Resultados do Primeiro Ano do Programa Já É superam expectativas

Alunas aprovadas em universidades contam como foi o processo de preparo para o vestibular e a alegria de estar realizando um sonho

Por Ingrid Ferreira

O Programa Já É do Fundo Baobá para Equidade Racial está no seu segundo ano de execução, mas os frutos do primeiro ano continuam a serem colhidos com excelência, a cada dia que se passa, chegam as notícias das (os) alunes que estão sendo aprovades em universidades públicas e particulares, o segundo grupo composto por PROUNIstas, com bolsas de 100% e 50%.

O Programa tem apresentado metas e indicadores surpreendentes, por exemplo, a meta de permanência era de 75%, mas o resultado obtido foi de 88%; a taxa esperada de aprovação era 20%, superando as expectativas, ela foi de 32%; a meta dos alunos aprovados em faculdades privadas via PROUNI ou com bolsa de estudos (integral ou parcial) era de 50%, o que temos é  58% dos aprovados com bolsa que variam de 100 a 50% e de 42% aprovados para universidades públicas.

O Fundo Baobá conversou com alguns alunes para saber como está sendo viver esta realização. Uma das pessoas entrevistadas foi Caroline Vitória Rocha dos Santos, 18 anos, aprovada em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade de São Paulo – USP.

Caroline Vitória Rocha dos Santos

Caroline conta que: “No início dos estudos, a USP não estava dentro dos meus planos, nem passava na minha cabeça colocá-la como uma das opções no SISU. Mas depois de um tempo, com os encontros, mentoria, eu me questionava,  “Mas por que você não pode estar lá?”, “Por que você não pode colocar como uma das suas opções?”, “O que te impede de fazer isso?”, “Se fulano conseguiu, por que você não conseguiria?”’.

Em sua fala, Caroline traz a tona muitas questões sociais que perpassam a realidade de jovens negros e periféricos, em que é possível visualizar a necessidade de reconhecer a USP e outros espaços acadêmicos e de excelência, como aqueles em que pessoas pretas podem e devem estar, ocupando o seu lugar de direito, como estudantes.

A aluna da USP continua a contar a sua história declarando como através de seus questionamentos internos, conseguiu mudar a sua perspectiva sobre si mesma: “Comecei a estudar, fazendo pequenas metas e usando estratégias, percebi que meu desempenho estava melhorando, mas ainda estava insegura e pesquisando outras opções de universidades. Foi quando fiz a prova e infelizmente não consegui alcançar a nota de corte, mas como estava próxima, manifestei interesse no curso de Gestão de Políticas Públicas da USP. A lista de espera saiu, e minha colocação não era tão boa, mas ainda tinha 3 listas de chamada, em meio a isso tudo, consegui um bom desconto no curso da UNIP e escolhi fazer. Depois de 3 semanas, já tinha esquecido das listas de espera da USP. Quando menos esperava recebi um e-mail dizendo “bem-vinda a USP”’.

Além de Caroline, temos diversos outros exemplos que reiteram a importância de oportunidades justas, da valorização dos sonhos e provam a grandiosidade do Programa Já É. A aluna Thais Sousa, de 22 anos, também foi aprovada na USP para cursar Pedagogia e ela conta que sente uma grande felicidade por esse momento e que aprendeu a importância de não desistir dos seus sonhos e metas.

Thais Sousa Silva

Thais conta que seu irmão foi o primeiro da família a ingressar na faculdade, mas que ela é a primeira a entrar numa universidade pública. Ao ser questionada do porque ela escolheu cursar Pedagogia, ela conta que: “Era um sonho de criança e principalmente eu percebi que aprendo ensinando para outra pessoa”.

O processo de aprendizado é contínuo, e em todos os campos ele se faz essencial, como é possível ver na fala da Jakeline Souza Lima, que tem 22 anos e foi aprovada na Unesp (Instituto de Artes), para cursar arte – teatro, e contou que: “O Programa de mentoria agregou muito, principalmente a mentoria coletiva – o Black Coach. Acho que, primeiramente, o fato de ouvir pessoas que passaram pelo mesmo processo que nós, ouvir as dicas que eles tinham para oferecer e também ouvir as pessoas que estavam no processo comigo, foi algo que ajudou muito a não me sentir só e me dar coragem para continuar”. 

Jakeline Souza Lima

Outra entrevistada também foi a Mayza Silva Dias, de 19 anos, que começou a cursar Gestão Hospitalar, na Universidade de Santo Amaro. Mayza conta que, ao escolher a universidade, levou em conta a questão da logística e método de ensinar que a mesma aplica; falou que as mentorias individuais e coletivas trouxeram muita sabedoria e ensinamento para sua vida, agregando conhecimentos que ela nunca tinha visto. Ao ser questionada sobre o atual momento de sua vida, ela fala: “Estou em um momento de mudanças e emoções muito grande, me sinto lisonjeada por tudo isso”.

Mayza Silva Dias

O Programa Já É segue no seu segundo ano de execução e, em breve, muitas outras histórias serão contadas, provando que iniciativas que promovem oportunidades justas reiteram a força e o poder transformador que a educação possui.

Organizações participantes do Vidas Negras: Dignidade e Justiça não se detêm diante de perseguições e desafios

O CEAP, do Rio de Janeiro, e a Associação do Jongo Dito Ribeiro, de Campinas, enfrentam a perseguição religiosa, mas não desistem de seus objetivos de justiça

Por Wagner Prado

Em 2019, levantamento feito pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Especializada) apontou que 222 mil pessoas moravam pelas ruas do Brasil. Em 2021, a população carcerária no Brasil era de 682 mil pessoas, incluindo aí presos provisórios. Ou seja, pessoas presas e não julgadas. Os casos de intolerância religiosa registrados entre janeiro e junho de 2019 pelo disque 100 do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos foi de 354. Dentro desses, as religiões de matriz africana foram as mais atacadas. A insegurança alimentar aumentou de forma mais que significativa no Brasil. A pandemia da Covid-19 agravou esse quadro, mas o processo de crescimento da pobreza alimentar é anterior à pandemia. 

O quadro descrito acima mostra uma sociedade em declínio em vários aspectos sociais. Saúde, Educação e Trabalho que, juntos compõem o tripé da sustentação em qualquer sociedade,  nem foram explorados mas o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em fevereiro de 2022, divulgou que a taxa de desemprego era de 8,8%  atingindo 12 milhões de pessoas. 

Existe urgência no sentido de fazer com que a igualdade seja alcançada de fato e de direito  e provoque um equilíbrio social entre os detentores do poderio econômico e aqueles que não têm acesso aos benefícios que o dinheiro pode trazer. Há muito se fala em uma distribuição de renda mais equânime e sobre o potencial impacto no exercício dos direitos. Mas o jogo político nunca permite que isso aconteça. 

A sociedade civil vem se movimentando  no sentido de provocar o equilíbrio social. Algo que possa gerar uma melhor distribuição de renda, além de um sem número de melhores oportunidades para todos, nos mais diferentes segmentos, orientadas pelos princípios da justiça. Uma movimentação no sentido de fazer com que o fosso de desigualdade  existente entre ricos e pobres não aumente ainda mais. o que tem contribuído para o crescimento de injustiças nos mais diferentes setores. 

Um dos editais do Fundo Baobá para Equidade Racial, o Vidas Negras: Dignidade e Justiça  foi lançado em maio de 2021 em parceria com o Google.org,  destinou R$ 100 mil para 12 organizações, além de investimentos indiretos de treinamento e assessorias técnicas para o fortalecimento institucional. Os projetos inscritos tiveram que versar sobre um desses quatro temas:   a) Enfrentamento à violência racial sistêmica; b) Proteção comunitária e promoção da equidade racial; c) Enfrentamento ao encarceramento em massa entre adultos e jovens negros e redução da idade penal para adolescentes; d) Reparação para vítimas e sobreviventes de injustiças criminais com viés racial. 

A Associação do Jongo Dito Ribeiro, de Campinas, inscreveu o projeto que leva o mesmo nome da Associação, dentro do eixo da “Proteção Comunitária e Promoção da Equidade Racial. Já o CEAP (Centro de Articulação de Populações Marginalizadas), do Rio de Janeiro, trabalha o eixo “Reparação para vítimas e sobreviventes de injustiças criminais com viés racial”.  O CEAP inscreveu o projeto Observatório da Liberdade Religiosa. 

Líder da Associação do Jongo do Dito Ribeiro,  Alessandra Ribeiro Martins, exalta a luta que eles têm enfrentado no caminho da construção de uma rede comunitária para enfrentamento da discriminação racial, de gênero, religiosa e sexual. A união em torno de objetivos comuns, segundo ela, é que trará força às diferentes comunidades. “Nós vimos a necessidade de consolidar uma rede de segurança, proteção, visibilidade e engajamento coletivo em pautas comuns, de forma que possibilite a proteção de nossos territórios, a proteção dessas lideranças e um combate efetivo frente às discriminações, intolerâncias e perseguições. E para isso é necessário pautas comuns e ações que sejam no âmbito das redes sociais, seja no âmbito das intervenções territoriais comuns. Uma pauta comum”, disse. 

Alessandra Martins – Associação Jongo Dito Ribeiro

Para Marcelo Santos, do CEAP, a questão da preservação da cultura negra dentro do ambiente escolar é uma das pautas comuns citadas por Alessandra Ribeiro Martins.  A aceitação por parte dos estudantes negros, negras e negres é boa. O mesmo não se nota entre os alunos não negros. “São percepções que variam de acordo com os territórios  e níveis de maturidade dos alunos, negros e não negros. Para os alunos negros, em geral, a recepção é boa e quase sempre conecta a atenção ao conteúdo. Mas para os alunos não negros a recepção, em geral, é vista como algo supérfluo  em um primeiro momento, mas quando provocados com a metodologia aplicada aos valores civilizatórios africanos e afrobrasileiros, conseguimos incentivar reflexão crítica sobre o racismo estrutural que vivemos”,  afirma.

Marcelo Santos – CEAP

As duas organizações realizam um forte trabalho em defesa das religiões de matriz africana, que sofrem grande perseguição, mesmo no Rio de Janeiro, onde a presença negra é muito forte. “O CEAP defende a liberdade de crença e culto, garantidos na Constituição Federal, mas ainda há sim muita resistência, fundamentada no preconceito racial e influenciada pelo conservadorismo de algumas lideranças religiosas neopentecostais”, revela Marcelo. “Nós sofremos aqui, diretamente em nossa comunidade, um ataque. Porque a nossa casa de cultura é uma casa de cultura de matriz africana que,  para além da manutenção e salvaguarda do Jongo,  temos um terreiro de umbanda,  temos um espaço de exposição da memória do Jongo, falando das diversas comunidades,  e a gente sabe que a gente demarca essa cultura de matriz africana, essa afrodescendência, e sabemos que isso traz uma exposição. Então,  a gente construiu ao longo do nosso trabalho uma rede que já trava a luta frente às discriminações no âmbito da cultura”, afirma Alessandra. 

O ano eleitoral de 2022 e a polarização política têm açodado disputas.  “A polarização política evidenciou o racismo e, consequentemente, a intolerância religiosa. Não sei se o fato incentivou ainda mais o CEAP, mas certamente fez com que pudéssemos adaptar as formas e ações pedagógicas dos nossos projetos”, disse Marcelo Santos. 

Alessandra Ribeiro Martins, da Associação Jongo Dito Ribeiro, destaca que a cidade de Campinas tem o racismo bem evidenciado. “O racismo em Campinas, para além de físico – a gente não vê preto no centro da cidade, parece que não tem preto aqui -, e aí,  quando você vai para as regiões mais periféricas,  você vê uma grande aglutinação. Ele (o racismo)  também tem a ver com território. Existe um lado da cidade que sempre recebeu investimentos, que sempre foi desenvolvido, que sempre teve bons equipamentos, acesso, mobilidade e um outro lado que ficou esquecido. Então, temos tentado junto com outros atores, como assistência social, como a saúde e a própria Secretaria da Educação, levar cultura, mesmo que pontual, nesses territórios. A gente sabe que não daremos conta de unir a cidade em um projeto antirracista, mas a gente sabe que vai dar conta de semear o antirracismo em vários lugares. E é nesse sentido que a gente tem atuado”, afirmou. 

Ambos finalizam falando da importância de estarem parte do grupo contemplado pelo edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça. “Ser acolhido por uma instituição como o Baobá, que mais do que compartilhar um recurso ela nos forma concretamente. Cada relatório que eles mandam a gente revisar, cada pergunta que eles refazem nos ajuda a compreender qual é a lógica desse universo e nos deixa mais fortes também para esse novo momento”, conclui Alessandra Ribeiro Martins. “A importância da nossa seleção se dá na oportunidade de profissionalizarmos alguns serviços de apoio para garantir melhores resultados”, afirma Marcelo Santos.

A costura da sobrevivência

Como comunidades quilombolas estão se movimentando para manter a sua existência por intermédio da manutenção de sua cultura e da sua agricultura

Por Wagner Prado

A cidade de Cristália, em Minas Gerais, e a localidade de Jacarequara, no Pará, estão distantes uma da outra em 2.318 km. Cristália tem 5.760 habitantes, de acordo com o Censo realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2010. Por estimativa, não teria chegado a 6.000 pessoas nos últimos 12 anos. Jacarequara, no município de Santa Luzia do Pará, tem  55 famílias em 2022.  Poucas semelhanças. Mas uma delas aproxima muito as duas localidades: a presença de comunidades quilombolas.

O Brasil tem cerca de 6 mil comunidades quilombolas, conforme dados da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas) e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Mais de 70% delas estão concentradas em quatro estados brasileiros: Maranhão, Minas Gerais, Bahia e Pará. A agricultura e a pecuária são a principal atividade econômica nos quilombos. Além disso, os quilombolas procuram preservar sua cultura por intermédio da oralidade ancestral, ou seja: ouvir os antepassados, aprender com o legado deixado por eles, cultuá-los e disseminar o conhecimento por eles passado. 

Em outubro de 2021, o Fundo Baobá para Equidade Racial lançou, em parceria com a Conaq e tendo apoio da IAF (Inter-american Foundation), o edital Quilombolas em Defesa: Vidas, Direitos e Justiça com o objetivo de apoiar iniciativas de organizações quilombolas na recuperação e sustentabilidade econômica, promoção da soberania e segurança alimentar e defesa dos direitos.   

O edital faz parte das ações da Aliança entre Fundos por Justiça Racial, Social e Ambiental, que reúne o Fundo Baobá, o Fundo Brasil de Direitos Humanos e o Fundo Casa Socioambiental. O Quilombolas em Defesa: Vidas,  Direito e Justiça selecionou 35 organizações para serem apoiadas com R$ 30 mil cada para a realização de atividades e investimentos indiretos por meio de treinamentos, encontros e  assessorias técnicas para o fortalecimento institucional . 

O estado de Minas Gerais, por exemplo, teve cinco projetos selecionados. Um deles, o da Associação da Comunidade Quilombola do Paiol. Os trabalhos ainda estão sendo iniciados, embora o pessoal do Paiol já esteja na estrada de realizações há mais de 10 anos. A ação que será implantada pelas mulheres quilombolas do Paiol é a Costura, atividade que está ligada à história humana desde a era Paleolítica ou era da Pedra Lascada. Isso é muito mais que muito tempo. 

Estabelecer as oficinas de costura vai redundar em movimentação intensa na comunidade. De primeira, terão que ser comprados máquinas de costura, tecidos, agulhas, cadeiras e mesas, entre outros. Os cursos de capacitação em corte e costura serão dados pelas anciãs da comunidade (oralidade ancestral). A elaboração da trajetória produtiva das quilombolas está toda estruturada visando orientação sobre finanças e empreendedorismo para que as costureiras possam ser as gestoras de seus próprios negócios. 

No Pará

O estado do Pará teve um projeto selecionado, o da Associação Quilombola Vida para Sempre Jacarequara, do município de Santa Luzia do Pará. Em mais de 10 anos de existência, a Vida para Sempre vem se dedicando à defesa do patrimônio físico, social e cultural dos quilombolas, em busca da valorização das expressões ancestrais da cultura afro-brasileira e a promoção do uso sustentável e preservação dos recursos naturais, estimulando atividades de manejo e cultivo de práticas agrícolas. 

O projeto inscrito pela Associação Quilombola Vida para Sempre Jacarequara está ligado ao Eixo 2 do edital Quilombolas em Defesa: Vidas, Direitos e Justiça, que versava sobre Promoção da Soberania e Segurança Alimentar nas Comunidades Quilombolas. Ele foi batizado de “Flor da Pedra: práticas agroecológicas e fortalecimento sociocultural”. 

Com a implantação do projeto, que está sendo iniciado e passa a ganhar corpo, a Vida para Sempre pretende implantar tecnologias de sistemas agroflorestais para garantir que a produção agrícola permaneça como fonte de renda para a manutenção econômica e segurança alimentar. 

A forma como isso será alcançado, como bem acontece entre quilombolas, será iniciada pela conversa. Rodas de conversa e cursos formativos relacionados a práticas agrícolas; curso prático sobre plantio; curso sobre identificação e produção de canteiro de mudas de espécies madeireiras e frutíferas; formação de mutirões para a construção de viveiros de mudas, além de capacitação para identificação de áreas que tenham potencial para plantio. 

O Fundo Baobá para Equidade Racial foi buscar as palavras de Anne Karine Pereira Quaresma, líder da Associação da Comunidade Quilombola do Paiol, em Crisália (MG) e de Manoel Venil Barros Nogueira, da Associação Quilombola Vida para Sempre Jacarequara, em Santa Luzia do Pará, para saber como tem sido esse planejamento depois de terem sido selecionados e como isso tem impactado suas comunidades. 

Anne Karine Pereira Quaresma – Associação Quilombola do Paiol
Manoel Barros Nogueira – Associação Vida Para Sempre Jacarequara

Entre os  objetivos de vocês está o desenvolvimento de ações de resgate cultural. Que ações, especificamente, são essas? 

Anne Karine Pereira Quaresma (Comunidade Quilombola do Paiol) – Produção de peças de vestuário que remetam à cultura Quilombola, contendo, por exemplo,  símbolos e frases sobre resistência e resiliência. Promover também momentos de troca de experiência em volta de fogueiras, para que as mulheres engajadas no projeto compartilhem a vivência no processo de corte e costura artesanal. 

A partir do termo “resgate” é possível deduzir que a cultura quilombola está sendo esquecida?

Anne Karine Pereira Quaresma (Comunidade Quilombola do Paiol) – Infelizmente, sim. Muito da nossa cultura tem se perdido com o tempo. 

Vocês falam em “Valorização da identidade dos sujeitos quilombolas”. Essa identidade tem sido desvalorizada de que forma? 

Anne Karine Pereira Quaresma (Comunidade Quilombola do Paiol) – Por um tempo, nós quilombolas da comunidade Paiol fomos vítimas de muito preconceito no município por sermos quilombolas. Por isso,  temos destacado sempre a importância em valorizar nossa identidade. 

O desenvolvimento econômico sustentável vocês vão realizar por intermédio de um programa voltado ao exercício do Corte e Costura.  Quantas pessoas vão trabalhar com isso? Serão apenas mulheres ou homens também estão incluídos? Qual o maquinário e em que quantidade vocês terão que conseguir? 

Anne Karine Pereira Quaresma (Comunidade Quilombola do Paiol) – Nosso projeto foi pensado apenas para mulheres Quilombolas da nossa comunidade. A princípio com a quantidade de 15 mulheres. Para tanto vamos precisar da compra de todo o material necessário para a costura. Como máquina de costura, tecidos, agulhas, tesouras, dentre outros. 

A produção do trabalho de Corte e Costura será comercializada apenas dentro da comunidade ou vocês vão buscar o público externo também?

Anne Karine Pereira Quaresma (Comunidade Quilombola do Paiol) – Vamos buscar um público externo também. Por isso,  parte do recurso será disponibilizado para o marketing e publicações acerca do processo de corte e costura. Para alcançarmos um público maior. 

O aprendizado que vocês estão recebendo dentro da jornada de conhecimento será utilizado como? Já é possível ter uma ideia? 

Anne Karine Pereira Quaresma (Comunidade Quilombola do Paiol) – Todo o aprendizado será utilizado para potencializar as vendas dos produtos. 

Qual a importância de vocês terem sido escolhidos para ser beneficiados pelo edital Quilombolas em Defesa, do Fundo Baobá para Equidade Racial?  

Anne Karine Pereira Quaresma (Comunidade Quilombola do Paiol) – Ter sido escolhido pelo edital foi uma conquista incrível. Este é nosso primeiro projeto aprovado. Sentimos que enquanto Associação estamos no caminho certo na defesa dos direitos do nosso povo e também na busca por melhores condições de vida dos quilombolas a partir do trabalho e da geração de renda.

Há algo que vc gostaria de falar e que não tenha sido perguntado aqui? Se sim, fique à vontade. 

Anne Karine Pereira Quaresma (Comunidade Quilombola do Paiol) – Gostaria apenas de expressar nossa felicidade em poder contar com o apoio de toda a equipe do Baobá. 

A preservação de recursos naturais por meio do manejo e cultivo de práticas agrícolas, florestais, artesanais. Isso está dentro dos conceitos mais modernos sobre preservação ecológica. Por que a natureza é tão importante para os quilombolas? 

Manoel Venil Barros Nogueira (Vida para Sempre): A nossa territorialidade, isto é, a identidade que temos como comunidade quilombola, envolve a relação existente entre nós e com a natureza presente no território da comunidade. Assim, a natureza está envolvida em todo nosso cotidiano e nosso modo de vida, a nossa cultura envolve a natureza. Desse modo, a natureza é essencial para o nosso modo de vida quilombola.

Quando vocês falam em “implantação de tecnologia de sistemas agroflorestais, unindo uma alternativa de fonte rentável para subsistência econômica e segurança alimentar da comunidade”. Em termos práticos, que tecnologia é essa? Qual é alternativa de fonte rentável? 

Manoel Venil Barros Nogueira (Vida para Sempre) –  A Sistema Agroflorestal é uma tecnologia social com grande potencial em aliar conservação ambiental com subsistência e fonte renda para agricultores familiares. É um tecnologia inovadora frente ao modo de produção hegemônico convencional, a exemplo do monocultivo. Esta tecnologia refere-se à transferência de conhecimento e técnicas de cultivos sustentáveis e de base agroecológica, que dialogam com os saberes tradicionais dos agricultores familiares. Esta tecnologia se constitui em um projeto de vida, buscando gerar produção e renda agrícola a partir de cultivos de curto, médio e longo prazos de forma integradas.

O projeto de vocês procura dar mais modernidade aos seus sistemas de produção. É isso? A comunidade está preparada para isso?:  

Manoel Venil Barros Nogueira (Vida para Sempre) – Será um processo de aprendizagem e formação contínua, e no decorrer do desenvolvimento do projeto, os participantes terão oportunidades de unir experiencias anteriores, que tiveram por articulação com o movimento negro estadual e cooperativa de agricultores  do município, com a possibilidade de implementação prática dessa tecnologia social.

O acesso a elementos que fazem parte da chamada vida moderna, como o acesso às mídias digitais, é fundamental hoje para a sobrevivência quilombola?

Manoel Venil Barros Nogueira (Vida para Sempre) –  Sim, as mídias digitais é de fundamental importância, por ser um dos meios que utilizamos em prol de mantermos a comunicação ativa e também de nos oferecer a oportunidade de  participarmos de articulação com outras entidades e movimentos e, também, conseguir financiamentos, como foi o caso deste Edital.

Vocês já conseguiram identificar que tipos de estratégias serão usadas para fortalecer os produtos que são produzidos por vocês. 

Manoel Venil Barros Nogueira (Vida para Sempre) – Esperamos que, com esse projeto, tenhamos a possibilidade que construir estratégias de fortalecimento de nossa produção.

Quão importante é para vocês terem sido beneficiados pelo programa Quilombolas em Defesa, do Fundo Baobá para Equidade Racial? 

Manoel Venil Barros Nogueira (Vida para Sempre) – É de suma importância para o momento atual, pois estamos em processo de fortalecimento de nossa Associação. Assim, o edital possibilita construir estratégias que poderão tornar-se  fonte de renda na  produção agrícola. Mas também no fortalecimento da identidade da comunidade com a importância da Associação como organização coletiva e que luta pela melhoria da comunidade.

Existe algo que não foi perguntado e você gostaria de falar? Se sim, fique à vontade.

Manoel Venil Barros Nogueira (Vida para Sempre) – Uma entidade que fortalece a nossa identidade negra e quilombola possui suma importância para nós. Esperamos que esta parceria com o Fundo Baobá possa render grandes frutos para nossa comunidade.

O acesso de negros ao ensino superior  e a importância de programas como o Já É

O Fundo Baobá traz uma reflexão sobre o caminho trilhado por jovens estudantes negros, negras e negres até finalmente sua tão sonhada entrada na universidade

Por Gabi Coelho

O acesso de pessoas negras à universidade é um acontecimento recente quando comparado com as demais dificuldades que essa porcentagem da população brasileira enfrenta. Retomando a constante discussão sobre o uso do termo “negro”, cabe destacar que o mesmo é a junção dos grupos autodeclarados pretos e pardos. De acordo com o cientista político Cristiano Rodrigues em entrevista ao jornal Estado de Minas, a adoção do termo possui um caráter sociológico onde as desigualdades sociais e raciais experienciadas por ambos os grupos os aproximariam. 

Hoje, 28 de abril, é o Dia da Educação e é de suma importância falar que, por mais que o total de negros nas universidades tenha crescido nos últimos anos – entre 2010 e 2019 o aumento percentual foi de 400% -, o acesso ainda é desigual levando em consideração a informação de que em torno de 56% do total da população brasileira é composto por negros.  Além disso, conforme a professora e advogada Tainan Maria Guimarães Silva e Silva em seu artigo “O colorismo e suas bases históricas discriminatórias”, o processo de miscigenação forçada que ocorreu no Brasil a partir da colonização e o posterior apoio do Estado a fim de incentivar a vinda de imigrantes europeus para o país com o intuito de promover o “clareamento” da população são exemplos de como os negros sempre foram vistos como indesejados.

Também é importante ressaltar que essa mistura trouxe consequências. As diferenças de tratamento acabaram fragmentando a unidade dentro do grupo racial e, consequentemente, dificultando o reconhecimento da negritude por parte dos sujeitos entendidos como “mestiços”, os pardos, enquanto empurravam os negros de pele retinta para as margens da sociedade: “A valorização do mestiço em detrimento do negro de cor escura, a sua tolerância no ambiente de predominância branca e conservadora e a propagação de que o clareamento poderia melhorar e fazer evoluir a raça negra permanecem até hoje no imaginário social, ainda que disfarçados”, afirma Silva na página 17 do texto citado. 

Baseado nos argumentos da professora e advogada, é possível compreender como o colorismo trata das diferentes tonalidades de pele e como isso é capaz de impactar na autodeclaração dos sujeitos e, por consequência,  nos dados sobre cor/raça do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)  e nas diferentes formas de articulação do movimento negro a fim de fazer com que os negros percebam como o racismo estrutural se articula com o objetivo de promover conflitos entre eles usando de elementos pautados pela discriminação e embranquecimento dos indivíduos de cor de pele não-retinta.

 A Política de Cotas, ou ações afirmativas, trata da Lei nº 12.711, sancionada em agosto de 2012. Foi a partir dela que 50% do total das vagas nas universidades e institutos federais passaram a ser reservadas para alunos oriundos integralmente do sistema público de ensino. Dentro desses 50%, há também “subdivisões”, onde podemos encaixar as vagas destinadas para pretos, pardos e indígenas. Sendo assim, esse sistema foi atrelado ao Sistema de Seleção Unificada (SiSu), um programa governamental já existente desde 2010, cujo intuito inicial era o de reservar vagas para estudantes que realizassem o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2012-2019, 56,2% da população brasileira comporia a categoria de negros (9,4% de pretos e 46,8% de pardos). A partir dessas informações é importante refletir sobre o caminho trilhado por essas pessoas até finalmente sua tão sonhada entrada na universidade, daí a necessidade de projetos como o Programa Já É, do Fundo Baobá para Equidade Racial, que visa promover o acesso de jovens negros, negras e negres ao ensino de nível superior. 

O caminho percorrido por essas pessoas pode ser percebido a partir de diferentes óticas: desde a Educação Básica precarizada, passando por questões familiares que batem à porta devido condições sociais historicamente explicáveis pela ineficiência do Estado em lidar com as consequências da realidade pós-abolição da escravatura, até a realização de um vestibular conteudista, cuja estrutura tradicionalmente acentua a disparidade entre a presença de negros e brancos nas universidades utilizando-se da enorme diferença entre o ensino público e o ensino privado no Brasil.

Enquanto um Programa voltado para auxiliar jovens negros e periféricos a entrarem na universidade através da promoção de um curso pré-vestibular e da concessão de vale-transporte e vale-alimentação após o retorno presencial das aulas, o Já É foi lançado em fevereiro de 2021 e selecionou 85 jovens, dos quais 75 seguiram matriculados e 69 participaram ativamente de todas atividades até  o final de 2021. Além disso, as e os estudantes receberam computadores e chips de internet para que seguissem com os estudos participando das aulas online. Aulas presenciais não estavam acontecendo devido às  limitações impostas pela pandemia da Covid-19. Em seu primeiro ano, o Fundo Baobá para Equidade Racial contou com o apoio de três instituições para a realização do Programa Já É: Citi Foundation, Demarest Advogados e Amadi Technology.  

As ações afirmativas no ensino superior devem ir além das cotas para garantir o acesso, é necessário garantir a permanência. Segundo o site do QueroBolsa, a taxa de evasão no Ensino Superior entre pessoas negras foi de aproximadamente 28% no ano de 2019. Dentre os principais motivos que levam à evasão temos: “(…) turno integral que impossibilita trabalhar, textos em inglês; professores na área de saúde que pedem para alunos comprarem materiais e equipamentos caros; funcionários despreparados para lidar com negros.” Quando falamos sobre permanência e evasão de jovens negros nas universidades, podemos relembrar um dos pilares do Programa Já É: Entrada e permanência no ensino superior (investimentos em alunos, alunas e alunes do ensino médio, em cursos preparatórios para o vestibular e nos primeiros meses do curso de graduação). 

Do grupo de 75 estudantes do Ja é, 24 tiveram sucesso nos vestibulares, o que significa um percentual de aprovação de 32%. A presença de estudantes negros nas universidades brasileiras também irá possibilitar, futuramente, que profissionais da Educação negros adentrem em espaços como esses, visto que a formação de indivíduos negros se faz necessária para que os mesmos sejam profissionalmente qualificados a fim de ocupar os mais diferentes cargos. Sem esquecer de mencionar a importância da universidade em relação à transformação pessoal e profissional a qual esses estudantes estarão sujeitos, dado que o ambiente universitário, além de proporcionar o enriquecimento profissional, também estará possibilitando o estabelecimento de vínculos de amizade e experiências capazes de  transformar a perspectiva desses jovens.

Veja a lista de jovens que ingressaram na universidade com apoio do Programa Já É:

           Aluno/Aluna       Instituição / Curso Modelo
Ana Claudia Rocha de Souza Universidade São Judas / Psicologia                         Privado
Ana Maria Silva Oliveira UNIFESP / Administração                             Público
Anna Beatriz da Silva Garcia SENAC / Fotografia                         Privado
Antonio Gustavo Ribeiro Universidade Santo Amaro / História Privado
Breno Oliveira Ribeiro UNIFESP / Ciências Sociais                         Público
Caroline Vitória R. dos Santos USP / Gestão Pública                         Público
Carlos Eduardo de Castro Cerqueira UFRJ / Administração                             Público 
Isaque Rodrigues de Oliveira Anhembi-Morumbi / Publicidade e Propaganda                             Privado
Jakeline Souza Lima UNESP / Artes  Público 
Joselaine Romão Soares Centro Universitário Cidade Verde / Engenharia de Software                       Privado
Joyce Cristina Nogueira  USP / Lazer e Turismo                              Público
Karina Leal de Souza USP / Arquitetura                            Público
Karine Lopes dos Santos Anhembi-Morumbi / Relações Públicas                      Privado
Larissa Araujo Aniceto USP / Letras Público
Laysa Stefani de Almeida Brito UNIP / Enfermagem                         Privado
Luiz Felipe Motta da Silva Faculdade Americana / Enfermagem                         Privado
Mayza Silva Dias Universidade Santo Amaro / Gestão Hospitalar                       Privado
Melissa de Jesus Calixto Costa Universidade São Judas Tadeu / Direito Privado
Natalia dos Anjos Oliveira FMU / Engenharia Química                         Privado
Nicholas W.Crisólogo. Gonçalves Centro Universitário Ítalo Btasileiro / Educação Física                        Privado
Raphaela dos Santos UNIP ou Estácio / Biomedicina Estético ou Estética e Cosmetologia Privado
Taynara Silva Santos UNIFESP / ABI – Ciências Sociais Público
Thais Sousa Silva USP / Pedagogia                           Público
Vitória Nunes Martins Anhembi-Morumbi / Design Gráfico                       Privado