estes”. Para a advogada é preciso de fato incidir dentro dos ditos espaços de poder para transformá-los. “Os espaços são mínimos para as mulheres negras. Sozinhas não temos como equiparar a carreira com mulheres brancas que possuem privilégios financeiros e/ou familiares em carreira jurídica. Muitas vezes, dentro das nossas famílias, somos as primeiras a nos formar, ou fazemos parte da primeira geração que conseguiu chegar a ter um curso superior”, completa.

A pernambucana, Maria José de Oliveira,  sempre sonhou em seguir a carreira jurídica, e foi com a ajuda da MADA que ela conseguiu a tão esperada aprovação na OAB. “Conheci a Abayomi através de uma colega de faculdade. Quando iniciamos a formação com a MADA eu fiquei maravilhada, pois tudo aquilo era algo novo para mim, apesar de sempre ter tido uma proximidade com as questões sociais”. A advogada, agora licenciada, afirma que  nenhum outro curso preparatório abriria tantos horizontes como o oferecido pela coletiva. “Antes eu não acreditava tanto em mim, aí veio a primeira fase da OAB, depois a segunda fase e depois o resultado. Esse mês ainda [outubro de 2021] estarei lá fazendo meu juramento, para poder em breve dar a minha contribuição para as próximas que virão. A gente precisa estar lá para mudar a estrutura por dentro”, descreve Maria José.

 

Uma proposta de mentoria enegrecida

Uma outra realização possível com o apoio do Fundo Baobá, foi o desenvolvimento do programa Black Coach Abayomi. A partir de técnicas de autoconhecimento e de desenvolvimento pessoal e profissional, o programa tem como proposta resgatar a identidade e a autoestima do povo negro a fim de desenvolver competências para ocupar “espaços de poder”. 

“Os pilares da MADA são utilizados para a formação dessas profissionais, pois acreditamos que é uma metodologia que fala sobre nós enquanto quilombo. É um curso de coach afrocentrado. Para além das técnicas de coach, a gente inclui os quatro pilares da MADA, para que as profissionais que estão sendo formadas possam aplicar esses pilares em seus ambientes de atuação”, conta Débora Gonçalves.

A proposta inicial da formação era atender cinco lideranças, mas com o recurso foi possível atender 20 lideranças. Dentre elas a pedagoga, Viviane Carneiro, que encontrou na mentoria a possibilidade de aperfeiçoar os atendimentos que já realizava. “Em um determinado momento da minha vida eu achei que poderia encorajar outras mulheres com as minhas vivências, e passei a utilizar as redes sociais para disseminar esse trabalho. Mas, nada que eu pudesse comparar com a aplicação da MADA. Após a formação, eu me sinto com maior capacidade técnica para atender outras mulheres”, afirma.

A trajetória das mulheres juristas Abayomis também passou a ser registrada através de artigos no site da coletiva e no Anuário Abayomi Juristas Negras, materiais também produzidos com o apoio do Fundo Baobá. Foi possível incentivar a produção de 50 artigos, com temas relacionados a questões raciais, gênero e o meio jurídico. Uma espécie de registro da luta da coletiva para a incidência no Sistema Judiciário brasileiro.

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

Mulheres Negras Decidem: Um novo projeto de democracia

Organização do Rio de Janeiro tem o objetivo de promover maior participação de mulheres negras na política institucional e já conta com articuladoras em 19 estados

Por Andressa Franco*

 

Fundada em 2018, a organização Mulheres Negras Decidem (MND), tem como objetivo promover a maior participação de mulheres negras nas decisões do Estado e acompanhar a atuação daquelas que estão na disputa da política institucional. A organização é uma das contempladas na 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial, em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations

“O Fundo Baobá foi primordial nesse processo [de desenvolvimento institucional, comunicação, e ações de incidência da organização], porque desde o início do movimento a gente tem feito muitas ações, mas foram ações que tinham nosso investimento pessoal financeiro”, conta Diana Mendes, de 30 anos, uma das co-fundadoras, e coordenadora de monitoramento e avaliação do movimento.

O que os números dizem

O Brasil tem hoje um cenário de sub-representação das mulheres na política partidária institucional. De acordo com estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e da Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres), o Brasil é o antepenúltimo país da América Latina em um ranking de paridade política entre homens e mulheres. Quando essas mulheres são negras, grupo que representa 27,8% da população brasileira segundo o IBGE, o quadro se agrava. 

Em 1934, o Brasil elegeu a primeira mulher negra para uma Assembleia Legislativa: Antonieta de Barros. Em 2020, informações da Agência Câmara de Notícias mostraram que, nas últimas eleições, 6,3% das cadeiras nas Câmaras Municipais do país foram para mulheres negras. Curitiba, Vitória e Goiânia, por exemplo, elegeram suas primeiras vereadoras negras. No Congresso Nacional esse grupo representa apenas 2,36%, sendo no Senado 1,2% e na Câmara dos Deputados são menos de 2,5%.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma eleitoral, promulgada em setembro deste ano pelo Congresso Nacional, trouxe uma novidade. Agora, a distribuição do fundo partidário vai privilegiar os partidos que fortalecerem candidaturas de mulheres e pessoas negras. Para efeito da distribuição dos recursos, que leva em conta a quantidade de votos recebidos pelo partido, os votos em mulheres e pessoas negras será contado em dobro. A regra é transitória e tem previsão para durar até 2030.

 

Projeção de lideranças políticas 

É nesse contexto, visando superar a sub-representação feminina negra na política, que a organização Mulheres Negras Decidem atua, e pôde expandir a partir do financiamento do Fundo Baobá, avançando na formação de lideranças políticas que possam representar as demandas das mulheres negras nestes espaços. 

Entre as ações realizadas durante o período do apoio, destacam-se: o lançamento do livro “A Radical Imaginação Política das Mulheres Negras Brasileiras”; o Comitê Marielle Franco de Prevenção e Enfrentamento à Violência Política Contra as Mulheres; e o lançamento da Rede Nacional de Mulheres Negras na Política, que busca mobilizar mulheres negras para alterar a atual situação de baixa representação deste segmento nas esferas decisórias. “Com o apoio do Baobá foi possível a gente se consolidar enquanto movimento nacional, hoje temos articuladoras em 19 estados, quando a gente começou tínhamos 5″, explica Diana Mendes, que é da área de políticas públicas e relações internacionais. Ela trabalha há 6 anos na área social, e acredita que o aumento de mulheres negras candidatas nas últimas eleições foi fruto de articulações e ações pensadas em conjunto.

Benny Briolly (PSOL-RJ), primeira vereadora transexual eleita em Niterói (RJ), comunicadora popular e ativista de direitos humanos, é uma das lideranças que teve apoio da organização. Para a vereadora, o nosso senso de se organizar e coletivizar organizações é o maior avanço que as mulheres negras têm hoje no Brasil.

“A nossa auto-organização proporciona que hoje a gente esteja ocupando, liderando e disputando espaços com a velha política, com a branquitude”, afirma. “Eu costumo dizer que nós, mulheres negras, não nos tornamos militantes, nascemos militantes e somos condicionadas à militância no decorrer da vida. Porque é cada vez mais necessário e urgente lutar pelos marcos da nossa sobrevivência, cidadania e resistência”.

Um dos papéis que a instituição teve para Briolly, além de apoiar sua candidatura, foi também o apoio em relação ao processo de segurança da vereadora, que hoje é uma parlamentar ameaçada no Brasil. “Foram uma das grandes apoiadoras nesse processo de entender a importância do meu corpo, de serem grandes aliadas na construção da minha trajetória política”, conta a vereadora que acredita que a MND é um marco muito importante na construção política social, econômica e de projeto de sociedade. “Elas têm cumprido um papel excelente na estrutura de outras mulheres e, principalmente, nesses processos de formação, de apoio, de se aquilombar para que a luta possa ter eficácia”, acrescenta.

O planejamento estratégico com maior geração de resultados também foi um avanço para a organização, tanto na comunicação, quanto na forma institucional e nas articulações. O diálogo com outras organizações através do Programa foi um dos saldos positivos para o movimento.

“A possibilidade do recurso também ser sobre o fortalecimento do desenvolvimento organizacional dos coletivos que foram contemplados é muito raro dentro do campo social. A ação ou projeto você pode entregar depois do ciclo de um ano, mas a estrutura que você deixa para o ciclo da organização é muito forte, fica a longo prazo”, ressalta Diana.

 

Para Onde Vamos?

É a pergunta que intitula a minissérie documental dirigida por Cláudia Alves, que apresenta o movimento de mulheres negras no Brasil através da história de ativistas que vêm liderando revoluções no modo de fazer e pensar políticas públicas para o país. A produção foi realizada em parceria com o Instituto Marielle Franco, Canal Brasil e FLUXA Filmes.

Para Tay Cabral, ilustradora do produto audiovisual, foi gratificante “ajudar a contar um pouco do legado que as protagonistas da série têm construído e trazer o rosto de mulheres que elas também reverenciam ao longo dos episódios”.  A artista visual, de 25 anos, tem um trabalho voltado para reverenciar mulheres negras que fizeram das suas vidas instrumento de luta, por meio de ilustrações que buscam olhar para esse passado. 

“A série é um instrumento de denúncia e de disputa narrativa, mas também cumpre um papel muito importante de renovar nossa esperança. No sentido de que as coisas estão muito puxadas agora, mas têm mulheres se movimentando na construção de um futuro que a gente acredita e não vão desistir disso”, pondera a jovem que se orgulha de fazer parte do trabalho. A série teve 80% de mulheres negras representando toda a produção no set. 

“Para Onde Vamos” é também o nome da pesquisa feita pela MND com 245 ativistas, mulheres negras de todas as regiões do país. A pesquisa foi feita para que a organização mapeasse essas mulheres, tanto para entender quais ações elas estavam fazendo a respeito da pandemia nos seus territórios, quanto para diagnosticar se elas iam se candidatar, se eram lideranças que recuaram suas candidaturas, entre outros pontos.

 

Pandemia e Desafios Futuros

Os planejamentos iniciais no projeto estavam focados em sistematizar a metodologia da organização enquanto formação, a partir de encontros com as articuladoras em diferentes estados. Sendo assim, a chegada da pandemia de covid-19 impediu que as viagens fossem possíveis.

Algumas atividades, no entanto, não precisaram ser recalculadas, como a atualização da plataforma, e o investimento na comunicação. Mas tudo que foi imaginado enquanto presencial, precisou se adaptar. “Para nossa grata surpresa, isso fez na verdade com que o movimento alcançasse mais mulheres. Nossos encontros pensados de forma online possibilitaram que, nos seis primeiros meses, a gente conseguisse articuladoras em 16 estados, depois cresceu para 19”, comenta Diana.

Com toda a migração para o online, segurança digital também se tornou um tema a ser pensado pelas coordenadoras. “Nos nossos encontros presenciais a gente já tinha todo um cuidado com as articuladoras, com a segurança delas, e pensando isso online, como tiveram várias invasões e tudo mais, a gente também teve todo esse cuidado”.

Para Diana, ainda há muito pela frente, principalmente no próximo ano, que considera desafiador pelo desenho da conjuntura atual, que além de todos os problemas estruturais, trouxe ainda mais desgaste à saúde mental das mulheres negras ativistas. Nesse sentido, aprecia o cuidado e as experiências de troca com as demais lideranças que conheceu a partir do Fundo Baobá.

Também entre os desafios para o próximo ciclo, Mendes pensa métodos para a escuta comunicativa da organização se consolidar também na região Norte do país. A MND tem articuladoras na região, porém elas enfrentam dificuldades, por exemplo, no acesso à internet. “Queremos equalizar lá as ações que a gente consegue fazer no Sudeste. Como é que a gente consolida melhor a nossa articulação e trabalho nesses territórios?”, pontua.

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

Coletivo de Mulheres Negras de Pernambuco atua na formação de lideranças comunitárias

Coletivo pernambucano promove formações de ampliação das capacidades de intervenção de mulheres negras junto às suas comunidades

Por Andressa Franco*

 

Se o papel das lideranças comunitárias ganhou destaque em algum momento, foi na pandemia de covid-19. Com uma atuação que visa promover constante melhoria nos territórios onde vivem, representando os moradores de seus bairros e favelas, elas buscam desenvolvimento social para a região e facilitam a apresentação de demandas ao poder público. Com a pandemia, esse trabalho ficou ainda mais visível, com as campanhas locais de distribuição de cestas básicas e outras iniciativas para garantir que as informações sobre prevenção chegassem e assim minimizassem os impactos que a doença gerou no contexto social.

O fortalecimento de lideranças e coletivos de mulheres negras com essa atuação, visando a ampliação de suas capacidades de intervenção junto às suas comunidades, foi uma das motivações do Coletivo Filhas do Vento, de Pernambuco. O projeto “Travessias Negras: das margens periféricas aos centros decisórios do poder” teve como ênfase o alcance do público feminino negro jovem.  

O projeto foi aprovado para integrar a 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. Uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations.

Coletivo Filhas do Vento

 

Lideranças: negras, femininas e comunitárias

Militante do movimento de mulheres negras desde 2010, Emanuelle Nascimento é educadora e doutoranda em sociologia. Com a experiência integrando organizações como a Articulação Negra de Pernambuco e a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, decidiu em 2016 se juntar a outras quatro mulheres no Coletivo Filhas do Vento. Um grupo de mulheres periféricas que acessaram a universidade, e promovem ações formativas de enfrentamento ao racismo, ao sexismo, discriminação de gênero e raça.

Propósitos que intensificaram ao serem contempladas com o recurso do Fundo Baobá, primeiro projeto aprovado do grupo. “O projeto foi, na perspectiva profissional, minha principal descoberta. Me mostrou que eu sou boa em gestão financeira, e que a gente tem potencial de fazer aquilo que tem vontade na área dos projetos”, pontua Emanuele. Ela conta que ampliou sua rede, conheceu profissionais, militantes e lideranças de todo Brasil.

Entre os resultados, destaca a captação de novas integrantes e a contratação de uma assessoria voltada para ampliar as possibilidades de articulação do coletivo, identificando redes de apoio técnico e financeiro. Também foi possível adquirir equipamentos básicos para as ações realizadas pelo grupo e criação de um site produzido por mulheres negras. 

Além disso, foram realizadas formações políticas e de fortalecimento institucional para as integrantes dos encontros “Rodas Negras On-Line”. As formações também contemplaram as participantes das oficinas voltadas para elaboração de projetos e desenvolvimento das capacidades individuais e coletivas, promovidas para mulheres negras do estado. 

Uma dessas mulheres foi a líder comunitária Lídia Lins, ativista de direitos humanos e articuladora social. Em 2016 ela fundou o Coletivo Ibura Mais Cultura, no bairro onde mora, atuando com as agendas políticas raciais, de gênero, sexualidades e segurança pública. Lídia é bacharel em direito, assessora técnica do GAJOP – Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares, e cofundadora do Empodera LAB – laboratório de inovação social das favelas. Este último atua desde 2020 no fortalecimento da participação social da população negra e favelada nos espaços decisórios. 

Para Lídia, a população negra sofre processos de exclusão quando começa a acessar espaços de poder e decisão, e por isso precisa se munir de conhecimento teórico para disputar narrativas e defender as próprias pautas. “Eu acredito que informação é poder. Nas formações tivemos textos e referenciais históricos muito bem apresentados e as discussões eram muito ricas. Para mim enriqueceu muito no sentido de realizar uma incidência mais qualificada”, descreve.

A ativista participou das atividades em um momento de enfrentamento à covid-19, onde prestava ajuda humanitária às famílias que estavam expostas e atingidas pelas condições impostas pela pandemia. Nesse sentido, conta que as formações ajudaram a costurar os argumentos de disputa na pressão política pelo auxílio emergencial, e na cobrança por uma resposta do estado no enfrentamento às desigualdades geradas naquele momento. Principalmente para a população que ainda não tem acesso a certos espaços de conhecimento. 

“O recurso, conhecimento, às vezes chega muito depois se a gente não tem uma ponte, nem consegue formular redes, e acessar de alguma forma algum espaço de poder”, acrescenta. O desafio, de acordo com ela: “é ao mesmo tempo estar no território contribuindo com a transformação social, e fazer parte dessa parcela da população que é atingida pelas mazelas sociais”.

 

Mulheres, Juventude e Educação

As ações realizadas pela organização com o recurso não pararam por aí. Para o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, realizaram o lançamento de uma série de vídeos com temas relevantes, como: “Aláfia: Revoluções Feministas Negras”, sobre as lutas das mulheres negras; “Jovens Insurgências”, sobre juventude negra; e “Enraizando Saberes Ancestrais”, sobre educação antirracista. Além de apresentar a trajetória dos até então quase cinco anos de atuação do coletivo no vídeo “Ventania”. O Coletivo também abordou a experiência na execução do projeto do Programa de Aceleração em meio ao contexto da pandemia de covid-19, no vídeo “Travessias”

Responsável por coordenar a ação, Waneska Viana tem formação em sociologia, especialização em gestão pública e mestrado em educação, culturas e identidades. Desde a graduação, a recifense iniciou seu diálogo com os movimentos sociais e a partir dessas interações, iniciou no Coletivo Filhas do Vento. Ela acredita que o Programa foi o melhor acontecimento da história do coletivo. 

Para Waneska, o objetivo da série de vídeos é dar visibilidade aos temas que são importantes para o coletivo: mulheres, juventude e educação. Sendo a educação uma pauta cara para as integrantes, por terem acessado a universidade e terem um entendimento de que a educação antirracista, além de combater o racismo, permite a construção de uma identidade positiva. 

“Eu entendo que o material que a gente construiu pode ser utilizado como subsídio por outros grupos. Porque a gente não só fala dos temas, mas traz possibilidades para abordá-los”, reflete. Ela conta que participou do vídeo sobre juventude, “e aí a gente traz muito esse norte das nossas percepções profissionais de como lidar com esse público, e de fato fazer uma ação antirracista”, explica.

As gravações aconteceram em agosto, quando algumas das integrantes já estavam vacinadas, em espaços fechados e abertos, e mantendo os cuidados de biossegurança contra o vírus. O vídeo institucional foi gravado com todas juntas, de máscaras. “Já fazia muito tempo que a gente não se encontrava presencialmente. Inclusive no processo entraram novas integrantes e fizemos um kit de boas-vindas para as novatas”. Depois de publicados no canal da organização no YouTube, foram publicados no Instagram como ação para o Novembro Negro.

 

Travessias pandêmicas

Adaptar todas as atividades pensadas originalmente em formato presencial, para um formato online, foi uma tarefa que recaiu sobre todas as lideranças contempladas com o Programa. Segundo Emanuele, todos os grupos e lideranças fizeram um bom trabalho, mas a dificuldade com o formato online para as mulheres negras é ainda maior por ser um campo em que historicamente estas acessam com atraso. 

“Mas a equipe deu um suporte muito bom no sentido de acolher as nossas dúvidas sobre como nos situarmos nesse novo espaço. Fizemos as adaptações sempre em diálogo com o Baobá, que ia realmente fazendo esse acompanhamento e dando direcionamentos”, comenta a Emanuele, que também frisa as perdas decorrentes da pandemia, como um dos desafios.

Nesse sentido, o grupo organizou uma oficina de fortalecimento emocional, para dividir angústias, e lidar com aquele contexto de perdas e incertezas. Iniciativa essencial para Waneska, que se descobriu grávida no início da pandemia, o que acabou despertando muitas inseguranças. E também para Lídia, que conta que, como os cursos aconteciam à noite depois de um dia cansativo, o momento também se tornava de autocuidado a partir das trocas. “Era chegar e ter um espaço que a gente pudesse dialogar sobre as coisas que estavam acontecendo, compartilhar angústias”, desabafa.

“Foi muito difícil se articular para disponibilizar informação sobre a pandemia, combater notícias falsas, tudo com uma linguagem acessível entre pares, nossos vizinhos, amigos. Era preciso se atualizar muito rápido”. A líder comunitária acrescenta ainda que, durante as ações, sempre havia uma formação política por trás, discutindo com a comunidade sobre de onde vinham os recursos: dos movimentos sociais, e não do governo.

A série de vídeos também surgiu como alternativa diante do cenário pandêmico. A princípio, o recurso seria direcionado para atividades educativas presenciais com crianças e adolescentes, e também para uma viagem de articulação para os Estados Unidos. O objetivo era dialogar sobre a perspectiva do trabalho contra o sistema prisional feito no país. Na impossibilidade das duas atividades, redirecionaram as ideias para a produção audiovisual.

 

Próximos Passos

De olho nos próximos passos, as Filhas do Vento, que iniciaram o projeto com cinco integrantes e hoje contam com nove, já conseguiram aprovar um pequeno projeto de fortalecimento institucional em outro edital.  

Com a experiência adquirida no Baobá, as pernambucanas agora estão pensando em fazer um planejamento estratégico, e aperfeiçoar sua comunicação, para potencializar o material que já produzem hoje. Para Emanuele, foi uma surpresa que um edital se propusesse a fortalecer grupos e organizações de mulheres negras, ao invés de apenas propor realização de atividades. “A gente agora visa aprovação em outros editais pensando ações mesmo, acho que a gente está na expectativa de voltar a promover atividades presenciais”, idealiza.

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

Movimento de Mulheres do Subúrbio Ginga realiza formações para mulheres negras da Região Metropolitana de Salvador

Com o apoio do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, o grupo promoveu a formação de 20 mulheres para captar recursos e gerir projetos sociais

Por Jamile Novaes*

 

O papel de liderança desempenhado por mulheres negras ao longo da história do Brasil é de fundamental importância para o processo de libertação e garantia de direitos da população negra. Dandara dos Palmares, Luiza Mahin, Tereza de Benguela, Antonieta de Barros, Marielle Franco, e muitas outras, mostram que “quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”, como afirma a filósofa estadunidense Angela Davis.

Por todo o país, mulheres negras seguem aquilombando-se e atuando para transformar a sociedade, como é o caso do Movimento de Mulheres do Subúrbio Ginga. A organização foi fundada em 2010 por 15 mulheres do bairro de Santa Luzia do Lobato, Subúrbio Ferroviário de Salvador (BA). O objetivo da entidade é fortalecer o protagonismo feminino na comunidade para o enfrentamento de violações aos direitos humanos, ao racismo, sexismo e à violência doméstica, além de promover a autonomia financeira das mulheres. Durante a última década, o grupo vem desenvolvendo uma série de ações em parceria com outras organizações da sociedade civil, dentro e fora do Subúrbio.

O grupo é um dos contemplados na 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations.

 

Formação de novas lideranças

Ao pesquisar sobre ações voltadas para a transformação da realidade de mulheres negras na Região Metropolitana de Salvador, o Ginga identificou um número considerável de organizações recém criadas e percebeu a necessidade de promover uma formação que capacitasse mulheres negras representantes dessas entidades. Era preciso compartilhar conhecimento para que essas mulheres captassem seus próprios recursos e pudessem gerir os seus projetos de forma autônoma. Apoiadas pelo Programa Marielle Franco, as mulheres do Ginga receberam suporte técnico e financeiro para realizar o projeto “Mulheres Negras: elaborando estratégias, fortalecendo saberes”. 20 entidades escolheram as suas representantes para participar do curso que aconteceu entre outubro de 2020 e agosto de 2021. 

Dentre as participantes, estava Raquel Menezes, idealizadora do Núcleo de Apoio às Comunidades de Lauro de Freitas – NAC, entidade que visa promover a transformação social atuando em redes de colaboração com outras associações comunitárias para dar suporte e encaminhar as demandas da população local. Segundo Raquel, “o projeto mostrou como construir, passo a passo, cada etapa de um projeto social, para que saibamos nos adaptar a cada situação requerida por editais ou oportunidades”. Apesar de ainda não participar da concorrência de editais, a formação permitiu ao NAC estruturar o projeto Cicloturismo de Base Comunitária com foco no turismo, meio ambiente, economia solidária e arte-educação. O projeto foi abraçado por outras organizações comunitárias e já está em execução.

A experiência formativa de troca de conhecimentos entre as mulheres do Ginga e das organizações contempladas pelo projeto abriu um leque de possibilidades, que só foi possível graças ao esforço conjunto empenhado para analisar as demandas, fragilidades e potencialidades de cada coletivo. “Fiquei muito feliz de poder trabalhar com mulheres negras que partilham tantas experiências de vida comuns à minha como mulher negra”, comemora  Cláudia Isabele Pinho, integrante do grupo Ginga e facilitadora do curso. De acordo com ela,  no percurso da formação foi preciso reorientar os conteúdos conforme as questões eram trazidas pelas contempladas. “Respondê-las me desafiou, tanto do ponto de vista técnico quanto analítico, porque elas me cobraram respostas que interseccionavam articulação política, ética e compliance. Por isso, também ficou a sensação de uma experiência realmente relevante em que eu também fui formada nas trocas e desafios durante o processo”, explica.

 

Impactos da pandemia de Covid-19

A proposta inicial do projeto era realizar formações presenciais, o que precisou passar por adaptações para seguir as normas de segurança estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em função da pandemia de Covid-19. Para isso, as mulheres do Ginga precisaram, antes de tudo, se capacitar para utilizar aplicativos e plataformas virtuais que garantissem a inclusão de todas as participantes. A partir daí perceberam que precisariam adotar um ambiente virtual de aprendizagem, com aulas transmitidas online, o que foi um desafio tendo em vista as limitações de acesso à internet.

“Tentamos nos cercar de todos os instrumentos e mecanismos pedagógicos possíveis e acessíveis. Isso demandou uma mudança na carga horária, que teve que ser ampliada para assegurar a aprendizagem com aulas de reforço, de compartilhamento das leituras, repercurso de módulos pendentes e plantões de orientação dos projetos”, conta Maíse Zucco, integrante do grupo Ginga e coordenadora pedagógica da formação.

Alterar o projeto para o formato virtual também demandou ajustes no plano pedagógico para garantir a permanência das cursistas. Foi necessário utilizar ferramentas que assegurassem a acessibilidade de mulheres com baixa visão e promover o acolhimento psicológico para lidar com questões de saúde mental e experiências de violências que se intensificaram durante o contexto pandêmico. 

 

Continuidade

Além da oportunidade de oferecer formação a outras mulheres e organizações, o apoio do Fundo Baobá permitiu também ao próprio grupo Ginga se reestruturar internamente e dinamizar a sua atuação. “Evoluímos enquanto grupo, superando as nossas dificuldades tecnológicas, explorando habilidades individuais para uma melhor gestão do tempo e das pessoas. Assim, avançamos na gestão da nossa entidade, descentralizando a administração das ações com o compartilhamento de responsabilidades”, nos conta Carine Lustosa, integrante do grupo Ginga e coordenadora geral do projeto. De acordo com ela, o programa contribuiu para a formação política do movimento, fortalecendo o emocional e psicológico diante desse cenário pandêmico. “Cada oficina promovida nos ajudou a resistir, acolhendo-nos e alimentando-nos de conhecimento e esperança, mostrando-nos que somos capazes de ir além e transformar essa realidade”, afirma.  

Com base no aprendizado adquirido com a execução do projeto, o grupo Ginga pretende se colocar na concorrência de editais para financiar os seus projetos futuros, além de dar continuidade às articulações e ações em rede para promover diálogos sobre temáticas de interesse dos coletivos de mulheres negras. “Nós crescemos como grupo, lapidamos talentos e lideranças enquanto nos mantivemos firmes no objetivo de melhorar a vida das mulheres no nosso município, estado e país. Tudo isso, apesar do contexto de retração dos direitos sociais e ataque à democracia”, conclui Cláudia Isabele.

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

Clube de Mães com 30 anos de existência investe em educação e formação no povoado de São Pedro, zona rural do município de Anajatuba, no Maranhão

A Associação do Clube das Mães do povoado São Pedro realizou durante o Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco oficinas e cursos que beneficiaram a comunidade

Por Jamile Araújo*

 

Há três décadas as necessidades de transformação na comunidade organizam e movimentam as mulheres no povoado São Pedro, localizado em Anajatuba, no interior do Maranhão. A Associação do Clube das Mães São Pedro atua desde 1991, com atividades voltadas para crianças e adolescentes, mas também com formação para as mulheres. Após 30 anos de luta, as lideranças do Clube perceberam a necessidade de dinamizar e modernizar a entidade, única associação de mulheres do município até hoje. 

O apoio do Fundo Baobá veio no momento ideal para “levantar a moral” da Associação e possibilitar o planejamento de um futuro com sede própria e novos projetos – é o que afirmam as suas componentes. A entidade é uma das contempladas na 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations

A história da Associação Clube das Mães do Povoado São Pedro se mistura com boa parte da história de vida de Maria Eunice de Jesus Santos, 69 anos, professora aposentada e membro do Clube desde a criação. Ela conta que é filha do povoado de São Pedro e que, quando era adolescente, saiu para estudar na Universidade Federal do Maranhão (UFMA). “Uma coisa interessante é que nessa época, de 1976 a 1980, eu fui a primeira pessoa negra de Anajatuba a cursar uma universidade pública. Abri caminho para muitos outros, e hoje tem várias pessoas que já fizeram curso superior também, inclusive Filomena [jovem do povoado presente durante a entrevista]”.

Dona Eunice acredita na educação como um caminho possível de empoderamento. “Sem educação a gente não é nada. Sem educação nunca vamos ser mulheres empoderadas”, afirma. E foi a partir da educação que Dona Eunice, professora do ensino médio e técnica em assuntos culturais, teve contato com a possibilidade do trabalho social para transformar vidas. “Nunca esqueci minhas raízes de São Pedro. Nessa trajetória, em 1991 eu fui procurada por algumas mulheres para falar que ‘não tinha nada na comunidade’. Então eu disse ‘nós vamos criar um grupo de mulheres’, e criamos a Associação. E daí a gente vem trabalhando. Tudo o que a gente conseguiu para o povoado foi por articulação, para angariar as coisas. E isso a gente fez de água à luz”, explica. 

Joana Moura Machado Santana, 67 anos, também é co-fundadora e faz parte da diretoria do Clube de Mães. Ela explica que o trabalho é realizado conjuntamente, e que o desejo de trazer o novo e apoiar a comunidade é o que as move. “Estamos aqui desde que começou, todo o tempo junto, fazendo nosso trabalho juntas, participando. Estou aqui na luta junto com minhas amigas, querendo trazer alguma coisa e apoiando nossa comunidade”, diz Dona Joana. 

Fortalecimento e dinamização da Associação

As mulheres da Associação relatam que antes do apoio do Fundo Baobá alguns projetos do Clube de Mães com crianças e adolescentes foram apoiados por outras organizações, mas que nos últimos períodos perceberam que uma dinamização era necessária. 

De acordo com Dona Eunice, os projetos implementaram ações com arte, cultura, teatro, entre outras áreas. “Plantas medicinais também… a gente visitou até o horto medicinal da UFMA. Visitamos alguns espaços da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Já tivemos outras experiências com alfabetização de jovens e adultos, mini-usina de beneficiamento de arroz, entre outros”, pontua. 

“A gente estava bem baixinho, quase não andando mais”, lembra Dona Eunice. Ela acredita que o projeto veio para levantar a moral do Clube de Mães. “Por isso que a gente colocou ‘dinamização do Clube das Mães’, para poder levantar”, argumenta. 

Entre 2020 e 2021, período de execução do projeto, a Associação realizou oficinas e cursos, além de iniciar uma presença virtual, com a criação das redes sociais da instituição, que estão para ser lançadas. “Nesse período de pandemia a gente fez doação de cestas básicas para as pessoas mais necessitadas da comunidade. Doou também kits de higiene pessoal para crianças, com creme dental, escova de dente, sabonete, e todo mundo saiu satisfeito”, relata Dona Eunice.

“O Fundo Baobá deu grande apoio para a gente nesse momento. A gente teve oficinas de associativismo, gestão social e governança; internet e redes sociais; captação de recursos e elaboração de projetos sociais”, conta a liderança. “Para a gente é uma satisfação porque os jovens se interessaram por esses assuntos, e assim não deixam morrer essas atividades na comunidade”, explica  ao comentar que nas oficinas de internet e redes sociais houve uma grande presença de jovens.

 

Teoria e prática: oficinas enriquecem o olhar da comunidade e envolve jovens na continuidade das ações

A professora Maria Albertina Lima Machado, 41 anos, moradora do povoado São Pedro e sócia do Clube de Mães, participou de seu primeiro projeto na Associação. “Eu tive a oportunidade de participar da oficina de associativismo e gestão social”. Ela conta que foi uma experiência muito enriquecedora e que, apesar de já ter uma noção de como fazer os documentos de uma associação, não sabia como fazer de uma associação de uma comunidade.

A professora acredita que as oficinas impactaram e trouxeram um conhecimento gigantesco para a comunidade, que já lida com negócios, mas não tinha tanta noção do planejamento e requisitos para o gerenciamento. “Vou levar para minha vida, porque a gente que pensa em gerir e gerenciar nossos negócios em uma comunidade precisa disso também. Aqui tem algumas pessoas que produzem, trabalham com hortas, e que aprenderam muito nesse curso com a questão dos gastos”, reitera.

Filomena Lica dos Santos, 28 anos, pedagoga e moradora da comunidade de São Pedro, participou das oficinas de captação de recursos; e internet e redes sociais. “Teve uma mudança radical aqui na nossa comunidade. Porque tem muitas pessoas que através dessas oficinas estão dando continuidade. Aquilo que aprenderam na teoria estão colocando na prática. Então foi muito enriquecedor para mim e para os demais jovens”, afirma.

Nicole Cintia Machado Santos, 13 anos, sempre participa das atividades da Associação com sua mãe, Maria Albertina. A adolescente participou das oficinas de internet e redes sociais e acredita que foi muito enriquecedor poder ter uma noção melhor sobre os computadores. “Eu achei bem interessante o que a gente trabalhou nela. Foi bom para a gente ter uma experiência, já tinha começado com um curso básico e esse foi mais avançado”, descreve.

Maria Albertina destaca ainda, que mesmo não participando das oficinas de internet e redes sociais, a realização delas impactou até mesmo em sua casa. “Minha filha participou e veio me ajudar também. Porque como estamos trabalhando de forma remota e eu não fiz curso de informática, então o conhecimento que ela adquiriu na oficina veio me ajudar. Alguma coisa que eu me atrapalhava, falava ‘Nicole vem aqui’. Então diretamente me ajudou”, pontua.

Dina Carla Barbosa Almeida, 46 anos, consultora do projeto do Clube das Mães, conta que se sentiu muito feliz em fazer este trabalho. “Aprendi temas novos e uma linguagem nova. O gerente de projetos tem que estar sempre aberto a receber, a ouvir, a aprender ali todos os dias. Então foi muito importante para mim ter conhecido o Baobá,  ter conhecido as pessoas e esta luta. Me sinto feliz por mais uma história que trilhamos”, afirma.

 

Desafios em tempos de pandemia

A pandemia de Covid-19 foi um desafio que exigiu que as mulheres se reinventassem durante toda a execução do projeto. Maria Albertina conta que tiveram que fazer muitas adaptações. “Inclusive na oficina de Associativismo. Tivemos que reduzir o número de participantes. A gente ainda estava com muito pavor. Precisamos fazer ao ar livre, com muito cuidado. Em todas as oficinas tivemos que fazer adaptações”. Mesmo assim, todas as ações planejadas foram concluídas, com os cuidados exigidos diante do contexto de crise sanitária.

Dina Carla relata que, mesmo antes do início da pandemia, o Fundo Baobá já estava inovando com a introdução de reuniões virtuais, por isso foi necessário planejar um bom ponto de internet. “Lá no início não tínhamos uma internet tão boa. Havia um ponto de internet na Escola Família Agrícola, que na época em nossa primeira reunião virtual não estava funcionando bem. Hoje as pessoas já têm internet lá”, destaca. 

 

Construção de uma Sede e novos projetos

Pra gente, participar do projeto do Fundo Baobá foi excelente, a gente fica muito agradecida”, diz Dona Eunice. As mulheres do Clube de Mães têm agora o desafio, junto com a União de Moradores de São Pedro, de encontrar apoio para viabilização do Centro de Desenvolvimento Social do povoado. Elas citam a necessidade de engenheiros, arquitetos, doação de materiais, tudo que contribua para a materialização do sonho desse espaço físico que será mais um avanço para a comunidade.

A dificuldade de espaço físico sempre foi algo presente. Inicialmente a Associação funcionava em uma casa de palha. Depois no salão da antiga mini usina de beneficiamento de arroz, que não era um espaço apenas da entidade. Atualmente está sendo viabilizado um terreno para a construção do que estão chamando de Centro de Desenvolvimento Social. 

“O terreno é bem no meio do povoado, para fazer a sede da Associação do Clube das Mães e a sede da união de moradores do povoado de São Pedro. A união de moradores trabalha mais com os homens, com a produção agrícola e fabricação de farinha. E o Clube das Mães com o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes, e também a formação com as mulheres”, relata Dona Eunice.

Elas projetam que o novo espaço tenha uma sala de informática, já que as duas organizações têm computadores; sala de secretaria de cada organização; sala de exposição permanente como um museu rural, banheiros e cozinha com acessibilidade; sala de reuniões e sala para cursos e oficinas. “Não sei se o terreno vai caber tudo isso, mas eu acredito que vai suportar”, brinca Dona Eunice. “Então agora é outra batalha”, reforça.

Segundo ela, entre as próximas ações, haverá um concurso com premiação de poesia ilustrada, com o objetivo de estimular a questão da educação ambiental. “Para ver se a gente vai conscientizando crianças e adolescentes… Apesar da véspera dos 70 anos, a gente sempre está aprendendo também, com outras pessoas de outras idades, e sempre querendo que a vida seja melhor”, finaliza.

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.