Organização do Rio de Janeiro tem o objetivo de promover maior participação de mulheres negras na política institucional e já conta com articuladoras em 19 estados
Por Andressa Franco*
Fundada em 2018, a organização Mulheres Negras Decidem (MND), tem como objetivo promover a maior participação de mulheres negras nas decisões do Estado e acompanhar a atuação daquelas que estão na disputa da política institucional. A organização é uma das contempladas na 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial, em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations.
“O Fundo Baobá foi primordial nesse processo [de desenvolvimento institucional, comunicação, e ações de incidência da organização], porque desde o início do movimento a gente tem feito muitas ações, mas foram ações que tinham nosso investimento pessoal financeiro”, conta Diana Mendes, de 30 anos, uma das co-fundadoras, e coordenadora de monitoramento e avaliação do movimento.
O que os números dizem
O Brasil tem hoje um cenário de sub-representação das mulheres na política partidária institucional. De acordo com estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e da Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres), o Brasil é o antepenúltimo país da América Latina em um ranking de paridade política entre homens e mulheres. Quando essas mulheres são negras, grupo que representa 27,8% da população brasileira segundo o IBGE, o quadro se agrava.
Em 1934, o Brasil elegeu a primeira mulher negra para uma Assembleia Legislativa: Antonieta de Barros. Em 2020, informações da Agência Câmara de Notícias mostraram que, nas últimas eleições, 6,3% das cadeiras nas Câmaras Municipais do país foram para mulheres negras. Curitiba, Vitória e Goiânia, por exemplo, elegeram suas primeiras vereadoras negras. No Congresso Nacional esse grupo representa apenas 2,36%, sendo no Senado 1,2% e na Câmara dos Deputados são menos de 2,5%.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma eleitoral, promulgada em setembro deste ano pelo Congresso Nacional, trouxe uma novidade. Agora, a distribuição do fundo partidário vai privilegiar os partidos que fortalecerem candidaturas de mulheres e pessoas negras. Para efeito da distribuição dos recursos, que leva em conta a quantidade de votos recebidos pelo partido, os votos em mulheres e pessoas negras será contado em dobro. A regra é transitória e tem previsão para durar até 2030.
Projeção de lideranças políticas
É nesse contexto, visando superar a sub-representação feminina negra na política, que a organização Mulheres Negras Decidem atua, e pôde expandir a partir do financiamento do Fundo Baobá, avançando na formação de lideranças políticas que possam representar as demandas das mulheres negras nestes espaços.
Entre as ações realizadas durante o período do apoio, destacam-se: o lançamento do livro “A Radical Imaginação Política das Mulheres Negras Brasileiras”; o Comitê Marielle Franco de Prevenção e Enfrentamento à Violência Política Contra as Mulheres; e o lançamento da Rede Nacional de Mulheres Negras na Política, que busca mobilizar mulheres negras para alterar a atual situação de baixa representação deste segmento nas esferas decisórias. “Com o apoio do Baobá foi possível a gente se consolidar enquanto movimento nacional, hoje temos articuladoras em 19 estados, quando a gente começou tínhamos 5″, explica Diana Mendes, que é da área de políticas públicas e relações internacionais. Ela trabalha há 6 anos na área social, e acredita que o aumento de mulheres negras candidatas nas últimas eleições foi fruto de articulações e ações pensadas em conjunto.
Benny Briolly (PSOL-RJ), primeira vereadora transexual eleita em Niterói (RJ), comunicadora popular e ativista de direitos humanos, é uma das lideranças que teve apoio da organização. Para a vereadora, o nosso senso de se organizar e coletivizar organizações é o maior avanço que as mulheres negras têm hoje no Brasil.
“A nossa auto-organização proporciona que hoje a gente esteja ocupando, liderando e disputando espaços com a velha política, com a branquitude”, afirma. “Eu costumo dizer que nós, mulheres negras, não nos tornamos militantes, nascemos militantes e somos condicionadas à militância no decorrer da vida. Porque é cada vez mais necessário e urgente lutar pelos marcos da nossa sobrevivência, cidadania e resistência”.
Um dos papéis que a instituição teve para Briolly, além de apoiar sua candidatura, foi também o apoio em relação ao processo de segurança da vereadora, que hoje é uma parlamentar ameaçada no Brasil. “Foram uma das grandes apoiadoras nesse processo de entender a importância do meu corpo, de serem grandes aliadas na construção da minha trajetória política”, conta a vereadora que acredita que a MND é um marco muito importante na construção política social, econômica e de projeto de sociedade. “Elas têm cumprido um papel excelente na estrutura de outras mulheres e, principalmente, nesses processos de formação, de apoio, de se aquilombar para que a luta possa ter eficácia”, acrescenta.
O planejamento estratégico com maior geração de resultados também foi um avanço para a organização, tanto na comunicação, quanto na forma institucional e nas articulações. O diálogo com outras organizações através do Programa foi um dos saldos positivos para o movimento.
“A possibilidade do recurso também ser sobre o fortalecimento do desenvolvimento organizacional dos coletivos que foram contemplados é muito raro dentro do campo social. A ação ou projeto você pode entregar depois do ciclo de um ano, mas a estrutura que você deixa para o ciclo da organização é muito forte, fica a longo prazo”, ressalta Diana.
Para Onde Vamos?
É a pergunta que intitula a minissérie documental dirigida por Cláudia Alves, que apresenta o movimento de mulheres negras no Brasil através da história de ativistas que vêm liderando revoluções no modo de fazer e pensar políticas públicas para o país. A produção foi realizada em parceria com o Instituto Marielle Franco, Canal Brasil e FLUXA Filmes.
Para Tay Cabral, ilustradora do produto audiovisual, foi gratificante “ajudar a contar um pouco do legado que as protagonistas da série têm construído e trazer o rosto de mulheres que elas também reverenciam ao longo dos episódios”. A artista visual, de 25 anos, tem um trabalho voltado para reverenciar mulheres negras que fizeram das suas vidas instrumento de luta, por meio de ilustrações que buscam olhar para esse passado.
“A série é um instrumento de denúncia e de disputa narrativa, mas também cumpre um papel muito importante de renovar nossa esperança. No sentido de que as coisas estão muito puxadas agora, mas têm mulheres se movimentando na construção de um futuro que a gente acredita e não vão desistir disso”, pondera a jovem que se orgulha de fazer parte do trabalho. A série teve 80% de mulheres negras representando toda a produção no set.
“Para Onde Vamos” é também o nome da pesquisa feita pela MND com 245 ativistas, mulheres negras de todas as regiões do país. A pesquisa foi feita para que a organização mapeasse essas mulheres, tanto para entender quais ações elas estavam fazendo a respeito da pandemia nos seus territórios, quanto para diagnosticar se elas iam se candidatar, se eram lideranças que recuaram suas candidaturas, entre outros pontos.
Pandemia e Desafios Futuros
Os planejamentos iniciais no projeto estavam focados em sistematizar a metodologia da organização enquanto formação, a partir de encontros com as articuladoras em diferentes estados. Sendo assim, a chegada da pandemia de covid-19 impediu que as viagens fossem possíveis.
Algumas atividades, no entanto, não precisaram ser recalculadas, como a atualização da plataforma, e o investimento na comunicação. Mas tudo que foi imaginado enquanto presencial, precisou se adaptar. “Para nossa grata surpresa, isso fez na verdade com que o movimento alcançasse mais mulheres. Nossos encontros pensados de forma online possibilitaram que, nos seis primeiros meses, a gente conseguisse articuladoras em 16 estados, depois cresceu para 19”, comenta Diana.
Com toda a migração para o online, segurança digital também se tornou um tema a ser pensado pelas coordenadoras. “Nos nossos encontros presenciais a gente já tinha todo um cuidado com as articuladoras, com a segurança delas, e pensando isso online, como tiveram várias invasões e tudo mais, a gente também teve todo esse cuidado”.
Para Diana, ainda há muito pela frente, principalmente no próximo ano, que considera desafiador pelo desenho da conjuntura atual, que além de todos os problemas estruturais, trouxe ainda mais desgaste à saúde mental das mulheres negras ativistas. Nesse sentido, aprecia o cuidado e as experiências de troca com as demais lideranças que conheceu a partir do Fundo Baobá.
Também entre os desafios para o próximo ciclo, Mendes pensa métodos para a escuta comunicativa da organização se consolidar também na região Norte do país. A MND tem articuladoras na região, porém elas enfrentam dificuldades, por exemplo, no acesso à internet. “Queremos equalizar lá as ações que a gente consegue fazer no Sudeste. Como é que a gente consolida melhor a nossa articulação e trabalho nesses territórios?”, pontua.
*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.