O acesso de negros ao ensino superior  e a importância de programas como o Já É

O Fundo Baobá traz uma reflexão sobre o caminho trilhado por jovens estudantes negros, negras e negres até finalmente sua tão sonhada entrada na universidade

Por Gabi Coelho

O acesso de pessoas negras à universidade é um acontecimento recente quando comparado com as demais dificuldades que essa porcentagem da população brasileira enfrenta. Retomando a constante discussão sobre o uso do termo “negro”, cabe destacar que o mesmo é a junção dos grupos autodeclarados pretos e pardos. De acordo com o cientista político Cristiano Rodrigues em entrevista ao jornal Estado de Minas, a adoção do termo possui um caráter sociológico onde as desigualdades sociais e raciais experienciadas por ambos os grupos os aproximariam. 

Hoje, 28 de abril, é o Dia da Educação e é de suma importância falar que, por mais que o total de negros nas universidades tenha crescido nos últimos anos – entre 2010 e 2019 o aumento percentual foi de 400% -, o acesso ainda é desigual levando em consideração a informação de que em torno de 56% do total da população brasileira é composto por negros.  Além disso, conforme a professora e advogada Tainan Maria Guimarães Silva e Silva em seu artigo “O colorismo e suas bases históricas discriminatórias”, o processo de miscigenação forçada que ocorreu no Brasil a partir da colonização e o posterior apoio do Estado a fim de incentivar a vinda de imigrantes europeus para o país com o intuito de promover o “clareamento” da população são exemplos de como os negros sempre foram vistos como indesejados.

Também é importante ressaltar que essa mistura trouxe consequências. As diferenças de tratamento acabaram fragmentando a unidade dentro do grupo racial e, consequentemente, dificultando o reconhecimento da negritude por parte dos sujeitos entendidos como “mestiços”, os pardos, enquanto empurravam os negros de pele retinta para as margens da sociedade: “A valorização do mestiço em detrimento do negro de cor escura, a sua tolerância no ambiente de predominância branca e conservadora e a propagação de que o clareamento poderia melhorar e fazer evoluir a raça negra permanecem até hoje no imaginário social, ainda que disfarçados”, afirma Silva na página 17 do texto citado. 

Baseado nos argumentos da professora e advogada, é possível compreender como o colorismo trata das diferentes tonalidades de pele e como isso é capaz de impactar na autodeclaração dos sujeitos e, por consequência,  nos dados sobre cor/raça do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)  e nas diferentes formas de articulação do movimento negro a fim de fazer com que os negros percebam como o racismo estrutural se articula com o objetivo de promover conflitos entre eles usando de elementos pautados pela discriminação e embranquecimento dos indivíduos de cor de pele não-retinta.

 A Política de Cotas, ou ações afirmativas, trata da Lei nº 12.711, sancionada em agosto de 2012. Foi a partir dela que 50% do total das vagas nas universidades e institutos federais passaram a ser reservadas para alunos oriundos integralmente do sistema público de ensino. Dentro desses 50%, há também “subdivisões”, onde podemos encaixar as vagas destinadas para pretos, pardos e indígenas. Sendo assim, esse sistema foi atrelado ao Sistema de Seleção Unificada (SiSu), um programa governamental já existente desde 2010, cujo intuito inicial era o de reservar vagas para estudantes que realizassem o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2012-2019, 56,2% da população brasileira comporia a categoria de negros (9,4% de pretos e 46,8% de pardos). A partir dessas informações é importante refletir sobre o caminho trilhado por essas pessoas até finalmente sua tão sonhada entrada na universidade, daí a necessidade de projetos como o Programa Já É, do Fundo Baobá para Equidade Racial, que visa promover o acesso de jovens negros, negras e negres ao ensino de nível superior. 

O caminho percorrido por essas pessoas pode ser percebido a partir de diferentes óticas: desde a Educação Básica precarizada, passando por questões familiares que batem à porta devido condições sociais historicamente explicáveis pela ineficiência do Estado em lidar com as consequências da realidade pós-abolição da escravatura, até a realização de um vestibular conteudista, cuja estrutura tradicionalmente acentua a disparidade entre a presença de negros e brancos nas universidades utilizando-se da enorme diferença entre o ensino público e o ensino privado no Brasil.

Enquanto um Programa voltado para auxiliar jovens negros e periféricos a entrarem na universidade através da promoção de um curso pré-vestibular e da concessão de vale-transporte e vale-alimentação após o retorno presencial das aulas, o Já É foi lançado em fevereiro de 2021 e selecionou 85 jovens, dos quais 75 seguiram matriculados e 69 participaram ativamente de todas atividades até  o final de 2021. Além disso, as e os estudantes receberam computadores e chips de internet para que seguissem com os estudos participando das aulas online. Aulas presenciais não estavam acontecendo devido às  limitações impostas pela pandemia da Covid-19. Em seu primeiro ano, o Fundo Baobá para Equidade Racial contou com o apoio de três instituições para a realização do Programa Já É: Citi Foundation, Demarest Advogados e Amadi Technology.  

As ações afirmativas no ensino superior devem ir além das cotas para garantir o acesso, é necessário garantir a permanência. Segundo o site do QueroBolsa, a taxa de evasão no Ensino Superior entre pessoas negras foi de aproximadamente 28% no ano de 2019. Dentre os principais motivos que levam à evasão temos: “(…) turno integral que impossibilita trabalhar, textos em inglês; professores na área de saúde que pedem para alunos comprarem materiais e equipamentos caros; funcionários despreparados para lidar com negros.” Quando falamos sobre permanência e evasão de jovens negros nas universidades, podemos relembrar um dos pilares do Programa Já É: Entrada e permanência no ensino superior (investimentos em alunos, alunas e alunes do ensino médio, em cursos preparatórios para o vestibular e nos primeiros meses do curso de graduação). 

Do grupo de 75 estudantes do Ja é, 24 tiveram sucesso nos vestibulares, o que significa um percentual de aprovação de 32%. A presença de estudantes negros nas universidades brasileiras também irá possibilitar, futuramente, que profissionais da Educação negros adentrem em espaços como esses, visto que a formação de indivíduos negros se faz necessária para que os mesmos sejam profissionalmente qualificados a fim de ocupar os mais diferentes cargos. Sem esquecer de mencionar a importância da universidade em relação à transformação pessoal e profissional a qual esses estudantes estarão sujeitos, dado que o ambiente universitário, além de proporcionar o enriquecimento profissional, também estará possibilitando o estabelecimento de vínculos de amizade e experiências capazes de  transformar a perspectiva desses jovens.

Veja a lista de jovens que ingressaram na universidade com apoio do Programa Já É:

           Aluno/Aluna       Instituição / Curso Modelo
Ana Claudia Rocha de Souza Universidade São Judas / Psicologia                         Privado
Ana Maria Silva Oliveira UNIFESP / Administração                             Público
Anna Beatriz da Silva Garcia SENAC / Fotografia                         Privado
Antonio Gustavo Ribeiro Universidade Santo Amaro / História Privado
Breno Oliveira Ribeiro UNIFESP / Ciências Sociais                         Público
Caroline Vitória R. dos Santos USP / Gestão Pública                         Público
Carlos Eduardo de Castro Cerqueira UFRJ / Administração                             Público 
Isaque Rodrigues de Oliveira Anhembi-Morumbi / Publicidade e Propaganda                             Privado
Jakeline Souza Lima UNESP / Artes  Público 
Joselaine Romão Soares Centro Universitário Cidade Verde / Engenharia de Software                       Privado
Joyce Cristina Nogueira  USP / Lazer e Turismo                              Público
Karina Leal de Souza USP / Arquitetura                            Público
Karine Lopes dos Santos Anhembi-Morumbi / Relações Públicas                      Privado
Larissa Araujo Aniceto USP / Letras Público
Laysa Stefani de Almeida Brito UNIP / Enfermagem                         Privado
Luiz Felipe Motta da Silva Faculdade Americana / Enfermagem                         Privado
Mayza Silva Dias Universidade Santo Amaro / Gestão Hospitalar                       Privado
Melissa de Jesus Calixto Costa Universidade São Judas Tadeu / Direito Privado
Natalia dos Anjos Oliveira FMU / Engenharia Química                         Privado
Nicholas W.Crisólogo. Gonçalves Centro Universitário Ítalo Btasileiro / Educação Física                        Privado
Raphaela dos Santos UNIP ou Estácio / Biomedicina Estético ou Estética e Cosmetologia Privado
Taynara Silva Santos UNIFESP / ABI – Ciências Sociais Público
Thais Sousa Silva USP / Pedagogia                           Público
Vitória Nunes Martins Anhembi-Morumbi / Design Gráfico                       Privado

 

 

 

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