Já É: Programa de acesso à educação pública de nível superior começa a dar seus primeiros resultados 

Estudantes negros, negras e negres da periferia de São Paulo foram selecionad@s em 2021. Primeiras aprovações na Unesp, USP e Unicamp já aconteceram 

Por Wagner Prado

Está lá na lista da Unesp (Universidade Estadual Paulista), na da USP (Universidade de São Paulo) e Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) para quem quiser conferir. Os cursos são os de Artes Cênicas (Unesp), Arquitetura e Urbanismo (USP), Letras (USP) e Pedagogia (Unicamp). Os nomes das alunas?: Jakeline Souza Lima, Karina Leal, Larissa Araújo Aniceto e Thais Sousa Silva. Ver nomes em uma lista de aprovação para uma universidade tem um grande significado, principalmente se formos pensar sobre o que está por trás de cada uma dessas aprovações. É possível imaginar algumas coisas como determinação, garra e, acima de tudo, a gana por mudar uma realidade de vida. É sobre isso que vamos falar aqui. A gana pela mudança. 

Larissa Araújo Aniceto, aprovada na FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) da USP

Para que as populações escolares em diferentes faixas etárias possam ter acesso à Educação, o Fundo Baobá promove apoio a esse ideário: 

➤ Enfrentamento ao racismo institucional no ambiente escolar, tanto na educação infantil, no ensino fundamental e no ensino médio

Projetos de vida e ampliação de capacidades socioemocionais entre adolescentes e jovens 

Entrada e permanência no ensino superior (investimentos em alunos, alunas e alunes do ensino médio, em cursos preparatórios e nos primeiros períodos do curso de graduação)

Formação de lideranças 

➤ Formação de novos quadros técnicos com atuação no poder executivo, legislativo, judiciário, em organizações da sociedade civil organizada, no setor privado, instituições multilaterais.

Em fevereiro de 2021, o Fundo Baobá para Equidade Racial, atuando na base de trabalho Educação, lançou o Programa Já É.  Um número de 84 jovens negros, negras e negres, entre 17 e 25 anos, foi selecionado para estudar em um curso preparatório para o vestibular. Além de não terem que pagar as mensalidades, cobertas pelo programa, também receberam vale transporte e vale alimentação, quando as aulas passaram do sistema remoto para o presencial. O Programa Já é, em seu primeiro ano de funcionamento, contou com o apoio da Citi Foundation, Demarest Advogados e Amadi Technology.  

Aprovações em universidades públicas durante o segundo trimestre de 2021 e/ou as diferentes situações familiares, pautadas por dificuldades de várias ordens,  fez com que alguns desses estudantes tivessem que se afastar do Programa. De 84, 75 continuaram matriculados e 69 permaneceram efetivos em todas as atividades, mesmo com o planejamento tendo sido alterado por conta da pandemia.  Sem poder frequentar as aulas presencialmente, alunos, alunas e alunes receberam computadores portáteis e chip telefônico/internet de dados para que pudessem acompanhar as aulas de forma remota. O objetivo do Programa foi fazer com que os jovens com esses perfis alcançassem instituições públicas de ensino, pela qualidade e nível de excelência que as mesmas possuem. Pessoas negras, pobres e de periferia, normalmente, estão alijadas de frequentar esses ambientes de excelência, embora tenham e possuam os mesmos direitos de qualquer outra pessoa em frequentá-los. 

O acesso à Educação no Brasil é balizado pelo poder aquisitivo das pessoas. Quem goza de boa condição financeira vai ter acesso às melhores escolas e, dentro delas, a todas as ferramentas de última geração que as diferenciam: tecnologia, laboratórios, troca de informações com instituições do exterior, intercâmbios. Alunos negros têm consigo a crernça de que por não terem tido acesso a um ensino básico de qualidade, o nível de excelêna das universidades públicas não é para eles. Um Programa como o Já É, além de outras iniciativas negras, surge para derrubar esses muros de separação. Estigmas têm que ser rompidos. 

Estudo e Pobreza

A OSC (Organização da Sociedade Civil) Todos pela Educação divulgou nota na primeira quinzena de fevereiro/2022 sobre a alfabetização de crianças brasileiras de 6 a 7 anos. Se levarmos em conta que a falta de alfabetização na tenra idade será  prejudicial para tentativas de aprendizado no futuro, isso é estarrecedor e limita o futuro de muitos jovens.

Alfabetizar é o objetivo buscado nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental, de acordo com a BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Entre 2019 e 2021, o número de crianças brasileiras entre 6 e 7 anos que não sabem ler e escrever aumentou 66,3%. Para que isso seja melhor compreendido, em 2019 era 1,4 milhão de crianças. Em 2021, houve aumento de 1  milhão e o número de crianças brasileiras entre 6 e 7 anos que não sabem ler subiu para 2,4 milhões. Os dados foram colhidos na última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, que  ainda identificou que entre crianças brancas e pretas/pardas há uma grande diferença na alfabetização. O número de crianças pretas e pardas que não sabiam ler em 2019 era de 28,8% e 28,2%, respectivamente.  Em 2021, o número subiu para 47,4 e 44,5. Entre as crianças brancas, no mesmo período, o número subiu de 20,3% para 35,1%.     

Continuidade

Independentemente do número de aprovações obtidas, o Programa Já É terá continuidade em 2022. As aprovações de 2022 têm e devem ser analisadas pela sua qualidade. Serão espelhos para outros alunos que vierem dispostos a encarar o desafio de alcançar uma instituição pública de ensino superior. 

Resiliência

No início do texto perguntamos sobre o que está por trás de uma aprovação no vestibular. As alunas aprovadas na Unesp e na USP falam sobre o nascer de um sonho, a batalha para se alcançar um objetivo e a emoção da recompensa. 

Quando e como se estabeleceu o seu sonho de chegar à faculdade? Que profissão você pensou em seguir e o que motivou isso? 

Jakeline Souza Lima –   Comecei a sonhar em entrar em uma universidade quando entendi a importância da educação em nossas vidas e que a educação pode ser uma ferramenta de libertação e de luta. Meus pais sempre me incentivaram a estudar, sempre me ajudaram nas lições de casa.  Eu decidi que realmente queria entrar na universidade quando percebi que meus pais já não estavam mais conseguindo me ajudar nos deveres, não por falta de tempo ou vontade, mas porque eles não tinham chegado naquele conteúdo e nem naquela série que eu estava. Ali eu entendi que precisava romper o ciclo de falta de acesso à educação, pois eles sempre precisaram trabalhar desde muito cedo. 

O curso que escolhi foi Licenciatura em Teatro. Eu decidi fazer teatro,  pois  comecei a sentir que todas as minhas opções anteriores não eram o que eu realmente queria e todas tinham algo em comum: uma tentativa inconsciente de me esconder. O teatro surgiu na tentativa de me provar que eu podia estar à frente das coisas, que não precisava me esconder. Fiz curso técnico em teatro na etec de artes e essa experiência só me fez ter certeza de que era isso mesmo que eu queria fazer para minha vida. Foi então que decidi o curso da faculdade. Também escolhi a licenciatura por uma questão de me abrir mais possibilidades de trabalho e porque eu amo muito o fato de poder ser professora e ensinar. Acho que ser professor é um ato artístico e político também.

Larissa Araujo Aniceto – O sonho de chegar à faculdade iniciou com o apoio de familiares, amigos e professores, ao identificar que as oportunidades seriam abrangentes para quando eu iniciasse a graduação. A profissão que seguirei é em Letras para, futuramente, ser professora de Português, porque acredito no poder de transformação da educação para o Brasil. 

Larissa Araújo Aniceto, aprovada na FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) da USP

Karina Leal – Desde pequena fui incentivada aos estudos pelos meus pais, até para diminuir um problema de ansiedade decorrente de uma doença crônica de pele. Então,  a paixão pelo desenho e o esforço me levaram a escolher a  faculdade de Arquitetura e Urbanismo.

Quais as dificuldades para alcançar isso? 

Jakeline – As dificuldades foram ter que lidar com a falta de acesso à educação. Por ter estudado sempre em escola pública, eu  me vi numa defasagem gigante com os conteúdos do vestibular. A questão da pandemia também dificultou muito as aulas on-line, pois na minha casa eu tinha que me dividir em auxiliar meus pais, ajudar nas coisas de casa e estudar. Tinha dias que era bem difícil,  porque eles (meus pais) achavam que por eu estar em casa podia ser solicitada a todo tempo. Então,  foi bem complicado em alguns momentos. E uma das grandes dificuldades foi a persistência. Manter-me confiante durante todo o percurso de estudos,  porque vira e mexe eu sentia que não estava aprendendo nada e que não ia conseguir.  Chorava muito depois das aulas de exatas,  principalmente, porque tenho muita dificuldade e muitas vezes não conseguia entender. 

Larissa – Diversas dificuldades surgiram, tanto no âmbito socioeconômico como na questão de inteligência emocional. Mas todos foram amenizados com a minha rede de apoio.

Karina –  A rotina turbulenta de consultas médicas e os horários de trabalho dos meus pais trouxeram grande empecilho quanto à presença nas aulas. Porém,  essas dificuldades foram superadas pela minha família ter a noção da importância e das consequências positivas da educação.  

Como você chegou ao Já É ou o Já É chegou a você? 

Jakeline –  Uma amiga me indicou o Programa, pois sabia que eu estava querendo muito começar estudar,  mas que não tinha dinheiro para pagar um cursinho. Ela viu no instagram e lembrou de mim. No mesmo instante que ela me enviou a mensagem eu já fui correndo me inscrever.

Larissa – Conheci o Já É por meio de indicação de um colega e o Programa foi essencial para a minha aprovação, pois a equipe do Fundo Baobá é extraordinária e, com diversos incentivos, nos auxiliou a ingressar na universidade pública. 

Karina – O programa Já É chegou até mim por meio de uma prima que estava me ajudando a encontrar uma bolsa em um cursinho, já que procurava uma forma de diminuir o impacto da pandemia no meu ensino.

Karina Leal, aprovada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP

Conte sobre sua emoção ao ver seu nome na lista de aprovação do vestibular? 

Jakeline – Eu fiquei muito emocionada, muito mesmo, principalmente porque além da aprovação eu fui aprovada em 8º lugar. Apesar de ser só um número, significou muito pra mim essa colocação. Também significou muito a minha nota na prova de habilidades, porque apesar de ter uma certa experiência na área eu ainda sou muito insegura e ter a maior nota em habilidades também significou muito para mim enquanto artista.

Larissa – A emoção de ser aprovada no vestibular foi semelhante à de ser aprovada no Já É: muita felicidade e orgulho de toda a trajetória que está sendo construída. 

Karina– Saber que eu fui aprovada no curso desejado e na primeira tentativa de entrar na USP trouxe muita felicidade para mim e para todas as pessoas que me apoiaram nessa jornada árdua, que teve como agravante a pandemia. Porém, com os diversos auxílios da Baobá esse problema conseguiu ser revertido.

O que você espera para seu futuro?

Jakeline – Eu espero aproveitar todas as oportunidades que a universidade me proporcionar. As aulas nem começaram e eu já tenho sentido como a universidade abre um leque gigante de possibilidades. Eu espero criar e estabelecer relações, fazer contatos, aprender muito. Eu espero conseguir fazer intercâmbio por meio da faculdade  e começar a dar aula. Quero muito trabalhar com crianças e adultos. Nossa, eu espero muita coisa. Está sendo um sonho muito grande. 

Larissa – Para o futuro, desejo uma sociedade mais igualitária e que mais jovens possam ter acesso à universidades de excelência, assim como desejo o meu sucesso profissional e realização pessoal como professora de Português.

Karina – Eu desejo que eu continue perseverante e otimista, conseguindo ultrapassar barreiras e consolidar uma boa carreira como arquiteta.

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