Nas ruas e nas redes: Marcha das Mulheres Negras de São Paulo segue em passos firmes

Organização apoiada pelo Fundo Baobá precisou se adaptar em meio a pandemia do coronavírus

Por Morgana Damásio*

 

Pela tela do computador, Mara Lúcia da Silva, a Omara, se apresenta. É lésbica, feminista e seus cabelos grisalhos também nos contam sobre os anos na luta antirracista. Mais tarde descubro que ela também carrega o samba no coração. Na janela ao lado, com um sorriso, Eliane Almeida conta que é jornalista, tem 50 anos e é mãe de Isabela, de 20 anos, e de Vitória, de 8 anos. Na sequência, conheço Fernanda Chagas, jovem, socióloga e pesquisadora. Mulheres negras: Omara, Eliane e Fernanda; partilham os passos na Marcha das Mulheres Negras de São Paulo (MMNSP). Juntas, ajudam na construção da organização, de uma maneira horizontal e coletiva com outras mulheres negras. 

“O que tem de maravilhoso dentro da Marcha é a pluralidade” conta Omara. “Existem mulheres que são partidárias, mulheres que não são partidárias, mulheres que estão ali autonomamente, que fazem parte de outros coletivos  e que se somam  para fortalecer. Somos Marcha, mas também somos outras coisas, então somos múltiplas”, completa. Para ela é justamente essa multiplicidade que faz a Marcha ter força e conseguir todos os anos trazer mais gente para continuidade do processo de luta.

A Marcha das Mulheres Negras de São Paulo é uma das sementes da Marcha de Mulheres Negras contra o Racismo, a Violência, e pelo Bem Viver, realizada em novembro de 2015, em Brasília. Um marco histórico, em que mais de 100 mil mulheres negras de todo Brasil ocuparam a Esplanada dos Ministérios, pautando um novo projeto de sociedade para o Brasil. Além de São Paulo, outros estados como a Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e Pará seguiram com ações estaduais. “É um espaço onde nós mulheres negras conseguimos refletir, lutar, pensar na criação de políticas públicas e debater as nossas especificidades a partir da questão racial, que na verdade é a nossa luta desde sempre […] Essa caminhada já vem de muito mais tempo e de uma forma bem descentralizada”, conta Fernanda Chagas.

A MMNSP foi uma das iniciativas apoiadas na 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. Uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations. “Nós mergulhamos, foram dias e dias de reuniões no SESC, café, fala e debate. Foi muito rico esse processo, porque mobilizou nossas mulheres. Só que juntamente com a aprovação do projeto veio o corona, né? Ficamos paralisadas, a gente pensou tudo no físico e tivemos que transformar para o virtual”, explica Fernanda, que também destaca que muitas companheiras não tinham celular ou acesso a internet.

Assim nasceu o “Projeto Aquilombar e Ampliar Universos – formação política para mulheres negras”, que entre março de 2020 e julho de 2021 impulsionou a formação das mulheres do MMNSP para atuação política e compreensão da realidade social. O objetivo do projeto foi fortalecer estratégias de comunicação e ampliar o alcance da luta antirracista para as redes sociais. Foram 12 formações com diferentes temáticas; cerca de 50 atividades relativas ao Julho das Pretas e a Marcha do 25 de julho em 2020 e 2021; além da reativação do site, criação do canal do Youtube e otimização do uso estratégico do Facebook e Instagram. “Acontecia uma formação política e uma técnica, intercaladas, e isso foi de um grau muito enriquecedor. Hoje a gente consegue perceber, inclusive, qual o potencial temos de utilização dessa ferramenta para as próximas marchas”, exemplifica Eliane. Ela pontua que a Marcha entendeu que, apesar da preferência pelo presencial, há a possibilidade de que mulheres que não estejam em São Paulo participem das reuniões por outros canais. Eliane destaca que se apropriar dos conhecimentos técnicos é também uma ferramenta política.

Nas formações, temas como: segurança digital, artivismo, produção de conteúdo para redes sociais, violência política contra mulheres negras e os impactos da pandemia para mulheres negras foram trabalhados. Além dos processos formativos, as mulheres da Marcha seguiram com os outros projetos, articulações políticas e se engajando nas questões trazidas ou agravadas pela pandemia e que afetam, sobretudo, as comunidades negras. Tais como: projeto político e representatividade nas eleições, vacinação, moradia, emprego, genocidio, demarcação de terras quilombolas e indígenas e auxílio emergencial. “Todo dia tem alguma coisa, todo dia é um sete a zero. Nós perdemos algumas companheiras e também tem os meninos que elas deixaram, né? A gente tenta, dentro do possível, também fazer um acompanhamento desses jovens. É correr atrás de  terapia, escola, é muita demanda”, partilha Omara. Ela rememora o quanto a rede de apoio se intensificou entre as mulheres da Marcha durante o período de isolamento social.

 

“Nenhum passo atrás” 

No primeiro ano de experiência do projeto, o Julho das Pretas realizou trinta dias ininterruptos de atividades, alcançando mais de um milhão de pessoas na internet. No dia 25 de Julho foram doze horas de programação aberta online. “ A sobrecarga foi  uma loucura, porque a gente não tinha realmente dimensão dessa coisa, né?”, comenta Omara sobre a adaptação da programação para o espaço virtual.  “ Quando acabou estávamos esgotadas”.

Na edição deste ano de 2021, as mulheres refletiram sobre a sobrecarga e o autocuidado e reduziram a quantidade de ações durante o mês. “A formação sobre autocuidado foi um momento muito importante para nós, de fortalecimento mesmo. Pra que a gente conseguisse ver e entender tudo que estava acontecendo”, comenta.

A marcha virtual, das 16h às 20h, foi mantida. Projeções e faixaços em 5 regiões de SP (capital) e mais 4 cidades paulistas (Santos, Osasco, Santana de Parnaiba e Mauá) foram realizados.

As mulheres da Marcha destacam que a formação sobre planejamento estratégico e governança, oferecidas pelo Baobá, também foram fundamentais para esse realinhamento. A formação trouxe reflexões importantes sobre a missão da organização,  a visão e o planejamento a curto, médio e longo prazo. “ A Marcha cresceu em qualidade e alcance”, finaliza Omara.

Trecho do Manifesto MNNSP

E como fazemos em São Paulo desde 2016, demonstramos nossa indignação e força. Milhares de mulheres negras e indígenas, lésbicas, bissexuais, trans e travestis, quilombolas, ativistas e ciberativistas, jovens, idosas, estudantes, educadoras, donas de casa, militantes, artistas, desempregadas, profissionais liberais, profissionais do sexo, servidoras públicas, comunicadoras, professoras, catadoras de recicláveis, profissionais da saúde, defensoras de direitos humanos, parlamentares, jornalistas, católicas, protestantes, de terreiro, sem religião, com fé na força de cada uma de nós, seguimos avançando e movendo o Brasil pelo Bem Viver.

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

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