Foi também a partir do ativismo negro que um projeto começou com o propósito de unir forças e discutir, entre outros temas, questões relacionadas à mulher negra. A iniciativa pulou rapidamente do campo das ideias para o de realizações para virar uma potência com foco em estimular a educação no campo da justiça. Assim começou a história do grupo Abayomi Juristas Negras, de Pernambuco, há exatamente um ano.

“Inicialmente, nos conhecemos em um evento na OAB Pernambuco no dia da mulher negra em julho de 2019. A professora universitária e procuradora federal Chiara Ramos expôs a vontade de ter amigas negras, pois sempre foi a única nos espaços em que circulava”, relembra Patrícia Oliveira, uma das oito integrantes e diretora. No coletivo, cada uma delas tem uma função específica, como captação de recursos, administração etc.

Chiara montou um grupo em uma rede social e propôs uma reunião em sua casa. Na época, explicou a vontade de criar um quilombo para unir potencialidades. “Ela também falou da dificuldade de ver mulheres negras em espaços na justiça”, relembra Patrícia. Ainda durante a reunião viram como seria importante dar nome e forma ao grupo para debater racismo e outras questões essenciais. O nome Abayomi, o mesmo da boneca, foi sugerido pela também advogada Lígia Verner. À medida que falavam sobre a iniciativa de Chiara Ramos, despertaram o interesse de outras mulheres. “Muitas se identificaram com as pautas discutidas e o grupo cresceu. Em pouco tempo, éramos mais de 30 abayomis”, relembra Débora Gonçalves.

Abayomi Juristas Negras – Pernambuco

Poucos dias depois da criação do coletivo – que tem como propósito o afroempreendedorismo social para combater o racismo estrutural por meio da capacitação e inclusão da população negra em espaços de poder e saber, com foco na ocupação de cargos nos órgãos que compõem o Sistema de Justiça Brasileiro –, surgiu a chance de participar do edital do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, iniciativa do Fundo Baobá em parceria com Instituto Ibirapitanga, Fundação Ford, Open Society Foundations e Fundação Kellogg.

Hoje, elas fazem questão de afirmar que o foco do grupo não é apenas a educação e a tarefa de preparar as mulheres para disputar e conquistar espaços no campo da Justiça, mas cuidar também dos aspectos físicos, emocionais, espirituais e psicológicos de cada uma durante esse percurso. “Nós as ajudamos a entender os desafios que vão enfrentar no campo da Justiça, por exemplo, pois ainda é um espaço muito embranquecido, falamos de feminismo negro e as ajudamos a entender que o nosso lugar, como mulheres negras, é onde quisermos estar”, afirma Sabrina Santos.

No momento, o Coletivo Abayomi atua em três frentes:  Metodologia Abayomi de aprovação em concursos públicos ou Mada (com mentoria, coaching, treinamento estratégico e estudo em grupo afrocentrado), a Metodologia Abayomi de Aprovação na Primeira fase da OAB e Coaching Individual para aprovação.

O método que elas chamam de Mada foi idealizado por Chiara Ramos – ela é conhecida por ter disputado e passado em vários concursos públicos difíceis quando concluía a universidade. Em função disso, criou uma  estratégia de estudo para ajudar outras a conquistarem o mesmo sonho.

Elas não cobram mensalidade por esses programas. Quem pode, contribui com valores entre 100 e 150 reais para viabilizar a participação de mulheres que não têm como custear as despesas de transporte, por exemplo, pois antes da pandemia as reuniões eram presenciais. Hoje, aproximadamente 60% das alunas são bolsistas.

Com a pandemia, a agenda de atividades se ampliou. Agora, via redes sociais  – o que ajudou a aumentar a base de seguidores de 900 para quase 7 mil. “Realizamos uma mentoria com encontros semanais e metas estabelecidas”, explica Débora. “Fazemos também simulados, promovemos debates com juízes e procuradores e publicamos artigos científicos”, confirma Sabrina.

Mas as atividades não param por aí. Além da mentoria de como estudar, as mulheres têm aulas de zumba, reiki, acompanhamento com psicóloga. “Falamos sobre afroempreendedorismo, damos dicas de direito para concursos, exibimos vídeos sobre cultura africana, feminismo negro, motivação”, fala Sabrina. Além de ajudar a mulher negra a fortalecer sua educação para realizar o sonho de ser aprovada em concursos da área jurídica, o objetivo do Coletivo Abayomi é empoderar essa mulher para conquistar seu espaço de direito na sociedade.

A grande dificuldade, agravada pela pandemia, é conseguir patrocinadores que abracem a causa.  “Como não temos fins lucrativos, procuramos quem deseja investir nesse projeto”, conta Débora. Por isso, elas já pensam em implementar em breve algumas mudanças, como oferecer em contrapartida ao dinheiro investido cursos específicos sobre cultura antirracista e direito administrativo, entre outras ideias que são assuntos de conhecimento do grupo de oito advogadas da Abayomi. Em breve, elas também terão aulas de coaching.

“Só o fato de ser um coletivo de mulheres negras já é desafiador porque o sistema de Justiça não está pautado pelas nossas causas nem preocupado com a nossa inclusão”, desabafa Patrícia. Então, são espaços que precisam ser demarcados todos os dias. “Hoje, nós nos desdobramos para estudar e passar em um concurso e, assim, ajudarmos outras a passarem também”, completa Débora.

Ao contrário de pará-las, as dificuldades parecem ser o motor que as impulsiona. Sabrina afirma que, no processo de conhecimento de sua ancestralidade, foi importante aderir à cultura de quilombo das abayomis.  “Quando encontrei essas mulheres, elas me trouxeram toda a potência e o poder que vem do conhecimento da nossa ancestralidade”, afirma.

Por isso, elas insistem que o objetivo é continuar estimulando mulheres que queiram, com sua presença e conquistas, romper com as barreiras impostas pelo racismo. “Ninguém tem o direito de impor crenças que limitem você nem de dizer o que você pode ou não fazer e os espaços que deve ocupar”, desabafa Patrícia. É justamente isso que elas fazem: ajudam as mulheres a descobrir o potencial que cada uma tem.

QUER IMPULSIONAR A CULTURA DE DOAÇÃO?

Doe para o Fundo Baobá para Equidade Racial
Junte-se a nós.
DOE AGORA