“É muito importante uma organização do sistema financeiro, como J.P. Morgan, estar liderando junto com o Fundo Baobá, que é um fundo voltado para equidade racial, esse compartilhamento e essa liderança conjunta. Ela é muito simbólica para o mundo hoje”, foi com essas palavras que Neca Setubal, presidente do Conselho do GIFE e da Fundação Tide Setubal, abriu a terceira mesa do webnário Investimentos Filantrópicos para a promoção da equidade racial, organizado pelo J.P Morgan e pelo Fundo Baobá para Equidade Racial, na quarta-feira (28).
Com o título “Equidade Racial e suas trilhas, nos institutos, fundações, empresas e ESG – Caminhos, evidências e possíveis mudanças”, além de Neca Setubal a mesa virtual contou com Rita de Cassia Barros Oliveira (Gerente Sênior de Vendas Promocionais de Redes de Mídia na The Walt Disney Company), Daniela Redondo (Diretora Executiva do Instituto Coca-Cola Brasil) e Fabio Alperowich (Fama Investimentos).
Para Neca Setubal, houve um avanço na cultura da filantropia e na promoção da justiça social no país, inclusive no período de Covid-19: “Acho que a pandemia acelerou esse avanço ao descortinar as desigualdades e o racismo brasileiro. Existem problemas de séculos, mas a sociedade começou a enxergá-los, isso é positivo”. Fábio Alperowich também acredita em contenção de danos no período de pandemia: “A Covid-19 trouxe uma reflexão muito grande para as empresas, elas passaram a repensar os seus papéis. Antes, as organizações entendiam que o seu papel na sociedade era apenas a venda de produtos e serviços, agora elas começam a compreender que têm um papel dentro da sociedade que é maior que aquilo, algumas estão agindo através de filantropia, outras estão melhorando as suas práticas, elas estão repensando isso em múltiplas dimensões, tanto do lado ambiental quanto do lado social”.
Falando exclusivamente das organizações, um dos assuntos abordados na mesa virtual foi a forma que a promoção da equidade racial havia sido incorporada em cada instituição. Rita de Cássia fez questão de frisar a importância da representatividade na The Walt Disney Company: “Estou na empresa há 9 anos e eu venho acompanhando de perto todas as transformações que ela vem passando e fazendo, em tudo o que diz respeito à diversidade e inclusão. Sendo uma empresa mundialmente reconhecida pelas histórias mágicas e os personagens inspiracionais, lúdicos e heróicos, estando tão presentes no imaginário de muitas pessoas no mundo todo”. Na ocasião, ela citou os principais pilares da empresa nessa questão: “Ser o melhor em diversificar o nosso arsenal de talentos e conteúdos, trazendo essa representatividade e mostrando de fato o valor de toda essa experiência do ponto de vista do negro. e integrar a inclusão nessas práticas de operações comerciais também. Sabemos que a Disney, por ser líder, tem toda a capacidade de impactar o ecossistema onde está envolvida, trazendo parceiros, fornecedores, empresas que são licenciadas, liderando esse movimento. Nós temos também algumas iniciativas nesse sentido, garantir que toda a nossa liderança tenha poder para agir, porque diferente do que acontece nos Estados Unidos, onde nós temos 13% da população negra, aqui no Brasil a gente tem um universo muito diferente. A urgência e a necessidade de avançar nessas frentes e de trazer resultados efetivos, ela é muito grande, com o grande compromisso da liderança”.
Atuando como diretora-executiva do Instituto Coca-Cola Brasil, Daniela Redondo afirma que a organização atua há quase duas décadas na filantropia por justiça social, entretanto, tem focado nos últimos 10 anos em atividades de empoderamento e desenvolvimento: “Especialmente de jovens em comunidades vulneráveis, focando no recorte de empoderamento econômico, com aproximadamente 250 mil jovens impactados, sendo que desse número 70% são negros e 60% são mulheres”.
Em 2014, a Coca-Cola conheceu o Fundo Baboá e no ano de 2018 desenvolveram o segundo trabalho juntos, o edital Negras Potências, voltado para empreendedoras negras e focado no empoderamento feminino negro: “Foi o maior o matchfunding do país. E o que nós aprendemos e percebemos foi a importância de dar visibilidade para as causas, permitir que projetos que não são, às vezes, tão atrativos, mas que são de muita importância para aquela população, sejam reconhecidos e visibilizados. Além do que a gente tem que ter um conselho que tenha propriedade e representatividade”, completa Daniela.
Neca Setubal também reconhece que uma organização financiadora, para estar em proximidade com as instituições apoiadas, tem que ter um núcleo diverso, utilizando o exemplo da sua própria fundação, a Tide Setubal, que atua há 15 anos: “Hoje a Fundação Tide Setubal conta com 50% de colaboradores negros e 50% não negros, indo desde o conselho curador ao nosso conselho administrativo e à gestão estratégica, que são todos os coordenadores de projetos. Eu acho que isso é um ganho enorme, assim estaremos próximos das organizações que temos apoiado”, afirma, revelando também a criação de um comitê de diversidade dentro da fundação, para atualizar o censo de representatividade acerca dos projetos aprovados pela mesma: “Trata-se de um compromisso de que todos os nossos projetos tenham um olhar na questão racial. É o compromisso da gente ser uma das organizações divulgadoras e difusoras da importância da equidade racial para o Brasil e para todos nós”, completa.
A Walt Disney também conta com a criação de conselhos, em cada região da América Latina, para fomentar ainda mais a cultura da diversidade e da equidade racial: “Aqui no Brasil, ele atua fortemente, eu lidero o pilar de raça, com todas as iniciativas. Nós estamos desenhando todas as métricas e metas que queremos atingir nos próximos 24 meses e para isso as alianças e as parcerias são fundamentais”, afirma Rita de Cássia, que revela que o trabalho influencia diretamente no produto criado pela companhia: “A gente percebe que esse networking que se forma com esse olhar e com esse objetivo é super importante para que esses resultados sejam de fato atingidos. Trazendo isso pra dentro do universo da Disney, que é um segmento de entretenimento, a questão é como eu consigo mostrar diversidade através dos personagens, privilegiando a cultura e trazendo protagonismo para as tradições?”, completa.
Trabalhando diretamente com investimentos de empresas e organizações através da Fama Investimentos, Fábio Alperowich tem uma visão otimista do avanço do debate sobre equidade racial, mas reconhece que não avançou ainda mais devido ao não reconhecimento do racismo estrutural em nossa sociedade: “Quando existe a negação do racismo estrutural, a gente tá muito mais distante da solução. Pra avançar nessa agenda, é preciso reconhecer a existência desse racismo estrutural e expor essa situação, por mais que esse processo de reconhecimento seja doloroso, difícil. E falando do ponto de vista de um investidor, vai trazer alguma dor para dentro das companhias e para a sociedade civil, ao expor uma questão dessa, mas ela é absolutamente necessária”, afirma Fábio. Ele também mostra como os investidores podem colaborar, de forma indireta, com o aumento da diversidade nas empresas: “Quando eu olho o relatório de sustentabilidade de boa parte das empresas, os dados sobre equidade de gênero aparecem, mas os dados de equidade racial não aparecem. Em muitos casos isso pode ser falta de olhar, um descaso, o que configura no racismo estrutural, ou pode ser vergonha de não ter se interessado por esse problema antes. Importante lembrar que os relatórios de sustentabilidade têm dados seletivos, então grande parte das empresas mostra o que quer e esconde o que não quer. Daí, quanto mais os investidores pressionarem pela transparência desses dados, mais evidente vai ficar o avanço em relação a essa desigualdade racial. Ou seja, empresas que forem pressionadas pelos investidores para expor esses dados, elas, no ano seguinte, terão que ter algum avanço nessa questão ou serão pressionadas também. Eu acho que é fundamental o papel dos investidores: a pressão para que as empresas sejam cada vez mais transparentes e inclusivas em relação a isso”, completa.
É justamente dentro deste contexto que Daniela Redondo acredita que companhias como a Coca-Cola, têm o papel fundamental de exercer influência diante dessas situações: “A gente precisa reconhecer também o nosso papel de influência e poder de convocação. Então quando a gente está falando de ecossistema, de como a gente avança, de como a gente acelera isso, a gente tem que reconhecer realmente que pode acelerar muito e atingir outros se realmente usarmos todo o poder para convocar, investir e chamar outros para esse movimento”,disse. Além do poder de convocação e influência, Daniela Redondo também acredita que para fortalecer as organizações é necessário dar independência: “Quando a gente fala de fortalecimento de organizações, para nós, na prática, funcionou demais, quando foi dada liberdade e flexibilidade para o uso do recurso. Então, quando a gente fala em investir nas organizações de base ou de equidade racial, você dá flexibilidade e autonomia para usar esse recurso, porque muitas vezes, na posição de doador, a gente coloca regras pouco flexíveis, e lá na ponta, quem está sentindo a dor, a temperatura e o que eles precisam, são as próprias lideranças, as próprias beneficiárias”, completa.
Fernanda Lopes, diretora de programa do Fundo Baobá, na abertura da mesa virtual já havia salientado a relevância de o recurso chegar onde deve. “Na filantropia precisamos fazer que o recurso chegue onde ele deve chegar. Quem demanda e recebe o recurso sabe o que fazer com ele, sabe o que faz diferença. Não se pode ser igual, investir igual, medir ou qualificar igual, porque o contexto que atuamos é resultado de desigualdades e injustiças”,disse. Ela encerrou frisando a importância deste momento na promoção da equidade racial: “Nós enxergamos movimentos, e muitos em novas direções, é uma questão de toda sociedade brasileira. Somos todes responsáveis pelas mudanças e, mais que isso, pela sustentabilidade de seus resultados, dentro e fora das empresas”.