Lideranças negras lutam por representatividade e igualdade de gênero na gestão pública

Baobá - Fundo para Equidade Racial

7 de abril de 2021

Apoiadas pelo Fundo Baobá, Monalyza Alves e Clara Marinho lutam para ocupar espaços antes negados às mulheres negras

Por Danielle Souza*

 

Assim como em outros setores da sociedade, as mulheres são sub-representadas na gestão pública. Apesar de serem 52,2% da população brasileira (IBGE) e 52,6% do eleitorado do país, segundo pesquisa realizada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2020, as mulheres ocuparam apenas 11,5% das vagas no Senado; 15% na Câmara de Deputados Federais; e 15,5% nas Assembleias Legislativas Estaduais. Se analisado por uma perspectiva interseccional, as mulheres negras têm ainda mais dificuldades em alcançar posições de liderança e poder: embora representem 28% da população do Brasil; elas são apenas 2,36% do Congresso Nacional, ocupando 14 das 594 vagas somadas entre Câmara e Senado. 

Na contramão a esses dados, lideranças negras como a historiadora e chefe de gabinete da Secretaria Especial de Políticas e Promoção da Mulher – SPM da Prefeitura do Rio de Janeiro, Monalyza Alves (RJ), e a administradora e servidora pública atuante na Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, Clara Marinho (DF), se destacam na luta pela paridade de gênero e pela representatividade negra na gestão pública. Ambas buscam quebrar barreiras e ocupar espaços historicamente negados às mulheres negras. 

Clara Marinho e Monalyza Alves são algumas das lideranças negras contempladas pela 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. Uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations.

Monalyza Ferreira

 

Clara Maria Guimarães

 

Liderança e luta por direitos

Desde que ingressou na carreira pública, a servidora Clara Marinho atuou no desenvolvimento de políticas sociais, tendo acesso a uma formação sobre as questões raciais no espaço burocrático. Também trabalhou na implementação do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que buscava fazer articulação entre a União, estados e municípios e depois passou a atuar como Analista de Planejamento e Orçamento. “Sempre tive interesse em políticas públicas e sociais, em particular, por terem um efeito direto na vida e no usufruto de direitos da população. Hoje, com a minha entrada no Programa Marielle Franco, entendo que tratar de orçamento público e tratar da questão racial são dimensões que se entrecruzaram e se fortaleceram de forma significativa na minha trajetória”, enfatiza. 

Clara afirma ter se inscrito no edital em busca de aprimoramento e conhecimento, propondo um projeto individual para o fortalecimento da sua capacidade de intervenção como servidora pública. “À época eu estava me sentindo muito isolada. A SEPPIR tinha perdido seu status de ministério e eu estava na Secretaria de Orçamento, distante da pauta racial e de gênero. Mas, sentia a necessidade de estudar, aprender, e como a proposta do edital trazia atividades formativas, eu prontamente me interessei”, diz. Além disso, entrar em contato com outras mulheres negras, trocar experiências, ampliar conexões e romper a bolha do isolamento burocrático para desenvolver uma articulação antirracista e antissexista no poder público também foram possibilidades traziadas pelo Fundo através do Programa. 

Para a historiadora Monalyza Alves, sua trajetória como liderança começou ainda na infância, dentro da sala de aula. Com o passar do tempo, suas habilidades foram desenvolvidas e ganharam destaque através da sua atuação no serviço público nas áreas de Direitos Humanos, Igualdade Racial e de Gênero. Destaque para sua participação na implementação de políticas públicas, a exemplo da Casa de Direitos, iniciativa que oferece serviços de acesso à justiça e cidadania para a população em situação de vulnerabilidade socioeconômica do Rio de Janeiro. 

O projeto proposto por Monalyza e contemplado pelo edital do Fundo Baobá foi o “De uma para muitas – Transformação, comunicação e formação em Gestão de Políticas Públicas”, a fim de compartilhar informações básicas sobre gestão pública para iniciantes. “A ideia surgiu da prática profissional, onde lidei com diversas pessoas que não tinham informações sobre a máquina pública, apesar de exercerem cargos nesta”, ressalta. 

 

Atuação na pandemia

Dentre as dificuldades enfrentadas no percurso, as consequências trazidas pela pandemia foram as que demandaram maior esforço. Mãe de duas crianças pequenas, Clara teve que articular as atividades do Programa, o trabalho e a rotina no lar. Ela afirma que ter uma rede de apoio fortalecida em casa foi essencial para que tudo fluísse bem. Alguns cursos planejados também não passaram para a modalidade virtual, necessitando de realocação ao longo do trajeto. Além disso, as atividades do AMMA Psique e Negritude, organização não governamental que atua no enfrentamento dos efeitos psicossociais do racismo e sexismo,  também foram de suma importância para o seu desenvolvimento. “A despeito de todas as necessidades, toda a dor que muitas de nós tivemos e ainda temos com a pandemia, as atividades do AMMA propiciaram o encontro, o fortalecimento e a escuta necessária. Sou muito grata por esse tipo de espaço!”, afirma a liderança. 

Por outro lado, para além do período pandêmico, Monalyza destaca como dificuldade a mudança no cenário político provocada pelas eleições de 2020. “A minha meta de público inicial era trabalhar com lideranças que atuavam no âmbito municipal, mas com as eleições, esse público migrou para outras frentes e assim eu tive que readaptar a dinâmica pensada para o desenvolvimento do projeto”, lembra a historiadora. Ela afirma ainda que hoje compreende a possibilidade de ampliar o raio de pessoas atingidas e impactadas por sua iniciativa. 

 

Objetivos alcançados e planos para o futuro

Com o apoio do Fundo Baobá, Monalyza conseguiu alcançar objetivos ainda maiores. Além de concluir a faculdade de História, ela realizou aulas de inglês e adquiriu equipamentos essenciais para aprimorar a sua atuação, como o notebook. “Vi no Fundo Baobá e no Programa Marielle Franco a oportunidade de crescimento individual, alinhada ao compartilhamento de saberes adquiridos na gestão pública”, afirma. 

Dentre os feitos durante o Programa, Monalyza participou de lives e workshops com instituições como: a Ordem dos Advogados do Brasil, o Instituto de Relações Internacionais da PUC-RJ e a Anistia Internacional seccional Natal (RN). Também desenvolveu pesquisa para a elaboração do material didático a ser disponibilizado no projeto; escreveu sobre a temática em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da graduação; além de observar os desdobramentos das eleições municipais e as dinâmicas subsequentes. “Foi possível constatar a ascensão da perspectiva antirracista ao passo do arrefecimento dos setores da promoção da igualdade racial”, diz.

Os planos para o futuro são ainda mais ambiciosos. Monalyza está disposta a continuar atuando no fortalecimento da política pública através do compartilhamento de informações sobre gestão pública com foco na questão racial e de gênero, a partir de marcos históricos e legais. “Quero continuar sendo reconhecida pelo o que faço e alcançar novos espaços na tomada de decisão, sendo referência na área”, ressalta.

Para a historiadora, o sentimento que se sobressai ao longo do processo é a gratidão. “Eu quero agradecer a empatia do Fundo Baobá e parceiros, cuja sensibilidade me manteve viva e com propósito em 2020. Um pouco antes do lockdown pela pandemia de Covid-19, eu fui demitida, e o que me manteve viva, sã e com propósito, foi a garantia de sobrevivência dada pela bolsa do Fundo Baobá. Serei eternamente grata!”, finaliza Monalyza Alves.

Com Clara Marinho não foi diferente. Um dos seus objetivos principais, e que foi alcançado com sucesso através do Programa, foi consolidar sua posição de liderança no poder público federal, estabelecendo-se como uma ponte para o tratamento de demandas das questões raciais e de gênero que estão no contexto da burocracia. Além disso, o apoio do Fundo Baobá também permitiu que ela fizesse atualizações na sua área de atuação com cursos de gerenciamento de projetos, facilitações, desenvolvimento de habilidades interpessoais e de liderança. Além de, melhorar as suas capacidades de comunicação oral e escrita, tornando a linguagem das suas produções mais acessível ao grande público.

Outras metas alcançadas foram a criação de um canal de diálogo e articulação com outras lideranças, organizações e profissionais do setor público. “O Plano de Desenvolvimento Individual me permitiu amadurecer intelectualmente, ora por meio das atividades formativas oferecidas e contratadas, ora por meio do ambiente de reflexão coletivo criado”, afirma.

Dentre os feitos realizados estão: o curso de escrita criativa; gestão profissional das redes sociais; produção de 3 lives; participações em podcasts; publicação de 3 artigos na coluna “Negras que Movem” no Portal Geledés e de um artigo de opinião no Correio Braziliense; e a apresentação de painel sobre Orçamento e Mulheres Negras no Festival Latinidades. Além disso, também houve a participação em debates, a exemplo dos promovidos pela Comissão de Juristas no Combate ao Racismo Estrutural da Câmara de Deputados; e a realização do estudo dirigido para o TOEFL, teste de proficiência em inglês, que foi uma ferramenta facilitadora de acesso ao Fellowship das Nações Unidas para a Década Afrodescendente, ampliando conexões com uma rede internacional de ativistas. Recentemente, Clara também tem conseguido tocar projetos dentro do setor público com temáticas relacionadas à questão racial e de gênero, sendo alocada numa pesquisa relevante para a população negra que avalia a assistência estudantil no ensino superior e profissional.

Os planos para o futuro também voam alto. Clara recebeu convites para realizar apresentações orais junto ao Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO); aulas agendadas na Unicamp e na Universidade Federal de Alagoas (UFAL); além de textos no portal UOL. Clara também planeja reforçar a sua presença em cursos e seminários voltados para a articulação entre orçamento público e questões de gênero e raça. 

Ao encerrar esse ciclo, Clara Marinho diz sentir-se bastante esperançosa e disposta a fazer muito mais pela sociedade brasileira, por entender que a questão racial é uma questão nacional e que a democracia brasileira depende da cidadania das pessoas negras. “De uma profissional desmotivada e sem saber o que fazer, consegui me afirmar como uma referência no debate sobre orçamento e políticas públicas orientadas para o combate às desigualdades raciais. E isso só foi possível porque houve uma avenida aberta por organizações como o Fundo Baobá e a SEPPIR, que permitiram que o talento pudesse florescer”, conclui a liderança. 

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

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