Mães que choram

Hipertensão, infarto e depressão são algumas das doenças que atingem as mulheres que perdem os filhos para a violência

Maio é considerado simbolicamente o “mês das mães”, em virtude da festividade celebrada na segunda semana. Entretanto, no Brasil, nem todas as mães têm motivos para comemorar. A morte do jovem João Pedro Mattos Pinto, no dia 18 de maio de 2020, enquanto brincava dentro de sua casa no bairro de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, é apenas mais um caso de um fenômeno que já começa a ser estudado: as maternidades interrompidas pela violência. 

Jornalista e mestre em Direitos Humanos e Cidadania pela Universidade de Brasília (UnB), Maíra Brito lançou em 2018 o livro “Não. Ele Não Está” (Appris Editora), que denuncia justamente o extermínio da juventude negra no Brasil. “Este livro nasce da angústia e da indignação. Em 2015, 31.264 jovens entre 15 e 29 anos foram vítimas de homicídios no Brasil. Se contabilizarmos o número de mortos entre 2005 e 2015, encontramos o assustador dado de 318 mil jovens assassinados. Os números ficam ainda mais preocupantes quando desagregados por sexo, idade e  raça. Em 2015, 47,8% dos mortos foram homens jovens e, em um intervalo de 10 anos, a taxa de homicídio de negros (pretos e pardos) cresceu 18,2%, enquanto a taxa entre não negros caiu 12,2%.” 

Maíra Brito, Jornalista e mestre em Direitos Humanos e Cidadania pela Universidade de Brasília

Todos esses números apresentados por Maíra são do Mapa da Violência. Porém, o livro traz a sensibilidade de apresentar esses dados e contar essas histórias sob a ótica de quem ficou. “Interessa saber quem são as mães que estão vendo as vidas de seus filhos abreviadas precocemente e de maneira tão violenta, e quais são as percepções delas sobre a influência da raça, do gênero e da classe nessas mortes”. O título do livro, “Não. Ele Não Está”, segundo a autora, “é uma nítida referência à ausência desses jovens em casa, em suas famílias, em suas redes de amigos, no mercado de trabalho e na produção de cultura e de conhecimento.”

Para produzir o livro, Maíra deixou Brasília, sua cidade, rumo ao Rio de Janeiro para encontrá-las. “O primeiro contato com as mães entrevistadas aconteceu por meio da internet. Eu expliquei a pesquisa, elas toparam falar”. A autora também afirma a importância de ouvir essas mulheres, dentro desse contexto. “Acho importante destacar que essas mães aceitaram falar comigo porque acreditaram que meu trabalho seria uma espécie de alto-falante para a luta delas por memória e justiça. Em nenhum momento, eu ‘dou voz’ a essas mulheres. Minha dissertação e meu livro propagam o que elas estão dizendo, mas que nem sempre chega a todos ambientes, como o mundo acadêmico.”

Outra obra que relata o sofrimento das mães que perderam os seus filhos jovens é o documentário “Nossos Mortos Têm Voz”, com a direção de Fernando Souza e Gabriel Barbosa. Lançado em 2018, o filme traz o cotidiano e a luta de mães da Baixada Fluminense (RJ), que sentem saudades dos filhos que foram precocemente arrancados de seus braços. É o caso de Luciene Silva, que teve o seu filho Rafael Silva assassinado na chacina na Baixada Fluminense, ocorrida em 2005, vitimando 29 pessoas. 

Cena do Filme “Os Nossos Mortos Têm Voz” (2018)

“Quando eu enterrei o Rafael, eu fiz a promessa pra ele que eu nunca iria deixar que ninguém esquecesse o que tinha acontecido naquele dia”. A fala de Luciene demonstra nitidamente a sede de justiça e o sentimento de indignação que move essas mulheres. É também o caso de Nívia do Carmo Raposo, outra entrevistada do filme, que teve o filho morto com um tiro nas costas em Nova Iguaçu. “As pessoas acham que eu sou forte, é horrível o que eu vou dizer, mas tem dias que o ódio é mais forte que a minha dor.”

Mortes pelo país Em São Paulo, a letalidade de jovens negros assusta. Segundos dados do portal Dados do Portal da Transparência da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP), referente ao ano de 2018, a cada 10 pessoas mortas pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, seis eram negras (pretas ou pardas). No ano de 2017, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou um estudo referente a idade dos mortos pela PM em São Paulo e concluiu que pessoas com faixa etária entre 19 e 24 anos representavam a maioria das mortes com 40,3%, seguido de jovens entre 14 a 18 anos com 24,9%. 

As mortes surpreendem também em outras áreas do país, como nas regiões Norte e Nordeste. O estudo feito pelo Atlas da Violência, em 2019, mostra que entre 2016 e 2017 a taxa de homicídio de negros tinha aumentado 333% no estado do Rio Grande do Norte e 277% no Acre. Entretanto, o recorde de desigualdade fica para o estado de Alagoas, local que outrora foi fundado o Quilombo de Palmares, no período da escravidão. Lá a taxa de homicídio de negros é mais de 18 vezes maior que a de não negros. O tema violência contra juventude negra, integra o eixo Viver com Dignidade, uma das prioridades de investimento para o Fundo Baobá.

Mais do que números, essas mortes têm reflexo direto nas mães desses jovens, segundo explica Clélia Prestes, doutora em Psicologia Social, integrante do Instituto AMMA Psique e Negritude, de São Paulo. “Quando não são diretamente atingidas pelas estratégias de extermínio que alcançam homens negros e jovens negros, além de mulheres negligenciadas pelo Estado – elas têm sequelas”, afirma. “Mesmo quando sobrevive, a mãe de um jovem negro assassinado pode chegar a óbito por pressão alta, infarto e depressão”, diz. É a possibilidade de uma morte em vida, que ocorre “quando a possibilidade de viver e viver dignamente é atingida.” 

Clélia Prestes, Psicóloga doutora em Psicologia Social, integrante do Instituto AMMA Psique e Negritude, de São Paulo


Pele alva e pele alvo: porque jovens negros continuam sendo vítimas preferenciais da violência

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicados em 2019, mostram que houve um aumento de 19% de mortes por agentes policiais, em relação ao ano anterior da pesquisa, sendo que desse montante 99% são homens. O viés racial é evidente: 75% são negros e, entre eles, 78% são jovens e filhos. Esta reportagem é uma reflexão sobre a alta letalidade de jovens negros por causas violentas justamente, um dos temas priorizados pelo Fundo Baobá no eixo Viver com Dignidade. 

“Com a experiência escravista, naturalizamos o controle físico sobre os negros e negras em nossa sociedade, de modo que é trivial que um jovem negro seja enquadrado na esquina de sua casa ou mesmo que seja morto barbaramente sem que haja qualquer tipo de consequência política ou social”, destaca Felipe Freitas, doutor em Direito e Sociedade, Conflito e Movimentos Sociais, pela Universidade de Brasília (UnB), e membro do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá.

Dois dias depois do caso João Pedro, foi a vez de João Vitor Rocha, de 18 anos de idade, ser baleado durante um tiroteio na Cidade de Deus (RJ), enquanto ocorria uma ação solidária de distribuição de cestas básicas. As mortes parecidas, em um curto intervalo de tempo explicitam a teoria de Felipe Freitas, que também analisa o papel da mídia diante disso. 

Felipe Freitas, Doutor em Direito e Sociedade, Conflito e Movimentos Sociais, pela Universidade de Brasília e membro do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá

A violência não poupou nem Bianca Regina de Oliveira, 22 anos, que dormia quando foi atingida por um tiro na cabeça, no dia 25 de maio. Ela reside na localidade do Brejo, área mais carente da mesma Cidade de Deus, e permanece internada. “A naturalidade com que se noticiam os casos de chacinas nos territórios negros ou a recorrência com que são relatados episódios diários de violência e discriminação racial explicitam essa indiferença cruel.”  

Para compreender essa visão que a sociedade tem do jovem negro como inimigo a ser exterminado, a jornalista Maíra Brito recorre ao historiador Luiz Antonio Simas, que explica a razão da polícia assassinar pessoas civis. “Ele disse que a função original da polícia era defender a propriedade de terras e seus donos – algo que acontece ainda no século 21. Ou seja, o problema das polícias não é ter dado errado e sim certo, até hoje.” 

Maíra Brito, Jornalista e mestre em Direitos Humanos e Cidadania pela Universidade de Brasília

O racismo e a polícia

A tese de doutorado de Felipe Freitas, intitulada “Polícia e Racismo: uma discussão sobre mandato policial”, aprofunda a questão do racismo estrutural em nossa sociedade e a forma como ele opera dentro da instituição policial. “Estudei como o tema do racismo vem sendo tratado no âmbito dos estudos policiais no Brasil tentando propor um modelo teórico que busque compreender o peso do racismo e das desigualdades raciais nas práticas e modos de funcionamento e representação social das polícias”. Ou seja, o estudo procura saber se há diferenças no tratamento e na abordagem de pessoas negras pela polícia. “Procurei entender como as hierarquias raciais brasileiras estão relacionadas com o modo de organização, legitimação e funcionamento das polícias no país e como esse fluxo produz mais vulnerabilidade para o conjunto da população negra.” 

A pesquisa realizada por Felipe abordou três décadas de estudos de criminologia para compreender a principal causa do racismo policial. “Na pesquisa, analisei os estudos das ciências sociais e da criminologia de direito, realizados entre 1987 e 2017, tentando entender quais as principais formas de compreender o conceito de mandato policial e quais as suas interfaces com o tema do racismo. Pude constatar que a raça funciona no âmbito das interações e dinâmicas policiais como um lastro que organiza o sentido efetivo das leis, orienta a interpretação das práticas e dos códigos de conduta, informa sobre como, quando e por quê realizar ou não realizar procedimentos e operações. Ou seja, um dos pontos de chegada do trabalho é a constatação de que a raça dá conteúdo subjetivo, sentido social e justificação política ao exercício da ação policial que se desenvolve a partir de valores sociais organizados pelo racismo.”  

Até quando a juventude negra vai morrer?

Para Maíra Brito, a principal solução para reduzir o número de jovens negros mortos no país é reconhecendo que há uma política de extermínio. “Há uma política da morte, que determina quem tem importância e quem não tem, além de definir quais territórios e populações são vistas como ameaça.” 

Felipe Freitas também defende a mesma linha. “É preciso reconhecer o enfrentamento à violência contra a juventude negra como um desafio ético, político e jurídico de todas e todos nós. E revisar modos de representar as pessoas negras no espaço público, desnaturalizando a violência racial e, assim, colocar o tema da violência policial num outro patamar do debate público no país.” 

Além da violência e extermínio, Felipe levanta outra questão de suma importância: o encarceramento em massa da população negra. Dados do Departamento Penitenciário Nacional mostram que o Brasil é hoje um dos países que mais  prende em todo o mundo. A população carcerária brasileira é de mais de 700 mil pessoas, sendo que nesse contingente mais de 40% são presos provisórios, ou seja, não foram condenados pelo  Poder Judiciário, e 300 mil ultrapassam a capacidade de vagas das prisões. “Prende-se muito e prende-se mal em nosso país. Na prática, o sistema de justiça criminal mais contribui para aumentar a vulnerabilidade da juventude negra à violência letal do que ajuda a enfrentá-la. Portanto, alterar as práticas do sistema de justiça criminal é decisivo para produzir outros resultados no campo da segurança pública e na defesa da vida da população”, completa Freitas.

Qual seria a solução ideal para erradicar a violência contra os jovens negros no nosso país? Maíra Brito acredita que só haverá redução de mortes se houver um trabalho de promoção da equidade racial. “É urgente que sejam aplicadas políticas públicas eficientes, capazes de proporcionar ambientes para o desenvolvimento de atividades educacionais e culturais para essas pessoas”. Felipe Freitas concorda. “É óbvio que o jovem negro exposto a violência letal não deixará de ser discriminado ou morto à  medida que alcançar políticas de inclusão. Porém, o aspecto da inclusão e do combate à desigualdade contribui para viabilizar outras narrativas no seio da comunidade o que, sem dúvida repercute positivamente em termos de produção de empoderamento e de prevenção à violência.”

Saúde das mulheres, um retrato sem retoques

Nesta entrevista para o boletim do Fundo Baobá, a psicóloga Clélia Prestes desvenda aspectos importantes da condição física e mental das mulheres negras

Em 28 de maio comemora-se o Dia Internacional de Luta pela Saúde das Mulheres. A data é mais uma oportunidade para discutir a condição das brasileiras e, mais especificamente, da mulher negra. Embora o Sistema Único de Saúde (SUS) estabeleça uma série de direitos que fazem parte da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, criada em 2004, na prática não são todas que têm acesso a exames de mamografia, papanicolau, ao parto humanizado ou ao planejamento familiar.

Levantamento realizado em 2018 pelo Instituto Datafolha a pedido da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) mostrou que 58% das mulheres atendidas por profissionais da ginecologias recorreram ao serviço público, enquanto 20% acionaram os planos de saúde e 20% optaram pelo atendimento particular. Das entrevistadas, 8% não costumam ir ao ginecologista e 5% nunca foram. O tema saúde das mulheres negras e saúde da população negra, em geral, são de especial interesse do Fundo Baobá e integram o eixo prioritário de investimento Viver com Dignidade. 

A pesquisa revelou ainda que o hábito de procurar esse especialista é mais comum entre as moradoras das regiões metropolitanas do Sudeste e cresce conforme a escolaridade e a condição social. Entre as que nunca recorreram a um ginecologista estão as que residem no interior, as mais jovens e as mulheres de renda mais baixa. A dificuldade de acesso ou acesso restrito são os motivos relatados como principais razões. Realizada entre 5 e 12 de novembro de 2018, a pesquisa ouviu 1089 brasileiras a partir de 16 anos, pertencentes a todas as classes econômicas, distribuídas por 129 municípios e representa 80.980 milhões de mulheres. Por trás desses números existem nomes e vidas, que são impactadas pelo enorme peso imposto pelo machismo e pelo racismo existentes neste país. 

Há ainda impedimentos psicológicos e ideológicos relacionados sobretudo à mulher negra, como fala Clélia Prestes, doutora em Psicologia Social, integrante do Instituto AMMA Psique e Negritude, de São Paulo. Sua tese de doutorado, intitulada “Estratégias de promoção da saúde de mulheres negras: interseccionalidade e bem viver“, foi defendida em 2018, no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).

Ela explica que, numa sociedade estruturada pelo patriarcado e pela supremacia branca, discursos, relações e imagens sobre a mulher negra são permeadas por ideologias. “Cada ser humano na sociedade tem sua história pessoal, sua trajetória de vida, seus pertencimentos e também uma construção social totalmente influenciada por esses discursos e por questões de interseccionalidade.”

Essa intersecção de eixos de opressão influenciam a vida dessas pessoas. E esses eixos têm a ver com o pertencimento racial, identidade, orientação sexual, nacionalidade ou origem, gênero, localização geográfica, habilidade ou deficiência, geração, classe, entre outros. “Portanto, mulheres negras se constituem a partir de recortes em uma sociedade em que também representam uma grande parcela da população pauperizada. Quanto mais os eixos se conectam, não se tem apenas a soma de prejuízos, mas a multiplicação de mazelas e o efeito nocivo de cada um”. 

Clélia Prestes, Psicóloga e doutora em Psicologia Social, integrante do Instituto AMMA Psique e Negritude

O desafio é, além de lidar com essa intersecção, pensar  em saúde e em estratégias que atinjam a dimensão pessoal dessa mulher e suas relações. “Muitas vezes, apesar de termos acesso, não temos garantido o cuidado e a atenção às nossas especificidades. É necessário cuidado específico e ações afirmativas para reverter o prejuízo que cerca a mulher negra a partir dessas formas de opressão”.

Em relação à saúde mental, segundo a psicóloga, há impactos negativos e positivos interferindo na saúde. Negativamente, atuam os discursos  associados às diferentes ideologias discriminatórias. E positivamente, como ela constatou na pesquisa de mestrado (intitulada Feridas até o coração, erguem-se negras guerreiras. Resiliência em mulheres negras: transmissão psíquica e pertencimentos, 2013), estão os processos de resiliência influenciados pela transmissão psíquica transgeracional.

“Minha pesquisa de mestrado mostrou que mulheres negras são positivamente afetadas por superações de experiências de grande adversidade que aconteceram em gerações anteriores ou posteriores. Essas experiências influenciam tanto a segurança quanto os recursos para que elas possam, em várias situações, enfrentar grandes desafios.” 

Outro elemento é o simbolismo associado à mulher negra que, por um lado traz um peso, como o de guerreira – muito associado a elas pelos estereótipos –, por outro traz a vantagem de sugerir que essa mulher tem muita força. Essa crença, aliada à desumanização da mulher negra, faz com que recebam menos cuidado.

“Aspectos que influenciam os processos de resiliência são os significados compartilhados em manifestações africanas e afro-brasileiras que resgatam história, conquistas e a possibilidade de enfrentar e superar, historicamente e até hoje, os diversos desafios que nos foram impostos e os os contextos de vulnerabilidade individual, social e programática a que estamos submetidas”, diz. “Esses significados permitem que nós nos identifiquemos com as grandes heroínas e figuras que nos inspiram, mesmo com grandes prejuízos, a enfrentar e buscar saídas para nós mesmas e para os nossos.”

Em sua tese de doutorado, procurou identificar estratégias de promoção da saúde de mulheres negras. Do universo pesquisado, tomando por base mais de 800 artigos sobre o tema em bancos de dados diversos, apenas 14 tratavam efetivamente da promoção de saúde dessa população. Decidiu comparar esses resultados com ações promovidas por mulheres negras nos movimentos sociais e de promoção da equidade. 

“Entrevistei pessoas que praticavam estratégias reconhecidas. O retrato é composto por figuras sociais bastante atingidas por adversidades que, ao mesmo tempo, se empenham em cuidar de si, dos seus, das suas. Enquanto cuidam, também pensam sobre contexto social, economia, política e sobre a natureza”, revela. A psicóloga afirma que isso evidencia a potência de produção de conhecimento da mulher negra – seja na academia ou no movimento social – o que reverbera em melhorias para toda a sociedade. 

Escancarando diferenças – Nesse quadro da pandemia no Brasil, Clélia confirma que a posição da mulher negra continua a mesma, infelizmente, ou seja: em desigualdade de acesso a direitos. O que, segundo ela, é resultado de um quadro histórico de  genocídio. “Este país foi programado não para garantir direitos iguais, mas para assegurar privilégios de alguns às custas do prejuízo e extermínio de muitos”, afirma. “Nessa configuração, o que está em curso é o racismo estrutural que, em forma de genocídio, atinge nossos corpos com o assassinato de grande número de jovens negros – mortos que superam o de países em guerra. Isso se configura também como epistemicídio e ataque à nossa capacidade de ter projetos e sonhar com o futuro.” 

No caso de mulheres negras, Clélia explica que não só elas são atingidas por piores condições de saúde, como também pela crença de que, tendo menos humanidade e mais força, precisam de menos cuidado ou podem ser deixadas à própria sorte ou azar. A psicóloga defende que, enquanto o país não atribuir igual valor para diferentes características físicas, pertencimento racial, contribuições, fontes de conhecimento e práticas de cuidado, esse será um país fadado a uma distorção em sua identidade. 

“Um dos conceitos centrais da minha tese foi o bem viver. E foi central não por acaso, mas porque está inserido nos movimentos de mulheres negras e porque serve para pensar esse momento e em uma sociedade com relações melhores”. Ela finaliza, explicando que os direitos precisam caminhar na direção de enxergar a saúde individual indissociada da coletiva, de uma natureza saudável e de relações sadias. “O desafio é que os direitos precisam ser de todos, todas, todxs, de forma que os seres vivos possam não apenas sobreviver, mas viver.”

Da gestação ao parto, racismo estrutural faz vítimas entre mulheres negras

Pretas e pardas são mais impactadas que brancas tanto no atendimento em caso de emergência como na hora de dar à luz

Dados da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) mostram que, diariamente, 830 mulheres morrem no mundo em decorrência de complicações no parto ou durante a gestação. Desse total, 99% das vítimas estão nos países em desenvolvimento e vivem em áreas rurais ou em comunidades pobres. Jovens adolescentes também enfrentam maior risco de complicações e morte na gravidez. O número assusta é verdade, mas é importante saber que, entre 1990 e 2015, a mortalidade materna já caiu aproximadamente 44%. 

A meta, parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), é reduzir ainda mais a taxa global para menos de 70 a cada 100 mil nascidos vivos. Entre as principais complicações apresentadas pelas mulheres durante a gestação, que representam quase 75% de todos os óbitos, estão: hipertensão (pré-eclâmpsia e eclâmpsia), hemorragias graves (principalmente após o parto), infecções (normalmente depois do parto), complicações no parto e abortos inseguros. Todas causas evitáveis, preveníveis. Outros fatores são doenças como malária ou infecção pelo HIV durante a gravidez.

Embora a mortalidade materna tenha apresentado redução nas últimas décadas, ainda há muito a ser feito no Brasil além de ter apenas uma data como o 28 de maio no calendário  – quando se comemora o Dia Nacional da Redução da Mortalidade Materna. Como esse tema faz parte do eixo Viver com Dignidade, um dos focos do Fundo Baobá, o boletim foi conversar com Emanuelle Goes, enfermeira, doutora em Saúde Pública e pesquisadora do Centro de Integração de Dados da Fundação Oswaldo Cruz (CIdacs/Fiocruz), na Bahia. O objetivo dessa conversa é entender esses números e saber sobre a violência sofrida pelas gestantes negras que, entre outras representações sociais repletas de estereótipos, são vistas como “boas parideiras”. 

Essa forma de enxergar as mulheres negras pode custar suas vidas em decorrência da demora no atendimento, entre outras razões. No Brasil, em 2019, foram 1523 óbitos maternos declarados entre mulheres de 10 a 49 anos, dos quais 1025 (67,3%) resultaram de complicações obstétricas diretas (decorrentes de complicações na gravidez, parto ou pós-parto por causa de tratamento incorreto ou intervenção malsucedida).

Entre as vítimas destas complicações estavam 298 brancas, 681 negras (118 pretas e 563 pardas), 1 amarela, 18 indígenas. Vinte e sete vítimas não tiveram sua raça/cor informada pelo responsável por atestar o óbito. As regiões do país com os maiores números foram: Sudeste e Nordeste, segundo informações extraídas do Painel de Monitoramento da Mortalidade Materna, da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde. Vale lembrar que esses são os casos oficiais notificados e não consideram problemas decorrentes de aborto, por exemplo.

Levantamento do Sistema de Informação de Nascidos Vivos do Datasus/Ministério da Saúde (2016) revela que as mulheres negras foram também as que tiveram mais partos tardios (3,2%) em comparação às brancas (1,7%). De acordo com o American College of Obstetricians and Gynecologists and The Society for Maternal-Fetal (2013), a gestação a termo é considerada a partir de 39 semanas. Dessa forma, é considerada tardia de 41 semanas a 41 semanas e 6 dias e a pós-termo, com 42 semanas ou mais.

Protocolo do Ministério da Saúde recomenda que, caso o parto não ocorra até a 41º semana, a gestante seja encaminhada para avaliação do bem-estar fetal, que inclui análise do índice do líquido amniótico e seu monitoramento cardíaco. Quando necessário, o parto é induzido.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 140 milhões de partos aconteçam todos os anos no mundo. Pretas e pardas, de acordo com um estudo da Fundação Perseu Abramo, de São Paulo, são mais afetadas pela violência nessa hora seja pela falta de atendimento, não aplicação da anestesia para aliviar a dor e até comentários agressivos. Acompanhe a entrevista de Emanuelle Goes que fala especificamente sobre esse tema:

1. Pela sua experiência, a mulher negra sofre mais no parto? Qual a razão para isso?

Emanuelle Goes – As mulheres negras tanto no parto como no pós-parto estão sujeitas à violência obstétrica. Mas não apenas isso. Estão expostas também à dupla discriminação e à interação das duas violências tanto a obstétrica como a discriminação racial  que se sobrepõem. Dessa forma, a violência obstétrica tem levado muitas vezes essas mulheres à morte, como no caso de Alyne Pimentel e de Rafaela Silva.

Alyne Pimentel morreu em 2002, quando estava no sexto mês de gravidez e buscou atendimento hospitalar após sentir-se mal. Nas duas vezes em que foi ao hospital seu atendimento foi negligenciado. Isso levou à morte do feto e a uma intervenção cirúrgica complicada. Dois dias depois do primeiro atendimento, uma hemorragia digestiva levou-a à morte. Já a adolescente Rafaela Silva, também do Rio de Janeiro, faleceu em 2014 aos 14 anos, após complicações decorrentes de hipertensão na gravidez e do péssimo atendimento recebido)

2. Como mudar a cruel desigualdade que se repete até mesmo no parto?

Emanuelle Goes – É preciso reconhecer o racismo institucional para que o parto seja humanizado para todas as mulheres e para que a atenção humanizada seja igualitária e com equidade. Mas só se discute o parto humanizado e o enfrentamento da violência obstétrica se o racismo atravessar essas experiências de revisão das práticas. Sem isso, não tem como superar a desumanização nem a violência obstétrica para mulheres negras. O racismo vai ser determinante nesse tratamento e vai potencializar essas questões. Sem o racismo no centro do debate e no centro do enfrentamento, não é possível mudar essa realidade.

Emanuelle Goes, Enfermeira, doutora em Saúde Pública e pesquisadora do Centro de Integração de Dados da Fundação Oswaldo Cruz na Bahia

3. O que é exatamente o conceito de justiça reprodutiva?

Emanuelle Goes – A justiça reprodutiva tem por finalidade a ampliação do olhar sobre o direito e traz consigo o conjunto de outros direitos e da justiça social, pensando no pleno exercício da saúde reprodutiva da mulher negra. É vista também como uma teoria interseccional e emerge da experiência das mulheres negras que vivenciam o conjunto de opressões e hierarquias reprodutivas.

4. A justiça reprodutiva está diretamente conectada à equidade?

Emanuelle Goes – A justiça reprodutiva se baseia no entendimento de que o impacto das opressões de raça, classe, gênero e orientação, interagem e fazem com que as mulheres sofram de forma mais potencializada as diversas violências no campo dos direitos reprodutivos e da saúde reprodutiva. Então, a justiça reprodutiva tem esse ambiente mais amplo que a gente vai experimentar nas diversas identidades das mulheres e nas diversas opressões a que estão submetidas.

“Conversa afiada” reúne mais de 100 participantes para debater a participação política de mulheres negras

No dia 26 de maio, o Fundo Baobá, junto com a Oxfam Brasil, organizou o evento virtual “Conversa Afiada – Mulheres Negras e Participação Política”, que reuniu mais de 100 lideranças femininas para debater e promover a integração e potencialização de ideias sobre representatividade e desigualdades que impactam a participação política de mulheres negras.

O bate-papo contou com duas convidadas: Lúcia Xavier, assistente social e coordenadora da ONG Criola, e Robeyoncé Lima, codeputada estadual de Pernambuco, pela Mandata Juntas/PSOL, com mais quatro codeputadas. Participaram também Selma Moreira, diretora-executiva do Fundo Baobá, Fernanda Lopes, diretora de programa da organização, Katia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil, e Tauá Pires, coordenadora de gênero e raça dessa organização.

Na abertura do evento, Katia Maia reforçou a importância do encontro virtual para  aumentar o engajamento político daquelas que não são representadas: “é uma luta fundamental para o nosso país neste momento e a principal forma de enfrentar e combater a desigualdade é entrar nos espaços dominados por homens brancos”, afirmou.

Selma Moreira fez questão de exaltar a importância da representatividade naquela ocasião: “Me emociona ver tantos rostos de mulheres negras nesta tela”. Como diretora-executiva do Fundo Baobá, ela salientou a importância de programas que desenvolvam as habilidades de liderança de mulheres negras: “Quando a gente fala de participação política, a gente olha para os grupos que estão em cargos parlamentares. Porém, há também outros espaços de poder, como as comunidades, e os seus processos locais;  as empresas. Por isso, quando o Fundo Baobá desenvolve e lança um programa de aceleração de lideranças femininas negras, é com expectativa de contribuir para que mais mulheres representem a força da mulher negra em vários espaços e construir um novo cenário. Que possamos participar de um espaço que nos inclua”.  

Em sua fala, Lúcia Xavier (ONG Criola) também ressaltou a importância de espaços que fomentem a participação política da mulher negra na nossa sociedade. “A participação feminina negra é a afirmação do sujeito político mulher negra, que vem a público dizer o que quer, o que lhe interessa, o que lhe é de direito, mas que também vem  a público disputar poder”. Segundo ela, participação é manejar instrumentos políticos que, necessariamente, parecem naturais. “Basta dizer sim ou não e isso já é uma manifestação política, mas são instrumentos que nos ajudam a construir a nossa expressão pública, explicitando nossos interesses e nossos processos de disputa de poder e, sobretudo, nos ajudam a definir quem somos nos momentos de decisão, individual e coletiva”. Lúcia afirmou ainda que a participação da mulher negra é fundamental para a cidadania “porque, sem essa dinâmica de participação, a cidadania  não tem sentido, ela não se faz concretamente, age como título sem conteúdo.”

Frente às dificuldades encontradas neste país em garantir a participação política negra, Lúcia Xavier recorreu à história e relembrou que as mulheres negras não tinham participação política no processo de preparação para a Conferência de Durban, na África do Sul. “As mulheres negras estavam de fora do processo da conferência de Durban e, em 1999,  elas resolveram criar uma articulação que pudesse dar conta da participação de diferentes mulheres naquele contexto. A partir daí, dominaram de 1999 a 2001 todos os campos de discussão, aprendendo e ensinando a fazer política em um campo já determinado e fechado, com práticas e instrumentos que elas não dominavam”, explicou. “Então, necessariamente, não significa que a participação seja só agir sob o instituído, mas sim instituir novos processos e novas dinâmicas, nos quais a sua voz e a sua vez são projetadas.”

A codeputada Robeyoncé Lima, de Recife (PE), aproveitou o gancho deixado por Lúcia Xavier, sobre a nova dinâmica de fazer política, para exaltar a forma como ela, mulher-trans e negra, conseguiu se tornar representante na Assembleia Legislativa de Pernambuco, em uma nova configuração que se constituiu na “Mandata Coletiva – Juntas”, na qual ela e mais quatro codeputadas (Jô Cavalcante, Carol Vergolino, Kátia Cunha e Joelma Carla) foram eleitas para conduzir o mesmo mandato. “É uma tentativa de trazer um novo cenário para a política e um novo contexto, sendo uma nova configuração e, até mesmo, um ‘hackeamento’, dessa política que não representa a gente. Na Assembleia Legislativa, somos a primeira experiência de uma Mandata Coletiva de participação popular antirracista e anticapitalista. Vivemos um momento em que a participação de mulheres na política, sobretudo de mulheres negras, é pouco expressiva.”

Robeyoncé também rememorou a origem da falta de participação política feminina, sobretudo a negra, na história do país e do mundo. “As mulheres só tiveram direito ao voto no ano de 1932, mesmo assim com a autorização do marido. Portanto, a história da mulher negra na política é algo muito recente. A gente vem tentando, constantemente construir, e esse espaço é negado pra gente o tempo todo”, afirmou. Depois de 80 anos da conquista do voto feminino, as mulheres são apenas 15% das cadeiras do Congresso Nacional, conforme falou a codeputada. “Em se tratando de mulheres negras, esse número cai para 3%, sendo que representamos 28% da população do país. Essa disparidade põe em cheque a falácia de que o Congresso Nacional é o sistema representativo que a gente tem no país. No final das contas, ele terminou cedendo a interesses econômicos e cedendo à ideia cultural da sociedade brasileira de que política é só para homem. O que precisamos fazer é desconfigurar esse sentido. Se quisermos reescrever a história, precisamos ter gente nossa lá dentro”. 

Com exceção das organizadoras do evento, de Lúcia, da codeputada Robeyocé e da jornalista Camila da Silva, do portal Mundo Negro, todas as demais mulheres que falaram fazem parte do Programa de Aceleração e Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, iniciativa do Fundo Baobá em parceria com Instituto Ibirapitanga, Fundação Ford, Open Society Foundations e Fundação Kellogg. Vanessa Barbosa, articuladora do Movimento Negro Evangélico no Recife (PE) e da Rede de Mulheres Negras Evangélicas do Brasil, foi a primeira a pedir a palavra, e destacou a importância da educação política para as pessoas em situação de vulnerabilidade, ressaltando, principalmente, as mulheres negras “No começo do ano, tivemos uma pesquisa do Datafolha mostrando que a maioria do núcleo evangélico no país é composto por mulheres negras, de baixa escolaridade e de baixa renda. Nós, do Movimento Negro Evangélico, temos nos preocupado em como fazer um processo de conscientização e educação política junto como esse povo, porque a gente sabe que o fundamentalismo religioso é expresso na bancada evangélica, nas esferas estadual e federal. E essa frente parlamentar evangélica tem prestado um verdadeiro desserviço à nossa democracia e à vida da população negra, principalmente nesse contexto de pandemia”, afirmou.

Referente ao impacto da pandemia do coronavírus na população negra, a líder Clara Marinho, que é gestora pública federal, atua na área econômica e tem acesso às previsões macroeconômicas, explicou que serão tempos desafiadores e que é necessário resiliência. “Há uma previsão, pós pandemia, de aceleração tecnológica, de uberização dos empregos, ampliação de desemprego e do subemprego. Tivemos, recentemente, o projeto da renda emergencial, que teve muitos buracos. Chegou pra gente que não precisava e não chegou pra quem realmente necessitava. O valor de 600 reais foi fixado pelo Congresso Nacional, mas quem recebeu os benefícios políticos disso foi o Executivo. Portanto, é necessário agir.”

Dentro ainda do contexto de educação política, apresentado por Vanessa Barbosa, a jornalista Camila da Silva, do portal Mundo Negro, externou sua preocupação com a juventude feminina negra. “Eu me questiono como nós, mulheres negras, conseguimos transformar todas as nossas discussões, e embasamento, em ações, pautando também a juventude negra e as meninas negras. Como a gente entende a educação nesse cenário, ainda mais considerando que o Brasil é o quarto país em número de casamentos na infância e adolescência, e grande parte deles envolvem meninas negras?”, indagou.

Ingrid Farias, advogada feminista antiproibicionista de Pernambuco, ressaltou que a discussão de fomentar candidaturas de mulheres negras deve ser pautada dentro dos próprios partidos políticos. “A dificuldade em se ter uma mulher dentro da política começa dentro dos próprios partidos políticos, ditos progressistas, que minimizam a nossa luta dizendo que assuntos de identidade não podem estar acima de assuntos relacionados à crise política. Sempre que tentamos colocar o debate racial no centro da questão, somos tidas como loucas, que querem mudar o foco diante de um momento de crise, sendo justamente nesses momentos que devemos levantar essas questões”.  Ela também destacou que a esquerda não conhece a classe trabalhadora, quem a compõe nem quem faz as cidades e suas riquezas. Dogivania Sousa, líder quilombola do Maranhão, reforçou o cenário de exclusões vivenciados nos partidos e apresentou a ideia de “formar um partido apenas com mulheres.”

“Esse sistema, da forma como está estruturado, não vai nos escutar, pois está estruturado para manter privilégios”, disse Chiara Ramos, do Coletivo Abayomi de Juristas Negras, de Pernambuco, em uma fala que ela mesma classificou como incendiária. “Ou nos articulamos para sermos uma força revolucionária ou não vamos conseguir fazer com que nos escutem e que se sensibilizem. Afinal, trata-se de um sistema construído e constituído juridicamente, politicamente e institucionalmente para nos negar a existência.”

Chrys Pereira, do Grupo de Mulheres Lésbicas e Bissexuais Maria Quiteria, da Paraíba, recitou um poema dedicado a todas as participantes do evento. O texto traz luz e esperança, configurando o objetivo do encontro virtual, aliado com a missão do Fundo Baobá, que é a promoção da equidade racial dentro do eixo viver com dignidade:

“Atenção, atenção
Finalmente estamos unidas fazendo revolução
É Preta que questiona
É Preta que tensiona
É organização ancestral que está se manifestando em nós

Recebe, Preta
Recebe
Deixa essa energia trabalhar 
Seja no parlamento, no campo, na cidade
Ou nas águas que você está
Mas tem que ser com a sabedoria das Pretas mais velhas,  
Que te forjaram nessa resistência.

Tá na hora de tu reconhecer
Que o teu conhecimento tem poder 
É poder e ninguém tira de você
Ocupa, Preta. Ocupa”

Ágora da Abrasco discute avanço da pandemia de Covid-19 em regiões vulneráveis

No dia 8 de maio, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) realizou mais uma edição da Ágora, um espaço livre de diálogo, com a participação de pessoas de diversos setores públicos e movimentos sociais. O tema debatido foi a pandemia, que na época do evento já havia feito 9 mil vítimas fatais no país. Hoje, o número se aproxima dos 30 mil mortos no Brasil. Na ocasião, o país também chorava a morte do músico e compositor Aldir Blanc, em 4 de maio, também vítima da Covid-19. O evento contou com homenagens que reverenciavam o seu legado para a cultura brasileira.

Com a mediação do professor Luís Eduardo Batista, coordenador do GT Racismo e Saúde da Abrasco, o encontro virtual, que foi transmitido em tempo real pelo YouTube, contou com a presença da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB/RJ), do senador Rogério Carvalho (PT/SE), de Richarlls Martins, coordenador da Rede Brasileira de População e Desenvolvimento do Rio de Janeiro, e de Fernanda Lopes, diretora de Programa do Fundo Baobá. Estiveram presentes os membros da Abrasco: Gulnar Azevedo, presidente dessa entidade, Eli Iola Gurgel, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, e Cristiani Vieira Machado, vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Luís Eduardo Batista, Coordenador do GT Racismo e Saúde da Abrasco

Fernanda Lopes, do Fundo Baobá para Equidade Racial, falou da atuação da organização no combate ao coronavírus por meio do edital Doações Emergenciais, que recebeu demandas de apoio para ações de combate à Covid-19. “Nós ficamos com edital aberto por duas semanas e recebemos, nesse período, 1.037 inscrições, sendo 650 de indivíduos e 387 de organizações”, disse. 

Para Fernanda, o recorde de números reflete o problema da desigualdade no país. “Isso foi um dos indicadores mais precisos dessa relação da filantropia e justiça social, com um problema  que é estrutural. Dentro do contexto da pandemia, não estamos lidando com uma situação que é nova porque as desigualdades sempre existiram. Esse caminho que o coronavírus toma, rumo a maior letalidade de pessoas que estão em situação de pobreza e em condições de vulnerabilidade socioeconômica, é um percurso comum das doenças no Brasil, dado que a saúde e a doença não são fatalidades nem obras do destino.” 

Fernanda Lopes, Diretora de Programa do Fundo Baobá

A proliferação do coronavírus em lugares mais vulneráveis é o que pauta a atuação do Fundo Baobá no trabalho de promoção da equidade, oferecendo a oportunidade de viver com dignidade, um dos eixos trabalhados pela organização. “Quando a gente olha para a cidade de São Paulo, que concentra um enorme número de casos de Covid-19, vemos que, para cada óbito em Moema, bairro com menos pessoas negras, são quatro óbitos na Brasilândia, um bairro periférico e um dos mais negros em São Paulo”, revelou. “Então, é também sobre isso que estamos falando e sobre as intersecções entre raça, pobreza, gênero. A nossa ação vem como uma resposta imediata para essa demanda urgente.”

Demanda urgente que também fez Fernanda relembrar um ponto simbólico na história do Brasil. “Esse edital de apoio é uma marca simbólica do nosso compromisso de resgate ao ideal da filantropia negra, porque quando as irmandades começaram a atuar no Brasil foi exatamente em uma situação de calamidade, porque a escravidão negra também foi uma situação de calamidade, e as irmandades se reuniam e angariavam recursos para apoiar sepultamentos e funerais com dignidade”, relembrou. “Agora, os nossos investimentos são para que haja menos mortes no país.”

Jandira Feghali, que além de deputada federal é médica,  falou da sua atuação parlamentar no enfrentamento da doença e dos desafios dessa ação.  “No Congresso nacional, enfrentamos hoje três crises: sanitária, econômica e política, sendo que essa dá saltos cada vez maiores. Mesmo assim, a gente tenta pautar projetos no campo da saúde, mas também no campo econômico, tentando superar essa amistosidade que há entre a saúde e a defesa da vida, com o emprego e a defesa da renda, até porque a economia tem que estar a serviço das pessoas”. Entre os projetos votados citados pela parlamentar estão o decreto de calamidade e o auxílio emergencial no valor 600 reais, além da aprovação do orçamento citado por ela como Orçamento de Guerra. 

Jandira Feghali, Deputada Federal – PCdoB/RJ

“Há projetos também como a MP 936, pela proteção do emprego, que a gente está tentando avançar. Nós estamos tentando responder. Mas, do ponto de vista do Congresso Nacional, o nosso problema está no Executivo, que confronta o Supremo e Congresso, rompendo permanentemente a constituição brasileira e estimulando a ruptura democrática de forma permanente. Mas o esforço é grande”, finalizou a deputada.

O mesmo desafio também enfrenta o também médico e  senador Rogério Carvalho. Entre as ações realizadas estão o cancelamento da MP 905, que permitia o rompimento de contrato de trabalhadores por seis meses, durante a pandemia. “Conseguimos derrubar, pois seria um absurdo aprovar uma reforma trabalhista em meio a todo esse contexto. A gente também conseguiu melhorar o recurso de R$ 50 bilhões para os estados do país, que têm a maior responsabilidade assistencial, mas sem tirar dinheiro dos municípios, garantindo que  houvesse suspensão de pagamentos de débitos previdenciários. Então, agregamos em torno de R$ 10 bilhões a mais no auxílio emergencial a estados e municípios.”

Rogério Carvalho, Senador – PT/SE

Na esfera social, Richarlls Martins, professor da UFRJ e doutorando em saúde coletiva, conta como foi coordenar o processo de  elaboração do Plano de Ação Coletiva ao Covid-19 nas Favelas do Rio de Janeiro. “Tudo começou quando um grupo de pesquisadores da UFRJ, da UERJ, da PUC-RJ e da Fiocruz se reuniu com articuladores dos territórios moradores das favelas do Rio de Janeiro, como a Cidade de Deus, Rocinha, Dona Marta, Maré e Alemão, para pensar a construção de um plano de ação ideal para o enfrentamento da pandemia nesses locais”. Esse trabalho foi realizado durante dez dias, durante os quais foi elaborado um plano de ação que dialoga com três grandes eixos cooperativos com medidas preventivas, sendo que um deles se relaciona diretamente com pólos de atendimento nas favelas e ações de apoio social.

“Para a nossa surpresa, conseguimos reunir, em tempo recorde, as principais autoridades públicas do Rio de Janeiro, para a entrega desse Plano, juntamente com a participação da Abrasco, do sindicato dos médicos, das enfermeiras e os agentes comunitários de saúde. Entregamos para o subsecretário de saúde e também para o de infraestrutura municipal e estadual do Rio de Janeiro”, disse Richarlls. 

Richarlls Martins, Coordenador da Rede Brasileira de População e Desenvolvimento

Apenas um dia depois desse encontro, Richarlls Martins foi convidado pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro para entregar o mesmo Plano para os deputados e deputadas. “O principal encaminhamento dessa reunião foi a aprovação do recurso emergencial do enfrentamento à Covid-19 para ação integral do Plano. Saímos de lá com o compromisso de orçar esse Plano para rápida implementação”, afirmou.

Assim como destacado por  Fernanda Lopes, do Fundo Baobá, para Richarlls Martins a pandemia tem um curso marcado fortemente pela desigualdade social. “Analisando os dados da infecção, em especial na zona oeste do Rio de Janeiro, estão os bairros com os maiores níveis de contágio e de letalidade, em comparação a outros bairros. Se ações emergenciais não forem feitas neste momento, as favelas do Rio de Janeiro serão os lugares com os mais altos índices de mortes por coronavírus”, finalizou.

Para a Deputada Jandira Feghalli, o trabalho realizado pelo Fundo Baobá e pela Rede Brasileira de População e Desenvolvimento é importantíssimo para a sociedade. “As desigualdades se expressam com muita força neste momento, por isso são necessárias essas ações emergenciais.”

Edital do Fundo Baobá selecionou 350 projetos em todo o Brasil para apoiar ações de combate à contaminação pelo coronavírus

Baobá na imprensa em maio

Em maio a diretora Selma Moreira concedeu entrevista à Ponte Jornalismo. Nessa oportunidade, ela destacou os critérios de seleção dos projetos de prevenção à contaminação pelo coronavírus objeto do edital de doações emergenciais do Fundo  e a necessidade de mais ações que beneficiem as populações vulneráveis. O edital do Fundo Baobá com o Desabafo Social estendido para todo o Brasil também repercutiu na mídia do Nordeste. Confira os destaques:

Ponte Jornalismo – 01 de maio de 2020 – Fundo Baobá financia projetos de combate à Covid-19 para negros, pobres e indígenas

Cidade Satélite  – 08 de maio de 2020 – Fundo Baobá e Desabafo Social apoiam ações comunitárias contra o coronavírus

Blog do Patrício Nunes – 07 de maio de 2020 – Fundo Baobá e Desabafo Social apoiam ações comunitárias contra o coronavírus

As listas de projetos também foram divulgadas pela imprensa:

Geledés – 01 de maio de 2002 – Fundo Baobá divulga segunda lista de projetos selecionados pelo edital de apoio emergencial contra o Coronavírus

Geledés – 16 de maio de 2020 – Fundo Baobá divulga terceira lista de projetos selecionados pelo edital de apoio emergencial contra o Coronavírus

Leia aqui

Alguns projetos apoiados pelo edital também divulgaram pela imprensa as ações realizadas:

IFB – 06 de maio de 2020 – Campus Riacho amplia campanha solidária

Mercadizar – 12 de maio de 2020 – Famílias da periferia de Belém recebem cesta básica do projeto Telas em Movimento

OBIND – 18 de maio de 2020 – CIR: Em isolamento, comunidade Canauanim recebe alimentos e orientações para se proteger da Covid-19

A presença do Fundo Baobá na página ParaQuemDoar também gerou menção em matérias sobre solidariedade às populações carentes

Anped – 11 de maio de 2020 – Apoio da SBPC e de sociedades científicas a comunidades pobres e favelas

Abeco – 12 de maio de 2020 – Apoio da SBPC, ABECO e de outras sociedades científicas a comunidades pobres e favelas

SBM – 14 de maio de 2020 – SBPC, instituições e sociedades científicas pedem solidariedade às populações vulneráveis