Nota Oficial sobre o assassinato do Senhor João Alberto Silveira Freitas

Nota Oficial sobre o assassinato do Senhor João Alberto Silveira Freitas

As instâncias de Governança do Fundo Baobá para a Equidade Racial expressam, em nome de todas as pessoas que fazem parte da instituição, a mais absoluta perplexidade, indignação e repulsa com a sequência criminosa de atrocidades perpetradas por “seguranças” da rede Carrefour, na noite de ontem, dia 19 de novembro de 2020, nas dependências de uma das unidades da rede, localizada na cidade de Porto Alegre.

Os empreendimentos comerciais e as instituições públicas não podem mais continuar a se eximir da adoção de medidas de prevenção e nem, tampouco, continuarem a terceirizar as suas responsabilidades em episódios desta natureza.

O assassinato de um cidadão negro, por dois pretensos “seguranças”, supostamente vinculados à empresa Vector Segurança, sendo um deles integrante da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, é um crime bárbaro cujas consequências não podem, mais uma vez, serem geridas dentro da “zona de conforto” das marcas.

Expressões como “romperá contrato com a empresa que responde pelos seguranças ”, “desligamento do funcionário que estava no comando da loja” e “o Carrefour lamenta profundamente” não surtem mais efeitos diante dos reincidentes episódios, tornados públicos desde as agressões sofridas pelo senhor Januário Alves de Santana, em 2009, em uma unidade do Carrefour na cidade de Osasco, no Estado de São Paulo.

As instâncias de Governança do Fundo Baobá têm consciência de que as agressões físicas praticadas por “seguranças” de shoppings centers e estabelecimentos comerciais não se limitam à rede Carrefour. Episódios de discriminação e racismo fazem parte do nosso cotidiano e acontecem todos os dias, em todo o Brasil.

Estes crimes, recorrentes e previsíveis, seriam evitados caso houvesse uma ação efetiva de prevenção e controle da truculência da força de trabalho, notadamente na linha de frente do atendimento.

O enfrentamento ao racismo estrutural e às expressões da branquitude devem ser uma responsabilidade de todas as instituições, empresas, cidadãos e cidadãs, sem prejuízo da ação dos entes federativos que constituem o Estado brasileiro, através da implementação de políticas públicas. O momento exige iniciativas que vão além da punição de crimes: precisamos nos unir para superar os gargalos que impedem a equidade e a justiça social, para criar laços e fortalecer o respeito entre todes, independentemente da origem étnica, do gênero ou da orientação sexual.

Este trágico episódio exige, no mínimo, por respeito póstumo à memória do senhor João Alberto Silveira Freitas e ao luto da sua família, uma ação contundente e articulada da sociedade brasileira, das instituições judiciárias e dos órgãos responsáveis pela tutela e controle da atividade jurisdicional.

São Paulo, 20 de novembro de 2020

Comitê Executivo do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá para Equidade Racial

Giovanni Harvey

Sueli Carneiro

Amália Fischer

O despertar da consciência

Kizomba, palavra de origem africana, significa uma grande reunião de pessoas para uma também grande celebração de identificação. Em todo 20 de Novembro, gente negra de todos os cantos do Brasil se reúne, nas mais diferentes formas, para celebrar a memória de Zumbi dos Palmares, líder e herói, símbolo de uma luta iniciada bem antes de sua morte em 1695 pela liberdade de seu povo. Um grande motivo para se juntar.  

E hoje, ao celebrar a memória de Zumbi, vivemos mais uma perda. Na noite de 19 de novembro, João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, homem negro, foi espancado até a morte por seguranças de uma empresa varejista, em Porto Alegre. 

A morte de João Alberto Silva Freitas torna esse 20 de novembro de 2020 ainda mais diferente. Neste ano, que encerra a segunda década do século 21 e que foi marcado por uma pandemia sem precedentes, que expôs de forma crua e cruel o que a desigualdade racial significa para o Brasil, temos uma oportunidade ímpar para despertar a consciência da sociedade brasileira acerca dos impactos do racismo. 

O despertar de uma consciência raramente é um processo fácil. Tanto em nível individual, como em coletivo, o que não é consciente geralmente está nas sombras: são atos, fatos, memórias e projeções que preferimos não enxergar. Mas em 2020 foi impossível não enxergar o jovem negro sufocado até a morte por policiais norte-americanos. Ou tiros nos morros cariocas vitimando jovens negros dentro de casa ou a caminho da escola. Ou os percentuais mais elevados de óbitos causados pela Covid19 entre negros.

Vivemos um ano de maior despertar da consciência. Um ano no qual nós, do Fundo Baobá, abrimos canais de interlocução com diversos outros atores da filantropia que, em maior ou menor grau, estão percebendo a importância de adotar as lentes da equidade racial em seus programas e projetos ou mesmo na estrutura organizacional.  A oportunidade é imensa: segundo o último censo da filantropia realizado por institutos e fundações empresariais, promoção da igualdade racial responde por apenas 14% dos projetos e programas apoiados. 

No final de outubro, realizamos um riquíssimo debate sobre filantropia para promoção da equidade racial no Brasil. Ao longo do ano – e um ano de pandemia, de confinamento, de retração econômica – conseguimos lançar cinco editais: dois de apoio emergencial a pessoas e famílias mais afetadas pela pandemia da  Covid19; um para apoio a pequenos negócios de empreendedores(as) negros(as); um edital que dialoga com a comunidade acadêmica negra;  além de um edital de apoio a jovens negros(as)  que desejam ingressar na universidade.

Conseguimos avançar porque mais e mais parceiros estão se juntando a nós. É como diz o ditado: uma andorinha só não faz verão.  Precisamos que mais pessoas, mais empresas, mais fundações, institutos e fundos filantrópicos se juntem na caminhada em direção à equidade racial. Esse precisa ser um indicador de consciência e de justiça adotado pelo  Brasil, cuja população é composta por  56% de pessoas que se autodeclaram negras (pretas ou pardas). Cuja história, cultura, ciência, artes, esportes foram forjados com participação decisiva de negros. 

Nós, juntos, temos que tornar o Brasil um país mais justo. Você tem papel fundamental nisso. A sua ação de engajamento é importante. Faça parte da rede de organizações e pessoas que lutam por em busca de um país igualitário. Vamos, junte-se! 

Despertar não é um ato, mas um processo. Estamos despertando cada dia mais, cada dia melhor.  Apesar dos inúmeros desafios, há avanços – e contribuir com a promoção desses avanços é o DNA do Fundo Baobá.

Fundo Baobá terá financiamento do Google.Org para apoiar Projetos De Justiça Racial

O Fundo Baobá para Equidade Racial – primeiro e único fundo dedicado exclusivamente à promoção da equidade racial no Brasil – contará com financiamento do braço filantrópico do Google para apoiar projetos focados no avanço da justiça racial e no combate à violência contra a população negra no Brasil. O anúncio foi feito nesta sexta-feira, 20, Dia da Consciência Negra e envolve doações que totalizam US$ 400 mil (cerca de R$ 2,1 milhões). 

Esses recursos viabilizarão edital a ser lançado em 2021 com vistas a apoiar 10 organizações negras para execução de projetos locais focados em temas como acesso à justiça e combate à violência contra população negra, em especial a juventude negra, dentro das prioridades de investimento do Fundo Baobá  ligadas ao eixo viver com dignidade.

Além do apoio financeiro, as organizações negras de base comunitária selecionadas irão participar de jornadas de fortalecimento institucional, a fim de que, no futuro, possam ter mais autonomia para buscar novos financiamentos,  disseminar resultados e boas práticas.   Parte dos recursos doados pelo Google também irá financiar a operação do Fundo Baobá. 

“Segundo o último censo da filantropia realizado por institutos e fundações empresariais, promoção da equidade racial responde por apenas 14% dos projetos e programas apoiados”, destaca Selma Moreira, diretora do Fundo Baobá. “O apoio do Google.org tem um potencial que vai além das organizações que serão apoiadas com os recursos financeiros destinados à justiça racial. Trata-se de um importante exemplo para que outras instituições abracem o desafio e  promovam a equidade racial no Brasil”, analisa.

“O Google continuará a apoiar a luta por justiça racial. Acreditamos em um sistema de justiça baseado na equidade para todos, orientado por dados e apoiado por soluções baseadas na comunidade. Temos orgulho de apoiar as organizações que estão enfrentando esse desafio complexo”, diz Justin Steele, diretor de Google.org nas Américas.

Fundo Baobá lança edital para apoiar empreendedores negros e empreendedoras negras no contexto pós-pandemia

O Fundo Baobá para Equidade Racial apresentou, no dia 11 de novembro, uma grande oportunidade para micro e pequenos empreendedores. É o Programa de Recuperação Econômica de Pequenos Negócios de Empreendedores(as) Negros(as), que vai apoiar 47 negócios que precisem de um aporte financeiro para melhor se desenvolver. Esses negócios têm que ser comandados por pessoas (homens e mulheres) negras que toquem os seus negócios em comunidades periféricas ou territórios em contexto de vulnerabilidade socioeconômica. O investimento é de R$ 1,6 milhão, com inscrições no site do Baobá até o dia 20 de dezembro. Coca-Cola Brasil, Banco BV e Instituto Votantim apoiam a iniciativa do Fundo Baobá.

As pessoas negras que empreendem sofreram mais com a recessão econômica provocada pela pandemia. “Fomentar o empreendedorismo negro, contribuindo para o desenvolvimento e ampliação das habilidades das lideranças e aceleração de seus  negócios, é um dos instrumentos necessários para que o pleno potencial da população negra seja alcançado e para que se construa uma sociedade justa”, explica Selma Moreira, diretora-executiva do Fundo Baobá.

“O Instituto Coca-Cola Brasil tem como objetivo passar de milhares para milhões de jovens impactados através de programas, parcerias e ecossistema no qual atua. Impulsionar o fortalecimento dos principais afetados pela pandemia é fundamental para alcançarmos este objetivo”, afirma Daniela Redondo, diretora do Instituto.

Para assegurar um impacto mais profundo, o edital estabelece que as propostas devem ser inscritas, em conjunto, por três pequenos empreendedores(as) negros(as) que já atuem em parceria ou queiram trabalhar de maneira complementar. Não é necessário possuir CNPJ – um detalhe que favorece a adesão de pessoas de comunidades periféricas ou territórios em contexto de vulnerabilidade socioeconômica. Não há restrições a identidade de gênero e a faixa etária para inscrição é de 18 anos ou mais. Propostas das regiões Nordeste e Norte ou que envolvam negócios liderados por mulheres serão priorizadas.

O edital é exclusivo para empreendedoras e empreendedores negros que tenham pequenos negócios com faturamento de até R$ 6.750,00 (seis mil, setecentos e cinquenta reais) por mês. Os(as)  selecionados(as) vão receber R$ 10 mil cada um (totalizando R$ 30 mil por iniciativa). O programa  inclui ainda mentoria: assistência técnica, formação, troca de experiência entre participantes e empreendedores(as) de sucesso.

As inscrições podem ser feitas de 11 de novembro a 20 de dezembro no site do Fundo Baobá. O programa terá início em 1 de março de 2021, após as três fases de seleção.

O apoio à iniciativa do Fundo Baobá reforça o compromisso das corporações com o combate ao racismo e promoção da equidade racial no contexto econômico brasileiro. O Fundo Baobá – primeiro e único fundo dedicado exclusivamente à equidade racial no País – agrega seu profundo entendimento do tema, de forma que o edital não seja apenas transferência de recursos, mas sim uma iniciativa transformadora nas comunidades onde estão localizados os negócios apoiados.

Fundo Baobá reúne institutos e fundações para debater filantropia para justiça social

O Fundo Baobá para Equidade Racial completa dez anos de atividades em 2021 – nesses longos meses de pandemia do coronavírus no Brasil -, quando as desigualdades socioeconômicas e raciais não deixaram dúvidas sobre seus impactos e perversidade. O cenário no qual o Fundo Baobá incide tornou-se mais severo, exigindo um olhar sobre o presente e sobre o futuro. 

Para discutir motivos e apontar caminhos de solução visando uma mudança nas desigualdades raciais, o Fundo Baobá reuniu algumas das principais lideranças mundiais que trabalham com a filantropia em busca da justiça social. O evento inédito e de peso, organizado pelo J.P. Morgan e pelo Fundo Baobá,  juntou profissionais atuantes na América do Sul e Estados Unidos em um webinário no dia 28 de outubro. Em um país como o Brasil, que carrega a discrepância de ter 55,8% de população negra, mas sem acesso aos bens e serviços em função do racismo estrutural mantenedor das desigualdades sociais e econômicas, a discussão sobre onde realmente os recursos devem chegar para socorrer e gerar a diferença positiva foi de muita importância. 

Para essa pensata, foram convidados algumas das mais expressivas instituições, além de organizações não filantrópicas, comprometidas em contribuir para a construção de sociedades mais justas e igualitárias.  Líderes da Fundação Kellogg, Fundação Ford, Instituto Ibirapitanga, Rede de Fundos para Justiça Social, GIFE (Grupo de Institutos Fundações e Empresas), Instituto Coca-Cola Brasil, The Walt Disney Company, Fama Investimentos e o Philantropy Center J.P. Morgan participaram do webinário Investimentos Filantrópicos para a promoção da equidade racial, promovido pelo Fundo Baobá com apoio do J.P. Morgan. 

Quem conduziu o evento, ocorrido em 28 de outubro, foi Fernanda Lopes, diretora de Programa do Fundo Baobá para Equidade Racial. Em sua fala introdutória, apontou a necessidade de criar narrativas que contribuíssem para a equidade, reduzindo o apartheid vigente no país – em que os negros, embora maioria da população, muitas vezes deixam de ter  suas vozes, seus direitos e protagonismo reconhecidos. “O investimento social privado pode e deve incorporar a perspectiva da justiça racial na concessão de doações. A proposta é pautar, desafiar e, sobretudo, estimular o ambiente corporativo a construir ações inovadoras e concretas para superar o verdadeiro estado de apartheid racial no Brasil.”, disse Fernanda Lopes.  

Segundo a diretora, a abordagem da equidade racial na filantropia tem sido a mistura de avanços e retrocessos. “É essencial examinar onde houve mais e menos avanço, o que contribuiu e o que pode nos ter tirado do caminho”, completou. O objetivo do webinário foi criar uma narrativa sobre como a filantropia e o investimento social privado se desenvolveram no país, qual a história dos principais investimentos e as iniciativas para a promoção da equidade racial. 

Na fala de abertura, Daniel Darahem, presidente do J.P. Morgan Brasil, destacou que nunca é tarde para pensar e promover a equidade. Explicou alguns dos projetos desenvolvidos pelo banco, voltados a jovens negros, como o de formação de lideranças.  “Trabalho há 23 anos nessa organização, mas como presidente estou há menos tempo, peguei a bandeira magistralmente empunhada pelo meu antecessor, eterno amigo e mentor, José Berenguer, que fez excelente trabalho na área de diversidade e inclusão.”

Daniel Darahem – Presidente do J.P. Morgan Brasil

Para ele, séculos de mobilização de movimentos negros geraram conquistas, com muitos desafios e dificuldades. “E como há milhares de talentos que precisam ser incluídos, o banco optou por se engajar com intencionalidade e consistência em um  propósito de busca da equidade, criando vários programas de inclusão ao longo dos anos.” 

Alguns deles são o Advancing Black Leaders, programa global do banco para a formação de lideranças negras e o Black Future Leaders, voltado para  formar, aqui no Brasil,  líderes a partir de jovens negros em início de carreira. A cada dez inscritos, sete são mulheres negras. Por intermédio da J.P. Morgan Chase Foundation, o banco passou a colocar a equidade racial como um de seus focos. “Tivemos erros e acertos. Foram pequenos passos que nos ajudaram a trilhar o caminho certo. O evento de hoje é oportunidade de aprendizado para todos nós.”

Para  Giovanni Harvey, presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, o mês da consciência negra marca uma agenda intensa de atividades antirracistas promovidas pelas organizações. O papel da iniciativa privada tem sido pioneiro nesse sentido e deve continuar sendo. 

“Parte da minha vida profissional passei na iniciativa privada que, no Brasil, tem sido pioneira ao longo do tempo. Eram e são empresas que têm entendimento e responsabilidade com a educação e formação de jovens, como a Fundação BankBoston, que criou o Projeto Geração XXI, em 1999,  para contribuir com a melhoria da educação de jovens negros, garantindo a igualdade de oportunidades“, afirmou. Harvey aproveitou para felicitar o J.P. Morgan e as demais instituições presentes pelo empenho em criar ações em prol da equidade racial e por dedicarem seu tempo a essa discussão. 

Giovanni Harvey – Presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá

O evento contou com quatro mesas, cada uma com três participantes, exceto a quarta, de encerramento, que contou com a presença de Laura Martini Zellmeister, oficial de programa da J.P. Morgan Chase Foundation para a América Latina, e Selma Moreira, diretora-executiva do Fundo Baobá para Equidade Racial. Confira aqui no site do Fundo Baobá o relato dos outros debates.

Existem débitos históricos com a população negra que a filantropia ainda não equacionou

As relações de poder que, direta ou indiretamente, sustentam o racismo estrutural fizeram parte dos temas mais comentados pelos(as) palestrantes da mesa “Filantropia e relações raciais: presente e futuro”. Esse painel fez parte do webinário Investimentos Filantrópicos para a promoção da equidade racial, organizado pelo J.P. Morgan e o Fundo Baobá, em 28 de outubro.

Alejandra Garduno Martinez, diretora da Fundação Kellogg para a América Latina, relembrou que a Covid-19 expôs, de forma contundente, as profundas desigualdades da sociedade com relação à justiça social e à equidade. Lembrou que o racismo se expressa de muitas formas, algumas invisíveis, mas a pandemia as tornou evidentes. 

Alejandra Garduno Martinez – Diretora da Fundação Kellogg para América Latina

Átila Roque, Diretor Regional da Fundação Ford no Brasil, lembrou que o racismo está estruturado em uma consistente ideia,  construída por séculos, de supremacia branca. “O mundo ocidental é tributário do racismo e o Brasil, historicamente, se colocou no centro desse processo. Basta olhar os números. Do total de 11 milhões de negros trazidos para a América e o Caribe, quase 5 milhões, algo em torno de 46%, vieram para o Brasil. Não dá para desconsiderar essa memória e a dívida que temos.” 

O diretor da Fundação Ford destacou que o grau de dedicação e de investimento da filantropia brasileira é desproporcional ao imperativo ético que é a questão antirracista. “Não há nada mais central do que essa agenda”. Logo, o padrão de desigualdade não é sustentável nem rentável para o país. Por isso, é primordial reconhecer o papel de cada instituição e olhar com franqueza para o quanto cada uma é tributária da ideia de progresso ancorada no legado do colonialismo ou da supremacia branca. 

Átila Roque – Diretor Executivo da Fundação Ford para Brasil e América Latina

Respondendo à pergunta da mediadora Fernanda Lopes, diretora de Programa do Fundo Baobá, Alejandra Garduno Martinez ressaltou que a filantropia avançou nos últimos anos, embora questões antigas continuem latentes, como a intolerância que se agrava frente às posições mais conservadoras de poder, como as que estão em curso na América Latina e Caribe. “Avançamos, sim, nesses indicadores, mas não o necessário. Ainda temos cenários políticos que, em seu conservadorismo, fortalecem discursos pró-racismo”, afirmou. 

Dessa forma, reconhecer a existência do racismo estrutural e dar visibilidade a essa questão é um dos principais desafios da filantropia. “Precisamos gerar maior número de parcerias entre nós e com outros setores, junto a organizações filantrópicas diversas, mas é essencial avaliar como nos associamos, com quem nos associamos e quais as causas sociais que nos permitem aspirar bons modos de vida para todos.”

Embora na última década tenham sido implementados esforços para promover justiça social por meio da filantropia, segundo a diretora falta olhar se as entidades doadoras estão, efetivamente, voltadas para quem precisa, como as organizações negras e as que trabalham pela equidade.

“Na Kellogg, tínhamos essa preocupação desde 1968. Em 2007, iniciamos processo para estabelecer compromisso com uma declaração realmente antirracista, contribuindo para erradicar o racismo moderno”, afirmou. Nessa época, consolidou-se a ideia do Fundo Baobá, criado em 2008, inicialmente como um mecanismo. “Temos que ser claros, explícitos até, na forma como impulsionamos o acesso a um fundo que procura investir, a longo prazo, em modelos que promovam mudanças estruturais sistêmicas.” 

Para Átila Roque, eventos que reunissem fundações, empresas privadas e um grande banco seriam impensáveis há alguns anos, quando a filantropia dava seus primeiros passos no país. “Dificilmente, teríamos essa tela diante de nós. Avançamos, sem dúvida, mas avançamos pouco e tardiamente.”

André Degenszajn, diretor-presidente do Instituto Ibirapitanga, também concorda que houve progresso da filantropia no Brasil, principalmente porque os debates não se restringem mais aos pequenos círculos. Hoje, ocupam também jornais e discussões em família. Mas é preciso avançar mais. “Quando olhamos as estatísticas em qualquer dimensão, como educação, renda, violência, o quadro é assustador. E a ausência de pessoas negras em lugares de poder e não só na política, mas em escolas, por exemplo, é acintosa.” 

Andre Degenszajn – Presidente Instituto Ibirapitanga

Para Degenszajn, é fundamental as organizações buscarem coerência entre seus investimentos para fortalecer o movimento negro e sua constituição, inserindo, por exemplo, pessoas negras na equipe. “Muitos avanços foram alcançados por esses movimentos, como a Lei de Cotas e a Lei Caó. Essas instituições não estão apartadas do racismo estrutural quando se fala do acesso delas a fontes de financiamento. Assim, existe a necessidade de construir caminhos para que isso aconteça”, acrescentou. 

“Temos que ver o quanto nossos mecanismos e critérios de doação servem realmente para permitir o acesso de organizações negras,  de forma que seja cada vez mais acessível empoderar atores que precisam ser promovidos”, afirmou Átila. Um ponto essencial levantado pelo diretor da Fundação Ford é a dúvida que está no DNA da população em decorrência do histórico da colonização, sobre a capacidade dessas organizações serem protagonistas quando beneficiadas com apoio de longo prazo. “Volto a dizer que não existe fórmula, mas temos que olhar onde alocamos os recursos e fazer essa pergunta constantemente. É preciso estimular a dúvida e promover, sem medo, o protagonismo negro.”

O pensamento da equidade racial deve pautar ações diárias

“Temos que pensar a questão racial atravessando tudo o que a gente faz. Isso é mudança de pensamento”. A fala de Ana Letícia Silva, representante da Rede de Filantropia para Justiça Social, permeou a segunda mesa do evento Filantropia e Justiça Racial, que teve como tema “Filantropia no Brasil: eficiência, compromisso com a mudança e a justiça social” e contou também com a participação de Maria Alejandra Oltra, assessora de Filantropia do Philanthropy Center JP Morgan, e Tricia Calmon, membro do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá. 

As representantes das três entidades estabeleceram suas falas a partir de três questões propositivas: 1) Como a filantropia para a justiça social pode ser mais eficiente?  2) Como deve ser o comportamento de um filantropo(a)? 3) Como as instituições filantrópicas devem medir suas doações e investimentos sociais, considerando a equidade racial como uma meta?  Com esse guia introdutório, discorreram sobre a importância do trabalho filantrópico;  a destinação correta dos recursos da filantropia no Brasil; o povo negro relegado a segundo plano e buscando, por conta própria, os apoios financeiros; a questão do não tratamento igualitário, que acaba gerando privilégios. 

Para Tricia Calmon, a agenda da Justiça Social no Brasil vem se revisitando para pensar o lugar que a discussão do racismo tem ocupado nessas agendas, pois em muito tempo ocupou lugar algum, “obedecendo a um raciocínio que nos educou na história do Brasil, que é o mesmo raciocínio que construiu o projeto de nação brasileira a partir de um pacto de desenvolvimento que partiu da eliminação física e simbólica do sujeito negro”, sintetizou.  “A sociedade brasileira e sua parcela negra têm se reinventado ao longo da história por conta própria e, muitas vezes, encontrando mãos e braços no campo da  filantropia, sobretudo nas comunidades empobrecidas”, completou.

Tricia Calmon – Membro do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá para Equidade Racial

Nesse contexto, Ana Letícia Silva deu ênfase à necessidade de mudança de pensamento na destinação de recursos, por conta de um fato marcante no Brasil. “Temos 56% da população negra. Temos que fazer essa questão, a racial,  passar pela nossa atuação enquanto entidade”, afirmou. Para ela, o tema da destinação de recursos e de atuação transformadora passa por algo de extrema simplicidade. “Se eu for o Fundo X, que não está ligado à questão da equidade racial, tenho que incorporar esse pensamento da equidade ao que eu fizer todos os dias.” 

A questão da filantropia voltada para a equidade racial não encontra problema de direcionamento de recursos apenas no Brasil. Para Maria Alejandra Oltra, assessora  de Filantropia do Philanthropy Center J.P. Morgan, o problema envolve muitos outros países do continente americano. “Há  países na América Latina que têm políticas tributárias voltadas para a filantropia  Porém, esse não é um traço comum que contribua para que a destinação de recursos nos diferentes países aconteça. Muitos países não possuem essa política tributária, o que dificulta que as iniciativas oficiais de auxílio sejam alcançadas.” 

Maria Alejandra Oltra – Vice President The Philanthropy Center J.P. Morgan

A não existência de uma política voltada para a arrecadação tributária, e a consequente destinação de recursos a entidades filantrópicas, acaba por gerar um grande déficit de recursos. Nesse contexto, coube às grandes entidades colocarem foco sobre o que gerava esse déficit e tentar trazer soluções. 

A Rede de Filantropia para a Justiça Social acabou surgindo da necessidade de fazer com que os recursos da grande filantropia alcançassem quem mais necessitava. “A Rede de Filantropia para a Justiça Social congrega, neste momento, 12 organizações. Esperamos que muitas mais venham para perto da Rede, porque a gente sabe que há instituições de filantropia para  justiça social, filantropia comunitária, que estão aí escondidas pelo Brasil, ainda não reconhecidas. Sabemos que muito do que as pessoas conseguem sobreviver tem a ver  com a filantropia de justiça social, mesmo que essas organizações não estejam ligadas à Rede. São as solidariedades que acontecem diariamente que fazem com que as pessoas possam sobreviver”, afirmou Ana Letícia Silva. 

Ana Leticia Silva – Rede de Fundos para Justiça Social

E como lembrou Maria Alejandra Oltra, do Philanthropy Center J.P. Morgan, a questão da sobrevivência está intimamente ligada à questão da equidade. “Se todos queremos ser iguais, temos que pensar que nem todos são tratados como iguais. E é difícil na filantropia ajustar isso para sermos mais eficientes. Acredito, que ao longo do tempo, a filantropia tentou ser o melhor para todos. Mas é impossível fazer o melhor para todos sem identificar diferenças.”

Como a efetividade dos investimentos sociais rumo à promoção da equidade racial tem sido incorporada aos indicadores e metas das instituições

“É muito importante uma organização do sistema financeiro, como  J.P. Morgan, estar liderando junto com o Fundo Baobá, que é um fundo voltado para equidade racial, esse compartilhamento e essa liderança conjunta. Ela é muito simbólica para o mundo hoje”, foi com essas palavras que Neca Setubal, presidente do Conselho do GIFE e da Fundação Tide Setubal, abriu a terceira mesa do webnário Investimentos Filantrópicos para a promoção da equidade racial, organizado pelo J.P Morgan e pelo Fundo Baobá para Equidade Racial, na quarta-feira (28).

Com o título “Equidade Racial e suas trilhas, nos institutos, fundações, empresas e ESG – Caminhos, evidências e possíveis mudanças”, além de Neca Setubal a mesa virtual contou com Rita de Cassia Barros Oliveira (Gerente Sênior de Vendas Promocionais de Redes de Mídia na The Walt Disney Company), Daniela Redondo (Diretora Executiva do Instituto Coca-Cola Brasil) e Fabio  Alperowich (Fama Investimentos).

Para Neca Setubal, houve um avanço na cultura da filantropia e na promoção da justiça social no país, inclusive no período de Covid-19: “Acho que a pandemia acelerou esse avanço ao descortinar as desigualdades e o racismo brasileiro. Existem problemas de séculos, mas a sociedade começou a enxergá-los, isso é positivo”. Fábio Alperowich também acredita em contenção de danos no período de pandemia: “A Covid-19 trouxe uma reflexão muito grande para as empresas, elas passaram a repensar os seus papéis. Antes, as organizações entendiam que o seu papel na sociedade era apenas a venda de produtos e serviços, agora elas começam a compreender que têm um papel dentro da sociedade que é maior que aquilo, algumas estão agindo através de filantropia, outras estão melhorando as suas práticas, elas estão repensando isso em múltiplas dimensões, tanto do lado ambiental quanto do lado social”.

Neca Setubal – Presidente do Conselho do GIFE e da Fundação Tide Setúbal

Falando exclusivamente das organizações, um dos assuntos abordados na mesa virtual foi a forma que a promoção da equidade racial havia sido incorporada em cada instituição. Rita de Cássia fez questão de frisar a importância da representatividade na The Walt Disney Company: “Estou na empresa há 9 anos e eu venho acompanhando de perto todas as transformações que ela vem passando e fazendo, em tudo o que diz respeito à diversidade e inclusão. Sendo uma empresa mundialmente reconhecida pelas histórias mágicas e os personagens inspiracionais, lúdicos e heróicos, estando tão presentes no imaginário de muitas pessoas no mundo todo”. Na ocasião, ela citou os principais pilares da empresa nessa questão: “Ser o melhor em diversificar o nosso arsenal de talentos e conteúdos, trazendo essa representatividade e mostrando de fato o valor de toda essa experiência do ponto de vista do negro.  e integrar a inclusão nessas práticas de operações comerciais também. Sabemos que a Disney, por ser líder, tem toda a capacidade de impactar o ecossistema onde está envolvida, trazendo parceiros, fornecedores, empresas que são licenciadas, liderando esse movimento. Nós temos também algumas iniciativas nesse sentido, garantir que toda a nossa liderança tenha poder para agir, porque diferente do que acontece nos Estados Unidos, onde nós temos 13% da população negra, aqui no Brasil a gente tem um universo muito diferente. A urgência e a necessidade de avançar nessas frentes e de trazer resultados efetivos, ela é muito grande, com o grande compromisso da liderança”. 

Rita de Cassia Barros Oliveira – Gerente Sênior de Vendas Promocionais de Redes de Mídia na The Walt Disney Company

Atuando como diretora-executiva do Instituto Coca-Cola Brasil, Daniela Redondo afirma que a organização atua há quase duas décadas na filantropia por justiça social, entretanto, tem focado nos últimos 10 anos em atividades de empoderamento e desenvolvimento: “Especialmente de jovens em comunidades vulneráveis, focando no recorte de empoderamento econômico, com aproximadamente 250 mil jovens impactados, sendo que  desse número 70% são negros e 60% são mulheres”. 

Em 2014, a Coca-Cola conheceu o Fundo Baboá e no ano de 2018 desenvolveram o segundo trabalho juntos, o edital Negras Potências, voltado para empreendedoras negras e focado no empoderamento feminino negro: “Foi o maior o matchfunding do país. E o que nós aprendemos e percebemos foi a importância de dar visibilidade para as causas, permitir que projetos que não são, às vezes, tão atrativos, mas que são de muita importância para aquela população, sejam reconhecidos e visibilizados. Além do que a gente tem que ter um conselho que tenha propriedade e representatividade”, completa Daniela. 

Daniela Redondo – Diretora Executiva do Instituto Coca Cola Brasil

Neca Setubal também reconhece que uma organização financiadora, para estar em proximidade com as instituições apoiadas, tem que ter um núcleo diverso, utilizando o exemplo da sua própria fundação, a Tide Setubal, que atua há 15 anos: “Hoje a Fundação Tide Setubal conta com 50% de colaboradores negros e 50% não negros, indo desde o conselho curador ao nosso conselho administrativo e à gestão estratégica, que são todos os coordenadores de projetos. Eu acho que isso é um ganho enorme, assim estaremos próximos das organizações que temos apoiado”, afirma, revelando também a criação de um comitê de diversidade dentro da fundação, para atualizar o censo de representatividade acerca dos projetos aprovados pela mesma: “Trata-se de um compromisso de que todos os nossos projetos tenham um olhar na questão racial. É o compromisso da gente ser uma das organizações divulgadoras e difusoras da importância da equidade racial para o Brasil e para todos nós”, completa. 

A Walt Disney também conta com a criação de conselhos, em cada região da América Latina, para fomentar ainda mais a cultura da diversidade e da equidade racial: “Aqui no Brasil, ele atua fortemente, eu lidero o pilar de raça, com todas as iniciativas. Nós estamos desenhando todas as métricas e metas que queremos atingir nos próximos 24 meses e para isso as alianças e as parcerias são fundamentais”, afirma Rita de Cássia, que revela que o trabalho influencia diretamente no produto criado pela companhia: “A gente percebe que esse networking que se forma com esse olhar e com esse objetivo é super importante para que esses resultados sejam de fato atingidos. Trazendo isso pra dentro do universo da Disney, que é um segmento de entretenimento, a questão é  como eu consigo mostrar diversidade através dos personagens, privilegiando a cultura e trazendo protagonismo para as tradições?”, completa.  

Trabalhando diretamente com  investimentos de empresas e organizações através da Fama Investimentos, Fábio Alperowich tem uma visão otimista do avanço do debate sobre equidade racial, mas reconhece que não avançou ainda mais devido ao não reconhecimento do racismo estrutural em nossa sociedade: “Quando existe a negação do racismo estrutural, a gente tá muito mais distante da solução. Pra avançar nessa agenda, é preciso reconhecer a existência desse racismo estrutural e expor essa situação, por mais que esse processo de reconhecimento seja doloroso, difícil. E  falando do ponto de vista de um investidor, vai trazer alguma dor para dentro das companhias e para a sociedade civil, ao expor uma questão dessa, mas ela é absolutamente necessária”, afirma Fábio. Ele também mostra como os investidores podem colaborar, de forma indireta, com o aumento da diversidade nas empresas: “Quando eu olho o relatório de sustentabilidade de boa parte das empresas, os dados sobre equidade de gênero aparecem, mas os dados de equidade racial não aparecem. Em muitos casos isso pode ser falta de olhar, um descaso, o que configura no racismo estrutural, ou pode ser vergonha de não ter se interessado por esse problema antes. Importante lembrar que os relatórios de sustentabilidade têm dados seletivos, então grande parte das empresas mostra o que quer e esconde o que não quer. Daí, quanto mais os investidores pressionarem pela transparência desses dados, mais evidente vai ficar o avanço em relação a essa desigualdade racial. Ou seja, empresas que forem pressionadas pelos investidores para expor esses dados, elas, no ano seguinte, terão que ter algum avanço nessa questão ou serão pressionadas também. Eu acho que é fundamental o papel dos investidores: a pressão para que as empresas sejam cada vez mais transparentes e inclusivas em relação a isso”, completa.  

Fabio Alperowich – Fama Investimentos

É justamente dentro deste contexto que Daniela Redondo acredita que companhias como a Coca-Cola, têm o papel fundamental de exercer influência diante dessas situações: “A gente precisa reconhecer também o nosso papel de influência e poder de convocação. Então quando a gente está falando de ecossistema, de como a gente avança, de como a gente acelera isso, a gente tem que reconhecer realmente que pode acelerar muito e atingir outros se realmente usarmos todo o poder para convocar, investir e chamar outros para esse movimento”,disse. Além do poder de convocação e influência, Daniela Redondo também acredita que para fortalecer as organizações é necessário dar independência: “Quando a gente fala de fortalecimento de organizações, para nós,  na prática,  funcionou demais, quando foi dada liberdade e flexibilidade para o uso do recurso. Então,  quando a gente fala em investir nas organizações de base ou de equidade racial, você dá flexibilidade e autonomia para usar esse recurso, porque muitas vezes, na posição de doador, a gente coloca regras pouco flexíveis, e lá na ponta, quem está sentindo a dor, a temperatura e o que eles precisam, são as próprias lideranças, as próprias beneficiárias”, completa.

Fernanda Lopes, diretora de programa do Fundo Baobá, na abertura da mesa virtual já havia salientado a relevância de o recurso chegar onde deve. “Na filantropia precisamos fazer que o recurso chegue onde ele deve chegar. Quem demanda e recebe o recurso sabe o que fazer com ele, sabe o que faz diferença. Não se pode ser igual, investir igual, medir ou qualificar igual, porque o contexto que atuamos é resultado de desigualdades e injustiças”,disse. Ela encerrou frisando a importância deste momento na promoção da equidade racial: “Nós enxergamos movimentos, e muitos em novas direções, é uma questão de toda sociedade brasileira. Somos todes responsáveis pelas mudanças e,  mais que isso, pela sustentabilidade de seus resultados, dentro e fora das empresas”.

Fingir que nada está acontecendo não adianta. Promover Justiça Social e Equidade Racial é um imperativo de consciência

“Se eu fechar a janela do meu carro, que tenha um vidro muito escuro, isso não me atinge. Se eu mudar de bairro, isso também não me atinge”. Com esta fala, Selma Moreira, diretora-executiva do Fundo Baobá para Equidade Racial, iniciou a quarta e última mesa do evento, cujo tema foi: “Juntos por uma sociedade justa e sem racismo!”

Selma Moreira – Diretora Executiva do Fundo Baobá para Equidade Racial

A diretora se referia aos negros, especialmente, e aos excluídos que, por séculos, foram mantidos à distância dos olhos e das políticas públicas que dão acesso a direitos fundamentais e essenciais. Segundo ela, a sociedade brasileira é composta por diversas populações e se, individualmente, as pessoas pensarem que uma determinada parte pode evoluir e conseguir acesso e pleno direito à saúde, à educação, ao emprego e à justiça, e o restante se não conseguir, está tudo bem é preciso lembrar que “o restante não é o restante, pois falamos de 56% do povo brasileiro”, completou.

Selma Moreira destacou ainda que aquele encontro fora pensado justamente para construir alianças para que todos os envolvidos ali contribuíssem na consecução da missão do Fundo Baobá, que é exclusivamente fortalecer lideranças, organizações, grupos e coletivos negros. “Vocês já sabiam e hoje puderam ouvir diferentes sujeitos que, juntes, podem fazer mais e melhor”. 

Na sequência, Laura Martini Zellmeister, oficial de Programa da JP Morgan Chase Foundation para a América Latina, assumiu a palavra. Em sua apresentação, destacou que o evento foi de muito aprendizado e trocas. Explicou que, quando se fala de equidade racial, o tema é urgente, uma dívida. 

Ela aproveitou para contar a experiência da J.P. Morgan Chase Foundation que,   embora mantivesse projetos apoiados, com participantes negros, especialmente no campo da empregabilidade, não tinha programas exlcusivamente voltados para eles. “Há três anos, tivemos o olhar para perceber que não é uma questão estratégica, mas estrutural. Então, estabelecemos uma parceria com a Faculdade Zumbi dos Palmares e a Febraban. Foi um programa específico para jovens negros com foco nos setor financeiro e apoio à empregabilidade”, destacou. 

Laura Martini Zellmeister – Global Philanthropy Associate, covering Latin America

Foi tão sob medida, que o processo seletivo foi pensado e desenhado para a(o) jovem negro(a). “Muitos deles, que depois entraram no banco e se tornaram analistas, falaram que se inscreveram no programa porque se sentiram chamados e porque aquele era um espaço para eles”. 

A pauta da equidade racial, segundo Laura Zellmeister, não tem dono. É uma questão coletiva, que precisa envolver organizações do Terceiro Setor, iniciativa privada e governo. “Nesse contexto, demos uma série de passos e agora, mais recentemente, começamos a trabalhar com projetos para olhar resultados de impacto e empregabilidade, com questões como: os jovens negros estão tendo os mesmos resultados e permanência no emprego que os jovens brancos?”, indagou.

Para ela, uma das parcerias mais exitosas, entre todas estabelecidas com a fundação, foi com o Fundo Baobá. Ator de longa data de vários projetos, recebeu aporte do J.P. Morgan em seu fundo patrimonial quando o banco investiu mundialmente depois da morte do americano George Floyd.

“Com a morte de Floyd e a Covid-19 houve um grande impacto e as empresas estabeleceram uma aliança para fazer doações a várias organizações nos Estados Unidos, em outros mercados e no Brasil. Aqui, optamos pelo Fundo Baobá por estar cem por cento focado na questão da equidade racial”, alega. “Para nós, é muito importante saber que esses recursos serão usados por muitos anos para causar impacto na vida de pessoas e organizações.” 

Sua fala foi encerrada com um chamado para que as pessoas unissem talentos, investimentos e tempo, de forma intencional e coordenada, a favor da filantropia para a justiça e a equidade racial. 

Selma Moreira encerrou a mesa agradecendo todas as presenças e participações. Disse estar especialmente feliz e tocada com o diálogo estabelecido ali. “Venho de uma trajetória da iniciativa privada e faço parte do Fundo Baobá desde 2014. Tem sido uma trajetória muito desafiadora. Este é um lugar de muitas conquistas e desafios.” Confirmou que o racismo é um tema difícil para quem é negro e para quem não é. Mas, pretos e pardos, além de acharem o tema difícil, vivem essa realidade em seu dia a dia. Por isso, a importância de construir caminhos. “Vimos, este ano, tanta coisa acontecendo de maneira tão evidente, e não dá mais para fingir que não aconteceu ou não é com a gente.”

Selma explicou que, com essa divisão desigual, não tem economia nem país que se sustente. “A sociedade civil está correndo, as organizações do movimento negro estão correndo, mas a gente não dá conta de cuidar disso tudo sozinho. Precisamos fazer juntos. Acho que é esse o convite. Esse é o chamado: precisamos de aliados”. Por isso, o Fundo Baobá está aberto a discutir, pensar caminhos e construir, junto com parceiros, soluções para a equidade. “Pode ser difícil, mas talvez seja porque nunca foi feito”, argumenta.

A diretora-executiva explicou que vivemos um momento em que a sociedade está acelerada com a Covid-19, a tecnologia e o ritmo rápido de mudanças. “Então, não é possível que a gente siga pensando que as temáticas relacionadas à promoção da equidade racial podem seguir outro modelo. Acho que hoje, aqui, todas as falas evidenciaram essa urgência e como é estratégica para termos um país mais justo e equânime”. Destacou a necessidade de construir alianças. “Hoje me senti parte de uma constelação, vendo e ouvindo essas estrelinhas que são parceiros e estão conosco nesta jornada. E isso já faz desse diálogo um canal de irmandade. Agradeço a todos pelo desejo de mudar este país para todo mundo.”

Diretoras do Fundo Baobá participam de lives sobre justiça social e fortalecimento de redes territoriais

A diretora-executiva do Fundo Baobá para Equidade Racial, Selma Moreira, participou de uma live organizada pelo Citi Brasil e mediada por Andréia Abreu, analista sênior de Projetos e Processos e líder da frente de comunidades – um grupo de afinidade do Citi Brasil voltado para comunidade negra e que tem como objetivo trabalhar as pautas sobre racismo estrutural, concientização da população não negra, além de apoiar a equipe de gestão do Citi nos esforços de recrutamento, bem como o desenvolvimento e retenção dos colaboradores negros. Gabriela Graci e Patrícia Salles, responsáveis por Operações e Comercial Card do Citi, além de madrinhas do Programa Já É – Educação Para Equidade Racial, edital lançado pelo Fundo Baobá e financiado pela Citi Foundation, também integraram a conversa, realizada em 9 de outubro.

Gabriela Graci perguntou sobre a ausência de negros em cargos de chefia. “A educação é apontada como um caminho para construção de uma sociedade melhor e mais inclusiva. Mesmo assim, muitas pesquisas apontam que mesmo negros com qualificação profissional ainda possuem salários menores no mercado formal, como podemos evoluir neste cenário?”, indagou. Para Selma,  esse cenário é reflexo do racismo estrutural. “Há muito o que se fazer, estamos dando ‘passinhos curtos’, mas têm passinhos sendo dados. Não há como pensar o desenvolvimento de uma sociedade e da inclusão sem dialogar a educação, sendo ela de qualidade e inclusiva para todos. O Fundo Baobá promove a equidade racial, e quando falamos sobre equidade, estamos falando de justiça, e não sobre como encontrar novos caminhos mágicos”. 

Segundo a diretora-executiva, promover a equidade racial é uma missão de todos. “O racismo estrutural afeta a nossa constituição e a sociedade, mas, mesmo assim, tem muita gente que diz que não fez parte disso, você pode não ter feito parte objetiva do problema, mas você pode fazer parte da solução, isso que é mais importante. Esse diálogo que estamos fazendo aqui se trata de mover essa forma de pensar, para que a gente construa pontes fortes e conectadas, para pensar em caminhos para o Brasil que permita o desenvolvimento de todas as pessoas de forma igual”. Finaliza.

https://www.youtube.com/watch?v=N5_wfpjbk_0&feature=youtu.be 

Vinte dias depois, foi a vez da diretora de programa do Fundo Baobá, Fernanda Lopes, participar da live Semear Ação da Juventudes, uma iniciativa do Centro de Promoção da Saúde (CEDAPS Brasil), em parceria com o programa Jovens Construtores. O bate-papo abordou ações de promoção de saúde, equidade e fortalecimento de redes territoriais no combate à Covid-19. Quem mediou a conversa foi o assessor de projetos do Jovens Construtores, Hugo Sabino. Além da Fernanda Lopes, participaram membros do programa Jovens Construtores que tiveram as suas iniciativas apoiadas pelo Fundo Baobá no edital de Doações Emergenciais no combate à Covid-19, entre eles: Thalyta Cunha, Juliano Pereira, Pâmella Santos, além de Diego Nóbrega que não pode participar do evento ao vivo, mas enviou um vídeo.

Com a mesa virtual aberta para o bate-papo, Thalyta Cunha, da região de Del Castilho (RJ),  falou da sua iniciativa apoiada, que consistiu na impressão do material pedagógico para as crianças que estavam sem aula, devido à pandemia: “Pensou-se em deixar as crianças em casa, em desenvolver atividades pedagógicas e aulas online, sendo que a gente mora em um país no qual uma entre cada quatro pessoas não têm acesso à internet, isso são 46 milhões de brasileiros, em um país de 209 milhões de habitantes, é muita gente que não tem acesso a informação, e foi pensando em tudo isso que eu tive a ideia de fazer a impressão do material pedagógico, enviado pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, juntamente com a distribuição de kit lanche para essas crianças”. Com o fechamento das escolas, outro problema foi identificado por Thalyta: “As crianças continuaram na rua, sem camisa, descalço e soltando pipa, eu vi crianças brincando na lixeira, foi um trabalho de formiguinha ter que explicar tudo isso, que além da Covid-19 tinha a leptospirose, dengue e muitas outras doenças”. Para Thalyta, o engajamento de uma mãe da comunidade, foi primordial para a divulgação da sua atividade: “Eu não fiz flyer e nem panfletos, a divulgação foi boca a boca, chamei uma das mães, que conhece todo mundo da comunidade, sendo super ativa e engajada, e eu contei do projeto pra ela e pedi segredo, por ser poucas vagas, no dia seguinte tinha mais de 20 pessoas batendo na minha porta”.

Para a jovem, foi gratificante a realização dessa ação: “Eu ouvi relatos de pessoas que estavam gastando cerca de cinquenta reais, imprimindo material da prefeitura e eles disponibilizavam material semanalmente, uma família com cinco crianças não consegue dar conta desse gasto. Eu me senti extremamente abençoada em ver as crianças estudando e ver os agradecimentos dos responsáveis.”

Thalyta reforça a importância de projetos como estes, na construção de uma sociedade melhor: “Eu sou fruto de um projeto assim, e hoje eu me vejo como uma ferramenta, para que essas pessoas passem pela mesma evolução que eu passei”.

Diego Nóbrega, da Cidade de Deus (RJ), trabalhou a comunicação como ferramenta no combate ao coronavírus e principalmente na conscientização dos moradores da comunidade. “O que me incentivou a realizar esse projeto é que o pessoal continuou com aglomerações, barzinhos e festas, colocando a vida de muita gente em risco. Diante disso, coloquei um carro de som para rodar na comunidade durante cinco dias, pedindo para o pessoal se conscientizar e sair de casa somente se fosse necessário. Fiz banners e coloquei nos pontos mais vistos da nossa comunidade. Além disso, foram distribuídas 20 cestas básicas e kits de higiene para 20 famílias mais vulneráveis da nossa comunidade.” Afirma Diego, que realizou um trabalho de pesquisa para saber quais áreas do território necessitavam de mais atenção: “Fui para o lugar mais caótico da comunidade, onde o pessoal mais necessitava, fiz uma pesquisa e dali eu tirei as 20 famílias e fiz a distribuição das cestas básicas e kit higiene”. Para a realização da ação, o jovem estabeleceu parcerias, como, por exemplo, com o CEDAPS, que auxiliou na compra das cestas básicas. “Me senti completamente realizado por estar fazendo algo pela minha comunidade, realmente as pessoas precisavam muito de ajuda”, finaliza Diego 

Trabalhar a comunicação na comunidade também foi o projeto da Pâmella Santos, da região da Pavuna (RJ). Ela e o irmão colocaram uma caixa de perguntas em frente ao portão de casa. “Sob a caixa tinha um cartaz que questionava qual era dúvida deles sobre a doença, e em pouco tempo nós recebemos muitas perguntas. Foram feitos panfletos, com as perguntas que os moradores fizeram e hoje em dia eles ainda estão circulando”. Assim como Diego, Pamella também realizou um trabalho de pesquisa, mapeamento e monitoramento de uma comunidade carente, para realizar entrega de kits de higiene para os moradores: “Eu e mais quatro jovens mapeamos uma comunidade muito vulnerável, dentro do Complexo da Pedreira, que tinha esgoto a céu aberto, e levamos kits de higiene. Mesmo usando máscara, era nítida a felicidade no olhar em receber algo que eles não tinham condições de comprar.”

Para Pamella, havia uma mistura de sentimentos, ao mesmo tempo que existia a alegria de fazer o bem a quem necessita, havia a insatisfação com o poder público diante daquela situação: “A nossa ação coletiva foi muito importante, considerando que político nenhum tinha entrado naquela favelinha, nós fomos os únicos a entrar para levar um pouco de esperança e dignidade para aquelas pessoas”, diz a jovem que relembra que foi alertada por uma moradora, que a atitude dela, e dos jovens que a acompanhava, era de muita coragem, considerando o ambiente vulnerável que eles se encontravam, principalmente em meio à uma pandemia. 

Ainda em sua fala, Pamella ressaltou a importância da ação realizada em rede e de estabelecer parcerias e trabalhar em comunidade: “Somos um fruto daquilo que despertamos em nós mesmos e sabemos que não estamos sozinhos, e não é preciso ser super herói para fazer algo, é preciso buscar ativamente ser uma luz em um mundo cheio de sombras. Aquilo que a gente faz, é aquilo que a gente é, seres de enorme valor, basta apenas a gente escolher a nossa causa pessoal, aquilo que ressoa em nosso coração e na nossa cabeça, para agir. Nós somos a rede, nós somos a referência”.

Fernanda Lopes, explicou sobre a missão e as prioridades do Fundo Baobá para Equidade Racial,  sobre o que foi o edital, teceu comentários sobre cada uma das exposições, e reiterou que são iniciativas como essas que movem o trabalho do Fundo Baobá. “No ano que vem, o Fundo Baobá completa dez anos e eu espero que essa iniciativa que mobilizou cinco participantes do Jovens Construtores possa mobilizar muitos outros jovens para estar conosco”, finalizou.  

Veja a live completa aqui: 

https://www.youtube.com/watch?v=hSD5BvCB7V0&feature=youtu.be 

Fundo Baobá na imprensa em outubro

O principal destaque do Fundo Baobá para Equidade Racial na imprensa no mês de outubro foi o edital de Chamada para Artigos que subsidiem a filantropia para justiça social, com foco na promoção da equidade racial, considerando os impactos da pandemia da Covid-19 para a população negra.

Com as inscrições encerradas no dia 30 de outubro, para figurar como primeiro(a) autor(a) do artigo era necessário ser especialista, mestre ou doutor com produção acadêmica concernente às áreas priorizadas pelo Fundo Baobá, como educação, saúde; população quilombola; juventude negra; racismo religioso; violência de gênero, além de ciência e tecnologia; desenvolvimento econômico; comunicação, arte e memória, violência contra a população LGBTQI+ e violência racial

O Canal Futura, assim como em outros dois editais anteriores, produziu o quadro Minuto Futura dedicado ao novo edital do Fundo Baobá, sendo exibido na TV e nas redes sociais da emissora, na última semana das inscrições.

Os portais negros, como o Alma Preta e Aliança Pró-saúde da População Negra, além de sites de filantropia para justiça social,  como Desabafo Social, Prosas e Fundo Brasil, também divulgaram o edital de Chamada para Artigos.

Tratando-se de um edital voltado para produção acadêmica, o mesmo foi destaque na página oficial do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu da Unicamp e também na página da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, que já havia falado do edital em setembro no seu site oficial.

E portais de notícias do Brasil inteiro, como o Metropolis, O Semanário, Climatempo, Gazeta Brasília, Portal Notícias MG, Capital em Foco, Estado do Paraná, entre outros, falaram do novo edital do Fundo Baobá.

Confira todas as reportagens de outubro sobre o Fundo Baobá:

Metropolis – 01/10     

Jornal O Semanário – 01/10

Climatempo – 01/10

Gazeta Brasília – 01/10

Portal Notícias MG – 01/10

Estado do Paraná – 01/10

Diário do Porto – 01/10

Revista Sampa – 01/10

Capital em Foco – 01/10

Rio das Ostras – 01/10

Alma Preta – 08/10 

Desabafo Social – 08/10 

Aliança Pró-saúde da População Negra – 16/10

Pagu – 17/10

Futura – 29/10

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