Mulheres negras traçam estratégias para incidir na saúde e no bem-estar das populações negras

Lideranças apoiadas pelo Fundo Baobá se especializam para criar estratégias de cuidados específicas para este segmento da população

Por Morgana Damásio*

 

“Esse é o produto do meu luto”. Magna Barbosa havia acabado de perder um filho quando decidiu se inscrever para a 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. Uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations. “Eu precisava me recolocar no mundo novamente, não dava pra ser mais a mesma mulher que antes. Precisava deixar um outro tipo de legado e eu acho que a partida do meu filho foi isso”, partilha Magna, que é psicóloga, mestre em psicologia social e gestora pública. “Então eu precisava sobretudo me amar, eu era sim essa pessoa preta merecedora. Pensei no meu trabalho, nas coisas que eu faço e falei:  é isso aqui que eu vou fazer, é nisso que vou investir”, complementa. 

 

Magna Barbosa
Magna Barbosa

 

Desde 2009 ela é Coordenadora da Rede de Atenção às Pessoas em Situação de Violência Doméstica e Sexual de Suzano (SP), onde realiza um monitoramento das pessoas que chegam até o SUS por uma necessidade de saúde decorrente da violência. A ação é feita a partir da ficha de notificação nos Pronto Socorro e nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Magna explica que os/as pacientes iam embora e, posteriormente, não se sabia se o ciclo da violência havia se rompido. “Com o passar do tempo eu entendi que isso tinha um recorte racial forte, na sua maioria  as mulheres pretas e pardas eram as mulheres que estavam ali vivenciando as questões de violência em todas as gerações, desde muito pequenas, adolescentes e mulheres adultas e idosas. Era uma violência estrutural”.

A partir dessa percepção, Magna construiu o projeto Racismo e a interface com a violência doméstica na Saúde, que objetiva desenvolver ações de formação que possam impactar nas condições de saúde da população negra por meio da oferta de formações para profissionais do sistema público de  saúde. “Se você olhar para a maioria dos profissionais de saúde com nível superior, são pessoas brancas. O quanto isso não fica também impactando nas questões do atendimento das pessoas que sofrem violência?”, questiona.

Magna destaca que, a partir do apoio do Fundo, foi possível construir um instrumento que possibilitasse entender a interface entre violência e  racismo estrutural, apontando quantas mulheres vítimas de violência estão em atendimento, em acompanhamento ou que tiveram alta (ou não). Também foi elaborada uma classificação de risco  a partir das vulnerabilidades sociais e marcadores sociais que ajudam a organizar a prioridade no atendimento “para que haja manutenção da vida e da subjetividade dessas mulheres”, explica. Ela destaca que mulheres negras e transexuais estão mais vulneráveis, como apontam os indicadores sociais. 

O projeto é desenvolvido em 44 unidades de saúde e tem três etapas: o  monitoramento do cuidado, a capacitação e a implementação dos núcleos de prevenção à violência. Para a capacitação de qualificação e gestão foram desenvolvidos 5 encontros sobre temáticas da violência. “Ao invés  de eu ficar só conceituando o que é a violência, como ela acontece, eu vou trazendo as discussões do dia a dia, que foram dores que doeram em mim enquanto profissional de saúde no atendimento na UBS. Eu procuro trazer no cotidiano exemplos que as pessoas vão se identificando, cada encontro é uma temática diferente”, sinaliza. 

Em reconhecimento ao impacto que o projeto tem proporcionado, Magna recebeu neste ano o Prêmio Viva, iniciativa do Instituto Avon em parceria com a Revista Marie Claire, que busca reconhecer as práticas de pessoas que se destacam no cuidado, acolhimento e proteção das mulheres no Brasil. Ela também foi convidada a lecionar em uma faculdade. Sobre seu fortalecimento enquanto liderança, a partir da experiência do Programa, ela destaca: “Você reconhece o seu lugar e o tamanho da sua potência, isso ninguém mais te tira”.

 

“Precisamos quebrar um pacto de que a gente tem que dar conta de tudo”  

Eu estava emocionalmente debilitada, então uma companheira me falou assim: a militância não vai deixar de acontecer se você parar um pouco, ela vai continuar acontecendo e é saudável que dentro da militância algumas parem, outras retomem e a gente avança. É preciso que a gente se dê essa autorização”, compartilhou Mayne Silva, de Serra Grande (BA). Mãe solo, que em meio a pandemia experimentou ainda mais a sobrecarga dos 17 anos de militância, os 4 últimos como gestora comunitária de uma ONG. Sentiu que era o momento de fazer a transição de carreira e se dedicar às atividades como terapeuta. Mayne também é uma das contempladas no Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco.

Para tornar esse sonho concreto, ela escreveu o projeto Novos espaços de poder, re-existir e seguir tecendo a rede. A iniciativa apoiou  processos formativos  e de aprofundamento nas habilidades terapêuticas, facilitação de processos comunitários e fortalecimento da atuação como profissional e liderança. Hoje se dedica ao estímulo do cuidado e autocuidado entre mulheres e ativistas, sobretudo outras mulheres negras. “ Eu uso as ferramentas para apoiar mulheres a tratarem suas dores, emoções e assumirem sua expressão, sua voz, sua potência, seu lugar no mundo”, diz.

Mayne explica que o fortalecimento da ampliação das ferramentas como terapeuta a fortaleceu para que  assumisse a sua voz e partilhasse seus escritos com o mundo. Já são três participações em publicações, um livro solo lançado e mais dois em planejamento, além de convites para festivais nacionais e fora do país. “É esse lugar que o Baobá me trouxe no encontro com outras mulheres e também nas formações terapêuticas: de assumir a minha imagem, a minha voz, a ancestralidade, mas também a arte como uma permissão de expressão”. 

Ela acredita que é preciso desmistificar essa ideia de mulher preta que precisa ser sempre forte. “É preciso quebrar uma corrente de que a mulher das comunidades, a mulher preta, pobre, dá conta de tudo sem se cuidar, porque ela tá ali pra se sacrificar. Para as lideranças isso ainda é ainda mais forte, eu vivenciei isso”, conclui a terapeuta.

 

“ A descoberta do quanto podemos ser potentes quando somos acreditadas é a mais significativa”  

“O que me impulsionou a me inscrever no Programa [de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco] foi o ineditismo de investir financeiramente em mulheres negras para que pudessem realizar projetos de alcance comunitário e/ou investir no desenvolvimento de suas carreiras”, explica Evania Maria, especialista em Medicina Comportamental e instrutora de mindfulness (atenção plena). 

Evania Maria

Evania também atua como educadora em saúde, e concretizou com o apoio do Programa, a pós-graduação em dor pelo Hospital Albert Einstein. Outro resultado do projeto foi a realização do seu desejo de difundir, por meio de um site, o potencial da atenção plena para a promoção da justiça social. Reativou também as atividades do Grupo de Estudos Reverter Conceitos, iniciado em 2017 com outros profissionais parceiros com o intuito de oferecer conhecimentos e técnicas para reduzir o preconceito implícito presente na cultura. 

A especialista aponta que o alto custo da formação em dor, que no Brasil ainda é bastante elitizada, é uma das causas  que contribuem para a falta de acesso ao tratamento. “A informação e a educação sobre dor tanto para profissionais de saúde como para a população em geral, são os pilares para ampliar o acesso. Pois, as pessoas estarão mais informadas sobre seus direitos e poderão pressionar o poder público para criação e/ou ampliação de políticas públicas que possibilitem o acesso ao tratamento da dor”, explica. Ela destaca ações estratégicas que vêm sendo desenvolvidas como o Programa de Reabilitação da Pós-Graduação em Dor do Hospital Albert Einstein, oferecido de forma gratuita; e o curso de Educação Continuada em Dor, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, que possui um custo mais acessível para formação dos profissionais da saúde.

“Outras duas ações estratégicas que tenho trabalhado é, primeiro, a realização de programas de educação em dor para pacientes com dor crônica. Em segundo, em 2019, eu e o tradutor Nélio Schneider, traduzimos e adaptamos uma cartilha sobre dor, visando disponibilizar informações mais precisas e aumentar esse conhecimento entre a população”, comenta. De acordo com Evania, a cartilha é um material que oferece, em linguagem acessível, informações básicas sobre dor e formas de aliviá-la.

A especialista ressalta que devido às desigualdades sociais, a dor traz uma carga de incapacidade e sofrimento adicional para as pessoas de baixa renda que são as mais vulneráveis em termos de assistência à saúde e qualidade de vida. “A população negra em todas as faixas etárias é cotidianamente mais exposta a circunstâncias de estresse e violência, devido aos efeitos sociais, políticos e econômicos decorrentes do racismo estrutural”. 

Para a socióloga e instrutora de mindfulness já não se pode mais pôr em dúvida que, quando o estresse é constante e a pessoa não tem chances de reagir de forma adaptativa, ele se torna crônico. Isso leva a população negra a ficar mais suscetível a doenças e/ou agravamento de quadros clínicos decorrentes do estresse, como hipertensão arterial, dor crônica, diabetes, ansiedade e depressão. “Avanços de estudos no campo da medicina e psicologia relacionados aos efeitos do estresse na saúde explicam que o alto grau de ameaça que um indivíduo experimenta provoca nele respostas de estresse que se acumulam ao longo do tempo, levando eventualmente a uma má saúde mental e física”. 

A atenção à saúde mental foi também uma experiência vivenciada por Evania dentro do programa. “O edital surpreendeu, ele também proporcionou ações de autocuidado (as apoiadas poderiam investir seus recursos em serviços de saúde mental) e ofereceu formações com foco na cultura do autocuidado e da saúde mental”.

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

Desafios da Luta Quilombola no Brasil: Como as comunidades se articulam pela garantia dos seus direitos

Projetos de mulheres quilombolas trazem importância da coletividade e influência da ancestralidade no processo de lutas por mudanças sociais

Por Andressa Franco*

Lugar secreto para onde iam as pessoas escravizadas que fugiam das fazendas, minas e casas das famílias brancas coloniais, onde eram exploradas e sofriam maus tratos. Normalmente encoberto ou escondido em meio ao mato, como o mais famoso deles, o Quilombo dos Palmares. Essa é uma das definições encontradas no dicionário para a palavra “quilombo”.  Com o desafio de alcançar visibilidade e trazer as questões que pautam a luta quilombola no Brasil para o debate, é que os remanescentes dessas comunidades travam uma luta conjunta. 

Visando o aprimoramento das habilidades de liderança para darem contribuições ainda mais qualificadas na luta pelo direito à terra, Lucimar Sousa, Emília Costa e Tânia de Moraes, mulheres quilombolas, se inscreveram na 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. Uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations.

 

Emília Costa
Lucimar Sousa
Tânia de Moraes

 

Coletividade e Ancestralidade 

A importância da coletividade e influência da ancestralidade na formação das atuais lideranças quilombolas e no processo de lutas por mudanças sociais, é um ponto em comum a ser ressaltado nos projetos de Lucimar, Emília e Tânia.

Maranhense de Pirapemas, mãe de oito filhos e quebradeira de coco, Lucimar Sousa decidiu apresentar o projeto “Mulher negra plantando sementes, cultivando redes de cuidado e colhendo justiça social”. Pensar formas de enfrentamento à violência contra a mulher, resgatar as práticas de medicina natural e da alimentação alternativa eram os principais objetivos da senhora de 64 anos. A ideia foi realizar oficinas com as mulheres do Quilombo Aldeia Velha voltadas para promoção da saúde fitoterápica, agroecologia e soberania alimentar.

“Esse é meu trabalho, faço com orgulho e vou em qualquer lugar do país, basta me chamar que vou fazer as oficinas, não tenho preguiça. Tenho vários cursos em reflorestamento, fitoterapia, a minha bagagem é bem grande”, afirma a maranhense. O projeto de Lucimar conseguiu implementar quintais produtivos que beneficiam nove famílias da comunidade, e que representam caminhos para garantir renda com a venda de hortaliças. Além de soberania alimentar e saúde popular aos desassistidos de políticas públicas. 

Com o recurso do Baobá, também foi possível instalar aviários e a implementação de estratégias de apoio emergencial a três comunidades quilombolas na região, ofertando roupas e outros itens básicos. Aparelhos eletrônicos também foram adquiridos a partir do Programa. “Foi um grande salto na minha vida ter ganhado este edital. Só tenho a agradecer, porque nesse tempo de pandemia eu não teria aguentado ver as famílias sofrendo sem poder alcançar algo, sem poder sair de casa”, relata Lucimar. Ela conta que no início não gostava da palavra liderança, devido ao medo das perseguições contra líderes comunitários. 

A quilombola ainda se dedica a oficinas de artesanato, especialmente das confecções de bonecas, cestos, tapetes. Também desenvolve oficinas voltadas para mulheres que colhem e vivem do coco babaçu. No Maranhão, muitas quebradeiras garantem o sustento da família através dessa prática. 

Lucimar não está sozinha. No projeto “Recontando nossas Histórias como instrumento de luta pelo Chão Sagrado”, Emília Costa se dedicou a viabilizar seu fortalecimento como líder, para representar melhor seu território. Além de fortalecer outras mulheres negras quilombolas que estivessem se descobrindo lideranças nos quilombos. Ela vive na comunidade quilombola de Santo Antônio do Costa, localizado no município de São Luiz Gonzaga, também no Maranhão. 

Articuladora do Movimento Quilombola do Maranhão (MOQUIBOM) e da Articulação de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão, Emília também atua no movimento Guerreiras da Resistência, voltado para o empoderamento feminino. Além disso, trabalha como auxiliar administrativa na Secretaria de Igualdade Racial do município. 

“O Programa me ajudou bastante, comprei muitos livros que me ajudaram. As formações que foram realizadas, foi tudo bem interessante pro meu desenvolvimento pessoal”, pontua. Ela diz que hoje se vê como uma liderança mais madura. Para isso, conta que se concentrou em leituras sobre o feminismo negro, lives, formações e entrevistas com anciãos para rememorar a ancestralidade da comunidade “a partir do chão em que pisam”.

Alguns dos resultados observados a partir do seu projeto, foram: a maior incidência de mulheres e jovens no fortalecimento da organização do território; promoção de reuniões no quilombo, no MOQUIBOM; na Articulação das Mulheres do Cerrado; participação em oficinas e formações; e da compra de um notebook como equipamento para se aprofundar nos estudos. “Esse era meu intuito, criar uma relação maior nos outros e também em mim, de pertencimento ao território”, explica Emília.

Já Tânia de Moraes propôs o projeto “Mulher Quilombola na Defesa dos Direitos e pela Vida!” focada no fortalecimento de mulheres quilombolas nas comunidades, com conversas, diálogos e vivências, resgatando os históricos de luta. Tânia pertence ao Quilombo das Ostras, localizado próximo ao município de Eldorado, em São Paulo. Mas, desde novembro de 2020, vive no Quilombo Sapatu, localizado a aproximadamente 35 km do centro da cidade de Eldorado. A base da economia da comunidade é a agricultura, o turismo e a venda de artesanato. As famílias locais se sustentam a partir da colheita de banana, arroz, feijão, milho e inhame.

Aos 30 anos, seu principal espaço de atuação hoje é a Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras (EAACONE), onde trabalha há sete anos. Uma entidade juridicamente constituída, sem fins lucrativos, que trabalha para que o artigo 68 das Disposições Transitórias da Constituição Federal, cumpra os requisitos que dizem respeito ao direito à terra dos Remanescentes de Quilombo. Para isso, assessora as comunidades quilombolas do Vale do Ribeira com o intuito de que se auto-identifiquem como quilombo, recuperem sua história e seus valores culturais e encaminhem a documentação aos órgãos públicos demandando o reconhecimento e a titulação coletiva de suas terras. 

Com toda a experiência acumulada na entidade, Tânia viu no Programa uma oportunidade para investir em sua própria formação e capacidade como liderança e contribuir de forma mais ativa nos territórios. O que inclui a defesa das ameaças que cercam esses territórios, como barragens, Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH), mineração, entre outros. “O meu projeto era voltado para me fortalecer enquanto mulher negra, sair um pouco da assessoria da EAACONE, e ter mais voz ativa fora, trazendo mais mulheres para fortalecer”, explica Tânia, que também integra o Movimento dos Ameaçados por Barragens (MOAB).  

 

Impactos da Pandemia nos Quilombos

A chegada da pandemia de covid-19 no Brasil trouxe à tona uma série de desigualdades que impactaram diretamente nas comunidades quilombolas. Esse cenário não poderia deixar de impactar no segmento dos projetos elaborados pelas mulheres quilombolas. Para Lucimar, foi essencial ficar ao lado das famílias do seu quilombo, apoiando durante os momentos difíceis da pandemia. 

Durante esse período ela quebrou a perna, e precisou ficar seis meses de cama. Foi um momento de adaptação para seguir com todas as suas atividades por meio da tecnologia, algo que não estava habituada. “O aprendizado foi um sucesso na minha vida, mexer com celular, computador, internet, conversar com pessoas que nunca vi do outro lado da tela”, comemora Lucimar. Uma das adaptações do projeto foi utilizar o recurso para as cirurgias e remédios. “Mesmo quando me quebro não fico parada, já me quebrei várias vezes e estou aqui, sinto orgulho da minha luta e de ser mulher negra”, completa.

Já Emília precisou remodelar a ideia das visitas a locais sagrados com os membros da sua comunidade. Devido à pandemia, o grupo foi bem menor. O mesmo aconteceu com as visitas planejadas para outros quilombos da região. “Fui adaptando, fazendo entrevista individual com os mais velhos; visitas com duas ou três pessoas nos quilombos vizinhos. Pra gente poder entender um pouco mais da nossa ancestralidade, criar uma relação maior de pertencimento”, explica. Um de seus objetivos era realização de leituras sobre feminismo negro, no que ela obteve sucesso. 

Apesar de não ter sido possível participar de diversos encontros de mulheres negras devido à pandemia, a liderança conseguiu levar seis jovens do seu território para um Encontro de Juventude do MOQUIBOM. O período de isolamento também deu a Emília a oportunidade de adotar a prática do autocuidado, o que também aprendeu entre as trocas com as mulheres que conheceu através do Fundo Baobá. “Eu percebi que se eu não cuidar de mim, eu não vou estar bem para cuidar do próximo”, pontua.

As comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, onde Tânia vive, adotaram medidas sanitárias, promovendo o controle de acesso de visitantes e turistas. Elas continuam na luta pelo andamento da regularização fundiária de suas terras. Tânia conta que a EAACONE em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA) apoiou as comunidades através das licenças das roças tradicionais solicitando que elas fossem autorizadas em caráter de urgência. “A gente tem esse problema do racismo ambiental, porque você tem que pedir uma licença pra roça, um tempo para plantio. E quando não tem essa licença muitas lideranças acabam fazendo assim mesmo, e mesmo em terra coletiva, acaba tendo uma multa super alta”, explica.

Mas, apesar da pandemia, Tânia não deixou de seguir com os planejamentos do seu projeto. Ela realizou pesquisas, através de aplicativos de mensagens, com mulheres das diferentes comunidades, e produziu um diagnóstico dos principais problemas enfrentados por essas mulheres. Considerando as dificuldades de acesso à internet nesses espaços, não alcançou o número de mulheres desejado. A própria Tânia hoje tem melhor acesso devido ao recurso do Baobá, contudo percebe através da pesquisa o interesse dessas mulheres de ocupar os espaços de coordenação e articulação dos seus quilombos.

Já as rodas de conversa presenciais nas 13 comunidades em que atua, não ocorreram. Ela então focou nas pesquisas, leituras e no resgate histórico. “Mesmo eu tentando fazer um projeto individual, o projeto não é de hoje, é um trabalho de luta e resistência que já vem sendo construído desde 1991, e eu consegui trazer essas lembranças”, diz. Entre outros resultados, está a participação no Fórum Povos de Comunidades Tradicionais; atuação organizada no combate ao coronavírus, com distribuição de cestas básicas, produtos de limpeza, máscaras e reivindicação pela prioridade na vacina.

Outro feito de que se orgulha no período da pandemia, foi a construção do Protocolo de Consulta Prévia dos Territórios Quilombolas do Vale do Ribeira – SP, lançado no dia 20 de novembro de 2020, Dia da Consciência Negra. Os Protocolos de Consulta e Consentimento são documentos elaborados por cada povo indígena ou comunidade tradicional sobre a forma e processo em que querem ser consultados, de modo que respeite suas culturas, tradições e organização social. “Neste 20 de novembro (2021) a gente fez um encontro por município para entregar o protocolo em mãos. Foi uma demanda que aconteceu mesmo na pandemia, com dificuldade, mas que hoje a gente pode se orgulhar”, acrescenta.

 

Desafios da Luta Quilombola no País

É consenso entre as representantes quilombolas contempladas pelo Programa, que o direito à terra é o principal desafio a ser alcançado . Hoje, o Brasil soma mais de 6 mil quilombos, e aproximadamente 16 milhões de remanescentes. Apesar dos obstáculos, os quilombos sempre mantiveram sua identidade étnica e cultural voltada à preservação do meio ambiente e à manutenção das práticas tradicionais herdadas de seus ancestrais. 

A experiência com o Fundo Baobá inspirou Lucimar, por saber que existem mais companheiros de luta espalhados pelo país. “A gente não pode parar nos territórios, nos quilombos, com a demarcação da terra. Precisamos de políticas pública, os negros, os pobres estão sofrendo muito por causa do latifúndio”, destaca.

O mesmo vale para Emília, que enxerga a militância como intrínseca à sua vida pessoal. “A gente não tem vida pessoal, nossa vida pessoal é lutar pelo território livre, pela libertação dos povos, não tem separação. O nosso principal desafio é a titulação do território. Esse é um entrave crucial”. 

A perspectiva de Tânia é de esperança, principalmente a partir da juventude presente na luta pelo território. “O fortalecimento da base é fundamental. Nada impede que a juventude saia, estude e volte para ajudar e assessorar as comunidades dentro do território. É um avanço grande”, afirma. Enquanto isso, se dedica a levar para as comunidades onde atua o conhecimento sobre seus direitos. 

Mas Tânia não tira a atenção das ameaças que rondam as comunidades do Vale do Ribeira, por ser uma região rica em biodiversidade. “Nós, lideranças, nos encorajamos para ter nosso direito de terra, plantio, roça, tradição. Não é para ter aquele olhar que todo quilombola tem a mesma casinha de barro, a mesma vivência, que não pode melhorar seu desenvolvimento de vida. O que fica é a valorização, a cultura, a vivência dos mais velhos, a medicina, e isso é um fortalecimento rico”, finaliza.

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

Lideranças negras se fortalecem e criam redes nacionais e internacionais para debater encarceramento de mulheres negras e luta antiproibicionista

Projetos chamam atenção para o impacto da “guerras às drogas” e o encarceramento em massa de mulheres negras e pobres no país

PorAndressa Franco*

Quando se discute encarceramento e abolicionismo penal a partir dos atravessamentos que há em relação às mulheres negras, alguns dados chamam atenção. O relatório “Mulheres em Prisão: enfrentando a (in)visibilidade das mulheres submetidas à justiça criminal”, do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), aponta que 68% das mulheres encarceradas são negras e 50% têm apenas o ensino fundamental. O estudo lançado em 2019 também mostra que a maioria é mãe, não possui antecedentes criminais, estava envolvida com atividades relacionadas ao tráfico de drogas e possui dificuldade de acesso a empregos formais.

Duas pesquisadoras que fazem esse debate, Ingrid Farias e Enedina do Amparo, foram  contempladas na 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. Uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations.

 

Trajetórias potentes e a luta por uma legislação menos desigual 

Com atuações que se intercalam entre trabalho, militância e vida pessoal, a pernambucana Ingrid Farias integra a Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (RENFA) e a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco. Articuladora política de pessoas e recursos para defesa de Direitos Humanos, voltada em especial para mulheres e população negra, Ingrid viu no programa uma oportunidade de qualificar sua atuação enquanto ativista negra no advocacy. O objetivo foi realizar incidência política e influenciar na construção de alternativas ao atual modelo de política de drogas e segurança pública no âmbito do legislativo federal e estadual.

“Esse projeto mistura o tempo inteiro a minha ação política dentro dos coletivos e organizações que eu faço parte, assim como no espaço político profissional de acompanhamento da construção da legislação brasileira e da formulação das políticas públicas no país”, afirma a ativista. 

Também atuando na área dos Direitos Humanos, Enedina do Amparo tem uma trajetória pessoal e acadêmica extensa. Doutoranda em Ciências Sociais na área de Antropologia Social pela Universidade Católica de São Paulo, ela é mestra em Ciências Sociais na área de Antropologia, com ênfase em gênero, raça, agência criminal negra e geografias carcerárias, pela mesma universidade. Em 2015 defendeu a dissertação “Rés negras, Judiciário branco: análise da interseccionalidade de raça, classe e gênero na distribuição da justiça em São Paulo”. Advogada desde 2009, atua junto aos movimentos sociais urbanos e com organizações populares dos movimentos negro e feminista. Ela também é co-fundadora do Coletivo Autônomo de Mulheres Pretas ADELINAS.

Enedina nasceu em Ituberá (BA), chegou em São Paulo em 1990, onde trabalhou no emprego doméstico, foi balconista, babá e enfrentou o racismo e a xenofobia por ser nordestina. Hoje, aos 47 anos, ela conta que se orgulha muito de suas origens: um pai trabalhador rural, que perdeu para a Covid-19 em janeiro de 2021; e uma mãe que criou nove filhos lavando roupa para as elites – sua primeira referência de ativismo.

Na faculdade, que começou em 2004 com apoio da ONG Educafro, Enedina já fazia debates que denomina “antiprisionais” e “antipoliciais”. Mas, foi a partir do primeiro estágio, no Ministério Público (MP – SP), que passou a observar a realidade do sistema de justiça mais de perto. O trabalho era na Vara da Infância e Juventude. “Ali eu vi a criminalização da maternidade negra… a produção de subjetividades submissas. Todas as frases utilizadas pelos promotores revelavam o olhar do poder judiciário e a visão patológica da mulher negra como mães de bandidinhos”, relata Enedina. Na época, a própria advogada sofria um tratamento racista e machista por parte dos promotores e até mesmo de outros estagiários.

A liderança permaneceu por um ano como estagiária no MP, e usou esse espaço para hackear o sistema como podia. Dava informações para essas mães, acompanhava até a Fundação Casa, orientava sobre como poderiam se comportar nas audiências.

 

Os percalços e mudanças de rotas geradas pela pandemia

Dentre as atividades com apoio do Fundo Baobá, Ingrid participou do processo da constituição da Frente Parlamentar Feminista Antirracista no Congresso Nacional. A liderança afirma que a iniciativa tem acompanhado hoje de forma mais organizada, projetos de lei ligados ao ataque às vidas e direitos das mulheres. 

No entanto, com a chegada da pandemia, foi necessária uma adequação para repensar os planos. Entre esses planos, estavam algumas idas à Brasília: “é onde acontece o processo de institucionalização da nossa política, do acesso a direitos”, pontua Ingrid Farias. Mas novas estratégias foram aplicadas por meio de acompanhamento remoto. Assim, ela estreitou diálogos com deputadas feministas e participou de audiências públicas e reuniões de comissões da Câmara, sempre de forma virtual.

Com uma carreira construída em torno da agenda antiproibicionista, Ingrid destaca que o momento atual é extremamente desfavorável para perspectivas de construção de alternativas dentro do campo da segurança pública e da política de drogas. Para a ativista, a atual conjuntura nacional e institucional não dá oportunidade de avançar com esses debates. Ainda assim, destaca que há um avanço mínimo no que diz respeito ao uso terapêutico da cannabis, por exemplo.

“Tem muitas mulheres que são de periferias e não têm condições de fazer compra de óleos caros que são importados de outros países. E esse trabalho de advocacy tem ajudado a avançar, especialmente com o direito das mães de crianças que precisam fazer o uso terapêutico da maconha para ter uma sobrevida”, explica. 

Ingrid ainda chama atenção para as propostas que atingem diretamente a população negra brasileira e que tem avançado institucionalmente. Como por exemplo os softwares de reconhecimento facial, propostas de aumento de penas e do encarceramento.

Assim como para Ingrid, a pandemia também afetou o projeto inicialmente proposto por Enedina. A advogada investiu em terapia em decorrência do período. Além disso, estava previsto um intercâmbio para desenvolver o repertório linguístico, o que precisou ser modificado. Começou então um intercâmbio virtual com estudantes da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara. “Falando a língua do colonizador a gente entende as formas sutis e explícitas do racismo; analisa arquivos e dados estatísticos sobre assassinatos de mulheres negras no Brasil e fora do Brasil; acessa artigos em inglês e estabelece novas parcerias, sobretudo com as mulheres norte americanas feministas negras”, defende.

 

Criação de redes internacionais

Com o objetivo de criar redes e pensar quais são as produções de resistência que existem no campo da segurança pública e da política de drogas em outros países, Ingrid Farias também fez cursos de línguas. Com foco especialmente na América Latina, a liderança pretende expandir sua luta para além do Brasil.

Enedina do Amparo, por sua vez, se inscreveu no Programa de Aceleração justamente pensando na perspectiva de internacionalização da sua atuação. Refletindo sobre a própria trajetória, ela sentiu a necessidade de resolver algo que classifica como um trauma pessoal: o conhecimento da língua inglesa. E foi a fim de desenvolver o segundo idioma que se inscreveu no edital.

Para a ativista, hoje os padrões de exclusão são diferentes, e podem ser medidos no acesso ao treinamento da língua estrangeira. “Bell Hooks nos convida a pensar que, ao mesmo tempo em que a língua oprime, ela é o lugar onde nos fazemos sujeitos da nossa própria história. Apenas 5% da população brasileira sabe se comunicar em inglês. E, embora eu não tenha dados, as mulheres negras devem ser as últimas da fila”, comenta. Enedina está agora no terceiro módulo do curso de inglês, já em nível pré-intermediário. O objetivo é pensar a luta antiprisional e antipolicial fora do país.

 

Fortalecimento das lideranças

Atualmente, Enedina é assistente de acusação no Ministério Público no processo criminal sobre o assassinato de Luana Barbosa – mulher negra, lésbica, mãe e periférica, que foi espancada e morta por três policiais militares em Ribeirão Preto (SP). Com a participação no programa, a advogada conta que conseguiu fortalecer e construir novas redes, junto a este caso, em que ela é a única advogada negra atuando.

A contratação de uma assessoria em segurança digital também foi um destino para os recursos de apoio à advogada, que em 2019 sofreu um ataque nas redes sociais. Assim, ela investiu no conhecimento para se proteger nesse ambiente; Contratou uma assessoria de marketing para a produção de conteúdo nas redes sociais, com objetivo de ampliar o debate sobre abolicionismo penal e encarceramento em massa; e também se dedicou a organizar um livro que pretende lançar em 2022, fruto da sua dissertação de mestrado.

Para o futuro, a advogada vislumbra um PhD fora do país. Outra pretensão é a publicação de um livro em inglês, e tradução de seus textos para o idioma, como uma forma de fazer o debate ultrapassar as fronteiras.

Ingrid também relata que nestes 18 meses do projeto Baobá ela pôde acessar muitas oportunidades de qualificação, que influenciaram diretamente na sua atuação técnica e profissional. “Eu participei de formações dentro de grandes instituições do Estado como o Senado e a Câmara Federal. Então acho que a maior possibilidade que o edital nos deu foi tempo. Tempo para que a gente pudesse se dedicar a outras coisas e não estivesse só naquela luta eterna que nós mulheres pretas estamos pela sobrevivência”, finaliza.

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

Mulheres negras se reinventam a partir de apoio no enfrentamento ao racismo religioso

Ana Bartira e Mãe Jaciara encontraram no apoio do Fundo Baobá um respiro para seguir na luta contra o racismo religioso e se fortalecerem como lideranças

Por Jamile Araújo*

É no contexto de enfrentamento ao racismo religioso e intolerância religiosa que as histórias de Jaciara Ribeiro dos Santos, Iyalorixá do Axé Abassá de Ogum em Salvador (BA), e Ana Bartira da Penha Silva, assistente social, membro da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro)  e do Centro de Estudos Afro-Brasileiro Ironides Ribeiro (CEABIR), de Niterói (RJ), se interseccionam. As lideranças negras que atuam no segmento de enfrentamento ao racismo religioso foram contempladas pela 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations.

Apesar da laicidade do Estado brasileiro, e da garantia na Constituição de 1988 da liberdade religiosa, na prática essa liberdade está longe de ser plena. Nos últimos anos no Brasil houve aumento das denúncias de intolerância religiosa no Disque 100, canal de denúncias de violação de direitos humanos. Até outubro de 2021 foram realizadas 462 denúncias, um aumento de 90,9% em relação ao ano de 2020, onde 243 denúncias foram realizadas. Os números são da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), ligada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH)

Manifestado de diversas maneiras, desde depredações, incêndio de terreiros e violência física, ou assédio e perseguição em ambiente de trabalho e escolar, o racismo religioso está presente na vida dos povos e comunidades de axé. “O racismo religioso condena a origem, a existência, a relação entre uma crença e uma origem preta”, afirma Sidnei Nogueira, professor e Babalorixá, em seu livro “Intolerância Religiosa”, da coleção Feminismos Plurais. Ele defende que não se trata apenas do eixo religioso, que o racismo não incide apenas entre as pessoas pretas que praticam as religiões de matriz africana, mas sobre as origens, práticas e crenças da religião.  “É provável que o termo ‘intolerância religiosa’ seja mais aceito por conta dos mitos da democracia racial e da democracia religiosa (laicidade)”, acrescenta. Em seu livro, Sidnei também analisa os dados do disque 100 dos últimos anos, e confirma que as denúncias de intolerância contra pessoas das religiões de matriz africana correspondem à maioria das realizadas.

“Nossos passos vêm de longe”

Mãe Jaciara explica que desde os três anos de idade está dentro do candomblé, mas que se tornou ativista da luta contra a intolerância religiosa a partir da morte de sua mãe, a Iyalorixá Gilda de Ogum. Fundadora do Axé Abassá de Ogum, Mãe Gilda sofreu um infarto fulminante e faleceu, em decorrência do racismo religioso, em 21 de janeiro de 2000. “A Igreja Universal do Reino de Deus pegou uma imagem dela, que saiu na revista ‘Isto é’,  e colocou na Folha Universal com a tarja preta no rosto escrito ‘macumbeiros, charlatões lesam o bolso e a vida de clientes’”, relata.

Ela  também cita um ataque ao terreiro de candomblé e a sua mãe. “A Igreja Assembleia de Deus aqui na comunidade, invadiu o terreiro e tentou bater com a Bíblia na cabeça de minha mãe. Então são 21 anos da morte dela, e 21 anos que eu assumi esse papel de filha biológica, e que entendi que precisava denunciar esse racismo religioso”. Mãe Jaciara ressalta que foi um processo muito difícil,  porque teve que assumir o terreiro enquanto religiosa da comunidade e também se tornar uma mulher política ativista, sem nenhuma formação acadêmica ou preparação. “Mãe Jaciara é esta mulher que se reinventou a partir da dor da morte da mãe biológica”, diz.

Em sua trajetória no enfrentamento ao racismo religioso, Mãe Jaciara destaca a importância do diálogo inter-religioso bem como a necessidade de fortalecer a auto estima dos membros do candomblé. “Você não pode falar da sua dor só para o povo de candomblé, a gente deve levar isso para os espaços onde acomete essa dor para nós. Faço parceria com espíritas, com evangélicos, com pastores e padres. Tenho um trabalho de fazer roda de diálogo dentro do terreiro de candomblé, para orientar os nossos jovens a saber denunciar”, declara.

Ana Bartira Silva, conta que cresceu e se tornou adulta acompanhando a atuação de sua mãe, que foi militante do movimento negro na década de 80. “Ela participou do Centro de Estudos Brasil África (CEBA) e do Agbara Dudu, considerado o primeiro bloco afro do Rio de Janeiro. Além disso, fundou o CEABIR, organização que tem o combate ao racismo, machismo, sexismo, homofobia, violências e todas as formas de intolerâncias, como missão”. Ela explica que o CEABIR (Centro de Estudos Afro Brasileiro Ironides Rodrigues) é uma organização não governamental coordenada por mulheres negras, criada a partir da indignação e revolta após a chacina que vitimou sete moradores na favela da Coreia, no bairro da Engenhoca, em Niterói (RJ), no ano de 1989. “Fui me inserindo e influenciada desde a infância por minha mãe. E, atualmente, ainda continuo com ela à frente do CEABIR”, afirma. 

De acordo com Ana Bartira, sua participação na militância com os jovens de terreiros se iniciou por meio do Ogã José Marmo (in memoriam), que fundou a Renafro, motivado pela necessidade de criar um espaço público, político e democrático para jovens. O objetivo era proporcionar que estes jovens ocupassem o seu lugar de fala no que diz respeito à promoção da saúde, no seu sentido ampliado, no espaço de terreiro. “Em agosto de 2006 realizamos o primeiro Encontro Estadual da Juventude de Terreiros – RJ. Participei deste encontro como convidada, por ser uma jovem de terreiro. A partir desta data comecei desenvolver atividades e ações com esse público”.  

 

“Ajuda mágica para seguir”

Mãe Jaciara compartilha a sua felicidade em ter tido um projeto apoiado pelo Fundo Baobá e afirma que esse apoio é algo mágico, que vai muito além do apoio financeiro. “Ele vem como uma ajuda mágica que me deixou contaminada positivamente para seguir. Dá uma sustentabilidade, uma ferradura e arma na mão para eu seguir”, ressalta.

Ela relata que, após 21 anos de luta, percebeu que precisava sair do espaço do terreiro e ir para o mundo. “O projeto me deu essa possibilidade ao ser acolhida e escolhida em uma seleção que teve muitas mulheres inscritas. Já dá uma grande emoção ter sido escolhida para poder contar minha história e empoderar outras mulheres”. A Iyalorixá acredita que o apoio possibilitou como consequência, enquanto uma mulher de candomblé negra, o fortalecimento de outras mulheres em outros espaços.

Entre as ações realizadas durante a execução do projeto “Iyá Omi: O legado ancestral da Iyalorixá Jaciara Ribeiro na luta contra o racismo e a intolerância religiosa”, escrito por Mãe Jaciara, estão: o lançamento do coletivo nacional Iya Akobiodé – mulheres que transformam; lives do programa Candomblé e seus Caminhos; Campanha Mãe Gilda de Ogum 21 anos de Memória Ancestral, realizada todo dia 21 de cada mês; construção, diagramação e impressão da cartilha “Akoberê Aiyê – Racismo Ambiental e religião de matriz africana”; realização do II Festival de Oxum; reuniões de articulação política; articulação com Quilombo Caipora; entre outras atividades. 

Ana Bartira conta que, para ela, uma das etapas mais desafiadoras foi fazer o Plano de Desenvolvimento Individual, pois sua experiência sempre foi coletiva quando se trata de editais e apoios. “Então pensar um plano a partir da minha necessidade como mulher negra militante, ter a leitura do que o Programa tem para me oferecer, a partir da liderança, foi muito importante, desafiador e necessário”, diz.

Ana escreveu o plano no contexto das suas necessidade profissionais, e antes da pandemia seu objetivo era centrado na qualificação para ampliar a sua atuação política junto ao seu coletivo. A assistente social conta que uma das lições aprendidas é que “dentro de um todo é preciso nos colocar como prioridade também, pois ajuda muito na nossa saúde física e mental”.

Ao longo do Programa, Ana Bartira participou de diversas atividades: formações, oficinas, lives, rodas de conversa, cursos, podcast, atos e manifestações. “Nesses encontros tivemos a oportunidade de dialogar com expressivas intelectuais negras, dentre algumas delas: Sueli Carneiro, Érika Malunguinho, Lúcia Xavier, Magali da Silva Almeida, a jornalista Flávia Oliveira, Márcia Lima, Jurema Werneck”. A partir de sua participação no programa, um importante fruto foi conseguir transformar o CEABIR num Ponto de Cultura. Hoje o coletivo tem realizado palestras sobre cidadania, ancestralidade, identidade cultural, racismo e história afro-brasileira, oficinas de percussão, dança afro-brasileira para jovens, adultos, crianças e idosos.

 

“Sou como a haste fina que qualquer brisa verga, mas nenhuma espada corta”

A pandemia de Covid-19 gerou consequências no desenvolvimento das ações previstas nos planos das lideranças. Ana Bartira diz que mesmo com as mudanças na programação, o suporte dado pelo apoio do Baobá foi importante para que ela enfrentasse o período. “A bolsa foi fundamental para atravessar este período de desemprego, fome, morte e adoecimento de pessoas por sequelas da covid-19. Pois apesar disso tudo, consegui manter minha saúde mental, física, emocional”, reforça.

Entre as dificuldades encontradas por Ana estavam o acesso a internet e a falta de domínio da informática. “Me reinventei em meio a pandemia, a fim de manter as atividades dos coletivos nos quais estou à frente. Apesar dos desafios encontrados, consegui boas articulações com outras lideranças negras, com jovens de terreiros e alcancei outros públicos nas redes sociais”, relata.

“Foi frustrante para mim a pandemia ter chegado, porque eu tive que reestruturar totalmente o projeto”, destaca Mãe Jaciara. Ela diz que, como a proposta era ir presencialmente em locais de vulnerabilidade, em comunidades quilombolas, comunidades de terreiro, o isolamento social impossibilitou essa interação. “Foi muito ruim porque tivemos que estar silenciadas, foi através desta plataforma, do notebook, do celular, dessas redes sociais que a gente conseguiu fazer alguma coisa. E também  ter de lidar com essa nova ferramenta, acho que não atingi muitas mulheres que eu queria, porque muitas comunidades não tinham acesso à internet”, comenta. 

A Iyalorixá diz ainda que mesmo assim foi interessante, porque não se deixou abalar psicologicamente com a frustração e a interação virtual com outras mulheres contempladas no edital a fortaleceu. “Achei que o Baobá foi muito feliz nos temas que foram trazidos para gente dialogar. O racismo, a intolerância religiosa, a violência contra mulher, e outros assuntos que deixou as pessoas mais conectadas umas com a outras”. 

Ambas destacam que a pandemia despertou o olhar para algumas necessidades como o resgate do autocuidado, construção e fortalecimento de espaços coletivos, acolhimento, escuta, fortalecimento de laços. Sobretudo, a percepção de que quando cuidam de si, estão cuidando também de outras. 

 

“Aprender a ler pra ensinar meus camaradas”

“O Baobá ficou tatuado em minha mente como algo projetor, como uma flecha para eu voar longe”, diz Mãe Jaciara sobre a sua participação no Programa. Ela conta que esta foi a primeira vez que teve apoio de um edital desse tamanho.

Mãe Jaciara está dando continuidade aos projetos. Em setembro foi inaugurado o primeiro terreiro de candomblé dentro do Quilombo Caipora, onde também serão construídas 16 casas para 16 mulheres que transformam a vida de outras mulheres. “A minha vontade é que essas 16 mulheres que transformam o mundo, possam realmente ser essa força de união para uma estar cuidando da outra”. 

Ana compartilha que se sente orgulhosa e emocionada por ter participado do Programa, considera que agregou muito conhecimento, oportunidade, experiência e troca. “A participação no Programa potencializou meu processo de desenvolvimento de habilidades de liderança. Fortaleceu minha capacidade de produzir ideias, conhecimentos, leitura política e inovações, que dão sentido ao verdadeiro ‘aquilombar-se’”.

Outro ponto levantado por ela é o de reconhecer que o trabalho que realiza enquanto militante deve ser valorizado. “Entender que é um trabalho profissional e que toma, de forma expressiva, grande parte dos meus dias, fortalece em mim a necessidade de reconhecer quem eu sou, o que eu desenvolvo, minha responsabilidade e capacidade no processo de formação da juventude negra”, pontua.

Ana escreveu  seu trabalho de conclusão de curso da Especialização de Direitos Humanos, Saúde e Racismo: Questão Negra, do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural da Escola Nacional de Saúde Pública (DIHS/ENSP) sobre o programa do Fundo Baobá. “No trabalho intitulado ‘O Programa de Aceleração de lideranças Femininass Negras Marielle Franco: potencialização do processo de empoderamento das mulheres negras’ analisei como este Programa contribuiu no processo de empoderamento das ativistas negras contempladas no período de 2020 a 2021”. Ela mapeou as atividades das ativistas negras inscritas, buscando compreender como elas contribuíram para o os processos de continuidade de militância e liderança negra. 

Mãe Jaciara e Ana afirmam terem saído fortalecidas do Programa, qualificadas e impulsionadas a ir além e construir novos projetos. “Até hoje esqueço e acho que ainda estou sendo apoiada pelo Baobá e pelo edital Marielle Franco, mas não no financeiro, e sim nessa contaminação, dessa vitamina, que ficou em mim. Parece que eu tomei uma injeção e está no meu DNA, que é acreditar que nós mulheres pretas, especialmente de candomblé, somos mágicas, somos capazes de transformar as nossas vidas e de outras mulheres”, finaliza Mãe Jaciara.

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

Resgate da ancestralidade no passado, corre pela equidade racial no hoje em busca da colheita no futuro

Por Vitória Macedo e Weslley Galzo, do Perifaconnection

Em um cenário de crise aguda nas áreas social, sanitária e econômica, a educação continua sendo alvo de vilipêndio, como mostra a proposta enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional – que pede a retirada de 1,4 bilhão de reais do orçamento do Ministério da Educação em 2021 para o enfrentamento da pandemia do coronavírus. 

Ao mesmo tempo, jovens de baixa renda, em sua maioria negros, sofrem com a falta de equipamento adequado e apoio no desenvolvimento dos estudos em meio à pandemia de Covid-19. Tais problemas dificultam ainda mais a inserção da juventude negra e periférica no ambiente acadêmico.

É nesse contexto de descalabro que surge uma iniciativa corajosa e potente, o programa “Já É: Educação e Equidade Racial”. Seu intuito é oferecer bolsas em cursos preparatórios para o vestibular, disponibilizar notebooks, apoio psicopedagógico e benefícios de permanência – como auxílio transporte e alimentação – para que jovens afetados pela erosão das bases da educação não sejam desamparados na busca pelos seus sonhos.

A iniciativa do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Citi, Demarest Advogados e Amadi Technology, ocorre no ano seguinte ao de maior abstenção na história do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). As taxas variaram entre 55% e 72% de não comparecimento.

Dentre os vários propósitos, o programa foi pensado como estratégia de enfrentamento da realidade apresentada pelos números. Nesse contexto, o Já É surge para que 100 jovens negros selecionados, das periferias da capital paulista e da Região Metropolitana de São Paulo, não desistam dos seus sonhos – por conta da impossibilidade de se preparar adequadamente.

Após a seleção das e dos estudantes — que se mostraram potenciais lideranças, ativistas ou empreendedores a serem lançados em suas carreiras profissionais por algumas das instituições mais prestigiadas do país –, o Fundo Baobá convidou o Perifaconnection para contar as histórias dessa molecada.

Uma equipe formada por jovens jornalistas pretxs contando a trajetória de uma juventude que compartilha dos mesmos anseios em relação ao futuro.

O Perifaconnection, então, uniu as potências do jornalismo brasileiro presentes nas quebradas de três regiões do país (Sul, Sudeste e Nordeste), na missão de rememorar o passado da garotada do Já É e prestar escuta atenta aos seus desejos em relação ao futuro. 

Parceria Fundo Baobá e Perifa Connection para a divulgação do Programa Já É

Os 14 profissionais de comunicação envolvidos nessa empreitada, em sua maioria mulheres, experimentaram a potencialidade dos seus respectivos trabalhos e gozaram da possibilidade de explorar a subjetividade da sua negritude em grupo. 

O bonde está espalhado em Guaianazes, São Miguel Paulista, Cidade Tiradentes e Grajaú, em São Paulo, no Pantanal em Duque de Caxias, também no Engenho Novo, Santa Tereza e Jacarezinho no Rio de Janeiro até a Casa Amarela, em Recife. Além de um olhar atento à Região Metropolitana com uma representantes no Planalto, em São Bernardo do Campo, e em Franco da Rocha.

Entre as e os jovens selecionados, a maioria é mais nova do que o grupo de repórteres, e isso fez com que uma relação mútua de espelho fosse criada. Tanto entrevistades se inspiravam em quem estava ali para ouvir suas histórias, quanto entrevistadores relembravam a fase que viveram para entrar na universidade. 

Ainda que muitos tenham saído agora do ensino médio e estejam vivenciando o início da vida adulta, é perceptível que essa juventude tem um vasto conhecimento de mundo.

Esses jovens que participam do Programa Já É são crias das periferias e sabem o significado de entrarem no ensino superior. Seja pelo desejo de mudar a realidade em que foram criados, transformar e inspirar a vida de outros semelhantes, ou por fazer a diferença na família. 

O apoio familiar é algo que se destaca em grande parte das conversas que compuseram a obra. Quando reconhecemos a luta ancestral e todo o caminho percorrido pelos que vieram antes de nós, a valorização pelo que acontece hoje é praticamente instantânea, além da garra para conquistar um futuro melhor, e isso esses jovens têm de sobra. Muitos vieram de famílias cujos pais não tiveram acesso ao sistema de ensino, talvez por isso se desdobram tanto ao apoiarem os filhos na conquista de um sonho que é coletivo.  

Nesta seleção, temos jovens negros diversos, cada um com sua subjetividade. Diante de narrativas que sempre colocam o negro no lugar do “outro”, retirando qualquer resquício de sua humanidade, as e os 100 jovens selecionados, dentre eles mães, transexuais, cisgêneros, héteros, homossexuais, são conscientes de suas particularidades e capacidades que definem o seu lugar no mundo. 

Alguns têm o sonho de empreender, enquanto outros querem ser artistas, ou funcionários públicos. Entretanto, todos têm o mesmo objetivo: entrar em uma universidade.  

Para colocar no papel tantas histórias potentes e complexas em sua subjetividade foi necessário um corpo de repórteres que se envolveu emocionalmente com cada fala, até mesmo por já terem vivido na pele alguns dos relatos. 

Contar o passado e a visão de futuro desses jovens foi um trabalho de fé baseado em dedicação, por acreditarmos nas mudanças concretas que serão promovidas pelo projeto. 

Em 2 meses de trabalho, foram realizadas 25 reportagens, 100 perfis, mais de 15 reuniões de pauta e acompanhamento, cerca de 1.500 minutos de captação de áudio, mais de 150 páginas de texto e uma síntese grandiosa em 7 minutos de vídeo. Esse é o fruto do trabalho de uma juventude que acreditou no chamado para fazer parte de uma iniciativa emancipadora de mentes e construtora de realidades que gozam do bem viver. 

Por fim, com a bolsa na mão, os 100 jovens negros terão acesso a conteúdos preparatórios para o vestibular e vão assumir compromissos com a entidade e os seus próprios futuros. Desse modo, o Programa Já É vai monitorar alguns indicadores importantes durante esse percurso. 

Dentre eles, a frequência dos alunos nas atividades que integram e iniciativa, a evolução de nota nas provas simuladas aplicadas pelo cursinho pré-vestibular, os alunos que ingressam na universidade via Sisu ou Prouni, também aqueles que tiveram pontuação igual ou maior a 450 no Enem, bem como a evasão durante os 12 meses do projeto. 

Um programa como esse nos faz pensar: o que queremos para o futuro dos nossos jovens? Diante da criticidade da situação que o país enfrenta, em que a educação não é valorizada e o genocídio dos jovens negros é vigente, o Programa Já É vem com o objetivo de subverter realidades e garantir possibilidades de mudanças concretas. É a partir de ações coletivas, em comunidade, que faremos um mundo melhor. 

Nas histórias de cada um desses jovens, conscientes do mundo onde vivem e cheios de gás para ir atrás dos sonhos, vemos como as relações humanas são interdependentes e que sempre precisaremos dos nossos para seguir. 

Programa de Aceleração Marielle Franco inspira lideranças femininas ao engajamento proposto pelo Dia Internacional contra a Discriminação Racial

“Nós, mulheres negras, somos a vanguarda do movimento feminista nesse país. Nós, povo negro, somos a vanguarda das lutas sociais deste país,  porque somos os que sempre ficaram para trás, aquelas e aqueles para os quais nunca houve um projeto real e efetivo de integração social.”  A frase da filósofa, escritora, ativista do movimento negro brasileiro, diretora do Geledés – Instituto da Mulher Negra e uma das fundadoras do Fundo Baobá para Equidade Racial, Sueli Carneiro, retrata de forma fiel o que tem marcado, ao longo da história, a busca pelos direitos de igualdade na sociedade brasileira..

As mulheres têm tido papel preponderante nessa busca, pois além de se posicionarem e lutarem pelos direitos de todas, todos, todes , têm buscado e alcançado vitórias, mas ainda há muito a conquistar contra o racismo estrutural e a desigualdade social. 

O Dia Internacional contra a Discriminação Racial foi estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para ser uma espécie de lembrete pela conscientização contra o racismo em todo 21 de março. Ele tem origem a partir do massacre ocorrido em Shaperville (Joanesburgo), na África do Sul, também em  21 de março, mas em 1960. A população negra saiu às ruas protestando contra a Lei do Passe, que a obrigava a só circular apenas por locais pré-determinados. Mesmo sendo uma ação pacífica, a polícia sul-africana abriu fogo contra os manifestantes. Morreram 69 pessoas, mulheres e homens, e outras 186 ficaram feridas. Essa é a informação oficial. Os números podem ser bem maiores. 

O racismo anda de mãos dadas com a morte, pactua com a violência e é amigo íntimo da opressão. Sempre foi assim. Continua sendo assim no mundo moderno. A conscientização relacionada ao respeito ao outro, independentemente de sua cor, religião, raça, orientação sexual ou identidade de gênero ainda não contagiou toda a  humanidade. Mas sua influência está crescendo. As manifestações ocorridas ao redor do mundo após a morte do negro norte-americano George Floyd e da negra norte-americana Breonna Taylor, ambos assassinados por policiais, lançam uma luz de esperança na busca por uma sociedade em que a equidade racial seja exercida por todos, todas e todes. 

George Floyd e Breonna Taylor, ambos assassinados nos Estados Unidos

Lucia Xavier, assistente social, ativista dos direitos humanos no Brasil,  coordenadora-geral do Criola, organização social que trabalha na defesa dos direitos das mulheres negras, afirma que o racismo impede toda forma de desenvolvimento. “Enquanto houver racismo não haverá democracia. Para que a população negra alcance a equidade faz-se necessário enfrentar o racismo, a discriminação racial e as formas correlatas de intolerância, efetivando direitos e estabelecendo políticas de ações afirmativas para dirimir as desigualdades. Além de alcançar o acesso e a participação nos espaços de decisão e deliberação”, disse. 

Lucia Xavier, assistente social, ativista dos direitos humanos no Brasil,  coordenadora-geral do Criola

Programa de Aceleração e Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco

A fala de Lucia Xavier remete ao que foi escrito e dito pela administradora, doutora em Ciências Sociais e também fundadora do Fundo Baobá, Luiza Bairros: “Não se trata mais de ficarmos o tempo todo implorando, digamos assim, para que os setores levem em conta nossas questões, que abram espaços para que o negro possa participar. Essa fase efetivamente acabou. Daqui para a frente, vamos construir nossas próprias alternativas e, a partir dessas alternativas, criar para o povo negro como um todo no Brasil uma referência positiva”. Se estivesse viva, Luiza Bairros teria completado 63 anos de idade no dia 27 de março.

O Programa de Aceleração e Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco , lançado pelo Fundo Baobá em 2019 em parceria com a Ford Foundation, Open Society Foundations, Instituto Ibirapitanga e W.K. Kellogg Foundation, surge à luz da alteração. O principal objetivo do Programa de Aceleração é ampliar a participação e consolidar mulheres negras cis e trans em posições de poder e influência, através de investimento em suas formações políticas e técnicas. 

As ações desenvolvidas pelo Programa de Aceleração foram a sustentação para que a professora de Comunicação e Empreendedorismo, gerente de projetos e co-fundadora do projeto Ecociclo, a baiana Hellen Caroline dos Santos Sousa, colocasse suas ideias na rua e com muito sucesso. A Ecociclo foi criada a partir da ideia de desenvolvimento de um absorvente 100% biodegradável e brasileiro. “Em 2019 a Universidade de Michigan (EUA) nos convidou para apresentar lá o nosso plano de negócios”, disse Hellen. Além do desenvolvimento do Ecociclo, o apoio do Marielle Franco fez surgir uma nova Hellen Caroline. “O trabalho do Fundo Baobá tem sido justo, maravilhoso e honesto. É a primeira vez que o Brasil tem algo tratado com tanto cuidado, como tem que ser para nós, mulheres pretas. Algo que nos dá ferramentas e a oportunidade de escolha sobre o que fazer com essas ferramentas. Além do que, foi a primeira vez que eu pude pensar a minha vida com estratégia”, afirmou. 

Hellen Caroline dos Santos Sousa, professora de Comunicação e Empreendedorismo, gerente de projetos e co-fundadora do projeto Ecociclo

Lucia Xavier enaltece a importância do Programa Marielle Franco para o coletivo de mulheres negras brasileiras. “É uma das mais importantes iniciativas em prol das mulheres negras no Brasil. Além de ser a maior ação afirmativa para o desenvolvimento de habilidades, profissionalização, participação cívica e de empoderamento de jovens mulheres negras cis e trans. O programa traz como marca política o apoio aos projetos de vida e o fortalecimento das lideranças, transferindo também tecnologias sociais para o desenvolvimento de ações, o enfrentamento do racismo patriarcal  cis-heteronormativo”, afirmou. 

Os objetivos do Programa de Aceleração Marielle Franco possibilitaram à pedagoga e mestra em Educação pela Universidade Federal do Acre, Sulamita Rosa, da Rede de Formação para Mulheres Negras, Indígenas e Afro-indígenas do Acre,  implementar seu PDI (plano de desenvolvimento individual).  “Trabalho com formação para enfrentar o racismo e contribuir com a inserção de mulheres negras nos espaços de poder, com foco no ambiente acadêmico”, disse. Desde que iniciou seu trabalho, a proximidade e a influência sobre outras mulheres têm sido suas maiores conquistas. “O reconhecimento das outras mulheres e os feedbacks com relação a continuar nesse meu sonho têm me incentivado muito”, revela.

Sulamita Rosa, pedagoga e mestra em Educação pela Universidade Federal do Acre e integrante da Rede de Formação para Mulheres Negras, Indígenas e Afro-indígenas do Acre

 

Combate às questões de vulnerabilidade

No contexto do Dia Internacional Contra a Discriminação Racial, a luta das mulheres tem foco também no combate ao sexismo e outras questões que as colocam em situação de vulnerabilidade. Lucia Xavier cita a Carta das Mulheres Negras Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver como o guia nessa luta. “Na carta, o movimento de mulheres negras declara as diferentes reivindicações no campo dos direitos, mas entra também nas possibilidades de inverter o padrão dessa civilidade que convive pacificamente com o racismo e as desigualdades raciais”, argumenta.  Já em termos de avanços, Xavier fala dos diferentes focos nos quais as futuras conquistas estão centradas: “As estratégias políticas adotadas para enfrentar o racismo patriarcal cis-heteronormativo são aquelas relacionadas à incidência política por direitos; o fortalecimento das mulheres negras cis e trans e suas organizações; a mobilização política; a articulação com diferentes setores da sociedade brasileira e internacional para ampliação da luta contra o racismo; a disseminação do pensamento das mulheres negras cis e trans; e a mudança do padrão  desumano, excludente, violento e hierarquizante das civilidades”, afirma.  

Ativismo antirracista

Para o escritor Oswaldo Faustino, autor de A Legião Negra – A Luta dos Afro-brasileiros na Revolução Constitucionalista de 1932 e  Nei Lopes – Retratos do Brasil Negro, Shaperville marcou o início de uma grande jornada de conquistas em todas as vertentes em que ocorria a discriminação por cor, raça e sexo. “O Massacre de Shapeville é um marco não só na história da luta contra o Apartheid sul-africano, mas na própria luta antirracista e contra as discriminações de todos os gêneros no mundo todo,  em especial nos países onde a diáspora africana aconteceu em números mais expressivos. Ele mudou a postura do Congresso Nacional Africano (CNA), que pregava a não violência frente aos ataques policiais, gerou manifestações internacionais de consciência racial  e angariou solidariedade pela causa negra em povos dos cinco continentes”, afirmou Faustino.

Escritor Oswaldo Faustino

Fundo Baobá na Imprensa em Fevereiro

No dia 11 de fevereiro, o presidente do conselho deliberativo do Fundo Baobá para Equidade racial, Giovanni Harvey,  participou do “Webinar: Direitos Humanos e Empresas”, organizado pelo Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE). Além de Giovanni, participaram do evento virtual, o presidente do IREE, Walfrido Warde, o economista e pesquisador do INSPER, Michael França, o jornalista, coordenador de direitos humanos do IREE e coordenador do Coletivo de Entidades Negras, Yuri Silva e a presidente do conselho do Magazine Luiza e do Grupo Mulheres do Brasil, Luiza Trajano.

Em sua fala inicial, Giovanni Harvey citou a importância daquele evento que buscava reiterar a importância dos direitos humanos dentro de uma instituição privada: “O tema do evento é extraordinário, as empresas privadas têm um papel importantíssimo no que diz respeito às pautas sociais, elas são instituições educacionais”. Na ocasião, Giovanni fez questão de relembrar um diálogo que teve com o empresário e doutor em engenharia metalúrgica e materiais, Alfredo Laufer, na época do pensamento nacional das bases empresariais, durante a transição democrática, nos anos 1980, no qual falava da função educacional que as empresas cumpriam junto aos seus funcionários: “Muitas vezes nas empresas, os funcionários tinham acesso à condições sanitárias e de alimentação, coisas que não tinham em sua residência. E eram influenciados pela convivência no ambiente de trabalho, que essas pessoas passavam a investir nas melhorias de saúde e de vida dos seus lares”, reflete Giovanni, que ainda faz um paralelo com a atual situação: “Hoje, a pauta trabalhada dentro das empresas se ampliou e envolve questões como democracia e direitos humanos”.

Durante o webinar, ao ser questionado pelo jornalista Yuri Silva, sobre qual era o papel do estado e do setor privado no debate das pautas dos direitos humanos, Giovanni Harvey fez questão de lembrar da sua experiência profissional nos dois lados: nos entes federativos (município, estado e governo federal) em oito oportunidades diferentes, e na iniciativa privada: “Não há comparação entre a musculatura que o estado tem para formular, implementar e gerir políticas públicas de direitos humanos, em comparação com as empresas. O estado detém prerrogativas que as empresas privadas não têm. Mas, por outro lado, as empresas têm um papel fundamental nessa luta, tem um papel subsidiário, um papel educativo, um papel à partir dos seus valores, dos seus princípios, da sua capacidade de influenciar a sociedade através da publicidade e das boas práticas”, diz Giovanni, que faz questão de mencionar a importância das instituições privadas no momento atual: “No contexto como esse que nós estamos vivendo que há uma interdição do Estado, em relação a agenda de direitos humanos, as empresas tomaram para si essa responsabilidade, elas saíram de uma zona de conforto. Claro que são papéis distintos, as empresas não substituíram o Estado, elas não têm a força que o Estado tem, elas não têm a capacidade legislativa que o Estado tem, mas elas têm o papel fundamental, nessa conjuntura que o Brasil está vivendo hoje, com a interdição de segmentos importantes do Estado, as empresas adquiriram protagonismo fundamental e, graças a sociedade civil e as empresas privadas, nós estamos conseguindo manter essa agenda no momento no qual o Estado deixa a desejar como protagonista desse processo”, finaliza.

Para acompanhar o evento na íntegra, basta assistir o vídeo abaixo: 

No dia 8 de fevereiro, a doutora, filósofa, ativista, uma das fundadoras do Fundo Baobá para Equidade Racial e membro do conselho deliberativo da organização, Sueli Carneiro, foi premiada pela Associação de Estudos Latino Americano (Lasa). Em nota oficial, a entidade afirma: “A Dra. Carneiro, recebe este prêmio por sua vasta produção acadêmica centrada nas relações raciais e de gênero na sociedade brasileira, (…) bem como pelo seu destacado compromisso no âmbito das políticas educativas”.

A premiação de Sueli Carneiro foi destaque em uma matéria no portal UOL escrita pela jornalista e escritora, Bianca Santana. No texto, Bianca relembra momentos importantes da trajetória da doutora Sueli, como a publicação do seu primeiro livro “Mulher Negra: Política Governamental e a Mulher”, em 1985. A sua coordenação na pesquisa em todos os cartórios e fóruns do estado de São Paulo para identificar condenações por discriminação racial com aplicação da Lei Afonso Arinos, no ano de 1989. Além da criação do Programa de Direitos Humanos de Geledés – Instituto da Mulher Negra.

A matéria completa pode ser lida aqui.

No dia 26 de fevereiro, o portal Seu Dinheiro, fez uma matéria divulgando o evento Expert ESG, organizado pela XP Investimentos no mês seguinte, entre os dias 2 a 5 de março, reunindo os principais experts do mercado financeiro para debater investimentos sustentáveis. Entre os participantes, estava a diretora-executiva do Fundo Baobá para Equidade Racial, Selma Moreira, que participou do terceiro dia de evento, voltado para “governança corporativa”, discutindo como a cultura corporativa e os líderes empresariais estão migrando para um modelo mais consciente e sustentável de negócios. Neste dia, além de Selma Moreira, o Expert ESG contou com Raj Sisodia, co-fundador e co-presidente do Conscious Capitalism Inc. e professor da Babson College. Halla Tomasdottir, empresária e CEO do B Team (organização que tem liderado um movimento global para ressignificar o papel dos negócios na sociedade) e ex-candidata à Presidência da Islândia. Luis Henrique Guimarães, CEO da Cosan. Marcelo Furtado, fundador da Zscore/BlockC, membro de Conselhos e do Comitê de Sustentabilidade da Duratex e da Marfrig. Gilson Finkelsztain, CEO da B3; e Renato Franklin, CEO da Movida.

A programação completa do evento, você pode conferir aqui.

Apoiadas do Fundo Baobá são destaque na imprensa

E como não poderia ser diferente, as nossas apoiadas do Fundo Baobá ganharam mais uma vez destaque na imprensa, com as suas ações, conhecimentos e com as suas contribuições para promoção da equidade racial.

No dia 11 de fevereiro, a jornalista Midiã Noelle, apoiada do Programa de Aceleração e Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, escreveu uma coluna para o jornal Folha de São Paulo, dando a sua opinião sobre a representatividade negra no reality show Big Brother Brasil, da Rede Globo de Televisão. No texto “BBB 21: desserviço e contribuição ao ódio racial”, Midiã traz uma reflexão de como as importantíssimas pautas raciais foram reduzidas e ridicularizadas no programa, assim como os participantes negros, em nome do entretenimento.

O texto completo, você pode ler aqui.

Por fim, outra liderança do Programa Marielle Franco também ganhou destaque na mídia em fevereiro, a liderança comunitária, integrante do coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste e do Centro Popular de Direitos Humanos (CPDH), ambos em Recife (PE), teve a sua participação no webinar “Mudança climática: sujeito feminino?” divulgada no portal eCycle.

O evento virtual que vai acontecer no dia 6 de maio, é organizado pelo Observatório do Clima, em parceria com a organização ambiental Imaflora, e trará discussões sobre impacto de gênero nas variações climáticas no Brasil e ao redor do mundo, além da criação de um grupo de trabalho para propor ações na intersecção entre os dois assuntos.

Saiba mais sobre o evento e de como participar aqui.

 

Veja as matérias completas abaixo:

09/02/2021 – IREE Webinar: Direitos Humanos e Empresas:
https://iree.org.br/iree-webinar-direitos-humanos-e-empresas/

09/02/2021 – Sueli Carneiro recebe prêmio da Lasa por sua produção acadêmica:
https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/bianca-santana/2021/02/09/sueli-carneiro-recebe-premio-da-lasa-por-sua-producao-academica.htm 

26/02/2021 – XP promove evento online e gratuito com experts do mercado para discutir ESG – entre os convidados estão Yuval Harari, Jean Case e Luiza Trajano:
https://www.seudinheiro.com/2021/xp-branded/xp-promove-evento-online-e-gratuito-com-experts-do-mercado-para-discutir-esg-entre-os-convidados-estao-yuval-harari-jean-case-e-luiza-trajano/ 

 

Matérias sobre apoiados do Fundo Baobá

11/02/2021 – Midiã Noelle – BBB 21: desserviço e contribuição ao ódio racial:
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/perifaconnection/2021/02/bbb-21-desservico-e-contribuicao-ao-odio-racial.shtml

26/02/2021 – Sarah Marques – Observatório do Clima e Imaflora promovem webinar sobre gênero e mudança climática:
https://www.ecycle.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=9401&Itemid=

Emoção marca aula inaugural do programa educacional Já É, lançado pelo Fundo Baobá para Equidade Racial

A emoção esteve presente o tempo todo na noite de quinta-feira (18 de março) quando o Fundo Baobá realizou a aula inaugural do programa Já É – Educação e Equidade Racial. O Já É tem como objetivo dar apoio a estudantes negros da periferia da cidade de São Paulo e de municípios da região metropolitana de São Paulo no que se refere ao acesso ao ensino superior, um dos grandes gargalos que afetam a juventude negra em seu desenvolvimento social. A aula inaugural do programa aconteceu no formato virtual por conta das medidas de distanciamento social adotadas durante o período da pandemia da Covid-19, que perdura desde março de 2020.

O programa Já É tem apoio de Citi Foundation, Demarest Advogados e Amadi Technology. As inscrições para fazer parte do programa aconteceram entre julho e agosto de 2020. As etapas classificatórias aconteceram entre setembro e novembro de 2020. O Já É selecionou 100 jovens entre 17 e 25 anos que vão receber bolsa para estudarem, durante 1 ano, no Cursinho da Poli. O programa foi todo planejado para que as aulas acontecessem em caráter presencial. Porém, com as medidas restritivas da pandemia, por enquanto, elas terão que ocorrer virtualmente. Para que as aulas possam acontecer dessa forma, cada aluna, aluno, alune recebeu um computador e um chip de acesso à internet, pois a maioria  não possui acesso a internet de banda larga em casa ou pacote de dados que permita acessar a plataforma de aulas, fazer pesquisas e outros detalhes que envolvam aprendizado. Quando as aulas voltarem  a acontecer presencialmente, os alunos selecionados vão receber auxílio alimentação e vale transporte. 

A aula inaugural teve participação de representantes das instituições apoiadoras do Já É, além de membros de órgãos de governança do Fundo Baobá e outros parceiros estratégicos. Pelos apoiadores estiveram presentes Fernando Granziera e Patricia Salles (Citi Brasil), Paulo Rocha e Karina Miranda (Demarest Advogados) e Agnes Karoline de Farias Castro (Amadi Technology). Pelo Fundo Baobá, estiveram presentes Giovanni Harvey (presidente do Conselho Deliberativo), Sueli Carneiro e Rebecca Reichmann Tavares (membros do Conselho Deliberativo), Maria do Socorro Guterres e  Lindivaldo Oliveira Leite Junior (membros da Assembleia Geral), Marco Antonio Fujihara (membro do Conselho Fiscal), além dos membros da equipe executiva. 

Fernando Granziera, líder de Produtos e Co Chair do grupo Blacks at Citi no Brasil, disse que a organização está focando nos projetos sociais. “O empoderamento da juventude negra é prioridade para o Citi. Acreditamos em vocês. Estamos investindo pesado em projetos sociais e esperamos que vocês possam, no futuro, ser nossos colaboradores. Parabéns”, comemorou Granziera.

Fernando Granziera, líder de Produtos e Co Chair do grupo Blacks at Citi no Brasil

Patricia Salles, analista sênior de documentação do Citi, comentou a importância de o Citi Brasil estar presente nesse projeto. “Abraçar a diversidade de pessoas e ideias é atuar com ética. Essa é nossa responsabilidade. Essa é a forma de nos aproximarmos de nossos funcionários, da comunidade e dos nossos clientes”, concluiu Salles que é a madrinha do Ja É no Citi Brasil.

Patricia Salles, analista sênior de documentação do Citi

Já Paulo Coelho da Rocha, do Demarest Advogados, pediu aos alunos muita força de propósito: “Todos acreditamos nos sonhos e ninguém, ninguém, deve desistir de nada. Eu sou um homem branco e isso implica em ter privilégios em nossa sociedade. Então, aproveitem muito essa oportunidade. Aproveitem muito as aulas”, disse.

Paulo Coelho da Rocha, Demarest Advogados

A personificação desse sonho no Demarest está na figura da advogada Karina Miranda, que trabalha com Contencioso Cível. A história dela é semelhante à dos alunos do Já É. “Há 10 anos eu estava no lugar de cada um de vocês. Meu sonho era estudar Direito na USP. Deu certo. Eu me formei na USP. Alcancei meu sonho. Então, dediquem-se! Entreguem-se!”, disse.

Karina Miranda, Demarest Advogados

Com Coelho da Rocha concorda Agnes Karoline, CEO da Amadi Technology. “Por conta de nossa sociedade desigual, o uso da tecnologia também é desigual entre as pessoas. Somos uma empresa, mas temos uma responsabilidade social grande. Vamos trazer um pouco do debate da tecnopolítica. A tecnologia não é neutra. Ela está nos campos da transformação social”, definiu Agnes Karoline. 

Agnes Karoline, CEO da Amadi Technology

O lançamento do Já É também marca o ano de comemoração dos 10 anos do Fundo Baobá. A diretora de programa, Fernanda Lopes, falou da importância do que aconteceu na noite de quinta (18). “Estamos plantando sementes. Transformando vidas. Mudando a história.  Somos parte dessa massa que conspira e provoca mudanças. E nem o distanciamento vai impedir a nossa força. Quando menos esperarem estaremos em mais lugares, seremos muitos e mais fortes. Muitas sementes de Baobá!”, disse. 

Fernanda Lopes, diretora de programa do Fundo Baobá para Equidade Racial

Giovanni Harvey, presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, enalteceu a iniciativa. “Quero expressar o nosso agradecimento. Porque as iniciativas que o Baobá tem só são viáveis na medida em que possamos trazer parceiros que se tornem viáveis e qualifiquem essas iniciativas. Agradeço por terem se somado a essa iniciativa que busca atender um público prioritário para o Baobá, que é a juventude negra”, afirmou. 

Socorro Guterres, uma das fundadoras do Fundo Baobá e que faz parte da Assembleia Geral, falou da origem da organização. “É com prazer enorme que faço parte desse momento. Porque vejo nesse mosaico de tantas caras de jovens negros e negras, inúmeras perspectivas. Isso é extremamente significativo. Isso mostra que podemos apresentar aos jovens novos caminhos. Caminhos para construir a própria história. Já é possível sonhar. Já é possível esperançar. Já É!”, afirmou Socorro Guterres.

Socorro Guterres, fundadora e membro da assembleia geral do Fundo Baobá 

Thuane Nascimento, diretora executiva do Perifa Connection, destacou a importância do projeto e o histórico que a luta por acesso ao estudo têm no Brasil. “Essa iniciativa é um sopro de esperança. Porque, como diz a professora  de Direito Thula Pires, “vivemos em um mundo meritocrático. Então, vocês precisam estudar; Persistam! Façam o que tem que ser feito, que é estudar. Tenham em mente a luta que foi travada para que vocês estivessem aqui hoje. A luta pelas cotas, travada por pessoas como a Sueli Carneiro, que está aqui entre nós. Não fossem as cotas, eu não estaria aqui hoje”, disse. Thuane é aluna de Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).  

Thuane Nascimento, diretora executiva do Perifa Connection

As falas dos estudantes foram pautadas pela emoção devido à busca por uma oportunidade como essa, que não estava acontecendo. Uma das falas mais simbólicas foi a da aluna Rubyanne Yasmine, que mostrando a sua filha, ainda um bebê, disse: “Estou aqui porque este é o símbolo da minha luta”.  Para a aluna Isabella Amaro,  o programa é uma espécie de reparo a algumas formas de opressão impostas ao povo negro.

Rubyanne Yasmine, aluna

“O processo escravocrata, o processo de eugenia e o processo de racialização que o Brasil sofre é muito forte na questão da coisificação dos negros. Nós fomos coisificados. Acabamos nos afastando um dos outros e de nós mesmos. Esse projeto é uma forma de reparação. Uma forma de fazer com que andemos juntos. É importante ter um irmão de luta ao lado, que vai saber o que sentimos e vai se identificar com a gente. As palavras para o Já É são humanidade e democratização”, afirmou Isabella Amaro.

Isabella Amaro, aluna

Para Selma Moreira, diretora-executiva do Fundo Baobá, a parte mais importante está na confiança que esses jovens tiveram no Baobá. “Olhando tudo o que a gente dialogou aqui, eu me sinto mais impelida a buscar novas oportunidades como essa. Ainda alcançamos pouco de tudo o que nos é devido. Queremos construir um mundo que seja mais equânime, um mundo mais justo. E é por isso que acordamos todos os dias. O dia de hoje foi lindo e deu mais sentido ao nosso trabalho”, disse.

Juventude conectada e comprometida com a assistência social

Por Eliane de Santos

Em 2019, o Estado do Rio Grande do Norte tinha 1.329.000 pessoas – o equivalente a 38% da sua população -, vivendo abaixo da linha de pobreza, segundo a Síntese dos Indicadores Sociais 2020, divulgada pelo IBGE em novembro do ano passado. A mesma pesquisa apurou que um em cada quatro potiguares, com idades entre 15 e 29 anos, não estudava e nem trabalhava em 2019.

Pois no final do ano passado ao lançar o Edital Primeira Infância no Contexto da Covid-19, na companhia da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, da Porticus América Latina e Imaginable Futures, o Fundo Baobá teve uma grata surpresa recebendo propostas de jovens do Rio Grande do Norte.

Eles não se conheciam, entretanto compartilhavam da mesma sensação de incômodo quando paravam, olhavam ao redor e viam a fome e o sofrimento de vizinhos. Antenados, se inscreveram no edital, buscaram parcerias e fizeram diferença para centenas de pessoas.

Aline Pedro de Moura, de 28 anos, nem precisou olhar para muito longe. Moradora da comunidade quilombola de Capoeiras, em Macaíba, ela sentiu na pele e com força o abandono do estado quando a pandemia chegou.

“O que me levou a me inscrever no Edital Primeira Infância foi a falta de apoio educacional para a garotada do quilombo. As crianças na fase da primeira infância e os demais alunos estiveram nesse período totalmente abandonados, educacionalmente falando. Isto preocupa, porque é durante a primeira infância que as crianças constroem a base, o alicerce para vida”.

A interrupção das aulas na região não era o único problema: os adultos do quilombo perderam emprego e renda; faltou comida na mesa de muitas famílias. Aline pensava no bem-estar de todos e agiu, colocando em prática parte dos conhecimentos adquiridos em uma faculdade de Pedagogia, em cursos técnicos de Agropecuária e Informática.

Primeiro ela reuniu os interessados presencialmente, explicou o projeto e como gostaria de ajudá-los. Depois criou um grupo, num aplicativo de mensagens, para facilitar a comunicação e evitar aglomerações. Outros encontros presenciais foram necessários para a construção de quintais produtivos no quilombo: hortas caseiras que em breve poderão aliviar a fome das famílias.

“Os maiores desafios do projeto, aliás, ocorreram após o plantio. Muitos beneficiados tiveram os quintais invadidos pelas galinhas e foi preciso criar proteções. Além disso, a escassez de água para a rega impediu que alguns moradores participasse dessa ação”, lamenta a jovem, que mesmo assim contribuiu para que 200 adultos e 60 crianças se sentissem mais acolhidos nos dois meses de projeto.

“O quintal produtivo é muito importante para melhorar a qualidade da alimentação da minha família e dos meus filhos. Estou agradecida pelo projeto estar nos proporcionando isso”, relatou a participante Liliane Barbosa de Moura, 24, ainda durante as atividades.

Confira o Instagram do projeto Educar em Tempo de Pandemia

A menos de 200 quilômetros dali, no bairro Auto São Francisco, município de Assu, a jovem Itamara Luiza da Silva, 26, tem a convicção de que os jovens negros das periferias podem ser referência na construção de um Brasil mais igualitário e justo. Ela não apenas acredita, como contribuiu para que isso aconteça.

“Tenho uma filha pequena e, como mãe, sei que as crianças são sem dúvidas as mais prejudicadas com os agravos da pandemia. Meu sentimento maternal, de educadora e principalmente mulher me fez me inscrever neste projeto, que está sendo realizado 90% on-line devido a pandemia”, conta Itamara, que é formada em História.

“Tenho um grupo de voluntários que chega a 40 pessoas. Junto de outro jovem de Assu, que também está no edital, nós realizamos muitas coisas em parceria. Formamos um grupo de 50 mães, oferecendo cuidados no WhatsApp, compartilhando atividades e conteúdos”.

Quando coragem e oportunidade geram mudanças e bem-estar para a sociedade

Por Eliane de Santos

Recém-formada no curso de Serviço Social e Tecnologia em Gestão Pública, Fernanda de Sá Sampaio​, de 32 anos, estreou na profissão com um desafio em tanto.

“A gestora da ONG onde eu trabalho, em Pirituba, São Paulo, me falou sobre o Edital Primeira Infância no Contexto da Covid-19. Ela me apresentou o site do Fundo Baobá, perguntou se eu gostaria de me inscrever e se eu tinha alguma ideia para desenvolver”, recorda.

Com o conteúdo do curso ainda fresco na cabeça, Fernanda lembrou de alguns debates relacionados à concessão de benefícios eventuais, como cestas básicas. E considerando que a fome era uma realidade nas comunidades que assistia rotineiramente, além de um dos focos de atenção do edital, ela não teve dúvidas:

“Após o estabelecimento do isolamento social, as preocupações voltadas para alimentação eram aparentemente as maiores entre as famílias, por isso eu considerei pertinente tratar dessa temática. E havia um agravante: sem ir à escola as crianças perderam ao menos uma refeição saudável e acompanhamento nutricional diário”, conta.

Projeto de Fernanda de Sá Sampaio, Pirituba (SP)

Coube à Fernanda minimizar esses impactos e para isso ela mobilizou outros colegas profissionais na elaboração de reuniões socioeducativas presenciais, em espaços cedidos pelo projeto Amigos das Crianças, por igrejas e salões locais. Mais encontros ocorreram de forma remota para apresentar aos responsáveis informações sobre higienização, armazenamento e reaproveitamento de alimentos.

Encerrada a etapa de reuniões, cada participante recebeu em casa kit’s com frutas, legumes, uma apostila e pote de armazenamento. Aliás, um dos desafios enfrentados foi obter transporte para a logística de compra e a entrega desses alimentos, pois muitas comunidades ficavam distantes cerca de quatro quilômetros de Canta Galo, bairro onde Fernanda mora e trabalha. Sem um carro próprio, ela recorreu aos colegas da ONG e motoristas de aplicativo.

Projeto de Fernanda de Sá Sampaio, Pirituba (SP)

O projeto beneficiou 211 famílias das comunidades do Canta Galo, Vila Mirante, Jardim Paquetá e Vila Zatt, no distrito de Pirituba.

“Eu fiquei muito satisfeita. Uma das mães nos procurou ao final e agradeceu muito, alegando que antes do projeto achava que tinha que ter muito dinheiro para dar uma alimentação saudável ao filho. Desejo participar de outros editais, porém com atividades que incentivem o cultivo de hortas”, planeja a jovem.

O mesmo edital valorizou diferentes propostas focadas na redução de desigualdades sociais, violência urbana e/ou intrafamiliar, desemprego, fome e outras adversidades agravadas pela pandemia.  Contextos que a pedagoga Samily Maria Moreira da Silva e Silva, 29, de Belém do Pará, conhece bem.

“Quando me tornei gestante comecei a pesquisar novas formas de maternar, mais parecidas com formas ancestrais de cuidados voltados para a natureza. Percebi que dentro de um sistema capitalista a maternidade é romantizada comercialmente mas na prática, principalmente para as mulheres negras, acontecem muitas violências, inclusive psicológicas. Sou mãe de Violeta, de 7 anos, e ao longo de nossas vidas sofremos violência de várias formas”, desabafa.

O projeto abraçou 10 famílias do distrito de Icoaraci e do bairro de Terra Firme, distantes da capital.  Samily Maria trabalhou pelo fortalecimento de uma rede de mães negras, com filhos de 0 a 6 anos, ressaltando a importância dessas mulheres para a proteção das crias e para a própria comunidade; fornecendo palavras de apoio e resgatando saberes ancestrais como a cultura das puxadeiras, ou parteiras, e do uso das garrafadas (remédios feitos com ervas naturais) para a recuperação do útero e auxílio à amamentação. Culturas que já foram mais fortes na região.

A primeira atividade aconteceu de forma remota, com uso de um aplicativo de mensagens para entrevistar mulheres e homens que integram a rede de apoio das mães. Depois as crianças foram convocadas para ajudar na produção de podcast’s com os temas: “Cuidados com primeira infância no contexto da Covid-19”, “A importância da amamentação” e “A importância da rede de apoio”, também compartilhados por aplicativo de mensagens.

“Além da minha filha, a produtora do projeto também é mãe de um menino, chamado Francisco, de 5 anos, e a nossa rede de comunicação e produção de mulheres negras também tem muitas mães trabalhamos em rede com várias mulheres da cidade que têm crianças. Então pensamos em criar este conteúdo de crianças negras para outras crianças negras, sobre amamentação e cuidados na pandemia”.

Dez famílias foram contempladas e no final do projeto receberam kit de cuidado e beleza mais cesta com hortaliças.

“A gente está terminando com sede de ter mais condição de firmar esse trabalho. É uma demanda grande e sempre bate uma angústia, porque esbarramos na negligência com a região Norte, com as mães pretas periféricas, na falta de acesso a vários serviços. Seguimos aos trancos e barrancos, mas fica essa sede de conseguir fazer trabalho um continuo, de envolvendo mais pessoas”.

Seja por motivação pessoal ou profissional colaborar para o bem-estar e a qualidade de vida de populações vulneráveis gera empatia, gratidão e mudanças que estão longe de ser superficiais.

Em São Paulo, a terapeuta ocupacional Lara de Paula Eduardo, 41, desejava fazer parte desta engrenagem e não hesitou em aderir ao edital.

“Tenho muito interesse em realizar trabalhos sociais que busquem transformação cultural e justiça social. Participar do Edital Primeira Infância foi uma forma de subsidiar parte do custo, e me possibilitou a parceria da psicóloga Adriana Haaz de Moura Gaunsze”, afirma.

A dupla tinha como público-alvo crianças de 1 a 3 anos, atendidas por uma creche, em Itatuba, Embu das Artes, São Paulo; seus familiares e cuidadores, incluindo homens. No entanto, chegou até eles indiretamente, incrementando a formação de 11 educadoras que já estavam acompanhando aproximadamente 100 famílias de alunos à distância.

“Sabemos que é um grande desafio auxiliar as crianças que mais precisam de apoio, estando os adultos também em grande tensão. Por isso desenvolvemos para as educadoras alguns encontros virtuais de acolhimento, reflexão e aprofundamento sobre o desenvolvimento infantil, educação, questões relativas a pandemia; importância das relações para a estruturação psíquica e o brincar”, descreve Lara.

“Aprendemos que há muito a ser feito pela educação infantil no Brasil, principalmente nas creches e berçários que trabalham com os bebês de 1 a 3 anos, em que a presença, disponibilidade e relação do adulto é fundamental para a constituição psíquica e desenvolvimento infantil.”

A força do coletivo: Reunindo recursos, saberes e criatividade. Edital Primeira Infância resgata a esperança

Por Eliane de Santos

“Se quiser ir rápido, vá sozinho. Se quiser ir longe, vá em grupo!” É fácil encontrar essa frase na internet, sempre citada como um provérbio africano. A mensagem que ela carrega faz todo sentido para a pedagoga Meire Pereira de Oliveira, de 31 anos – educadora popular e coordenadora artística e pedagógica na Universidade da Reconstrução Ancestral e Amorosa (UNIRAAM), no Pelourinho, em Salvador.

Esta segunda função, ela realiza de forma voluntária, desenvolvendo atividades pedagógicas de arte e educação com jovens e adultos, crianças e adolescentes. Sempre envolvendo parcerias com escolas públicas da comunidade do Centro Histórico da capital e adjacências; bibliotecas e praças públicas, por exemplo.

“Atuar na área de educação em comunidades periféricas, utilizando conteúdo antirracista e baseado na Lei 10.639/03 é uma das minhas maiores motivações. Soube do Edital Primeira Infância, do Fundo Baobá, por meio de duas amigas (Maria Claúdia Dias e Maria Belga Ofinger) e não pensei duas vezes. Logo nos reunimos para pensar em atividades lúdicas e didáticas com referencial identitário”, conta Meire.

Projeto de Meire Pereira de Oliveira, Projeto Em Cantos de São Lázaro, Salvador (BA)

O trio concentrou a atenção nas famílias com crianças de 0 a 6 anos e criou a campanha ‘Fortalecendo a identidade étnico-racial na primeira infância através do Em Cantos de São Lázaro em meio à pandemia 2020’. São Lázaro é uma localidade, no bairro Federação, um bairro cultural de Salvador, famoso pelas tradicionais festas ao santo padroeiro, São Roque e Omolu.

“Já estávamos presentes na comunidade, mas precisávamos nos adequar ao novo perfil de realização das atividades, em meio a pandemia. Para criar engajamento, envolvemos três representantes da comunidade na aplicação de um questionário para 30 famílias. A ideia era identificar as demandas em relação a nossa proposta”, explica.

Projeto de Meire Pereira de Oliveira, Projeto Em Cantos de São Lázaro, Salvador (BA)

“Contatamos os profissionais que já trabalhavam no Em Cantos e novas parcerias para escolher a melhor didática a ser aplicada. Preparamos 25 vídeo aulas de arte-educação e as compartilhamos por mensagens de texto. O início do primeiro vídeo foi explicativo para os pais. Cada monitor detalhou a sua atividade e maneira como ela seria conduzida. Essa ação possibilitou o engajamento dos responsáveis e estimulou a afetividade no ambiente familiar”.

Na pegada do coletivo, o grupo decidiu que artistas e brincantes negros gravariam três vezes mais vídeos, aumentando a representatividade negra nas telas. Os vídeos, que tratavam de história e cultura negra e indígena, foram publicados no Instagram,  Facebook e  YouTube.

Houve ainda oficina para a construção de instrumentos musicais com materiais reciclados (tambores de lata, ganzás de latas e garrafas pet), e doação de pandeiros infantis.

“Alcançamos 17 adultos com as assinaturas autorizando a participação dos filhos mais sete mães acompanhando as atividades presenciais, nas quais tomamos todas as medidas sanitárias contra a Covid. Chegamos a atender 34 crianças no total”, calcula Meire, feliz com o trabalho de equipe.

@projetoemcantosdesaolazaro

Veja mais vídeos no canal oficial do Projeto Em Cantos de São Lázaro no Youtube.

No Rio de Janeiro a pedagoga Débora Dias Gomes, 62, escolheu o ditado ‘Uma andorinha só não faz verão’ como lema do Instituto Pertencer, uma organização não governamental, voltada para inclusão de pessoas com deficiência, jovens e adultos em situação de risco social, que ela fundou em 2011.

Nove anos depois, Débora inscreveu o Pertencer no Edital Primeira Infância, pretendendo legitimar as ações sistemáticas e continuadas de apoio às famílias no cuidado integral de crianças de até 6 anos. E conseguiu: no dia 10 de dezembro 10 de dezembro, a equipe recebeu da Prefeitura do Rio o Selo Direitos Humanos, pelo reconhecimento ao trabalho realizado no contexto da COVID 19.

Projeto de Débora Dias Gomes, Instituto Pertencer, Rio de Janeiro (RJ)

Uma equipe interdisciplinar cuidou de 100 crianças, por meio de atendimentos pscicossociais e ações com as famílias, ambos de forma remota, utilizando grupo no Whatsapp e outras ferramentas de apoio.

Ocorreram também alguns encontros presenciais na sede do projeto para entregas de cestas básicas, materiais de higiene e limpeza, além de outros proventos. Sempre a partir de um cronograma para não haver aglomeração. E na cozinha-escola do Pertencer, mães e avós das crianças assistidas participaram de um curso para formação de boleiras e salgadeiras, visando geração de renda.

Projeto de Débora Dias Gomes, Instituto Pertencer, Rio de Janeiro (RJ)

“O objetivo era oferecer opção de renda nesse tempo de crise. Aulas comportamentais complementares trataram temas como perfil da empreendedora, inteligência emocional e mundo do trabalho, por meio de vídeoaulas e textos entregues on-line. As alunas também usavam o aplicativo de mensagem para encaminhar fotos das suas produções, áudios com dúvidas ou texto escrito. Eu diria que o maior desafio para a realização das atividades no contexto da COVID foi nos reinventarmos, nos adaptarmos para não haver interrupção das atividades propostas”.

Visite o Facebook do Instituto Pertencer 

O ambiente virtual, que poderia atrapalhar o projeto da Débora, trouxe gratas surpresas para a pedagoga Christiane Teixeira Mendes, 36, de Coroadinho, São Luís do Maranhão. Ela usou a ferramenta TikTok – febre nas redes sociais durante a quarentena – para gravar e compartilhar vídeos curtos, sensibilizando pais e responsáveis sobre questões como hiperatividade e a importância de ouvir os pequenos.

Com o incentivo do edital, ela realizou atividades (na maioria das vezes virtuais) com foco em ações de apoio a famílias (20 crianças e 60 adultos) para a melhoria do cuidado integral na primeira infância.

Projeto de Christiane Texeira Mendes, Coroadinho (MA)

“Houve uma reunião presencial, na sede da associação comunitária de Coroadinho, quando apresentamos o projeto para os pais e responsáveis. No mais, a equipe se comunicou basicamente por chamadas de vídeo no WhatsApp. Também usamos a internet para organizar um quis virtual, com perguntas em um formulário do Google Docs para os pais e responsáveis. As respostas foram analisadas por mim e por três professoras que convidei para ajudar”.

A análise do quiz gerou outra ação: a análise de relacionamento familiar. A partir das respostas elas sugeriram dicas de relacionamento personalizadas e dicas de atividades que estimulassem o desenvolvimento infantil. Tudo foi incluído em uma caixa surpresa, entregue aos participantes. Dentro também havia livros, jogos e cinco sugestões de atividades, entre elas, uma receita de picolé para pais e filhos fazerem juntos; um brinquedo para construírem e testarem juntos.

Projeto de Christiane Texeira Mendes, Coroadinho (MA)

“Fiz essa escolha porque na minha opinião essa é a fase em que nós seres humanos mais aprendemos e também é a fase em que menos recebemos investimentos. As crianças costumam ser as mais prejudicadas com a falta de vagas na rede pública, por exemplo. E agora, na pandemia, as escolas fecharam ou faliram. Muito triste”, lamenta.

 

 

Edital Primeira Infância: Ponto de partida para a empatia e o resgate da autoestima

Por Eliane de Santos

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística a taxa de desemprego no Brasil chegou a 14,6% no terceiro trimestre de 2020, a maior da série histórica iniciada em 2012. O percentual correspondia na época a 14,1 milhões de pessoas.

A falta de uma renda formal contribuiu para outro dado alarmante, neste caso apurado por pesquisadores do Laboratório de Psiquiatria Molecular da UFRGS e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, divulgado em outubro do ano passado: 80% da população tornou-se mais ansiosa e 68% desenvolveu sintomas depressivos durante a pandemia.

Desemprego e estado de ansiedade eram justamente uma realidade para Jaqueline Barbosa dos Santos Heldt, de 34, quando ela decidiu se inscrever no Edital Primeira Infância do Fundo Baobá. Encontrou ali a motivação que precisava, além de um caminho para estimular outros brasileiros a manterem seus corpos e mentes saudáveis.

“Notei que as crianças, os responsáveis, as mulheres grávidas e puérperas sofriam muito com o distanciamento social. Percebi também que o poder público não desenvolveu ações para auxiliá-los nesse período. A instabilidade estava aumentando a ansiedade entre os pequenos e expondo os adultos à depressão, síndrome do pânico e outras doenças emocionais/psicológicas”, explica.

Projeto de Jaqueline Barbosa dos Santos Heldt, São Paulo (SP)

Jaqueline tem formação livre em vários estilos de dança (contemporânea, afro-brasileira, urbanas, jazz, sapateado e ballet clássico) e há 12 anos dá aulas em projetos sociais próximos na cidade de Pompeia, onde mora, e em outras duas cidades vizinhas: Queiroz e Oriente, no Centro-Oeste da capital paulista. Ela arregaçou as mangas e só precisou de um pouco de criatividade para mudar a forma de ensinar. Na verdade, a partir das medidas de distanciamento, muitas escolas e projetos fecharam e ela já vinha realizando aulas on-line, no Instagram.

Projeto de Jaqueline Barbosa dos Santos Heldt, São Paulo (SP)

Ao todos 30 pessoas se beneficiaram com as oficinas virtuais de ballet infantil (02 a 06 anos), alongamento para gestantes e puérperas, ballet e jazz para adultos que ela organizou. Gostaram tanto que indicaram para pessoas em outras cidades, que desejam saber se Jaqueline formará mais turmas remotas. Mesmo depois da pandemia.

“Algumas mães comentaram que as filhas ficaram menos ansiosas com as aulas de ballet infantil, e que perceberam melhora também na coordenação motora e na postura das meninas. Já algumas gestantes enviaram mensagens, reportando que as aulas de alongamento as ajudaram a dormir melhor”, comemora Jaqueline, hoje mais animada e certa da missão que tem com a dança.

Projeto de Jaqueline Barbosa dos Santos Heldt, São Paulo (SP)

‘Se a vida te der um limão, faça dele uma limonada’ é um ditado que vale para outros brasileiros que abraçaram o desafio do Fundo Baobá. A pedagoga Heloisa Ferreira da Silva, 42, já estava desempregada quando a Organização Mundial da Saúde anunciou a disseminação mundial do novo coronavírus, em março do ano passado. Com a notícia, ela perdeu duas chances profissionais:

“Eu havia sido aprovada em uma seleção pública e em uma instituição privada, para trabalhar como professora e coordenadora escolar. Mas veio a pandemia e não fui convocada por nenhuma das duas”, lembra.

Estava aberta no país mais uma temporada de demissões, porém outra de oportunidades. Atenta, Heloisa se candidatou ao edital do Baobá, desejando doar o seu tempo e os seus conhecimentos para o bem-estar de moradores do bairro do Engenho Velho de Brotas, em Salvador, Bahia.

Projeto de Heloisa Ferreira da Silva, Salvador (BA)

Mas a limonada ainda não estava pronta. Surgiram dificuldades logo na etapa inicial, quando ela tentou obter autorização para trabalhar com famílias cadastradas no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) da região.

“Fui ao CRAS, expliquei as minhas intenções de prestar orientações pedagógicas para crianças de 0 a 6 anos e apoiar as mães que, como eu, estavam sem trabalhar, preocupadas com a educação dos filhos em casa. Fui orientada a não fazer o projeto”.

A saída foi percorrer a comunidade apresentando as propostas, colando cartazes e cadastrando os interessados.

Projeto de Heloisa Ferreira da Silva, Salvador (BA)

“Mudei a estratégia de divulgação. Busquei parceiros no bairro e adjacências, como o Mídia informativa Nosso Engenho, o bloco afro Os Negões, a Associação Santa Luzia, o Terreiro Ilê Axé Aji Ati Oya e o portal A gente educa”.

Cinquenta famílias decidiram participar. Como nem todas tinham acesso às redes sociais, também foi preciso usar o boca a boca para se comunicar com elas e, por exemplo, anunciar a entrega de kits pedagógicos com caixa de lápis de cor, borracha, massinha de modelar e jogos de coordenação motora, entre outros itens que variavam de acordo com a faixa etária.

Heloisa abraçou aproximadamente 150 crianças com o projeto e foi estimulada pelos pais a repeti-lo. Enfim, o refresco esperado.

Eu sempre senti a necessidade de apresentar para a sociedade uma educação que respeita as diversidades e atende com equidade. O Fundo Baobá abriu caminhos para eu iniciar a prática deste apoio comunitário e não vou parar!”

Projeto de Heloisa Ferreira da Silva, Salvador (BA)

Pobreza, desemprego, solidão, ansiedade e violência. Todos esses fatores estressores se apresentaram na pesquisa que Priscila Costa, 36, realizou ainda no início da pandemia com 153 pais e mães de crianças com menos de 3 anos de idade, matriculadas em uma creche próxima à favela Alba, no bairro de Jabaquara, na Grande São Paulo.

Como docente da Escola Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo, há cinco anos ela desenvolve ali atividades de extensão voltadas à promoção do desenvolvimento infantil e de apoio à parentalidade. Priscila portanto, já conhecia a realidade dura daquelas famílias mas precisava saber como elas estavam vivendo no contexto da Covid-19.

“Pouco tempo depois eu tive conhecimento do edital e achei que ele se encaixava com o meu trabalho. Para me inscrever, eu também considerei a minha experiência como mãe de uma criança de 1 ano e cinco meses nessa pandemia. Ser mãe impulsiona o nosso olhar para ver diferente a situação de outros pais. Eu me senti sobrecarregada na fase de isolamento social. Tive momentos difíceis, sem uma rede de apoio. Imaginei como não estariam as famílias da creche, que além de tudo lidam com o desemprego, a fome e a falta de infraestrutura”, relata Priscila que também é mestre e doutora em Ciências da Saúde pela Universidade de São Paulo.

Projeto de Priscila Costa, São Paulo (SP)

Ela desejava fortalecer as famílias, promovendo o desenvolvimento infantil em casa e gerenciando o estresse dos pais durante o surto de coronavírus. Para isso aplicou um programa da Universidade de Havard (EUA) que já pesquisava há um ano.

“O nome é ‘Cinco Básicos no dia-a-dia’ e tem origem no programa “The Basics”, desenvolvido no The Achievement Gap Initiative da Universidade de Harvard, sob coordenação do professor Ronald Ferguson. É uma intervenção de saúde pública. Consiste em cinco formas simples e divertidas de apoiar a parentalidade no crescimento dos filhos: dar muito amor e controlar o estresse; falar, cantar e apontar; contar, agrupar e comparar; explorar através do movimento e da brincadeira; ler e discutir histórias”, define.

“O professor Ferguson conferiu apoio irrestrito para disseminarmos o conteúdo em português”.

Na fase de planejamento Priscila convocou 33 educadores da creche de Jabaquara para uma reunião virtual, na qual foram apresentados os cinco princípios do ‘Cinco Básicos’ e discutidas maneiras de facilitar a comunicação com as famílias por meio do WhatsApp. Dali saíram algumas ideias iniciais: oferta de um brinde que as famílias poderiam retirar na creche, composto por um livro infantil, um batom gloss e um folheto dos Cinco Básicos; envio de mensagens de texto, áudio e vídeo para o engajamento das 153 famílias.

Projeto de Priscila Costa, São Paulo (SP)

Foi preciso ainda traduzir 125 mensagens de texto sobre os Cinco Básicos, elaborar uma identidade visual do programa para as mensagens de texto, produzir uma logomarca em português, legendar e dublar um vídeo sobre o ‘Cinco Básicos’ e, finalmente, engajar as famílias via WhatsApp. Ao todo 35 participaram.

“Os principais desafios foram o curto período para execução das atividades, a complexidade de traduzir as mensagens de texto, do Inglês para o Português, fazendo uma adaptação cultural de seu conteúdo, e o engajamento das famílias utilizando apenas o WhatsApp como canal de comunicação. Aprendemos muito com isso e ossos planos para o futuro incluem ampliar a disseminação do Cinco Básicos, inclusive com ações presenciais, sites e redes sociais. Vamos seguir com o projeto.”

Edital Primeira Infância facilitou ações para o acesso a direitos sociais

Acreditando que o ambiente doméstico mais do que nunca deve estar livre de qualquer tipo de violência ou negligência, a psicóloga Anny Waleska Saldanha Torres, de 48 anos, investiu tempo, amor e recursos -captados junto ao Edital Primeira Infância do Fundo Baobá -, para levar informação aos lares de 15 famílias do Distrito Maria Quitéria, na Zona Rural de Feira de Santana, na Bahia.

“Trabalho há sete anos e sete meses no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) São José, com uma comunidade negra e quilombola, então me sensibilizo por suas causas. Eu quis apresentar às famílias conteúdos pertinentes ao bom desenvolvimento na primeira infância: as consequências da violência; os benefícios do afeto, do cuidado e dos estímulos diversos para a construção da identidade e para o desenvolvimento cognitivo em aspectos como linguagem, atenção e memória”, descreve Anny Waleska que também é especialista em Neuropsicologia.

A psicóloga Anny Waleska Saldanha Torres de Feira de Santana (BA)

“A busca ativa das famílias para o projeto foi presencial, através de contatos pessoais com famílias que procuravam espontaneamente o CRAS, e via WhatsApp, através dos cadastros do CRAS e outros repassados por uma visitadora do Programa Criança Feliz. Na etapa de cadastramento, recolhemos dados referentes à composição familiar, endereço, raça, escolaridade, situação financeira/ocupacional, gestação e parto, desenvolvimento da criança etc”.

As atividades giraram em torno da produção e do envio de vídeos pelo mesmo aplicativo de mensagens. Os assuntos variavam de legislações (Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto da Igualdade Racial, Estatuto da Pessoa Idosa, Lei Maria da Penha e direitos socioassistenciais) a desenvolvimento infantil (aspectos psicológicos e neuropsicológicos), passando por cuidados com o excesso de mimos, a importância da afetividade e do brincar. Com base nos ensinamentos repassados, os pais foram estimulados a contar histórias para os filhos, praticar brincadeiras no quintal e jogos que estimulassem a memória e a criatividade. No final, eles compartilharam vídeos dessas atividades, bem como as impressões gerais do projeto.

Projeto de Anny Waleska Saldanha Torres, Feira de Santana (BA)

“As famílias precisavam conhecer os seus direitos e saber a quem recorrer em casos de violação ou da garantia deles. Quanto à afetividade, nós buscamos sensibilizar os familiares da importância de uma comunicação com afeto, onde a criança de 0 a 6 anos possa construir suas relações com uma base emocional sólida, longe de relações de abuso, violência e medo.”

** @ocordel site

Vídeo 1

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A garantia dos direitos da primeira infância também é uma das causas que Fernanda Flávia Cockell da Silva, 42, tem abraçado ao longo da sua trajetória de pesquisas e trabalhos de extensão pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

“A pandemia tirou de mim o que sempre me moveu, o abraço! No dia 22 de março de 2020, por decreto publicado no Diário Oficial do município de Santos, todas as atividades comunitárias em grupo foram interrompidas por causa da pandemia, e as ações universitárias canceladas”, lembra Fernanda, que é fisioterapeuta, mestre e doutora em engenharia de produção e pós-doutora em Sociologia.

Era preciso se adequar à realidade, optar pelos abraços e cuidados virtuais. Com apoio do Fundo Baobá ela manteve uma das suas principais ações: a ‘Abrace seu Mundo: estreitando laços parentais’, que há cerca de quatro anos incentiva atenção às puérperas nas redes de saúde da cidade de Santos, a partir de visitas domiciliares e da prática de técnicas de vínculo parental (sling, ofurô e shantala), promovendo apoio às famílias que vivem em contextos de desigualdade social.

Projeto de Fernanda Flávia Cockell da Silva do Abrace Seu Mundo: Estreitando Laços Parentais, Santos (SP)

“Eu sabia que os filhos das alunas universitárias estavam sendo afetados pelas aulas virtuais e pela falta de creches. Os meus conhecimentos fariam diferença em tempos pandêmicos. Com o projeto eu ainda pude estender a mesma estratégia de acolhimento, escuta e o apoio à amamentação para as mães dos Morros de Santos”, comemora.

“Vivenciar o puerpério, longe de sua família é o que acontecia para muitas de nós antes da pandemia, mas com isolamento social e os riscos reais de contaminação, muitos adultos perderam o apoio dos avós ainda presentes nas comunidades. Ou a família se afastava dos mais velhos com a chegada do recém-nascido, ou assumia os riscos de contaminá-los. As crianças que estão nascendo em 2020/2021 vivenciam a primeira infância em um ambiente ainda mais vulnerável do ponto de vista social e econômico e com a fragilidade dos vínculos parentais”.

Mesmo de longe foi possível fazer muito. Fernanda e sua equipe de apoio organizaram rodas de conversa sobre questões relativas à parentalidade e maternidade no meio acadêmico, usando para isso um serviço de comunicação por vídeo (o Google Meet). Depois promoveram atividades presenciais e remotas focadas no fortalecimento dos vínculos parentais.

Projeto de Fernanda Flávia Cockell da Silva do Abrace Seu Mundo: Estreitando Laços Parentais, Santos (SP)

“A segunda ação envolveu 20 mulheres no último trimestre de gestação. Todas moradoras do Morro Nova Cintra, em Santos, com data de parto provável entre novembro de 2020 e fevereiro de 2021. Elas foram acompanhadas pelas equipes de Estratégias da Saúde da Família. Acolhemos as mães presencialmente e agendamos uma conversa individual, em ambiente virtual (whatsapp) ou via chamada telefônica, com a equipe de extensionistas do projeto. A proposta era estruturar vínculos interrompidos pela pandemia “, conta.

Com este grupo foram organizados ainda encontros semanais e até um chá comunitário, remotos, respeitando ao máximo as regras de isolamento.

“O chá ocorreu pelo Facebook no dia 12 de dezembro, com tema aleitamento materno. Na ocasião dez mães foram contempladas com sorteios de enxoval (roupas novas, fraldas e lenços umedecidos). Apesar de a interação ser apenas por chat, foi possível compartilhar nossas vivências e narrativas. Além das mães presentes, havia profissionais da rede, multiplicadores e alunos, permitindo que a interação ocorresse”.

Projeto de Fernanda Flávia Cockell da Silva do Abrace Seu Mundo: Estreitando Laços Parentais, Santos (SP)

É preciso determinação e empatia para ultrapassar as barreiras sociais impostas por uma pandemia, em prol de quem mais precisa. Na cidade do Rio de Janeiro, a socióloga Ester Oliveira Bayerl, 40, fez diferença nos lares de 30 crianças com Transtorno de Espectro Autista moradoras da Cidade de Deus, uma comunidade na Zona Oeste carioca.

Ester é mãe do Samuel, 5, uma criança diagnostica com autismo leve, mas que chegou a apresentar sinais de ansiedade e convulsões nos últimos meses.

“O meu filho ia para a escola diariamente, fazia terapia ocupacional duas vezes por semana, em locais diferentes, e natação em outros dois dias. De repente foi preciso parar com tudo. Ele estranhou e passamos por momentos difíceis. Precisei me reinventar como mãe, professora, terapeuta, e improvisar atividades para ele em casa”, conta.

Projeto de Ester Oliveira Bayerl, Cidade de Deus (RJ)

“A quantidade de mães de autistas deprimidas nesse período da pandemia é muito grande, porque são elas que normalmente ficam com os filhos mais tempo. Tem autista que nem dorme. Sem poder ir para a escola ou para a terapia, eles ficaram extremamente nervosos e as mães pressionadas”.

Dar suporte a essas famílias tornou-se meta para Ester. O Edital Primeira Infância se apresentou como a ferramenta necessária para colocar uma ideia em prática: o projeto Caixa Box, que previa a montagem e a distribuição de caixas de madeira abastecidas com itens como lápis de cor, tintas e baldes de massinha, próprios para o brincar e o desenvolvimento de habilidades de crianças com TEA.

Projeto de Ester Oliveira Bayerl, Cidade de Deus (RJ)

“Na ONG que o meu filho frequenta eu vejo outras mães muito humildes, que não podem se dar ao luxo de investir em um brinquedo neste momento, e que não sabem como podem cuidar dos filhos sozinhas. Por isso, junto com as caixas foram entregues dicas de atividades que as famílias poderiam desenvolver com as crianças a partir do material doado. Entregamos também o nosso contato e criamos uma rede de diálogos com as mães”.

Uma moradora da Cidade de Deus fez a ponte entre Ester, lideranças locais, uma ONG e o Conselho Tutelar. A rede indicou as mães de autistas da comunidade e Ester descobriu que elas são muitas, mais do que conseguiria atender num primeiro momento.

“Por enquanto a ideia é continuar com esse suporte, reabastecendo as caixas após o edital, e quem sabe ampliar o alcance do projeto. Precisaremos de mais de financiamento, mas eu faria tudo novamente”.

Edital Primeira Infância no Contexto da Covid-19, aprovou propostas que zelavam pela educação infantil em vários aspectos

Dados da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, indicam que o Brasil avançou nos últimos anos em relação à educação infantil. O atendimento de crianças de 0 a 3 anos nas creches do país subiu de 16%, em 2005, para 30,4% atualmente. Já na Pré-escola, o número de matrículas passou de 72% para 90%, no mesmo período. Mas o acesso e a qualidade ainda são desiguais e isso precisa mudar, se desejamos um país mais próspero e justo.

Com esse mesmo pensamento, e desejando contribuir justamente no momento em que algumas atividades essenciais – como a Educação – foram impactadas pela pandemia de Covid-19, a pedagoga Maria Lúcia dos Santos Rodrigues, de 58 anos, se inscreveu no Edital Primeira Infância.

“O tema me interessou, pois há 18 anos trabalho com crianças na fase de educação infantil, fundamentada no Neo Humanismo, uma filosofia que proporciona o desenvolvimento integral através da prática de Yoga (meditação, exercícios respiratório, princípios universais), da alimentação saudável (vegetarianismo), da extensão do sentimento do amor a todos os seres universais e da valorização da cultura local”, ela descreve.

Projeto de Maria Lúcia dos Santos Rodrigues, Comunidade Moara, Ananindeua (PA) – Foto: Lucia Rodrigues

Então, com a ajuda de uma psicóloga experiente, Maria Lúcia levou o projeto até 50 famílias da comunidade Moara e adjacências, no bairro de Águas Lindas, Ananindeua, região metropolitana de Belém do Pará.

“Primeiro realizamos a formação contínua de seis educadoras em temas como: Família, Ser Criança, Emoções e o Sentimento da Esperança. Depois elas foram desenvolvendo os temas com as famílias por meio de vídeos, áudios ou textos compartilhados via aplicativo de mensagens. As famílias, por sua vez, deveriam desenvolver os assuntos com os pequenos em casa. Aquelas que não tinham aparelho de telefone celular, ou cuja internet era insuficiente (em torno de 15 das 50 famílias) realizavam as atividades na sede de um Projeto CENHAMAR, na região”, lembra.

Projeto de Maria Lúcia dos Santos Rodrigues, Comunidade Moara, Ananindeua (PA) – Foto: Dayana Brito

No final do Projeto Baobá, como ficou conhecida iniciativa, houve uma surpresa a mais para os envolvidos: parceiros contribuíram para a entrega de cestas básicas e brinquedos, na semana de Natal.

“Dar um apoio às famílias que tenham crianças na faixa etária da primeira infância, fortalecendo os vínculos afetivos com o cuidador e o educador, é fundamental para o desenvolvimento integral e a saudável delas. Essa relação traz também benefícios no momento e no futuro para a família e para a sociedade.”

Projeto de Maria Lúcia dos Santos Rodrigues, Comunidade Moara, Ananindeua (PA) – Foto: Estela Gonçalves

E não importa de que forma vem esse afeto. Ele pode vir a cavalo, como propôs a psicóloga Kelly de Souza Prado, 41. Através do edital ela conseguiu financiamento para aplicar a técnica do volteio gratuitamente, para crianças e adolescentes do município de Francisco Morato, em São Paulo.

“Acredito que agora essas crianças e adolescentes podem ter uma visão diferente do caos emocional que criou-se com a pandemia. Essa era a oportunidade de darmos ferramentas emocionais e físicas para eles lidarem com o dia a dia e as dificuldades.”

Projeto de Kelly de Souza Prado, Francisco Morato (SP)

Kelly pôde contar com uma equoterapeuta e uma professora de educação física voluntária, ambas para as atividades de volteio. Outros dois voluntários auxiliaram as mães no plantio e cuidado de uma horta. Aliás, essa era uma condição para as crianças serem acolhidas pelo projeto.

Os atendimentos ocorreram no Rancho São Joaquim, em encontros presenciais, já que na ocasião o município estava na fase verde de prevenção contra a Covid-19. Os cuidados com a higiene foram reforçados.

Cartaz de divulgação do projeto de Kelly de Souza Prado, Francisco Morato (SP)

“A escolha em trabalhar na natureza veio de um projeto que eu e a proprietária do rancho, Luciana Simões, já tínhamos planejado. O financiamento veio para conseguirmos colocar tudo em prática. Entendemos que a psicologia e o volteio se complementam, pois trabalham o emocional e a consciência corporal”, explica Kelly.

“Paralelamente realizamos uma horta, como forma de os pais retribuírem o atendimento gratuito que os filhos tiveram. Quando estiver pronta para colheita, ela servirá para o consumo das próprias famílias, ou terá a renda revertida para elas e o projeto”.

Cinco crianças, um adolescente, uma avó, uma tia e quatro mães participaram ativamente. Outros 21 familiares foram impactados indiretamente. As mães relataram os filhos ficaram mais autoconfiantes, calmos, compreensivos e cooperativos em casa. Elas por sua vez acharam o trabalho na horta gratificante. Algumas inclusive, agradeceram pela oportunidade de fugir um pouco da rotina de casa, fazendo algo diferente ou que já haviam experimentado em outro momento da vida.

“Essa oportunidade que o Fundo Baobá nos ofereceu permitiu ao projeto ter continuidade. Hoje temos uma fila de espera com pelo menos cinco crianças para a próxima turma”.

Veja o vídeo da iniciativa aqui

Empatia gera empatia. E essa corrente chegou à Vila Santa Inês e comunidades próximas, no município de Ermelino Matarazzo, São Paulo, com o Brincando na Kebrada – um coletivo de mulheres pretas, mães solos, educadoras sociais e ludo educadoras, que promove a cultura da infância por meio de brincadeiras lúdicas, prazerosas, afetivas e respeitosas. Para isso, inclusive, vale o uso de muitas cores, sons, cheiros e sabores.

“Defendemos os brincares em suas diversidades, auxiliando na construção positiva do imaginário infantil! O Brincando na Kebrada visa estimular a participação e o protagonismo infantil, por meio da ocupação de ruas, praças, becos, calçadas e vielas; a construção dos brinquedos e do resgate de brincadeiras tradicionais”, conta a pedagoga e arte-educadora Minéia Miranda Santos de Oliveira, 46.

“Observamos que as necessidades físicas, como acesso aos alimentos e itens de higiene pessoal, não estava sendo contempladas e que também faltava o alimento lúdico, assegurando o direito infantil de brincar”.

Projeto de Minéia Miranda Santos de Oliveira, Brincando na Kebrada, Ermelino Matarazzo (SP)

O projeto desenvolvido com a doação do Fundo Baobá funcionou da seguinte maneira: os pais e mães cadastrados receberam sacolas com materiais pouco comuns, como bolinhas de gel, massinha ou sabão, por exemplo. Depois, por meio de vídeos compartilhados num grupo do WhatsApp, eles foram orientados a utilizarem tudo em atividades de exploração sensorial com os filhos. Houve também uma reunião presencial para orientações sobre prevenção da Covid-19, além da distribuição de alimentos e de produtos de higiene pessoal, selecionados de acordo com a faixa etária dos pequenos.

Projeto de Minéia Miranda Santos de Oliveira, Brincando na Kebrada, Ermelino Matarazzo (SP)

“Nosso maior desafio era não sobrecarregar as famílias com uma atividade a mais, porém proporcionar-lhes um momento de troca e fortalecimento de vínculos, reforçando a brincadeira como ferramenta de aprendizagem e desenvolvimento infantil”, esclarece Minéia.

“Nós aprendemos a não julgar o outro, seja pelas suas atitudes ou posturas diante de determinadas situações (econômica, política, familiar, social, entre outros). O projeto nos fez repensar, refletir e elaborar estratégias educativas de apoio humanizado. gostaríamos de continuar com o mesmo projeto agregando o acolhimento às mulheres (autocuidado, escuta, empoderamento, rede de apoio), até porque acreditamos que esse suporte é muito importante. Quem educa uma mulher, educa uma geração inteira”.

 

Literatura e afeto como alimento na pandemia

Especialista em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça, bacharel em Ciência Política e também em Comunicação, Leandro Vilas Verde Cunha, tem 39 anos, e há 20 dedica-se ao trabalho voluntário.  Com o anúncio da pandemia, pela Organização Mundial da Saúde, ele sentiu-se intimado a doar seu tempo e seus conhecimentos a quem precisa.

“Neste tempo todo de atuação social tenho me inquietado em identificar como as desigualdades raciais são perpetuadas. Sabemos que a educação é um eixo importante dessa estrutura. Nesse quesito, um dos pontos importantes de reprodução das distâncias entre negros e não-negros é a idade em que as crianças têm acesso às primeiras ações pedagógicas, a exemplo da leitura. Na pandemia, essa desigualdade ficou mais acentuada, quando as escolas de crianças brancas implementaram rapidamente metodologias de ensino à distância, inclusive para as séries iniciais, enquanto as escolas públicas, acessadas por maioria negra, não conseguiu até então dar conta de forma razoável desse desafio”, pondera.

Projeto de Leandro Vilas Verde Cunha, Coletivo Ibomin – Salvador, Lauro de Freitas e São Francisco do Conde (BA)

“Eu participo de um coletivo que mantém uma biblioteca especializada em literatura afrocentrada. Fiquei me perguntando sobre o impacto da falta de acesso das crianças a esses livros com o espaço fechado, em decorrência das medidas de distanciamento social. Daí surgiu a ideia de levar a biblioteca, de forma qualificada, até as crianças, envolvendo as famílias e suas relações comunitárias no processo de responsabilização pelo incentivo à leitura”.

Depois veio o que faltava: recursos para colocar o pensamento em prática, através do edital Primeira Infância –iniciativa do Fundo Baobá, da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Porticus América Latina e Imaginable Futures. A proposta de Leandro era mobilizar uma rede de cuidados para crianças de até 6 anos, durante a epidemia de Covid-19, usando o universo da leitura como estratégia.

Projeto de Leandro Vilas Verde Cunha, Coletivo Ibomin – Salvador, Lauro de Freitas e São Francisco do Conde (BA)

Para isso elaborou três práticas: entrega de livros, jogos da memória e outros materiais educativos aos participantes; criação de um grupo no WhatsAppp para trocas de experiências entre as famílias e o envio de vídeos já disponíveis na internet, com leituras de livros infantis afrocentrados, e, por fim, mobilização de outros adultos para atuarem como padrinhos ou madrinhas de leitura.

“As ações são realizadas junto a famílias frequentadoras do Ilê Axé Odé YeyÊ Ibomin, e que residem em três municípios da região metropolitana: Salvador, Lauro de Freitas e São Francisco do Conde. Algumas famílias aproveitam visitas ao Ilê para pegar os itens, mas a maioria recebe em casa. Para isso, contratamos um serviço de entrega de um membro do terreiro. As demais ações são feitas remotamente, por telefone, whatsapp e outras redes sociais. Dessa forma, vamos fortalecendo uma rede de cuidado à primeira infância de famílias negras frequentadoras de nosso Ilê”.  Leandro alcançou 13 crianças e 24 adultos com o projeto:

“Ouvimos muito elogios, pessoas dizendo que nunca viram ação tão linda quanto essa, que as crianças adoraram as atividades com os livros, que mesmo as mais novinhas se divertiram com as figuras e com as contações de história. A principal lição que fica é a de que nossa salvação vem de nós mesmos. A ideia do nós por nós, do Ubuntu, é realmente o caminho e podemos promover ainda mais espaços de cuidado para nossas crianças negras.”

Projeto de Leandro Vilas Verde Cunha, Coletivo Ibomin – Salvador, Lauro de Freitas e São Francisco do Conde (BA)

Confira o Instagram do Coletivo Ibomin

A busca pela equidade racial move Jonatas Aparecido Silva, 38, outro brasileiro comprometido com a literatura e militância negras.

“Sou bacharel em Comunicação Social pela Metrocamp, educador social e agente afro cultural. Tenho experiência com trabalho social pela rede socioassistencial de Campinas, dialogando com juventudes periféricas afrodiaspóricas. Amigos me indicaram o edital do Fundo Baobá, justamente por saberem do meu ativismo antirracista e da minha participação no Coletivo Mil Tambores, que realizou uma revista chamada Tamborim.”

Coletivo Mil Tambores – Projeto de Jonatas Aparecido Silva, Campinas (SP)

A ideia da publicação surgiu a partir de uma ação social da Central Única das Favelas, na periferia de Campinas, em São Paulo:

“A CUFA estava distribuindo livros junto das cestas de alimentos, no entanto eram livros e histórias euro referenciadas. Pensamos então em produzir conteúdos afro referenciados que contemplassem a nossa diversidade e gerassem a identificação das famílias. Na mesma época eu fui informado do chamado do Fundo Baobá”.

A revista Tamborim é o ponto central das atividades propostas ao Edital Primeira Infância. O plano inicial de trabalhar com uma garotada de 7 a 12 anos, mais vulnerável à evasão escolar, precisou mudar: o coletivo abriu o público-alvo para crianças a partir de 5 anos, buscando maior interação dos pais com os filhos na idade da primeira infância, a partir da leitura e das práticas indicadas na revista.

Nas 20 páginas ilustradas os leitores acompanham as aventuras dos irmãos Inza e Akin, durante um final de semana ensolarado na casa dos avós, na Região Metropolitana de Campinas. Sem sair de lá, a dupla viaja no tempo, aprende um pouco sobre as histórias do rádio e do Samba, e referências. Os leitores vão junto e são desafiados com jogos educativos e brincadeiras como a das 5 Marias, trazida ao Brasil por escravos moçambicanos.

Revista Tamborim – Projeto de Jonatas Aparecido Silva, Campinas (SP)

Com a revista foram entregues retalhos de pano e um tutorial para a montagem de bonecas Abayomi, símbolos de alegria e felicidade.

Ocorreram alguns contratempos na reta final do projeto, que foram contornados com um rede de apoio:

“Nós fechamos parceria com a CUFA para incluir a Tamborim nas cestas deles, e com o Quilombo Urbano OMG, para utilizar o espaço da sede durante a nossa distribuição. Porém, quando os 100 exemplares da revista ficaram prontos a CUFA já havia encerrado a entrega de cestas básicas e a sede do Quilombo Urbano entrou em reforma. Foi preciso reunir outros parceiros, batemos de porta em porta, usamos os Correios. Chegamos a doar 30 exemplares como material pedagógico para a EMEF Oziel Alves Pereira, que tem um projeto chamado Africanidades”, conta.

Projeto de Jonatas Aparecido Silva, Coletivo Mil Tambores, Campinas (SP)

“Enquanto educadores, pesquisadores, agentes culturais e ativistas a gente viu que a revista deu certo e queremos continuar. Essa é nossa luta, o sentido da nossa existência e nossa contribuição para um mundo melhor. Queremos continuar, ouvir os leitores e chegar a mil leitores. A segunda edição já está no forno”.

Confira o Instagram do Coletivo Mil Tambores

Na cidade de Assu, no Rio Grande do Norte, o jovem Paulo Henrique do Nascimento, 27, escolheu aplicar os seus conhecimentos em Nutrição para abrandar o sofrimento de 50 conterrâneos (mães e cuidadores de crianças de 0 a 6 anos) praticamente desassistidos pelo poder público durante a pandemia.

“O edital oportunizou pessoas vulneráveis a acessarem, mesmo que de forma remota, ações que salvaram suas vidas”.

Projeto do Paulo Henrique do Nascimento, Assu (RN)

Paulo reuniu 20 voluntários, entre professores, pedagogos, educadores físicos e artistas locais, na produção e compartilhamento (via redes sociais e aplicativos de mensagem) de peças informativas e vídeos com dicas de higiene pessoal e alimentação. Uma ação social encerrou o projeto com a distribuição de itens de limpeza e proteção pessoal contra o novo coronavirus e atividades para crianças nas comunidades.

“Como nutricionista poder promover a alimentação saudável para as crianças é algo fantástico. Sinto a missão cumprida”.

https://www.instagram.com/p/CKMmATrhElp/?igshid=1c0crewr5a2gh

https://www.instagram.com/tv/CKWUiisBRuY/?igshid=1mfs1mmfobfyr

Educar e Capacitar gera benefícios práticos

Tobias Pereira Soares Filho, 29 anos, é professor da Educação Básica e trabalha com projetos sociais dede 2009, sempre voltados para reforço escolar e educação ambiental. Neste período de pandemia ela viu a necessidade de somar novas demandas:

“Pensei nos pais e responsáveis, principalmente as mães e mulheres que estão diretamente ligadas aos cuidados com a crianças e também com a comunidade em geral, como com cursos de alfabetização de jovens, adultos e idosos. Assim, focamos o projeto em iniciativas que tinham duas intencionalidades, contribuir nos cuidados e também gerar potencialidades financeiras para essas mulheres.”

A ajuda deveria gerar ajuda prática e esperança. Tobias direcionou o projeto para a localidade de Sol Nascente, região administrativa do Distrito Federal considerada uma das maiores favelas do Brasil, ao lado da Rocinha, no Rio de Janeiro.

Projeto do Tobias Pereira Soares Filho, Sol Nascente (DF)

“Atuamos em uma parte deste território projeto é focado no Trecho II do Sol Nascente, mais especificamente na Chácara 97 (lá ainda as quadras são chamadas de chácaras, mesmo sendo urbanas), onde ainda há debilidades nas áreas de saúde, educação, segurança pública e transporte”, explica.

“Realizamos, a partir do Fundo Baobá, duas oficinas com 17 mulheres do território. Uma primeira com um mestre de cultura popular da cidade, Mestre Madioca Frita, também um periférico, que ensinou a construir quatro brinquedos populares (traca-traca, mané-gostoso, rói-rói e a galinha) para um grupo de 10 mulheres do território, mais algumas crianças que preferiram ficar na oficina do que na ciranda (lugar de cuidado para os filhos e filhas destas trabalhadoras, dando melhores condições para que elas possam participar das atividades). A segunda oficina foi com a pedagoga Lídia Pereira, que ensinou a fazer uma boneca de tecido.”

Projeto do Tobias Pereira Soares Filho, Sol Nascente (DF)

Ele explica que o propósito era produzir brinquedos que ficassem com as mães ou mulheres responsáveis após as oficinas, já pensando no Natal, e principalmente que elas pudessem dominar as técnicas para futuramente produzirem novas peças, vendê-las e gerarem renda.

“Também durante todas as oficinas o grupo se preocupou que o máximo possível do recurso ficasse no próprio território, assim as mulheres que produziram a alimentação das oficinas e as cuidadoras do espaço de ciranda, foram mulheres do próprio território e ligadas ao processo de pensar as atividades, acompanhar a execução e depois avaliarem”.

Os desafios não foram muitos, começando pelos vários casos de violência contra crianças e mulheres que ocorreram durante o processo, gerando o afastamento de uma das mulheres envolvidas. Abstenções também ocorriam quando as participantes desempregadas conseguiam trabalhos de faxina nos dias de atividade.

Projeto do Tobias Pereira Soares Filho, Sol Nascente (DF)

“Não conseguimos bom engajamento na internet então as ações ocorreram basicamente e forma presencial, porém seguindo os protocolos de segurança sanitária. Como nosso espaço tinha uma pequena área coberta, também contamos com a sorte meteorológica para não chover nos dias de atividade, evitando aglomerações”, cita mis alguns.

“Escutamos das participantes inúmeras vezes expressões sobre como era novamente bom brincar ou como fazia tempo que não brincavam daquela forma, foi bonito! Também escutamos inúmeras histórias das brincadeiras de cada uma das mulheres em seus tempos de infância, foram momentos muito importantes de troca. Acho que o maior aprendizado foi o da importância de manter a cabeça sempre aberta às brincadeiras e nos permitirmos esses tempos, mesmo dentro de todas as dificuldades.”

Também em Ceilância, no Distrito Federal, a assistente social Ágata Parentes Ferreira 32, também decidiu colaborar com a população de Sol Nascente, estimulando a cooperação comunitária e a geração de trabalho e renda.

“A realidade de Sol Nascente-DF é de grande vulnerabilidade social, especialmente no Trecho III – o qual ainda está em processo de ocupação e sem infraestrutura organizada pelo Estado. As oportunidades de trabalho e de desenvolvimento pessoal são escassas, estando jovens e adultos à mercê da irregularidade empregatícia, sem certezas de quando terão chance de ganhar dinheiro para sobrevivência diária. Ao mesmo tempo, numa comunidade recente, há poucos equipamentos sociais – como feiras, mercadinhos, padarias, bares, restaurantes – o que diminui ainda mais as oportunidades de trabalho e desenvolvimento local e, principalmente, dificulta o acesso a alimentos saudáveis para consumo diário dos cidadãos e cidadãs”, descreve Ágata.

“Essa dificuldade de acesso interfere na segurança alimentar e nutricional dos moradores e moradoras da comunidade, ou seja, no “acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais” (Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006), e, consequentemente, na qualidade de vida dessas pessoas”.

A população precisava ser fortalecida, vislumbrar oportunidades de trabalho e se crescimento pessoal e cooperativo, o que na opinião de Ágata iria  interferir diretamente na vida das crianças. Ela então pensou em muitas atividades virtuais, com o intuito de diminuir o contato físico e a transmissão da Covid-19, mas esbarrou em limitações de conexão de internet e na falta de equipamentos eletrônicos. Foi preciso adaptar a abordagem para o modo presencial, seguindo as orientações da OMS e da FIOCRUZ para mitigar o risco de contaminação.

“Todo o processo foi realizado coletivamente. Houve semanalmente reuniões de planejamento e alinhamento do processo de construção da cozinha comunitária, que foi transformada em padaria comunitária devido às necessidades da própria população. Enquanto os equipamentos e utensílios estavam sendo comprados, conseguimos também implementar dois espaços de formação para melhor gestão da padaria. Os temas abordados foram Introdução à Administração Colaborativa e Introdução sobre Manipulação de Alimentos, enfatizando os cuidados operacionais da cozinha e a higiene dos manipuladores”, conta.

O grupo ainda desenvolveu cardápios com pouco uso de alimentos ultra processados e tratou divulgação da padaria comunitária com faixas, grafites e uma bicicleta de som, para atrair a clientela e aumentar o capital de giro.

“As avaliações foram bastante positivas, pois há bastante força de vontade para fazer acontecer esse empreendimento coletivo. Desde o início, todas ficaram bastante ansiosas para que a padaria iniciasse, e este passou a ser uma meta principal dessas pessoas para poder ajudar no processo de garantia de renda. A nossa equipe aprendeu a potência que essas mulheres têm e que a oportunidade de trabalho é o que falta para que essas pessoas se desenvolvam pessoal e profissionalmente.”

Em São Paulo, a psicóloga e gestora ambiental Camila Britto da Silva, 30, está convicta de que psicologia a preparou para trabalhar a autoestima, o autocuidado e autonomia dos indivíduos, e por isso não desperdiça a chance de desenvolver projetos que permitam cumprir esse objetivo.

“Em meu trabalho como supervisora do programa Criança Feliz, via junto com as estagiárias as principais necessidades vivenciadas pelas famílias e principalmente pelas mães, e como tudo isso impactava no desenvolvimento das crianças. Sendo assim, enxerguei o edital como uma maneira de trazer uma nova perspectiva para essas mulheres, o que iria impactar também em seus filhos e famílias”, justifica.

Projeto da Camila Britto da Silva do Programa Criança Feliz, São Paulo (SP)

Era preciso estimular a autonomia financeira das famílias, então ela planejou o projeto Inclui e Conect@ com o propósito de proporcionar acesso a cursos profissionalizantes e de capacitação para famílias em situação de vulnerabilidade, no município de Arujá, na Região Metropolitna de São Paulo e Alto Tietê, e que tiveram essa condição acentuada no período da pandemia.

Projeto da Camila Britto da Silva do Programa Criança Feliz, São Paulo (SP)

“Inicialmente, foi realizada uma triagem por meio de formulários para selecionar as famílias que tinham interesse e disponibilidade de realizar os cursos. A partir desse resultado, foram feitas as matrículas e as participantes que não dispunham de internet e dos materiais necessários em casa, puderam realizar as aulas no Centro de Convivência da Criança e do Adolescente no Centro. No total, foram 12 cursos com carga horária de 20h a 30h oferecidos por meio das plataformas online dos sites do SENAC, SEBRAE E SENAI, de finanças pessoais, empreendedorismo, legislação trabalhista, confeitaria, entre outros. A maior parte do projeto foi realizada de maneira virtual, salvo a entrega dos certificados e os períodos de aula de algumas mães que não dispunham de internet em casa.”

O projeto teve o engajamento total de 22 mulheres que receberam certificados. Algumas, segundo Camila, aproveitaram os cursos e conseguiram oportunidades de trabalho. Outras, decidiram iniciar ou ampliar seus próprios negócios.

Projeto da Camila Britto da Silva do Programa Criança Feliz, São Paulo (SP)

“Isso me fez acreditar que o impacto do projeto tenha abrangido não somente elas, mas também suas famílias, uma vez que todas as participantes ou estavam gestantes, ou tinham filhos e companheiros. Todos enfrentando momentos difíceis por conta da pandemia. Dessa forma, o edital beneficiou cerca de 60 indivíduos.”

Doações emergenciais aos imigrantes na pandemia

Uma longa crise econômica e humanitária na Venezuela trouxe fileiras de imigrantes ao Brasil ao longo dos últimos anos. Em janeiro de 2020, o Comitê Nacional para Refugiados (Conare), ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, já havia reconhecido 17 mil venezuelanos como refugiados. E segundo o Atlas Temático – Migrações Venezuelanas (Unicamp), 3.250 imigrantes tinham registro ativo residentes na Região Nordeste, no período 2000-2019.

Na cidade de Crato, no Ceará, a professora de teatro e artes, Carla Hemanuela Bezerra, de 35 anos, e sua trupe, aproveitaram a chamada para o Edital Primeira Infância no Contexto da Covid-19, para colaborar com famílias venezuelanas que estavam de passagem pela Casa do Migrante, em novembro do ano passado. O edital avaliaria ações emergenciais dirigidas a povos indígenas, quilombolas, migrantes ou refugiados foram avaliadas em relação à sensibilidade cultural.

Projeto de Carla Hemanuela Bezerra na Casa do Migrante, em Crato (CE)

“Faço parte de um grupo de teatro que já realiza atividades em comunidades periféricas, com contação de história, oficinas e espetáculos teatrais. Quando surgiu o edital vimos a possibilidade de desenvolver algo na Casa do Migrante, que apoia os imigrantes venezuelanos. O prédio pertence à Diocese de Crato, mas é mantido com doações”, explica.

“Com a doação emergencial do Baobá fizemos em novembro um primeiro encontro presencial com as famílias para apresentamos o projeto. Em um segundo encontro organizamos oficinas de resgate da cultura venezuelana, uma com as crianças e outra com os pais. Todos escolheram falar sobre a cultura do seu país através de desenhos”.

As ilustrações que os pequenos fizeram estamparam tecidos que por sua vez viraram máscaras de proteção contra a Covid-19, em uma oficina de costura.  Carla gravou um vídeo com dicas para a confecção das peças, que foi compartilhado para outras dezenas de famílias de refugiados espalhadas pela Região do Cariri.

Projeto de Carla Hemanuela Bezerra na Casa do Migrante, em Crato (CE)

“Em 2020 mais de 100 venezuelanos passaram pela Casa do Migrante, mas durante o projeto só três famílias permaneciam desempregadas. Uma delas foi escolhida para receber uma máquina de costura e os materiais que usamos na oficina. A mulher é costureira e o marido artista plástico, então eles já estão confeccionando máscaras e bolsas para vender. O projeto foi para muitos, mas gerou imediatamente emprego e renda para uma família com três crianças. Também temos notícia de outros venezuelanos, em outras localidades, que estão confeccionando máscaras para vender”.

Os participantes ainda criaram uma logomarca para o projeto e participaram ativamente da produção de um documentário.

Projeto de Carla Hemanuela Bezerra na Casa do Migrante, em Crato (CE)

“Eles foram filmados ressaltando aspectos positivos do seu país e a necessidade de doações para a Casa do Migrante de Crato. A nossa preocupação agora é dar continuidade ao projeto, colaborando com esses mais de 100 imigrantes que ainda estão no Cariri, entre eles muitos jovens e crianças. Temos a ideia de criar uma brinquedoteca e outras coisas mais”.

A situação dos refugiados venezuelanos também sensibilizou a psicóloga Beth Fernandes, de 54 anos, 25 deles trabalhando com ativismo social.

“Estive em Boa Vista, Roraima para estudos sobre migrações sexuais e tráfico de pessoas na fronteira Brasil e Venezuela, em 2019, e percebi que Goiânia teve muita interiorização de venezuelanos, principalmente de mulheres grávidas e com crianças que ficavam nas ruas do Centro pedindo dinheiro e comida, expostas à violência.”

Projeto de Beth Fernandes no Amor Sem Dor, Goiânia (GO)

Beth encaminhou várias dessas mães ao projeto “Amor sem Dor”, promovido pelo Ministério Público do Trabalho de Goiânia e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), que oferecia aulas de corte e costura.

“Cinco das mães que eu encaminhei concluíram o curso e hoje coordenam a miniconfecção que eu montei, comprando duas máquinas e tecidos com recursos do Fundo Baobá. Elas orientam outras sete mães na confecção de camisetas, batas, lenços e máscaras de proteção contra o coronavírus”, explica Beth.

Projeto de Beth Fernandes no Amor Sem Dor, Goiânia (GO)

As participantes, 12 no total, geram renda com a venda das peças, no Centro de Goiânia. A ideia é que a miniconfecção, que funciona no galpão de outra ONG parceira – a Amor sem Fronteiras, criada por um venezuelano -, se torne o primeiro empreendimento delas.

“Se o projeto terminar, elas vão conseguir continuar sozinhas. Mas eu desejo agora é ampliar a confecção, engajar as mulheres que perderam os maridos na pandemia, ensinar a elas corte e costura, bordado, reinseri-las na sociedade”.

Projeto de Beth Fernandes no Amor Sem Dor, Goiânia (GO)

Em Suzano, São Paulo, Sílvia Aparecida do Carmo Rangel, 49, também atuou pela vertente do empoderamento, como ferramenta para o combate da violência contra a mulher.

“Minha participação foi motivada pelo desejo de ampliar ações desenvolvidas com outras usuárias dos projetos da AAMAE, instituição na qual atuo como gestora e presidente. Diante do desafio de minimizar a violência, na busca por um diagnóstico e acompanhamento mais próximo das mulheres que participam do programa Viva Leite, ou que fazem parte da comunidade e com crianças na primeira infância. Vivenciamos um aumento considerável em relação a violência doméstica, inclusive tivemos vários casos de feminicídio próximos a instituição”, afirma.

Bacharel em Direito, pós-graduada em Desenvolvimento Social e mestre em Políticas Públicas, Silvia elaborou o projeto Laços de Família – Baobá, com atividades realizadas no bairro Miguel Badra.

Projeto de Sílvia Aparecida do Carmo Rangel no AAMAE, Suzano (SP)

O cadastramento para levantamento dos dados das famílias deu-se de forma presencial, com horários previamente agendados e seguindo rigorosamente protocolos de saúde para conter o avanço do novo coronavírus. A partir daí, os contatos gerais para dúvidas e acompanhamentos ocorreram por telefone. Silvia promoveu diversas lives coletivas para discussões das temáticas violência doméstica, acidentes domésticos com crianças, educação dos filhos, amamentação e sobrecarga de responsabilidades para a mulher.

“Tivemos muitas discussões no grupo, pertinentes aos temas abordados. Mediar é sempre um desafio, pois cada qual tem sua bagagem, suas vivências, e são únicas, o que me faz a cada dia desenvolver o senso de altruísmo, o respeito a história de cada uma, e a empatia”.

O Laços de Família proporcionou também atendimento psicossocial em situações de violência, presencialmente e seguindo protocolo de saúde, além de entregas agendadas de cestas de Natal, cestas básicas, cestas de higiene e limpeza; brinquedos e máscaras de proteção. Duzentas mães e 170 crianças foram acolhidas.

Projeto de Sílvia Aparecida do Carmo Rangel no AAMAE, Suzano (SP)

“As atividades foram pensadas como forma de aproximação e envolvimento com as famílias, focando na mulher como protagonista. O desejo era ampliar a discussão sobre as diversas situações que envolvem a dinâmica familiar, os sonhos, as dificuldades e a capacidade de resolução de conflitos. Acredito que assim promovemos reflexões para trazer o reconhecimento do potencial de transformação e impacto a partir do empoderamento e resgate da dignidade.”

Cuidados para a saúde física e mental das populações vulneráveis

Determinantes para mitigar o avanço da pandemia do novo coronavírus, as políticas de distanciamento social e as recomendações básicas de higiene soaram um alerta para a parcela da população que vive em favelas, periferias e rincões do país, em situação de extrema pobreza e sem infraestrutura. De acordo com o Instituto Trata Brasil são quase 35 milhões de brasileiros que sequer têm acesso ao abastecimento de água e mais de 100 milhões sem a cobertura da coleta de esgoto.

Pensando justamente nesse grupo, longe de espaços de acolhimento adequados, a assistente social Claudia Arantes da Silva Mathias, de 51 anos, se inscreveu no edital do Fundo Baobá.

“Atuo há 22 anos no Centro de São Paulo e acompanho as demandas dessas pessoas – especialmente mulheres e jovens gestantes. Muitas delas, na sua grande maioria negras, relataram situações de violência e empobrecimento, agravadas pela epidemia que interrompeu ou reduziu muitos serviços”, explica.

Projeto de Claudia Arantes da Silva Mathias, São Paulo (SP)

Claudia considerou ainda o cuidado integral das crianças na primeira infância:

“Vivendo nos cortiços e ocupações, em ambientes insalubres e sem espaços de convivência e lazer, os pequenos são os que mais sofrem com as situações de violência doméstica. Creches e escolas fecharam e eles não ganharam opções lúdicas e educativas.”

Moradora da Zona Oeste, Claudia usou carro e transporte público para realizar visitas domiciliares na favela do Moinho e em cortiços das regiões da Luz, Canindé, Bom Retiro e Consolação; distribuiu 60 cestas básicas e 60 kits de higiene e limpeza. As demais ações ocorreram no ambiente virtual: atividades lúdico-pedagógicas para crianças de 0 a 6 anos; entrevistas individuais de acolhimento e reuniões com adolescentes e jovens mães, para o enfrentamento de violência doméstica.

Projeto de Claudia Arantes da Silva Mathias, São Paulo (SP)

“Em quatro desses casos de violência nós orientamos as mulheres sobre as medidas legais possíveis, e contei com a ajuda da A.A.Criança para realizar o atendimento biopsicossocial das famílias”.

Ao todo 114 pessoas foram beneficiadas, entre elas a jovem mãe Kelly, 17, que deixou o seguinte relato:

“Nesse momento em que a gente não tinha a quem recorrer, a senhora foi um porto seguro. Ter alguém pra falar dos nossos problemas, e nos ensinar o que é bom pra fazer nessa hora de tanta dificuldade, não tem preço”.

Projeto de Claudia Arantes da Silva Mathias, São Paulo (SP)

Da mesma forma a enfermeira Dóris Faustino, 33, voltou o seu olhar para comunidades periféricas de Belo Horizonte, capital mineira, e Betim, quinto município mais populoso do estado.

“A minha motivação para participar do edital do Fundo Baobá veio do desejo de colaborar com as meninas mães egressas do projeto socioeducativo do coletivo Teia de Anansi, onde trabalho há três anos. Confiantes no nosso trabalho, as jovens não hesitaram em nos contar que enfrentavam dificuldades para comprar materiais básicos para seus bebês em decorrência da pandemia”, relata.

Projeto de Dóris Faustino do coletivo Teia de Anansi – Belo Horizonte e Betim (MG)

Com ênfase na prevenção da doença e nos cuidados necessários para as adolescentes e seus bebês, Dóris definiu as seguintes estratégias: elaboração e entrega de cartilhas ilustrativas com esclarecimentos sobre o SARS-CoV-2 (Covid-19); distribuição de álcool em gel e máscaras de proteção; conversas por telefone para falar sobre a saúde das mães e dos bebês.

Projeto de Dóris Faustino do coletivo Teia de Anansi – Belo Horizonte e Betim (MG)

Conseguimos atingir oito adolescentes diretamente e seus bebês, totalizando nove crianças em Belo Horizonte e Betim, mais os seus familiares. Para algumas adolescentes mães egressas do socioeducativo que estão nos interiores de Minas Gerais, nós enviamos a cartilha e conversamos via aplicativos de mensagem e redes sociais. Elas agradeceram muito.”

Projeto de Dóris Faustino do coletivo Teia de Anansi – Belo Horizonte e Betim (MG)

A fim de contribuir com a primeira infância no contexto da pandemia, a psicóloga Aline Cardoso Côrtes, 29, moradora de Taguatinga, no Distrito Federal, mobilizou pelo menos seis agentes populares de saúde nos cuidados de famílias da comunidade Quintas do Amanhecer e do Assentamento Pequeno William, em Planaltina. Ao longo do projeto, eles tinham a tarefa de convidá-las para as ações e acompanhá-las.

“O cenário de pandemia, isolamento social e crise econômica desencadeou, sobretudo para as famílias e comunidades de baixa renda, uma condição de medo constante e situações de estresse vivenciadas pela falta de apoio e cuidado aos indivíduos. O projeto representou uma oportunidade de viabilizar condições concretas para salvar vidas e promover saúde às crianças e seus cuidadores. Uma etapa inicial muito importante foi a de mobilização e formação com a temática saúde mental no contexto de crise econômica e isolamento social para os agentes.”

Após o mapeamento das famílias, Aline dedicou-se a elaboração de videoaulas com diversas temáticas: de orientações para o fortalecimento da relação crianças e seus pais ou cuidadores, a oficinas de ioga e meditação, dança e instruções sobre alimentação saudável. Ela conta que surgiram algumas dificuldades, essencialmente pelas limitações do formato virtual. O convite às famílias era feito através de ligações e mensagens, o que criou um certo distanciamento e até ausência de respostas.

“Em condições normais, realizar essa mobilização de forma presencial é mais sensível e com maiores chances de cativação. Mas nos adaptando, inclusive utilizando ao máximo a ferramenta do WhatsApp”, comenta.

Projeto de Aline Cardoso Côrtes, na comunidade Quintas do Amanhecer e no Assentamento Pequeno William, em Taguatinga e Planaltina (DF)

Mas comemora, porque a recepção ao projeto foi muito positiva:

“Os relatos de uma mãe solo, por exemplo, confirmam que a pandemia fez com que a dinâmica familiar sofresse várias alterações, há uma sobrecarga de tarefas, as crianças estão mais agitadas, fazendo-se necessário meios de reinventar o cuidado. Deste modo, percebemos como muito assertivo essa proposta que incide diretamente em alternativas para a melhoria da qualidade de vida, tanto das crianças, quanto dos seus pais, que se encontram mais vulneráveis nesta conjuntura. No geral, buscamos nos fortalecer a partir de uma solidariedade coletiva, promovendo ações com foco na educação em saúde no aspecto da promoção da qualidade de vida”.

Edital Primeira Infância atraiu olhares profissionais e acadêmicos para a população vulnerável, durante a pandemia

Falar de medidas de isolamento físico e social para os sem-teto, durante a pandemia, é mais do que uma ironia. É motivo de muito sofrimento. Conhecedora dessa realidade, a arquiteta Viviane Zerlotini da Silva, de 50 anos, propôs ao Fundo Baobá medidas que impactassem positivamente cerca de seis mil famílias vivendo em Izidora, ao Norte de Belo Horizonte – um dos maiores conflitos fundiários da América Latina. Homens, mulheres e crianças em constante situação de precariedade e sem acesso às políticas públicas.

Na sua rotina de assessora técnica das ocupações de Izidora (Esperança, Helena Grego, Vitório e Rosa Leão), em atividades de extensão pela PUC Minas Gerais, Viviane também acompanha os movimentos de uma rede de cuidadores de crianças e idosos responsável por auxiliar as lideranças reconhecidas pelos moradores, na distribuição de doações. Quando a pandemia chegou, trazendo normas restritivas de acesso a uma série de serviços (creches, escolas, postos de saúde e o Centro de Referência da Assistência Social), percebeu que tudo ficou mais complicado.

Ela então tomou a iniciativa de aderir ao Edital Primeira Infância, e de convocar outros colegas e alunos do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da universidade.

“Com os devidos cuidados andamos com as lideranças, visitamos as casas, ouvimos os moradores e as muitas dúvidas que tinham em relação à Covid. Muitos estavam preocupados com a aglomeração de jovens nos bailes, com a necessidade eventual usar o transporte público, sem saber como acessar o posto de saúde para levar alguém doente ou ainda como lidar com os filhos fora da escola, por exemplo”.

Projeto de Viviane Zerlotini da Silva, Izidora (MG)

A principal ação do projeto acabou se transformando a produção e gravação de pelo menos cinco vídeos, que incluíram depoimentos dos próprios moradores e de profissionais de saúde, depois compartilhados por um aplicativo de mensagem.

“O retorno que tivemos foi ótimo. Eles gostaram muito, porque viram moradores falando e se reconheceram ali”, comenta Viviane.

Em outra ação emergencial os alunos da Escola de Formação de Autoprodutores em Processos Socioambientais, da universidade, sugeriram a confecção de brinquedos de sucata e madeira para suprir a falta da escola e da internet para a garotada. A ideia foi afinada em videoconferência, com as lideranças comunitárias. E alunos dez alunos da disciplina Processos Colaborativos elaboraram cartilhas explicativas para que os próprios moradores montassem as peças.

Projeto de Viviane Zerlotini da Silva, Izidora (MG)

“A doação de brinquedos contribuiu com a formação da criança, em seu universo lúdico, ao mesmo tempo que não exigiu a presença de um adulto externo à ocupação para acompanhar estas crianças, apenas dos pais e cuidadores. Evitou-se assim a circulação do vírus nas ocupações“, ressalta Viviane.

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A psicóloga clínica e social Liliane Santos Pereira Silva, 24, também entende a realidade de moradores de territórios em conflito, e se preocupa com esses espaços atualmente.

“Atuo desde 2016 nesses territórios (MST, Quilombos, Comunidades indígenas e campesinas), inicialmente como estudante, nesse momento como profissional. E, para além do compromisso profissional, como mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Alagoas considero que as universidades públicas devem voltar suas pesquisas a atividades de campo, produzindo nos territórios a aliança entre pesquisar e intervir”, pondera.

Para atenuar os sofrimentos da comunidade Quilombola Cajá dos Negros, na Zona Rural da cidade de Batalha, no sertão alagoano, ela optou por iniciativas virtuais e presenciais voltadas para crianças de 3 a 6 anos, mulheres jovens e adultas em período gestacional ou puerpério, além de vítimas de violência doméstica.

“Com as crianças visamos apresentar cartilhas com brincadeiras africanas em que elas possam conhecer a história do seu povo, da sua comunidade e construir referências negras desde a infância. Às mulheres grávidas ou em período puerpério ofertamos acompanhamentos para sanar dúvidas sobre o período e os cuidados em relação à Covid-19. Por fim, tentamos acolher as mulheres vítimas de violência doméstica e articular um processo de conscientização comunitária sobre o assunto, divulgando uma cartilha sobre os tipos de violência e os locais de amparo”, descreve.

Projeto de Liliane Santos Pereira Silva, Quilombo Cajá dos Negros (MG)

Liliane calcula que 15 famílias foram diretamente impactadas pelas ações, por meio de 11 crianças e quatro mães; mais 88 outras famílias, indiretamente.

“A aplicação das cartilhas infantis com jogos e contos africanos foi a que enfrentamos o maior desafio. Alguns pais e mães eram analfabetos e/ou não possuíam smartphones para receber vídeos e áudios com as explicações das brincadeiras. Para resolver isso, seguimos com a proposta de conteúdo apresentado por WhatsApp, para as famílias que possuíam o smartphones; as que não tinham receberam a vista de jovens mediadoras da comunidade que foram até suas casas para aplicar algumas atividades. Sempre seguindo rigorosamente todos os cuidados em relação a Covid-19”.

Projeto de Liliane Santos Pereira Silva, Quilombo Cajá dos Negros (MG)

Vários relatos de participantes foram satisfatórios em relação à melhora do relacionamento pais e filhos, e do comportamento dos pequenos por meio da leitura das cartilhas infantis. Já as mães sentiram-se mais confiantes com as informações seguras e de qualidade que receberam.

“Com relação às vítimas de violência, nós focamos em discutir possibilidades de desenvolvimento de renda. A saída de uma relação abusiva nunca é simples. Existe uma base sustentável que a mulher precisa ter (econômico e psicológico), e foram por essas vias que atuamos”, comentou.

“Envolver-se com comunidades é sempre pensar cada estratégia com muito cuidado e com afetividade, pensando o impacto que isso pode fornecer as famílias e como pode ainda impactar a longo prazo. De forma ampla, o maior aprendizado que recebo das comunidades é o cuidar do outro com afeto e paciência e ainda de construir ações sorrateiras, que quebram nuances do sistema hegemônico e produz no território a potência de transformação coletiva”.

Projeto de Liliane Santos Pereira Silva, Quilombo Cajá dos Negros (MG)

No Rio de Janeiro, a médica da família Patricia Maria Barros Thomas, 37, considera que o seu trabalho sempre teve um cunho social. Com a chegada do novo coronavírus e seus efeitos negativos sobre a sociedade, ela decidiu fazer algo mais pelas mulheres e crianças da Rocinha – por muitos considerada a maior favela urbana do país, encravada entre três bairros nobres da cidade.

“Percebi que a pandemia agravou as necessidades dos moradores. Quando fiquei sabendo do Edital Primeira Infância, pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, eu propus montar kits infantis, com produtos de higiene e materiais de brincar, e ofertá-los às famílias mais vulneráveis. A ideia inicial era aproveitar o momento da entrega e propiciar uma espécie de ‘oficina’ para tratar de temas como desenvolvimento infantil e relação pais-filhos, na própria clínica, mas estamos em uma unidade de saúde do município trabalhando num contexto bastante adverso nos últimos meses”.

O agravamento do quadro da pandemia na cidade atrapalhou os planos de Patricia, mas não a impediram de entregar 30 kits, contendo quadro negro, giz, apagador, massinha de modelar, areia, fita crepe, lápis de cor, giz de cera, cola, folhas de papel A4, livros infantil, leite em pó, fraldas e sabonete. Ela foi até o encontro das crianças e responsáveis, na companhia de agentes comunitários de saúde, colegas médicas, residentes e estudantes de medicina. Todos voluntários.

“A atividade contribuiu bastante para os agentes, residentes e estudantes no aspecto da formação profissional. Além disso, a impressão geral é a do quanto podemos fazer com poucas coisas. Neste tópico, vale muito mais a abordagem, o ‘recurso humano’, não somente o material!”

 

Experiências e histórias de vida que inspiram mudanças no coletivo

Quem gosta de literatura e escuta o nome Cora Coralina, logo o associa ao pseudônimo de Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, uma importante poetisa e contista brasileira, que teve o primeiro livro publicado em 1965, aos 76 anos, embora escrevesse há várias décadas. Aos 50, já viúva, Anna decidiu assumir o pseudônimo e dedicou-se mais intensamente a registrar suas experiências pessoais e o amor pela cidade natal, Goiás. 

Ela ainda era viva, em 1991, quando um casal em São Paulo batizou a filha com o seu nome artístico. Cora Coralina de Paula Souza, hoje com 29 anos, chegou a ter vergonha do nome, porque, segundo ela, causava estranhamento entre as outras crianças. Só na juventude, descobriu os textos da escritora goiana. 

Projeto de Cora Coralina – São Paulo (SP)

 “Acredito que um poema dela vem muito de encontro aos meus anseios, o ‘Ofertas de Aninha (aos moços)’, que diz um pouco: ‘Eu sou aquela mulher a quem o tempo muito ensinou. Ensinou a amar a vida. Não desistir da luta. Recomeçar na derrota. Renunciar a palavras e pensamentos negativos. Acreditar nos valores humanos. Ser otimista’(…) ”.

Formada em Comunicação Social, com especialização em Gestão Cultural, a Cora Coralina paulistana tem muita sensibilidade e sede de transformação. Integra o coletivo N’Kinpa – Núcleo de Culturas Negras e Periféricas -, que reúne em sua maioria mulheres negras para a promoção da cultura e educação em territórios periféricos.  

“A motivação para me inscrever no Edital Primeira Infância veio do despreparo e descaso do poder público em dar suporte a população, principalmente nas áreas da Saúde e Educação, frente a pandemia. As violências e vulnerabilidades que acometeram os negros e as crianças foram escancaradas. Diante disso, a necessidade de buscarmos fundos e verbas foi imprescindível, pois não podíamos apenas assistir a fome, a morte e falta de cuidados”, desabafa.

Projeto de Cora Coralina – São Paulo (SP)

Cora Coralina e integrantes do coletivo atuaram na comunidade Quilombo da Parada, que fica no distrito da Brasilândia em São Paulo, região que chegou a liderar o ranking de mortes pela Covid-19 na capital, ano passado.

“Impactamos trinta famílias com crianças na primeira infância. Desenvolvemos o Kit Capanga contendo um livro de pano, saquinhos de N’ganga (ervas) e um catálogo com explicações sobre as ervas e sugestões ilustradas de cuidados com os bebês e crianças. Os livrinhos de pano trazem os símbolos Adinkras – Sankofa, Aya e Duafe. Também criamos o CD Histórias do Lado de lá Calunga, com contos e canções, acompanhado de um QR Code no encarte. Este Kit foi entregue junto de cestas básicas que continham alimentos e itens para higiene”, descreve.

Projeto de Cora Coralina – São Paulo (SP)

Como Cora Coralina, lá em São Paulo, o professor e agente comunitário Domingos Lemos Silva, 40, não suportou assistir de braços cruzados o sofrimento do seu povo.

“Moro no quilombo de São Joaquim do Sertão, em Vitoria da Conquista, na Bahia, e sou natural desse município. Enxerguei no edital a oportunidade de captar recursos para melhor servir a minha comunidade nesse momento difícil”, conta.

Projeto de Domingos Lemos Silva no Quilombo São Joaquim do Sertão – Vitória da Conquista (BA)

A ajuda chegou com a distribuição de cestas de alimentos, kits de produtos de higiene e muita orientação. Domingos convidou um representante de cada família para participar de uma palestra no pátio da igreja do quilombo – ali evocaram diálogos sobre os sintomas e cuidados necessários para manter distante o novo coronavírus.

Projeto de Domingos Lemos Silva no Quilombo São Joaquim do Sertão – Vitória da Conquista (BA)

“Na ocasião, também expliquei o que era o Fundo Baobá e o projeto que estávamos participando. Em outro momento promovi a pesagem das crianças em uma unidade de saúde, onde foi possível ainda checar as cadernetas de vacinação, além de vacinar as crianças que tinham vacinas pendentes. Consegui que o projeto atingisse 57 adultos e 35 crianças. Os participantes comentaram que gostaram do projeto e que ele deveria ser permanente; já eu aprendi a lição de que fazer o bem é gratificante”.

Projeto de Domingos Lemos Silva no Quilombo São Joaquim do Sertão – Vitória da Conquista (BA)

Em Ananindeua, no Pará, a assistente social Amanda Cristina Queiroz de Moraes, 34, teve a mesma impressão ao encerrar o projeto desenvolvido para o edital. O público-alvo foram crianças e adolescentes paraenses que sofrem com a violência familiar e a gravidez na adolescência.

 “Sou voluntária em uma comunidade denominada Curuçambá, em Ananindeua, onde vivencio essa realidade diariamente. Eu sigo o Fundo Baobá no Instagram e fiquei sabendo do edital por lá. Decidi participar, porque queria levar informação de forma lúdica e com uma linguagem acessível para essas meninas.”

Projeto de Amanda Cristina Queiroz de Moraes – Ananindeua (PA)

Com a parceria de outra assistente social, a Regeane Holanda do Carmo, 29, Amanda Cristina ofereceu também muito carinho e atenção, por meio de rodas de conversa e visitas individualizadas nas casas das adolescentes. 

Projeto de Amanda Cristina Queiroz de Moraes – Ananindeua (PA)

“Não foi fácil falar sobre sexualidade, uso de contraceptivos e relacionamento amoroso, por exemplo. Primeiro porque havia a necessidade de um responsável por perto, o que as deixava constrangidas, e por que muitas vezes esses temas não eram bem-vindos pelos pais. Mas nós conseguimos levar informações do ECA (Estatuto da Criança do Adolescente) por meio de cartilhas. Informações que elas terão para sempre.”

Projeto de Amanda Cristina Queiroz de Moraes – Ananindeua (PA)

Amanda e Regeane são voluntárias do Centro Social Estrela Dalva umas das muitas associações que buscam apoiar os moradores de ocupações de Curuçambá e populações ribeirinhas próximas. Por meio desse trabalho chegaram até 20 garotas e 10 adultos, certas de ter feito alguma diferença na vida de todos:

“Fazer o bem, é amar o próximo”, resume Amanda Cristina.