População negra está, sim, entre as principais vítimas do novo coronavírus

Zélia Profeta, diretora da Fiocruz Minas, falou sobre a pandemia para o Boletim do Fundo Baobá. Formada em farmácia pela Universidade Federal de Minas Gerais, ela é mestre em Biologia Celular e Molecular pela Fundação Oswaldo Cruz e doutora em Parasitologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Nesta entrevista, Zélia explica a necessidade do Brasil investir em ciência, fala da situação dos negros no país e enumera as lições que a doença vai deixar. Acompanhe:

* Toda doença traz aprendizados. Na sua opinião, qual a grande lição que essa pandemia vai deixar como legado?
Acho que um dos aprendizados é ter mais fortalecido, por toda a sociedade, o entendimento da importância das políticas públicas para a população, especialmente para as pessoas que mais precisam, garantidas por um Estado forte. Além disso, espero que também saiamos dessa pandemia entendendo a importância de termos mais investimentos para a ciência, para a indústria nacional de medicamentos, insumos para vacinas, testes, diagnóstico, instrumentos hospitalares etc. Outro legado importante é o entendimento da importância de cidades com mais infraestrutura, saneamento; cidades melhor planejadas para que as pessoas possam ter vida digna. E entendermos que não se pode economizar na saúde. O  financiamento do SUS é fundamental para a sua consolidação e para fortalecimento do acesso. Fico pensando ainda que um dos legados que essa pandemia poderia nos deixar é o de nos organizarmos para lutar pela revogação da EC-95 ( Emenda Constitucional número 95, já aprovada pelo Congresso Nacional, que prevê congelamento de gastos. Com isso, os investimentos em saúde e educação podem ficar congelados por mais seis anos).

Zélia Profeta (Diretora da Fiocruz Minas)

* Dados do Ministério da Saúde mostram que 1 a cada 3 negros morrem por Covid-19. Por que o coronavírus é mais letal entre os negros? E o que efetivamente essa pandemia nos mostra com relação aos negros?
No Brasil, os negros são a maioria da população. São também a maioria dos que não têm emprego ou estão em situação de subocupação. A maior parte dos negros está entre as vítimas de homicídio no país e quando falamos de população carcerária os negros são a maior parte. Os negros também são os que mais sofrem com a informalidade, que vem crescendo no Brasil, nos últimos anos. Dizem que o vírus é democrático porque infecta qualquer pessoa. Mas o que estamos vendo é que as populações mais vulneráveis, que vivem em locais mais adensados, mais pobres e sem infraestrutura é que vão ficar mais doentes. Além disso, essas populações mais vulnerabilizadas possuem mais comorbidades que vão favorecer a maior letalidade.

* Muitos profissionais e pesquisadores da saúde defendem a atuação do agente de saúde, alegando que, por conhecer a comunidade e estar na linha de frente, pode identificar potenciais vítimas do vírus para evitar que aumentem as estatísticas. A senhora concorda com essa visão? 
Sim, concordo. Os agentes de saúde fazem parte da atenção básica. Conhecem a população, acompanham os pacientes. São fundamentais no território. Estão em contato permanente com as famílias, desenvolvem ações educativas para promoção da saúde e prevenção das doenças. Mantém informada a equipe de saúde, principalmente a respeito das situações de risco.  Portanto, podem ajudar muito!  Mas, claro, numa situação como a que estamos vivendo (na verdade, em qualquer situação) é fundamental que os agentes trabalhem com todos os cuidados de proteção para também não adoecerem.

*  A campanha “Se liga no corona” nasceu da necessidade de informar e, assim, tentar reduzir a velocidade de avanço do vírus nas comunidades e periferias?
A Fiocruz está fazendo uma série de ações para enfrentar essa pandemia, como, por exemplo, produção de kits para o diagnóstico, assistência, pesquisas e muito material informativo que é fundamental para esclarecer toda a sociedade. O Se liga no Corona é, sim, voltado para as comunidades e periferias para ajudar no enfrentamento da Covid-19 e tentar reduzir a velocidade de transmissão do vírus.

* Pela sua experiência,  a senhora acredita que ações coordenadas de comunicar e informar, em que conseguimos unir conhecimento (corpo técnico) e disposição (comunidade), são a alternativa para tentar reduzir o avanço da doença?
Acho que essa é uma importante ação e que as ações neste enfrentamento do vírus devem ser coordenadas na perspectiva de unir informação e disposição para tentar reduzir o avanço da doença. Acho, sim, que esta campanha vai propiciar uma boa interação entre nós, que somos profissionais da Fiocruz, com as comunidades nos diferentes estados. É fundamental estar atento e fazer chegar a informação correta nos diferentes territórios. O Brasil é um país muito grande, com muitas diferenças nos seus territórios e é um país muito desigual. Como diz a nossa presidente Nísia Trindade Lima, com todos os esforços que a Fiocruz vem fazendo nós esperamos cumprir o papel da instituição que vem sendo desempenhado há 120 anos: o de promover a saúde pública para toda população.

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