Portal Blogueiras Negras se reinventa para contar as histórias das mulheres negras

O grupo, que há 9 anos ocupa a internet com narrativas de mulheres negras, ganhou fôlego com o Programa de Aceleração de Lideranças Femininas Negras do Fundo Baobá

Por Giovane Alcântara*

 

Mesmo com dados evidenciando que as pessoas negras são a maioria no país, ainda pouco se vê desse grupo ocupando espaço nas mídias tradicionais, nas redações e nas TV’s. Isso porque estruturalmente a comunicação é dominada por grandes empresas, grupos e famílias brancas. Pensar na democratização, no acesso e em outras narrativas é uma tarefa histórica dos movimentos negros. 

O lançamento do pasquim que oficialmente deu origem à imprensa negra, “O Homem de Côr” (1883), inicia uma história que, apesar de invisibilizada, se confunde com a história da mídia brasileira.  Nos dias atuais muitas redes desenvolvem um trabalho pautado em visibilizar narrativas negras e dialogar a partir de um outro lugar, vestindo a bandeira do que é, e  sempre foi, muito caro no debate sobre raça, gênero e sexualidades. Redes como Revista Afirmativa, Negrê, Correio Nagô, Geledés, Alma Preta, Blogueiras Negras, Notícia Preta, Portal Mundo Negro, dentre outras, vem abrindo caminhos para novas perspectivas dentro da comunicação nacional.

Atualmente, como ao longo da história, essas mídias encontram diversos problemas para a sua manutenção e sustentabilidade. Como afirma Larissa Santiago, representante do portal Blogueiras Negras: “eu também acredito que, para as mídias contra-hegemônicas, é necessário haver investimento financeiro. A gente precisa ganhar dinheiro pelo trabalho que a gente faz. Esse reconhecimento precisa vir também financeiramente, mas não só”. A blogueira negra acredita que é preciso que o trabalho das pessoas negras comunicadoras precisa ser reconhecido também entre os seus pares e que é preciso criar redes. “Eu acho que é muito importante que os movimentos sociais e os movimentos negros, os quais caminham aí do lado das mídias negras, estejam atentos a esse processo e que a gente se retroalimente né?! Nós, as mídias, criando conteúdo para os movimentos, os movimentos criando conteúdo para as mídias negras”, defende.

O Blogueiras Negras, da qual Larissa é integrante, é uma das contempladas na 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations.  

Essas mídias negras, alternativas, comunitárias, disseminam e amplificam outras vozes se relacionando com os movimentos sociais e os tempos históricos instituídos. São herança de um passado não tão distante, e muito presente. 

 

Outras vozes: Blogueiras Negras

Criado em 2012, o Blogueiras Negras surge de uma provocação “Onde estavam as blogueiras negras brasileiras?”. Reunidas em novembro daquele ano, as mulheres a partir de uma blogagem coletiva, desenvolveram textos sobre a relação interseccional entre raça e gênero, levando em consideração duas datas importantes do calendário brasileiro: o 20 de novembro (Dia da Consciência Negra) e o 25 de novembro (Dia Internacional de Combate à Violência contra as Mulheres).

A princípio o projeto tinha como objetivo amplificar as vozes de mulheres negras, mas essa missão mudou. Segundo Viviane Gomes, coordenadora do Blogueiras Negras, atualmente a organização quer inspirar mulheres negras a contarem suas próprias histórias na internet. “Veja que a missão muda um pouquinho, porque a gente entendeu que dar visibilidade a gente já conseguiu fazer. Então, a gente quer inspirar outras mulheres a continuarem contando suas histórias na internet”, afirma.
O apoio do Programa de Aceleração de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco permitiu a continuidade do projeto, mas não era esse o principal objetivo da comunidade de autoras que compõem o Blogueiras Negras. 

 

Legado e continuidade

O principal objetivo da comunidade de autoras do Blogueiras Negras, com o apoio do Fundo Baobá, era estruturar um planejamento estratégico da organização. A ideia era pensar e viabilizar, primordialmente, a preservação e a memória dos textos que já estavam publicados. Até então, a intenção era o encerramento do projeto. Ainda de acordo com Viviane Gomes, o projeto permaneceu no ar porque elas compreenderam que ele não era apenas mais delas e representavam uma outra cadeia produtiva de mulheres e da sociedade em geral. “A gente compreendeu também que esse projeto não era mais só nosso, não era só das pessoas que cuidavam dele diretamente, imagina se a gente tirar [do ar]. A gente é referência de pesquisa acadêmica também, se a gente retira esse blog do ar a gente também retira esses textos do ar. Entendemos que o projeto não era mais nosso, o projeto era da comunidade que fazia ele”, afirma. 

Nesse sentido, o Fundo Baobá foi fundamental para a continuidade do Blogueiras Negras, no que tange estruturar um ambiente mais seguro para a comunidade de autoras e do próprio blog. “Até pra ele ser deixado sem atualização precisa de uma estrutura. Não apenas para a sua manutenção e disponibilização em local seguro. Mas, a gente decidiu, também, que nós deveríamos atualizar essa missão inspirando outras mulheres negras a contar suas próprias histórias na internet. Continuando esse legado, deixando esse legado para as futuras gerações”, complementa. 


Pandemia e planos

A pandemia de covid-19 pegou todo mundo de surpresa e com as lideranças do Blogueiras Negras não foi diferente. Durante esse período, alguns planos tiveram que ser alterados: “A gente transformou muito o projeto com a chegada da covid-19. Tínhamos 100% das atividades presenciais, encontros planejados, milhares de atividades que seriam presenciais”, comenta Larissa. Ela afirma que as blogueiras negras já vislumbravam em fevereiro os indícios de um momento bastante duro no Brasil. “E nesse percurso, de 2020 pra cá, nós tivemos perdas irreparáveis. Nós tivemos mortes de familiares dentro do grupo, tinham as pessoas doentes dentro do grupo. Nós também adoecemos nesse processo, mentalmente, fisicamente… Então isso tudo dificultou a execução 100%, mas nós fomos capazes de produzir as coisas que a gente se comprometeu” relata Larissa.

Viviane diz que esse adoecimento foi o estopim para que as autoras envolvidas no projeto procurassem ajuda psicológica. “Esse tempo teve um preço muito alto pra nossa saúde mental porque a gente trabalhou o triplo. Quando você tem poucas pessoas e uma delas não consegue fazer as coisas, é óbvio que as outras ficam sobrecarregadas. E é óbvio que algumas coisas podem sair do lugar nesse processo e saíram, a gente simplesmente paralisou”, comenta. Viviane aponta que, apesar de iniciar as atividades propostas e de já ter feito o planejamento estratégico, havia uma dificuldade em converter isso nos produtos que elas queriam. 

A coordenadora ainda nos revelou que o fato de não ter conseguido levar o número de pensadoras, autoras, que haviam pensado para o planejamento estratégico, fez  sobrar recurso que foi investido em terapia. “E a gente finalmente teve a coragem de pedir ajuda. Hoje a gente faz um acompanhamento com a Amma Psique, com a Lucinha, Maria Lúcia da Silva. Conseguimos concretizar, finalizar os objetivos, e tá conseguindo também trabalhar questões que são muito específicas da população negra no que se refere ao trabalho, ao sucesso, ao nosso desenvolvimento intelectual. Coisas que a gente encolhia, não trabalhava e não pensava”.

 

Efeito Multiplicador

O financiamento do Fundo Baobá foi importante para o Blogueiras Negras porque permitiu a continuidade, o acesso e a multiplicação dos conhecimentos adquiridos. Além da sistematização de planejamento estratégico da instituição. Desses encontros nasce uma cartilha (ainda em fase de conclusão) que ajudará outras instituições a se organizarem. Como afirma Ana Mesquita, responsável pelo desenvolvimento do planejamento estratégico: “Uma das qualidades desse projeto foi ter pensado que essas oficinas não iriam ficar somente internas para Blogueiras. A sistematização é justamente para se criar uma publicação e para que essa publicação seja uma multiplicadora dos conhecimentos adquiridos ao longo do processo de formação e do processo de planejamento”.
Mesquita, que é especialista em planejamento e gestão territorial, afirma que não se recorda de uma publicação desse formato para área de comunicação com foco em organizações sociais pequenas. “Então eu acho que vai ser um documento muito inédito. Porque esses processos de planejamento estratégico são muito caros, né? Eles são caros e eles têm uma elite que domina esses conhecimentos e as populações negras de baixa renda, periféricas, indígenas, não têm acesso ao conhecimento”, afirma. Ana diz ainda que  esse conhecimento é importante para, por exemplo, pleitear verbas públicas, conseguir financiamentos e se posicionar frente a outras organizações. “Quando você cria uma cartilha para multiplicar esses conhecimentos, você amplia o escopo de atuação daquela organização para outras organizações que vai ter contato com a cartilha”, finaliza.

Ainda não há data marcada para o lançamento da publicação, mas grupos, coletivos e organizações sociais da comunicação de todo país podem esperar que vem coisa boa por aí!

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

QUER IMPULSIONAR A CULTURA DE DOAÇÃO?

Doe para o Fundo Baobá para Equidade Racial
Junte-se a nós.
DOE AGORA