Baobá presente no ABBC Talks: Equidade racial – transformando os negócios, a sociedade e as perspectivas

Por Mariane Euzebio

É possível liderar uma empresa financeiramente saudável sem descuidar de elementos que promovam a equidade racial e a justiça social: essa foi a mensagem levada pelo Diretor Executivo do Baobá – Fundo para Equidade Racial, Giovanni Harvey, aos representantes do setor financeiro presentes ao ABBC Talks, o momento de troca de informações e experiências entre os associados da ABBC–Associação Brasileira de Bancos. A apresentação, realizada no dia 21 de junho, foi conduzida pela Diretora Jurídica, Governança e Educação Executiva da ABBC, Carolina Gladyer Rabelo. 

A palestra on-line aos associados da ABBC versou sobre como a diversidade étnica impulsiona a inovação, o crescimento e o sucesso empresarial. Na ocasião, Giovanni Harvey, lançou um desafio para o setor financeiro: fazer uma reflexão sobre a forma como as empresas estão hoje, e se vai ser possível atender às possibilidades e as dores dos clientes do futuro sem ter diversidade étnica.

“Quando temos diferentes pontos de vista, temos ótimos resultados de negócios. Para isso é necessário respeitar as pessoas e compreender suas experiências de vida”, afirmou Giovanni.

A diversidade nos negócios tem sido considerada cada vez mais evidente como um fator primordial para o sucesso e estabilidade das organizações. Alguns benefícios como inovação, criatividade, tomada de decisão, melhor desempenho financeiro são o caminho ideal para a vida financeira de qualquer instituição.  

Como destacou Giovanni, o segredo é se antecipar a esses processos e desenvolver estratégias capazes de criar condições para que as instituições se mantenham ou ampliem. Ter uma visão ampla que permita atender as necessidades do futuro é urgente. 

Novas oportunidades no mercado, exigem soluções inovadoras e desenvolvimento de novos produtos e serviços, criando mais oportunidades de crescimento no mercado. Com isso ele trouxe exemplos práticos de como o Fundo Baobá consegue se manter com uma performance consistente quando se está alinhado com a diversidade.

O Fundo Baobá ampliou seu crescimento e consequentemente seu endowment quando observou grandes mudanças na sociedade brasileira e as acompanhou, ampliando sua concorrência, porém com o mesmo protagonismo no seu segmento. E esse foi um dos métodos utilizados no ano de 2022, que fez com que o Fundo obtivesse uma taxa de crescimento de 73%.

Com um ano e meio na função, Giovanni vem desenvolvendo um método assertivo e ambicioso no que diz respeito ao acesso, inclusão e diversidade de pessoas no desenvolvimento de negócios lucrativos para o Fundo Baobá. 

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A ABBC – Associação Brasileira de Bancos é uma entidade plural, representando bancos, financeiras, pequenas cooperativas, sociedades de crédito direto, sociedades de empréstimo pessoal, corretoras, fintechs e instituições de pagamento. O principal propósito é entender as instituições associadas para atender às suas necessidades diante de um cenário disruptivo. Comprometida com as questões Ambientais, Sociais e de Governança Corporativa, a instituição vem realizando o ABBC Talks, que é um momento de troca com seus associados para um entendimento e promoção de um mercado financeiro mais justo, responsável e competitivo. 



Feliz aniversário, Sueli Carneiro!

Em comemoração aos seus 73 anos, recapitulamos suas percepções sobre política, desafios do Baobá e perspectivas para o futuro.

Por Wagner Prado

Aparecida Sueli Carneiro, 73 anos, nasceu em 24 de junho de 1950. O Brasil estava em festa. A Seleção Brasileira estreava na primeira Copa do Mundo realizada no país vencendo o México por 4 a 0. Vencer seria o verbo que iria marcar a trajetória dessa brasileira festeira, nascida na Lapa e criada na Vila Bonilha, região de Pirituba, bairros da cidade de São Paulo. Sueli se impôs frente às adversidades da vida, fez do estudo a sua mola propulsora até se formar filósofa pela Universidade de São Paulo (USP), doutora em Educação, tornar-se escritora, ativista do movimento negro e uma das vozes mais fortes do movimento pelos direitos das mulheres, em especial, das mulheres negras. Sueli, que deve ter um máximo de 1,65m de altura,  transforma-se em gigante quando começa a falar. Suas ideias são nítidas, contundentes e ela não se detém sobre como e de que forma deve falar. Doa a quem doer. 

Sueli Carneiro, como ela própria diz, aprendeu a “pensar preto” lendo e ouvindo o ator, poeta, escritor e dramaturgo Abdias Nascimento (1914/2011), um dos grandes intelectuais negros brasileiros, assim como aprendeu a pensar como uma mulher negra lendo e ouvindo a antropóloga, política e professora Lelia Gonzalez (1935/1994).    

Dona de prêmios muito prestigiados, como o Bertha Lutz, em 2003 (oferecido a mulheres que tenham dado grande contribuição na defesa dos direitos da mulher);  Prêmio Direitos Humanos da República Francesa, em 1998 (pela contribuição à defesa dos direitos humanos), Prêmio Vladimir Herzog, em 2020 (pela defesa da democracia, cidadania e direitos humanos), Sueli Carneiro tornou-se neste ano de 2022 a primeira mulher negra a receber o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade de Brasília (UnB). 

Sueli é fundadora e diretora do Geledés – Instituto da Mulher Negra e está à frente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá para Equidade Racial. Em outubro de 2022, ela parou suas atividades no Geledés para receber a equipe executiva do Fundo Baobá. Nesse dia, Sueli Carneiro concedeu a entrevista que segue abaixo. 

 

Dia 30 de outubro o Brasil elege seu presidente para os próximos 4 anos. Como o Fundo Baobá vai atuar frente às diretrizes políticas que serão implementadas? 

Não acho que era um cenário em que tivéssemos duas opções ou duas perspectivas. Não existia isso. Só existia uma.  Só existe alguma perspectiva para a nossa agenda com a eleição do Lula. Porque o Bolsonaro, nos quatro anos do governo dele, manifestou com muita clareza, com muita transparência, que ele não tem  nenhum compromisso conosco, muito pelo contrário. Ele tem compromisso com o nosso abandono social, com a nossa extinção, com o nosso genocídio. Então, a pergunta para mim não se coloca. Só existe uma perspectiva: a eleição do Lula. Fora dela, nossa comunidade estará em muita dificuldade, como a própria democracia no Brasil estará em um  risco absoluto de retrocesso.  Então, só existe esse caminho. A situação do risco democrático é tão dramática, que eu espero que  o Lula restabeleça aquela velha democracia, que é insuficiente, é de baixa intensidade, mas que nos assegura poder voltar a colocar pautas em disputa na sociedade.  É a primeira responsabilidade. 

Eu acho preocupante a situação em que o país se encontra. Estamos sob  a égide de uma perspectiva fascista. O fascismo é uma doutrina que a gente conhece, e nela não tem lugar para nós (pretos). O fascismo é formado pela concepção do supremacismo branco, que está em ascensão no mundo inteiro. Então, não há projeto para nós que não seja um projeto perigoso, perverso e ameaçador. Com o Lula, o que nós esperamos, primeiro, é que o estado democrático de direito seja restabelecido. Esse é o primeiro requisito para que a gente volte a disputar,  a propor, a formular proposições, sobretudo de políticas públicas que venham a incidir sobre a desigualdade racial, no campo da saúde, da educação, no campo das representações políticas. Ou seja, em todas as dimensões da vida social o recorte racial precisa ser observado para que a gente possa corrigir. 

O que importa é que precisamos da ambiência democrática indispensável para poder pautar nossos temas. E o Baobá também depende disso. Caso não se efetive essa perspectiva, nós teremos trevas para enfrentar. E o Baobá terá que se preparar para dar suporte à resistência negra,  para fazer a travessia nesse momento que poderá ser de trevas e que  não desejamos. Mas se ele ocorrer, é este papel que terá que ser feito: apoiar nossa gente nas estratégias de resistência e sobrevivência ao abandono social. 

Que análise pode ser feita dos últimos quatro anos sob o olhar da governança de um fundo que trabalha pela Equidade Racial no Brasil? 

Tenho orgulho de ter estado no Baobá num momento de grande complexidade. Num momento de agravamento da questão racial no Brasil. Momento que também foi fortemente atravessado por um elemento impensado que foi a pandemia. Isso teve um grande impacto sobre o próprio Baobá. Isso é um sintoma do que poderia vir a ser o agravamento da questão política no nosso campo. O Baobá rapidamente se reciclou durante a pandemia. Rapidamente se localizou naquilo que deveria fazer. Naquilo em que deveria atuar. E foi um momento curioso, paradoxal, porque o problema era de extrema gravidade, mas também foi a oportunidade que o Baobá teve de se enraizar mais na população negra, de se fazer presente na população negra que está em territórios mais vulneráveis. Foi paradoxal neste sentido, porque a pandemia nos empurrou para ir ao encontro dos grotões em que a nossa gente  estava padecendo mais e fazer lá o que era necessário fazer: levar algum alívio, algum amparo.  

Pela rapidez com que o Baobá agiu, pelos editais que foram criados para atender  a emergência sanitária e alimentar, a questão da sofrência que nossas famílias estavam, ter conseguido alcançar e levar algum alívio  foi uma coisa que a gente não esperava que fosse acontecer da maneira que aconteceu e que tivéssemos uma resposta com prontidão para fazer frente àquela situação.  E foi algo que a sociedade civil brasileira grandemente abraçou e se fez presente nessa situação. O Baobá foi um ator importante nesse processo. De lá para cá acho que ficou o saldo de referência de uma instituição negra, voltada para a equidade racial, mas que está atenta para as urgências da sua população e é capaz de responder de acordo.  

Eu me sinto orgulhosa de fazer parte do Baobá, num momento tão delicado que a gente teve que atravessar. E estamos alcançando índices interessantes no campo da filantropia, porque 85% das comunidades que a gente atinge (organizações, coletivos ou grupos) nunca foram financiados antes. Então, nós estamos chegando à nossa gente. Estamos chegando nos invisíveis. Essa é a parte mais importante da nossa missão.  

O Fundo Baobá não é um captador e repassador de recursos. Ele se fez para além disso. Criou uma forma de atuar dentro desse ambiente da filantropia pela justiça social. O Baobá virou referência? O Fundo é hoje inspiração para outros que estão vindo atuar nesse mercado? 

O Baobá é pioneiro no Brasil em ser um fundo voltado exclusivamente para esse tema. É um mandato único dentro do contexto mais amplo das organizações negras. E a minha visão é que a função prioritária de um fundo é captar e doar. O Baobá pode ser um ator político estratégico onde as organizaçãoes do movimento negro não têm poder de incidência. Mas a missão institucional é o fortalecimento do sujeito político movimento negro e as suas organizações, que são aquelas organizações que constroem a luta antirracista e a luta feminista no Brasil. Esse é o foco principal do Baobá: o fortalecimento da  luta contra o sexismo e o racismo na sua articulação de gênero e raça. Nessa missão, o Baobá não pode ser concorrente das organizações negras. Ele não substitui o protagonismo das organizações. Ele não deve fazer isso. Pelo contrário: ele é um agente de  fortalecimento dessas organizações. Mas há dimensões da questão racial em que pode não haver um ator político em condições de incidir nessa dimensão. Aí eu acho que o Baobá tem uma contribuição a dar. Sobretudo em questões mais estratégicas, que envolvem grandes decisões de Estado ou que envolvem estratégias de parcerias no âmbito internacional, mas nunca em concorrência com a sociedade civil negra. Jamais! Porque isso é enfraquecer o principal sujeito político que sustenta nossa luta.

A captação de recursos é o grande gargalo do Baobá. Você concorda com essa visão? 

O desafio da captação é real e não apenas para o Fundo Baobá. A sociedade civil tem esse desafio permanentemente. O que eu acho que para o Baobá pode ser um agravante é o tema. A tradição de doar para a causa racial é muito nova no Brasil.  Isso é um desafio adicional. Ter um Fundo voltado exclusivamente para essa dimensão é um projeto extremamente radical e desafiador. Ele é desafiador porque justamente desafia consensos. O consenso, por exemplo, da democracia racial. Um país que demorou o que nós demoramos para aceitar discutir o tema racial ter um Fundo voltado para esse fim é muito mais desafiador do que qualquer outra temática.  Um tema como o dos direitos humanos é um tema estigmatizado na sociedade brasileira, porque foi estigmatizado como defesa de bandidos. Da mesma maneira, com agravantes, um fundo como o Baobá, que está voltado para a equidade racial em um país que não aceita que há racismo historicamente, é um drama adicional. Depois, você tem a complicação de, mesmo quando o possível doador entende que o problema existe, se é um doador com muita visibilidade, com reconhecimento público, dificilmente ele quer associar a sua imagem a um tema desses. 

Eu sou diretora do Geledés e nós vivemos,  em muitas situações, ofertas de apoio que viriam de igrejas ou instituições renomadas, desde que a gente não falasse em racismo, a gente teria o financiamento. Se a gente falasse em criança, mas não falasse no racismo que atinge a criança negra, a gente teria o financiamento. Então, havia oferta de apoio mediante a renúncia. Mas nós temos que dizer para essa sociedade que o racismo é a mãe e o pai de todas as desigualdades. Que o racismo é o elemento estruturante de todas as desigualdades e violências.  E quando a gente pensa em mulheres negras, a gente diz: racismo e sexismo, quando se articulam recortados por raça, são o pai e a mãe de todas as violações de direitos humanos nesse país. Então, é difícil apoiar um Fundo com essas características, sabendo que ele é sustentáculo da luta que combate essas duas perversidades que existem na sociedade brasileira,  é ter que aceitar que existe um problema que é um problema sério, grave, que constrói uma apartação extraordinária nesse território, ao ponto de os índices de desenvolvimento entre brancos e negros terem diferenças abismais.

A diferença dos índices de desenvolvimento humano desses dois segmentos chega a ser grotesca. Porque a última imagem que um de nossos economistas criou é que existe um país aqui que tem o mesmo índice de desenvolvimento da Bélgica, povoado por gente branca, e um outro país, também aqui dentro, que está em uma posição, em termos de IDH (Ìndice de Desenvolvimento Humano), abaixo de muitos países africanos. E nós estamos falando de um país muito rico, que tem por marca a desigualdade, porque o drama aqui não é um país pobre. É um país com muita riqueza, mas com a concentração dessa riqueza nas mãos de um segmento racial. 

Saúde, Empreendedorismo, Recuperação Econômica, Auxílio a Populações em Situação de Vulnerabilidade, Justiça Criminal. Que outros terrenos  o Baobá ainda necessita semear? 

Acho que existe uma questão que é crítica, que ainda nós precisamos desenvolver uma estratégia de grande envergadura, que é em relação ao genocídio da juventude negra. Isso é um tema em que ainda precisamos de uma estratégia. Mas não acho que seja um tema que possa ser abraçado por uma única instituição. Não apenas nós (Fundo Baobá) desenvolvermos uma estratégia potente para lidar com essa questão. Temos que envolver muitos outros parceiros que estão conosco na luta antirracista, para enfrentarmos essa questão de frente, para asssumir a responsabilidade com relação a essa problemática, que é de todas a mais perversa. Acho que esse é um tema que nos desafia e que permanece pendente, carecendo de uma incidência vigorosa por parte do Baobá e seus parceiros. 

O Baobá vai existir enquanto perdurar a questão do racismo em nosso país. A existência do Baobá vai até aí. Você acredita que isso, o racismo, poderá acabar em nosso país?  

Cada geração que se apresenta tem que cumprir o seu papel nesse combate. Essa gestão do  Baobá está comprometida com a responsabilidade de construir as condições necessárias para a permanência do Baobá o máximo possível no tempo para o cumprimento da sua missão. Enquanto existir racismo, o Baobá é necessário. Então, fortalecer o Baobá para cumprir essa missão é responsabilidade dessa gestão e das que virão. Estou muito animada com o que nós estamos sendo capazes de enriquecer o nosso endowment, o nosso fundo patrimonial, que eu espero permita atender as necessidades identificadas pela gestão atual e as vindouras. Estamos trabalhando arduamente nessa direção.  

Investiga Menina!: Produção de Mulheres Negras nas Ciências

Por Mariane Euzebio

Segundo o Censo da Educação Superior de 2019, mulheres ocupam menos de 15% das cadeiras universitárias em todas as áreas pesquisadas. Dos jogos digitais às engenharias, os homens sempre representam mais de 85% entre o total de estudantes. Além das disparidades no que diz respeito ao acesso nas universidades, a visão ainda reforça a hegemonia colonial de compreender o mundo. As mulheres participam em praticamente todas as grandes áreas do conhecimento, porém são, em sua maioria, nas áreas ligadas ao cuidado e minoria nas áreas de ciências. 

No artigo “A relação entre as discussões de gênero e o ensino de ciências: a criação de um grupo de pesquisa no ensino médio”, a autora Paloma Santos afirma que não se discute a mulher em sala de aula, não se dá visibilidade às questões pertencentes ao feminino, nem a influência e participação de mulheres nas ciências, na sociedade, nas artes, nas religiões e na vida. A química, a física e a matemática são reafirmadas, principalmente pela prática dos educadores, como essencialmente masculinas.

Para mudar essa situação, foi criado o Projeto Investiga Menina!, do Coletivo Negro(a) Tia Ciata. Ele surgiu dentro da UFG – Universidade Federal de Goiás em 2009 a partir de uma demanda social para inserir mais meninas negras, sobretudo periféricas, dentro das carreiras de Ciências, Exatas e Tecnologias.  Seu objetivo principal é desenvolver propostas pedagógicas buscando estabelecer o diálogo entre o corpo feminino negro e o conhecimento químico, de modo a contemplar o Ensino de Ciências, Exatas e Tecnologias a partir de uma matriz cultural não eurocêntrica, pois ainda há uma norma colonizadora, branca e masculina nas produções científicas. 

O projeto enfatiza a urgência de cultura africana e afro-brasileira nos ensinos de Ciências, Exatas e Tecnologia, pois acreditam que quanto mais diverso e plural, elas conseguem aumentar o número de modelos de produção de ciências e respostas que podem dar para a sociedade brasileira. Por esse motivo, o Projeto Investiga Menina! foi um dos contemplados no Edital Educação e Identidades Negras: Políticas de Equidade Racial, que faz parte do Programa de Educação e Equidade Racial do Fundo Baobá,  apoiado pelas instituições Imaginable Futures e Fundação Lemann. A intenção principal do edital é a promoção ao enfrentamento ao racismo no campo da educação, a valorização da identidade e cultura negra no segmento educacional, além do fortalecimento das lideranças e o aumento da representação de pessoas negras dentro da esfera educacional.

A instituição selecionada recebeu um aporte de R$175 mil, e segundo Anna Benite, coordenadora do Projeto Investiga Menina!, foi uma parceria bastante significativa, pois deu a possibilidade das atividades serem executadas, além de poder ter vivenciado um diálogo franco e aberto com o Fundo Baobá.

“Transformar esse modelo significa atuar diretamente no investimento dos currículos. Se a gente vê dentro dos modelos de produção, na própria difusão do conhecimento científico, a gente vai estar investindo em novas janelas de futuro.” afirma Anna Benite.

O projeto Investiga Menina! vem desenvolvendo ações no decorrer de 2023 com o aporte recebido do Fundo Baobá e segue proporcionando novos olhares no que contempla o ensino de química brasileiro. A profa. Dra. Simone Maria de Moraes, que foi estudante de escola pública de periferia, afirma que vem conseguindo desenvolver novas práticas em suas aulas de matemática abordando os jogos africanos e outros elementos da cultura africana. Dessa maneira é possível transmitir a herança ancestral dentro da sala de aula e o fortalecimento da utilização da Lei 10.639/03, que estabelece o ensino obrigatório da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio.

Ainda este ano, no mês de setembro, o Projeto Investiga Menina! realizará o III Colóquio Ensino de Ciências para as relações Étnico-raciais: Políticas de Ações Afirmativas. A coordenadora Anna Bennite afirma que essa também será uma das consolidações sólidas para a continuidade e crescimento do projeto. Ela acredita que, uma vez que semeamos na Educação Básica, teremos um futuro melhor de pais com o olhar de cientistas negras.

Construindo caminhos para o bem-viver por meio da educação, comunicação e tecnologia

Por Anna Suav* e Tamara Mesquita*

Comunicar-se é uma prática ancestral da espécie humana e no decorrer da mudança das eras, alguns modelos, formatos e dispositivos foram e continuam a ser aprimorados visando o repasse de mensagens, avisos e conhecimentos de curto a longo prazo, pensando e desenvolvendo a comunicação para que consigamos conviver melhor e registrar nossa história. A partir da contemporaneidade, com um mundo cada vez mais ‘online’, as mídias têm se destacado na operacionalização deste processo, contribuindo na construção da cultura, educação, e do conceito de educomunicação. 

Para SOARES (2011) por Educomunicação entende-se um conjunto articulado de iniciativas voltadas a facilitar o diálogo social, por meio do uso consciente de tecnologias da informação. O desenvolvimento de ecossistemas comunicativos permitiria a educação para a Educomunicação propondo estratégias para melhorar as relações de comunicação entre os indivíduos, em direção a uma educação de melhor qualidade e mais próxima das aspirações dos jovens de hoje. A Educomunicação surge como uma nova forma de ensino que consiste na adoção de técnicas utilizadas pelos meios de comunicação e tecnologia, encontradas principalmente nas mídias (Rádio, TV, internet) juntamente com a área da Educação (2011 p.47). 

Ao entrarmos nas comunidades quilombolas, entender os modos de comunicação e educação já estabelecidos é fundamental, o uso do termo comunitário referindo-se à comunicação participativa, envolvendo as pessoas da comunidade, não só como receptores, mas como protagonistas dos conteúdos produzidos. Diante deste contexto, é que a equipe interdisciplinar do  projeto ‘Saúde Mental Quilombola: Direitos, Resistência e Resiliência’, promovido pelo Baobá – Fundo para Equidade Racial com apoio da Johnson & Johnson, adotou esse formato de formação, valorizando a riqueza dos saberes locais e suas formas de repasse. 

Historicamente, a comunicação comunitária tem como uma das suas principais bases as rádios comunitárias, que surgiram na década de 70 e que ainda hoje são uma das maiores resistências dentro das periferias e comunidades tradicionais da Amazônia, hackeando as ondas sonoras a fim de gerar conexão, informação e subvertendo as lógicas de isolamento que assolam as comunidades que vivem longe dos centros urbanos. 

No município de Baião não é diferente, os métodos comunicativos estão presentes, dentre eles a tradicional Rádio Liberdade FM, que comunica na perspectiva de fortalecer, incentivar e informar dentro do território. Djalma Ramalho, radialista e morador da comunidade quilombola de Igarapezinho, nos conta que a rádio tem a intenção de contar o cotidiano e as notícias locais, “A ideia é falar com a comunidade sobre sua cultura e história, além de ouvir uma boa música”, e com as novas tecnologias esse acesso se amplia cada vez mais, atualmente tudo que é veiculado na Rádio é disparado no aplicativo do Whatsapp, alcançando até pessoas fora do território. Hoje, esse espaço da Rádio também é de incidência política, pois são práticas comunicacionais como essa que contribuem na emancipação dos indivíduos. 

Diante dessas práticas já existentes na comunidade a equipe de comunicação do projeto também busca desenvolver suas atividades, aliando a técnica com os saberes locais e a prática do cuidado com a saúde mental. “Utilizar essa ferramenta hoje para falar sobre saúde mental é muito importante para ressignificar estas estratégias e agora aplicá-las de forma que vão beneficiar a comunicação em grupo”, diz Mayara Coelho, roteirista e educadora. Comunicar é ter responsabilidade, é pensar e cuidar para que o outro receba uma mensagem clara e objetiva, já que na atualidade a quantidade de informação é muito mais acelerada o que impacta diretamente como essa mensagem chega. “Nas nossas oficinas, trabalhamos muito em cima da comunicação não violenta, colocando o respeito na base, nós a aplicamos durante o projeto e tivemos resultados benéficos visíveis no diálogo entre a comunidade e as lideranças. A comunicação serve não somente para facilitar as conversas, como também para levar lazer e alívio, e isso é muito importante no processo de fortalecimento da saúde mental”, afirma Mayara Coelho.

Contar nossas próprias narrativas é fundamental, entendendo que quem tem o poder de contar nossas histórias e quem escolhe contar, na sua grande maioria, está dentro do que chamamos comunicação hegemônica, o que nos lembra  Chimamanda Ngozi Adichie (2009), “é assim que se cria uma única história: mostre um povo como uma coisa, como somente uma coisa, repetidamente, e será o que eles se tornarão”. E a partir disso se criam os estereótipos de um povo, afetando o bem viver, e consequentemente a saúde mental, porque o direito a uma vida digna também é ter suas histórias contadas de forma correta, valorizando os saberes locais, entendendo que morar longe de aglomerados urbanos não dá direito o de violar o acessos básicos como comunicar-se.

Como forma de contra-narrativa a essa “história única”, é que nas oficinas de educomunicação, também foram utilizadas ferramentas do audiovisual para que as pessoas da comunidade pudessem usar seus celulares, dispositivo que a maioria possui, como um instrumento de denúncia e potência, contando sobre suas ancestralidades, dores e alegrias via registro em vídeo. A oficina de audiovisual foi muito importante pra gente por conta do conteúdo  que nós aprendemos e entendemos. O celular é uma ferramenta que nos ajuda a divulgar pequenas coisas, ele é usado também pra fazer algumas denúncias, que também ajudam muitas pessoas. E sobre as nossas atividades ,fizemos um mini-curso de como gravar, tirar fotos, fazer colagem, cortes e muitas coisas legais,a gente se divertiu muito com tudo isso e estamos  agradecidos”, relata Gilberto Ribeiro, morador da Comunidade de Baixinha. 

“Nesse espaço, a comunidade toma algo pra ela, que é o protagonismo de estar na

 frente das câmeras, de escrever suas histórias, de captar momentos e divulgar o que foi produzido”, compartilha Tamara Mesquita, jornalista e produtora que compõe a equipe técnica do projeto. Cicilia Peruzzo diz: “Os  movimentos  sociais  populares  representam  estruturas  novas  que  podem contribuir na formação de um duplo poder. São criações da sociedade civil que vão  democratizando,  exercendo  um  papel  do  qual  os  canais  tradicionais  de representação não estavam dando conta”. (Peruzzo, 1998, p.69). Nesse movimento cria-se redes e se fortalece a ancestralidade. 

O projeto ‘Saúde Mental’ entende como fundamental a mostra e o compartilhamento das possibilidades de informar e registrar a história e o presente por meio da comunicação e dos seus modos de operação, tradicionais ou contemporâneos, a fim de que isso promova mais acessos e a estruturação de um bem-viver nas comunidades quilombolas da Amazônia. 

¹ Anna Suav é MC, poeta, jornalista, produtora cultural e audiovisual. Hoje integra a equipe da Negritar Filmes e Produções, na função de coordenadora de comunicação. 
² Tamara Mesquita é jornalista, produtora audiovisual, educadora e comunicadora popular. Hoje integra a equipe da Negritar Filmes e Produções, na função de coordenadora de produção.

Negritar Filmes e Produções é uma produtora de impacto social, composta por pessoas negras.

O encontro da psicologia com os saberes e práticas de cuidado das comunidades quilombolas

Por Anna Suav* e Tamara Mesquita*

A partir de diagnósticos dramáticos resultantes da pandemia da Covid-19 sobre como seus efeitos nocivos também afetaram a saúde mental de comunidades quilombolas localizadas nos municípios de Baião e Oeiras do Pará, regiões do Estado do Pará que reúnem um conjunto de comunidades remanescentes de quilombos, é que o projeto ‘Saúde Mental Quilombola: Direitos, Resistência e Resiliência’ se propõe a ter como frente de atuação o incentivo à vida, na aplicação de ações de educação, comunicação, audiovisual, direito, enfermagem e psicologia para essas comunidades, buscando apresentar, aprofundar e naturalizar a temática da saúde mental da, e para, a população negra e quilombola no território amazônida. 

É um exercício para além de si, das obviedades, das temporalidades, dos sujeitos, espaços, e da ciência moderna, a busca por um sentido que venha a ser coletivamente aplicável para a palavra saúde, seja ela física ou mental. Das subjetividades individuais e do que é capaz de contemplar um grupo, eis o desafio lançado, uma vez que o viver enquanto comunidade quilombola na Amazônia, é resistir três, quatro vezes mais, é cotidianamente revisitar a história plantada no passado como forma de nutrição para um possível futuro.

Promovido em conjunto pelo Baobá – Fundo para Equidade Racial, Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e Coordenação Estadual das Associações de Comunidades Remanescentes de Quilombo (Malungu/Estado do Pará), Associação das Comunidades Remanescente de Quilombo de Igarapé Preto a Baixinha (ARQIB), o projeto “Saúde Mental Quilombola”, iniciado em dezembro de 2022  com apoio da Johnson & Johnson, visa dialogar com lideranças comunitárias, trabalhadores da saúde, juventude, homens e mulheres, em uma espécie de coligação na criação de estratégias para o resgate da autoestima de pertencer a um quilombo. 

Pois, afinal, o que é quilombo? A palavra quilombo é originária do idioma africano quimbunco, que significa: sociedade formada por jovens guerreiros que pertenciam a grupos étnicos desenraizados de suas comunidades. Para avançarmos em direção ao objetivo essencial do projeto, é fundamental fazermos o movimento de Sankofa, retornar, para nos lembrarmos da motivação primária: o resgate. Para a moradora de França e artesã, Claudilene Rocha, “ser quilombola é se identificar com a nossa cultura, nosso conhecimento, é continuar o que nossos ancestrais passaram para gente’’.

Aquilombar é um processo de resistência, é um mecanismo de defesa na luta pelo direito à vida, à liberdade. “Aos remanescentes das Comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos” – Art. 68/ADCT/CF1988. 

“A propriedade quilombola é inalienável, impenhorável e imprescritível. Isso quer dizer que a terra não pode ser cedida, transferida nem vendida; também não pode ser retirada do patrimônio da associação para quitar eventuais dívidas; e o título não prescreve, não pode ser revogado nem cancelado”, Malungu*.

Em sua quarta viagem ao território quilombola dos municípios de Baião e Oeiras do Pará, e a partir da convivência coletiva e análise pela equipe técnica, foi entendido que as demandas de saúde mental e emocional das comunidades são engatilhadas por diferentes esferas. Como já fora apontado, a pandemia surge como marco de instabilidade, enfatizada pelo racismo historicamente operante, os contextos socioeconômicos e socioambientais contribuem com o desencadeamento de dificuldades na manutenção dos recursos necessários para a sobrevivência e manutenção das famílias, tornando a vivência e permanência nos quilombos algo desafiador, repercutindo negativamente na sociabilidade da comunidade, afetando a juventude, grupo identificado como o mais exposto  aos impactos sofridos na saúde mental. 

Frente a essas dificuldades, o projeto age a fim de trazer à luz o protagonismo fundamental das comunidades a partir das suas próprias tecnologias ancestrais, para o fortalecimento comunitário e o consequente avanço em fatores de proteção para demandas de saúde mental. 

Sobre essa temática, o psicólogo Álvaro Palha relata sobre a metodologia utilizada nas atividades “A concepção de saúde mental que adotamos envolve uma visão ampliada sobre a constituição do sujeito, na compreensão de que o corpo é constituído por múltiplas e complexas dimensões e domínios (biológico, psíquico, histórico, territorial e político), ou seja, os processos de produção daquilo que chamamos saúde e doença inscrevem-se além de noções biomédicas centradas na individualidade e se expandem para pensar o trabalho a desenvolver, pela via da coletividade histórica, social e política”. O profissional afirma que, via de regra, em relação a qualquer trabalho em comunidades, o diálogo é o que norteia as ações, o entendimento das demandas do território e ver a partir deles (quilombolas) que tipos de manejos já estão disponíveis, para a partir disso decidir em conjunto que estratégias serão adotadas.

“O trabalho dos psicólogos na nossa comunidade veio num momento em que a gente estava precisando muito! A pandemia escancarou o que o nosso povo já estava sofrendo, e o trabalho deles foi de suma importância no nosso território, o quanto que ajudou, e o quanto ainda pode ajudar não só no aspecto profissional, mas enquanto seres humanos. Eles tinham horário para começar mas tinham pra terminar, eles ajudaram muitas pessoas, inclusive a mim, eu só tenho a agradecer. O trabalho deles foi além!”, relata Nilva Martins, Presidente da ARQUIB. 

É preciso enfatizar que existe uma história sobre práticas de cuidado, dos conhecedores dos remédios tradicionais, das parteiras quilombolas, das técnicas de agricultura, da organização comunitária para atividades de coletas na mata, orientações sobre preparo de alimentos e manejo de suas restrições, conhecimentos sobre matérias primas e técnica, que se configuram em um legado. Como por exemplo, afirma Dona Deldete, morada da comunidade de Pampelônia, “Deus me deu o dom de puxar. Eu puxava a barriga, endireitava a criança”. Se tais saberes não são considerados na contemporaneidade e são descartados em prol de uma atualização, que não considera o passado, temos uma grande perda a nível de conhecimento, mas também do que significa saúde mental para comunidades tradicionais. 

Bianca Tsubaki, psicóloga que também atua no projeto, ressalta ainda que “É interessante lembrar que a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) em diálogo com a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), instituída em 2007, orientam que a promoção à saúde deve ser por meio da prestação de um cuidado culturalmente seguro e eficaz, reconhecendo que os saberes tradicionais locais são constituídos e constituintes nas e pelas relações culturais e sociais, fundamentais para a construção de estratégias de atendimento à saúde”.

São as violações de direitos, a falta ou o pouco acesso aos recursos que possam garantir minimamente a dignidade de vida que impactam diretamente no adoecimento psíquico. 

A equipe interdisciplinar do projeto vem trabalhando em vários segmentos que resultam em um mesmo propósito, e falar dos direitos básicos à terra e a sua própria identidade é reforçar o protagonismo de cada quilombola e fornecer subsídios para sua recuperação. E tratando-se dos territórios quilombolas da ARQIB, os saberes tradicionais mantêm-se vivos por meios do Samba de Cacete, do grupo de Quadrilha composto por adolescentes e jovens adultos, das ervas e plantas medicinais enquanto recurso locais no tratamento de doenças, bem como os saberes ancestrais do grupo de parteiras, da festividade do dia da Tiração de Rei, do festejo ao São José Operário, e mais. 

¹ Anna Suav é MC, poeta, jornalista, produtora cultural e audiovisual. Hoje integra a equipe da Negritar Filmes e Produções, na função de coordenadora de comunicação. 
² Tamara Mesquita é jornalista, produtora audiovisual, educadora e comunicadora popular. Hoje integra a equipe da Negritar Filmes e Produções, na função de coordenadora de produção.
Negritar Filmes e Produções é uma produtora de impacto social, composta por pessoas negras.

https://malungu.org/comunidades-1/o-que-e-quilombo/ 

Negligência ambiental e climática afetam majoritariamente grupos vulneráveis

Fernanda Lopes

Diretora de Programa do Fundo Baobá

 

É notório que a crise climática representa riscos substanciais para a saúde, produção de alimentos, abastecimento de água, ecossistemas, energia, segurança e infraestrutura. Embora as mudanças climáticas afetem todo o planeta, uma parte da sociedade é desproporcionalmente afetada por questões sociais, econômicas, políticas, ambientais e socioculturais. Tanto a crise quanto as mudanças exacerbam as desigualdades existentes e as exclusões resultantes de histórias cruzadas de colonialismo, racismo, opressão e discriminação.

No Brasil, 82,5% da população, estimada em 212,7 milhões de pessoas pelo IBGE em 2021, reside em áreas urbanas. O espaço urbano é segregado, e nas zonas caracterizadas por moradias em condições inadequadas para habitação e escassez de serviços fundamentais de infraestrutura, a maioria da população residente é negra. Além disso, nas zonas de maior degradação ambiental, de despejo de lixo tóxico, onde estão localizadas indústrias poluidoras, a maior parte da população também é negra.

O relatório de um estudo do Instituto Pólis comprova em dados como o racismo ambiental acontece. O estudo “Injustiça socioambiental e racismo ambiental” observou três capitais brasileiras — Belém, Recife e São Paulo — e encontrou padrões que se repetem no resto do país. Em Belém, 75% das pessoas que vivem em áreas de risco são negras, representando 64% da população total da cidade. Em Recife, o percentual de negros é de 55%, mas esse número sobe para 59% nas regiões sujeitas a inundação e chega a 68% nos locais com risco de deslizamento e eventos climáticos. Em São Paulo, onde 37% da população é negra, 55% das pessoas que residem em áreas de risco são negras. O racismo ambiental fica evidente quando as consequências das degradações ambientais se concentram em bairros e territórios periféricos, onde vivem famílias mais pobres e onde há maior concentração de pessoas negras, indígenas e quilombolas.

O racismo ambiental apresenta-se como uma ameaça séria e desigual ao gozo de múltiplos direitos humanos, incluindo o direito à vida, à saúde, a um padrão de vida adequado, às gerações futuras, ao território ancestral e ao patrimônio material e imaterial.

Os efeitos das mudanças climáticas são desproporcionais e afetam sobretudo as vítimas do racismo ambiental, algo que é pouco debatido. Até pouco tempo atrás, a discussão estava focada em ativos físicos que eram os recursos naturais, depois a vida animal. As pessoas e as comunidades não estavam no centro das discussões. Hoje em dia é nítido o fato de a crise gerar migrações forçadas, pobreza absoluta e relativa, ampliação da insegurança alimentar e da fome. A mudança climática ultrapassa os limites de uma crise ambiental, gerando também crises sociais, econômicas, culturais e políticas cujos impactos não são sentidos de maneira uniforme.

Em diferentes países do mundo, estudos e dados oficiais indicam que a população negra está entre os grupos mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, juntamente com mulheres, crianças, idosos e pessoas pobres em geral. De acordo com um relatório recente da Agência Norte Americana de Proteção Ambiental, afro-americanos e pessoas de ascendência africana têm 40% mais chances de viverem em áreas afetadas por temperaturas extremas e com as maiores taxas de morbimortalidade, conceito da medicina que se refere ao índice de pessoas que adoecem ou morrem em decorrência de uma doença específica dentro de determinado grupo populacional.

O Fundo Baobá é comprometido com a filantropia pelo clima. A convite do GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), esteve presente na COP 27 e se comprometeu com o enfrentamento da crise climática, reconhecendo o papel das mulheres, das comunidades rurais quilombolas e outras comunidades tradicionais estarem à frente dessas ações. O Baobá também aderiu ao movimento global sobre filantropia para mudança climática, reiterando que, no Brasil, a população negra e outros grupos racializados são os que mais perdem com as injustiças sociais e climáticas.

E aposta em fomentar ações que possam ampliar a voz, o poder, construir autonomia e contribuir com estratégias de mitigação dos efeitos adversos entre grupos mais vulneráveis. O grantmaking caracterizado por pequenos aportes financeiros amplia a capacidade desses grupos para enfrentar, lidar e se recuperar de eventos climáticos pontuais ou extremos, implementando soluções que podem ser adaptadas e replicadas.

Nos contextos rurais, além de contribuir com o reconhecimento das práticas tradicionais, fundamentais para a promoção de um desenvolvimento sustentável e justo, a filantropia pelo clima e para justiça social promovida pelo Fundo Baobá reitera os conhecimentos e práticas tradicionais de gestão dos recursos naturais que preservam e possibilitam sua regeneração e contribuem para a manutenção da biodiversidade implementadas por quilombolas, ribeirinhos, marisqueiras e pescadores. Essas práticas, além de gerar renda, são caminhos para a transição justa, para uma economia mais verde e inclusiva. Vale ressaltar que são soluções testadas e replicáveis, que podem ser adaptadas em diferentes contextos e serem escalonadas por meio de políticas públicas.

Por isso, é tão importante que o ecossistema de filantropia, os setores público e privado e o terceiro setor possam reconhecer a responsabilidade da humanidade pelos impactos do efeito estufa e das emissões de gases nas pessoas negras, mulheres, nos mais pobres e em grupos vulneráveis, abordando de forma crítica as desigualdades, promovendo abordagens transformadoras e soluções regenerativas baseadas nos princípios e diretrizes dos direitos humanos.

Sobre Fernanda Lopes
Fernanda Lopes é doutora em Saúde Pública pela USP (Universidade de São Paulo), membro do GT Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva e diretora de programa do Fundo Baobá para Equidade Racial. Coordenou o Programa de Combate ao Racismo Institucional no Brasil (PCRI), parceria estabelecida entre a Agência de Cooperação Técnica do Ministério Britânico para o Desenvolvimento Internacional e Redução da Pobreza (DFID), o Ministério da Saúde (MS), a Secretaria Especial de Políticas para Promoção da Igualdade Racial (Seppir), o Ministério Público Federal (MPF), a Organização Panamericana de Saúde (Opas) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e foi staff member do Fundo de População das Nações Unidas no Brasil.
Artigo originalmente publicado no blog da WINGs, uma comunidade de lideranças e agentes da mudança comprometidos em garantir que a filantropia alcance todo o seu potencial como catalisador para a justiça social.

Environmental Racism and Climate Injustice: Impact on Vulnerable Ethnic Communities

Fernanda Lopes

Program Director at Baobá Fund for Racial Equity

 

It is well known that the climate crisis poses substantial risks to health, food production, water supply, ecosystems, energy, security and infrastructure. Even though climate change affects the entire planet, some people are disproportionately affected by social, economic, political, environmental and sociocultural issues. The climate crisis and the changes caused by it exacerbate these existing inequalities and exclusions resulting from intertwined histories of colonialism, racism, oppression and discrimination.

In Brazil, 82.5% of the population, estimated at 212.7 million people by IBGE (Brazilian Institute of Geography and Statistics), resides in urban areas. The urban space is segregated, and in areas characterised by inadequate housing conditions and a shortage of essential infrastructure services, most of the resident population is Black. Additionally, in areas where environmental degradation is more present such as areas with toxic waste disposals and polluting industries, the majority of the population is also Black.

A study by the Instituto Pólis provides data demonstrating how environmental racism occurs. The study, “Socio-environmental injustice and environmental racism”, observed three Brazilian capitals – Belém, Recife, and São Paulo – and found patterns throughout the country. In Belém, 75% of people living in areas at high risk of experiencing natural disasters are Black, representing 64% of the city’s total population. In Recife, 55% of the population is Black, but 59% of people in flood-prone areas and 68% of people in areas at risk of landslides are Black. In São Paulo, where 37% of the population is Black, 55% of people residing in high-risk areas are Black.

Environmental racism becomes evident when the consequences of environmental degradation are concentrated in peripheral neighbourhoods and territories where poorer families live and where there is a higher percentage of Black, indigenous, and quilombola people. Environmental racism poses a serious and unequal threat to the enjoyment of multiple human rights, including the right to life, health, an adequate standard of living, future generations, ancestral territory, and material and immaterial heritage.

The effects of climate change are disproportionate and mainly affect the victims of environmental racism, a topic that is often overlooked. Until recently, the climate discussions were focused on physical assets such as natural resources and animal life, with people and communities being left out. Nowadays, it is clear that the crisis generates forced migration, absolute and relative poverty, increased food insecurity and hunger. Climate change goes beyond an environmental crisis; it is also leading to social, economic, cultural and political crises whose impacts are not felt in the same way by everyone.

In different countries worldwide, studies and official data indicate that Black populations are among the most vulnerable groups to the impacts of climate change, along with women, children, the elderly, and poor people. According to a recent report from the North American Environmental Protection Agency, African Americans and people of African descent are 40% more likely to live in areas affected by extreme temperatures and with the highest rates of morbidity and mortality, a concept in medicine that refers to the rate of people who become ill or die due to a specific disease within a specific population group.

Baobá Fund is committed to tackling environmental racism and climate injustice. At the invitation of GIFE (Group of Institutes, Foundations, and Companies), we participated in COP27 and committed to addressing the climate crisis, recognising the leadership role of women, rural quilombola communities, and other traditional communities. Baobá also joined the global #PhilanthropyForClimate movement, reiterating that in Brazil, Black populations and other racialised groups are the ones who suffer most from social and climate injustices.

We aim to promote actions that can amplify voices, build autonomy, and contribute to strategies for mitigating and addressing adverse effects among vulnerable groups. Grantmaking characterised by small financial contributions increases the capacity of these groups to face, deal with, and recover from specific or extreme weather events, implementing solutions that can be adapted and replicated. Sarah Marques, one of the leaders supported by the Baobá Fund, is the co-founder of the Caranguejo Tabaiares Collective. The collective has directly impacted over two thousand families in the community, who primarily rely on fishing. Some families faced threats of expropriation to make way for the construction of a highway, but Sarah mobilised residents and the government, and the initiative was successful, with the families being allowed to remain in the area. The group also established a community garden that provides sustenance for the surrounding families.

In rural contexts, philanthropy for climate and social justice promoted by the Baobá Fund also contributes to the recognition of traditional practices, fundamental to promoting sustainable, fair development, and natural resource management that preserves and enables its regeneration. These practices implemented by quilombolas, riparian communities, shellfish gatherers, and fishermen contribute to maintaining biodiversity and generating income, providing pathways for a fair transition to a greener and more inclusive economy. These communities frequently employ selective fishing techniques, avoiding the use of predatory methods that could harm the region’s biodiversity. They also apply specific knowledge about fish reproduction and migration periods, adjusting their fishing practices to align with these natural cycles. It’s worth noting that these are tested and replicable solutions that can be adapted to different contexts and scaled up through public policies.

That’s why it’s so important that the philanthropic ecosystem, the public and private sectors, and the third sector recognise humanity’s responsibility for the impacts of greenhouse gas emissions and climate change on Black people, women, the poorest, and vulnerable groups. This requires a critical approach to addressing inequalities, promoting transformative approaches, and regenerative solutions based on human rights principles and guidelines.

 


 

About Fernanda Lopes: Fernanda Lopes is a PhD in Public Health from the University of Sao Paulo (USP). She is a member of the Racism and Health Working Group of the Brazilian Association of Collective Health and a Program Director at the Baobá Fund for Racial Equity. Fernanda coordinated the Program to Combat Institutional Racism in Brazil (PCRI), a partnership established between the Technical Cooperation Agency of the British Ministry for International Development and Poverty Reduction (DFID), the Ministry of Health (MS), the Special Secretariat for Policies to Promote Racial Equality (Seppir), the Federal Public Prosecutor’s Office (MPF), the Pan American Health Organization (Opas), and the United Nations Development Programme (UNDP). She was also a staff member of the United Nations Population Fund in Brazil.

 


Article originally published on the WINGs blog, a community of thought leaders and changemakers who are committed to ensuring philanthropy reaches its fullest potential as a catalyst for social progress

Abolicionismo Penal: Congresso em Salvador debate as desumanidades do cárcere

Por Mariane Euzebio

A pauta comum do antipunitivismo é a crítica ao sistema penal que possui como foco principal castigar culpados. Louk Hulsman, uma das principais referências no debate abolicionista, aponta que a privação de liberdade é utilizada como uma forma de provocar sofrimento e segregar socialmente. Ainda que pouco utilizada, uma tendência que vem sendo estudada é a de alternativas em práticas e abordagens para lidar com os diversos conflitos sociais presentes na sociedade brasileira.


Caroline Bispo, advogada criminóloga, especialista em direito penal e criminologia, mestranda em segurança pública, pós-graduanda de políticas públicas e gênero, e fundadora da Associação Elas Existem, criou a instituição a partir do primeiro relatório nacional do Infopen Mulheres – baseado nos dados do último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), em 2015, que abordava a situação das mulheres encarceradas nos últimos 14 anos. Após análise, foi constatado um aumento de 567% de mulheres encarceradas. Com isso, o Brasil ocupa o 4º lugar no ranking que mais encarcera mulheres no mundo.

Diante disso, a Associação Elas Existem se propôs a perpetuar práticas e atuar na diminuição das desigualdades de raça e gênero dentro do sistema penitenciário do Acre, já com intenção de estar presente em outras regiões do País, como Centro Oeste e Nordeste. Dado esse passo para outras regiões, foi realizado o segundo congresso internacional sobre encarceramento feminino, com o tema “Abolicionismo Penal – Destruindo por dentro”. O objetivo foi criar um espaço de troca, debates e discussões pautadas em como reduzir os números apresentados no Infopen Mulheres, partindo do princípio que o encarceramento é feito de tortura física, mental e espiritual.

 

A organização atua na defesa e promoção de direitos de mulheres e adolescentes cis, trans e travestis que compõem o sistema penitenciário e socioeducativo, lutando pelo desencarceramento, pela redução do sofrimento e pela garantia de direitos dessas pessoas. Atualmente, existem cerca de 1.599 mulheres trans e travestis encarceradas no Brasil, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), em 2022. Há 660 adolescentes meninas em privação de liberdade, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022. E 42.355 mulheres cis encarceradas, de acordo com dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen Mulheres). 

O Baobá – Fundo para Equidade Racial pôde viabilizar essa iniciativa por meio do Edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça, que tem como objetivo apoiar organizações que desenvolvam ações práticas para o enfrentamento ao racismo, à violência sistêmica e às injustiças criminais com perfilamento racial no Brasil. 

 

 

O Brasil é desigual. Da mesma maneira, o sistema carcerário é desproporcional em relação ao seu atendimento a homens e mulheres. As mulheres apresentam demandas e necessidades diferenciadas e, por isso, é urgente o reconhecimento da importância da análise do encarceramento feminino enquanto uma categoria única e particular. Somente confiar no sistema de justiça atual não é suficiente para proteger a vida dessas mulheres quando pensamos nos altos índices de feminicídio, violência, e no tratamento às encarceradas e egressas. Segundo Caroline Bispo, mais urgente do que pensar novas políticas públicas, é implementar as políticas públicas existentes para mulheres que passaram pelo sistema prisional, além de exercitar o papel de escuta ativa para com elas. 

Ao ser selecionada no Edital, a organização conseguiu viabilizar recursos necessários para realizar atividades contínuas como fortalecimento da agenda contra o encarceramento em massa de adultos e jovens negros, produção e disseminação de conhecimento sobre população negra, apoio psicológico e jurídico a pessoas privadas de liberdade e seus familiares, além de práticas educativas, artístico-culturais, de saúde e outras nos sistemas prisional e socioeducativo;

Tainá Medeiros, Assistente de Projetos do Baobá, esteve presente no segundo congresso internacional, realizado em Salvador, e afirma que foi possível testemunhar a dimensão e a amplitude do projeto Elas Existem para o combate às desigualdades de raça e gênero no sistema penitenciário brasileiro. Além de observar a revolução que esse projeto ainda pode fazer sobre as práticas do sistema penitenciário no Brasil.

 

“Participar do Edital do Fundo Baobá foi muito importante, pois nos permitiu ter uma visibilidade do nosso trabalho nacionalmente. Abrimos a sede no Acre, fizemos nossas atividades e conseguimos expandir o mesmo olhar para outros estados brasileiros”, afirma Caroline Bispo.

O Projeto Elas Existem tem desempenhado um papel significativo na luta contra as desigualdades de raça e gênero no sistema penitenciário. Com o apoio do Baobá – Fundo para Equidade Racial, a organização expandiu suas atividades para o Acre, fortalecendo a agenda de combate ao encarceramento em massa, oferecendo apoio jurídico e psicológico, e promovendo práticas educativas e culturais nos sistemas prisional e socioeducativo no território.  

Saiba mais sobre o edital Vidas Negras aqui.

Conheça a Elas Existem

Heranças ancestrais e conhecimentos técnicos, uma potente união pela manutenção da saúde mental das comunidades quilombolas da Amazônia

Por Anna Suav*  e Tamara Mesquita*

 

Na construção do bem-viver e no movimento de luta pela dignidade social, é importante considerarmos as particularidades, ainda que façamos parte de um coletivo. Ao se pensar em saúde mental quilombola no território da Amazônia, é fundamental abrirmos o olhar para as heranças ancestrais, os saberes tradicionais de quem é descendente da diáspora afroamazônida e como esse rico contexto, totalmente abraçado pelo território, é visceral no firmamento e na manutenção do propósito de vida de quem o ocupa. 

Aliado a esse propósito e na busca de compreender como contribuir com essas particularidades, é que o projeto Saúde Mental Quilombola: Direitos, Resistência e Resiliência, uma realização do Baobá – Fundo para Equidade Racial, com apoio da Johnson & Johnson, chegou ao seu terceiro encontro na Região do Baixo Tocantins, nas comunidades de Igarapé Preto à Baixinha, passando por Baião e Oeiras, no Estado do Pará. 

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no território brasileiro há  5.972 comunidades quilombolas, sendo o Pará um dos quatro estados com maior contingente populacional, com 42.439 pessoas. Com a pandemia da Covid-19, de acordo com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), o Pará registrou o maior número de mortes pelo vírus. Tais dados nos convocam a contribuir com essas comunidades, uma vez que elas ainda estão no processo de se recuperar e reverter as diversas consequências a que foram expostas durante esse cenário.  

Diante disso, o projeto Saúde Mental Quilombola chega com sensibilidade e equipado de uma equipe multidisciplinar, da Enfermagem ao Direito, bastante interessada em buscar soluções junto das comunidades e considerando os seus modos de operação. Uma vez identificados os problemas, a vivência no território traz profundidade e a mostra de como as tecnologias ancestrais associadas a novos conhecimentos e métodos podem contribuir na apresentação de diferentes perspectivas e no reforço identitário, extremamente potente no que tange o estímulo à saúde mental.

Para Vanessa Souza, moradora da Comunidade de França, “O projeto trouxe conhecimento, porque quando a pessoa não sabe da sua origem, ela fica sem identidade, a gente tem muita dificuldade de ser vista e ouvida, mas ao falarmos, mostramos que existimos, que somos cidadãos”. Essa dificuldade de se enxergar para se reconhecer, uma das violências promovidas pelo racismo, é algo que faz parte da história das comunidades quilombolas, afetando a noção de pertencimento.  

É preciso negritar que os atravessamentos raciais e territoriais são fundamentais ao falarmos de comunidades quilombolas. Que tem acesso aos direitos básicos? Entender os fenômenos dentro de cada espaço é fundamental para enxergar que os rios, as ruas, os ramais* são os caminhos para que as informações cheguem nessas comunidades. “A dificuldade é como a de sair daqui para vender nossos produtos, aí também tem a dificuldade da saúde, é difícil sair daqui com ramal assim, é ruim para ir no posto”, explica Márcia Martins, Coordenadora Samba de Cacete e conselheira fiscal da Associação das Comunidades Remanescente de Quilombo de Igarapé Preto (ARQIB), sobre dificuldades de locomoção, principalmente durante o inverno amazônico, e da ausência de atenção do poder público que não entende as dificuldades locais e que não fornece uma equipe múltipla nos postos de atendimento.  

E é na necessidade que se reforça o originário, a importância do tradicional. Em todas as atividades desenvolvidas pela equipe de saúde que foram executadas nas comunidades, a equipe pode observar que as mulheres quilombolas desenvolvem suas ciências diante de um enfrentamento, principalmente em termos de saúde pela falta de políticas públicas, a precariedade de exames, mostra de resultados e o acesso à consultas no território. 

É nesse contexto que as heranças ancestrais, aliadas a conhecimentos técnicos, se tornam uma fórmula visando a sobrevivência. “As mulheres utilizam muito remédios caseiros para prevenção de algumas infecções, principalmente na região íntima, chás tradicionais como forma de amenizar os agravos de alguma patologia, de alguma doença, e isso é de uma sabedoria enorme. Elas até nos passaram uma lista com todos os chás que usam e pra quê servem, a equipe toda aprendeu!”, relata Fátima Carrera, integrante da equipe interdisciplinar na área de enfermagem do projeto. A enfermeira também destaca o preciosimo do trabalho das parteiras no acompanhamento das mulheres no pré-natal, e das benzedeiras que, segundo ela, “associam o medicamento que o médico passa às rezas e aos chás. Elas fazem essa junção dos saberes tradicionais com a ciência contemporânea”

Os determinantes sociais são essenciais para entendermos da saúde quilombola, das dificuldades do cuidado, e das dificuldades de ser quilombola na Amazônia. No Pará, por exemplo, estão ativos apenas 91 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), segundo a Organização Mundial da Saúde, um número pequeno para oferecer estrutura e atenção necessária à população que carece.  

Tendo em vista essas lacunas, é que as comunidades subvertem as lógicas de descaso e atuam na própria costura de uma rede de afeto e de cuidados entre si, já que sabem das suas doenças, uma vez que lidam diariamente com casos envolvendo tentativas de suicídio e o bullying, o que exige uma atuação especializada para o redirecionamento da situação. Segundo Sandra Maria, parteira e conselheira fiscal da ARQIB, “A atuação do projeto é muito importante, devido às pessoas que têm dificuldades e precisam de ajuda, ter esse suporte gera uma mudança em nós”. 

A saúde mental quilombola merece estar no foco das atenções, as comunidades precisam estar munidas de instrumentos e conhecimentos que permitam e promovam de forma satisfatória a sua resistência, garantindo assim o repasse de um legado saudável às gerações vindouras. O Fundo Baobá, em conjunto com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e a Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará – MALUNGU, seguem juntos e de forma contínua no movimento de proteção às comunidades quilombolas da Amazônia.  

¹ Anna Suav é MC, poeta, jornalista, produtora cultural e audiovisual. Hoje integra a equipe da Negritar Filmes e Produções, na função de coordenadora de comunicação. 
² Tamara Mesquita é Jornalista, produtora audiovisual, educadora e comunicadora popular. Hoje integra a equipe da Negritar Filmes e Produções, na função de coordenadora de produção.
Negritar Filmes e Produções é uma produtora de impacto social, composta por pessoas negras.

*Ramal é uma entrada, um caminho, geralmente uma pequena estrada de terra. 




Luiz Alberto Oliveira Gonçalves: Um Legado de Luta pela Equidade Racial

O Conselho Deliberativo do Baobá – Fundo para a Equidade Racial, com pesar, lamenta o falecimento do Professor Luiz Alberto Oliveira Gonçalves.

O Professor Luiz Alberto foi um dos fundadores da nossa instituição e, por mais de uma década, integrou os principais órgãos de governança do Fundo Baobá.

Foi um dos mais brilhantes intelectuais da sua geração, introduzindo o debate sobre as relações étnico raciais na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, coordenou o Programa de Pós-graduação em Educação na mesma universidade e foi Presidente do Comitê Científico do Centro de Estudos Africanos da UFMG.

Sua dissertação de mestrado, intitulada “O silêncio: um ritual pedagógico a favor da discriminação racial”, defendida e aprovada em 1985, se tornou referência no debate sobre o racismo no Brasil. Seu percurso acadêmico o levou a obter o Doutorado em Sociologia na prestigiada “École des Hautes Études en Sciences Sociales”, na França.

Luiz Alberto foi membro do Comitê Científico do Observatório Europeu da Violência Escolar, sediado em Bordeaux, e professor visitante na Universidade Agostinho Neto, em Angola. Também coordenou o Programa de Mestrado e de Doutorado em Educação na Universidade Onze de Novembro, no mesmo país. A relevância dos seus estudos, pesquisas e da sua atuação docente foram reconhecidos pela UFMG com a concessão do título de professor titular, no ano de 2015. 

Sua militância política no Movimento Negro Unificado – MNU é lembrada pela firmeza e pela coerência das teses que defendeu, além da liderança na realização de fóruns de discussões que embasaram a luta pela implementação das ações afirmativas no Brasil, especialmente no campo da educação.

A sua atuação na esfera pública inclui a participação no Conselho de Ciência e Tecnologia da Fundação Cultural Palmares – FCP e o exercício do cargo de Secretário Adjunto na Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República – SEPPIR/PR.

Neste momento de profunda tristeza, lembramos da dedicação com a qual Luiz Alberto abraçou a proposta de criar a nossa instituição, há quase 15 anos atrás. Ele participou, ao lado de Luiza Bairros, Sueli Carneiro, dentre outros e outras, do “Grupo Impulsor” que mobilizou o movimento negro e diversas instituições parceiras ao longo de 3 anos, cujo trabalho resultou no conceito que orienta a nossa atuação.

Seremos eternamente gratos ao Professor Luiz Alberto e expressamos as nossas condolências a sua família, aos seus amigos, aos seus alunos e a todas as pessoas que tiveram o privilégio de conhecer, conviver e aprender com Luiz Alberto Oliveira Gonçalves.

Que o seu legado continue a inspirar e a guiar todas as pessoas que lutam em prol da equidade racial no Brasil. 

 

Conselho Deliberativo do Baobá – Fundo para a Equidade Racial

Baobá participa do Fórum Interconselhos para elaboração de diretrizes orçamentárias para políticas públicas

  Por Wagner Prado

O Baobá – Fundo para Equidade Racial é uma das organizações da sociedade civil que fizeram parte da cerimônia de reedição do Fórum Interconselhos, evento que marca o início dos trabalhos de elaboração do Plano Plurianual Participativo (PPA), que define diretrizes e metas do governo para o período 2024 a 2027. O Fórum Interconselhos foi criado em 2011 e funcionou até 2017, quando foi interrompido. Sua retomada tem como objetivo promover maior participação da sociedade civil nas decisões sobre investimentos de recursos públicos. 

Essa medida atende a uma diretriz do governo federal que busca ouvir as demandas da sociedade em relação à alocação de recursos. A interrupção das atividades do Fórum impossibilitou essa escuta e sua retomada é considerada de extrema importância para a implementação de políticas públicas que atendam diretamente às necessidades da população.

Um dos representantes do governo federal na cerimônia foi o ministro Márcio Macedo, da Secretaria-Geral da Presidência da República. Ele falou sobre a importância da participação social na adoção de políticas públicas. “Participação e diálogo são as palavras-chave da Secretaria-Geral nesse processo de diálogo institucional permanente entre o Governo Federal e a sociedade civil”,  afirmou. 

A coordenadora de Administração e Finanças do Fundo Baobá, Hebe Silva, definiu a importância de a organização fazer parte do Fórum Interconselhos. “Este fórum é um veículo de escuta das demandas da sociedade civil. Foi uma oportunidade para colocarmos a questão racial na pauta de todos os debates e apresentar sugestões que direcionam as políticas públicas para reduzir os danos causados pelo racismo imperativo na sociedade brasileira”, disse. 

 

Fórum Interconselhos

O Fórum Interconselhos foi criado com a missão de reunir periodicamente representantes dos diversos conselhos nacionais e entidades representativas da sociedade civil para colaborarem na elaboração e no monitoramento da execução dos Planos Plurianuais (PPA).

Desde sua criação, foram realizados seis encontros como Fórum Interconselhos e três como Fórum Dialoga Brasil, até a interrupção do processo, em 2017. A partir de então, não houve mais encontros, e o PPA 2020–2023 foi elaborado sem participação social.

O Fórum Interconselhos foi premiado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2014. O prêmio United Nations Public Service Awards apontou a importância da iniciativa na contribuição para o Plano Plurianual no Brasil.

 

PPA Participativo

O PPA é uma das três leis orçamentárias do Brasil, ao lado da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e da LOA (Lei Orçamentária Anual). É elaborado de quatro em quatro anos, sempre no primeiro ano e com vigência a partir do segundo ano de um mandato presidencial. Ele define os eixos, as diretrizes e os objetivos estratégicos do governo para o período e aponta os programas e metas que permitirão atingir esses objetivos. O PPA deve ser entregue ao Congresso até 31 de agosto do primeiro ano do mandato presidencial, juntamente com a Lei Orçamentária Anual.

O PPA do ciclo 2024-2027 voltará a ser construído com participação social, por meio de 27 plenárias estaduais (uma em cada unidade da federação), além de três fóruns interconselhos. Além dessas instâncias, nas quais a participação da sociedade se dará também por meio de entidades de representação, como conselhos, associações, sindicatos e ONGs, o PPA contará com uma plataforma digital aberta para acolher propostas de cada cidadã ou cidadão.

Baobá faz jornadas ao Pará em prol da saúde mental do povo quilombola

O estado do Pará figura entre os que possuem o maior número de comunidades quilombolas do Brasil. Com o objetivo de abrandar os impactos psicossociais agravados pela pandemia da Covid 19 nessas populações, o Baobá – Fundo para Equidade Racial, com apoio da Johnson & Johnson, realiza o projeto Saúde Mental Quilombola: Direitos, 

Resistência e Resiliência. Com foco na saúde mental e nas estratégias de resiliência das comunidades quilombolas em territórios paraenses, o Baobá reafirma seu papel em aportar recursos para áreas estratégicas. Hoje, 39% das iniciativas apoiadas pelo Fundo são projetos apresentados por associações quilombolas localizadas em diferentes estados do país. 

Uma equipe multidisciplinar composta por profissionais de enfermagem, psicologia, jornalismo, publicidade, história, administração e direito está atuando no sentido de promover a saúde mental da população quilombola, criando pontes com os serviços de saúde e reiterando o fato de que o bem estar e o bem viver também são resultado do protagonismo e da soberania dos quilombolas em defesa de sua cultura, tradição e saberes. 

As ações são realizadas em parceria com a Malungu – Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará e com a ARQIB – Associação dos Remanescentes Quilombolas de Igarapé Preto e Baixinha. A expectativa é que, ao alcançar 12 comunidades que estão no mesmo território, mais de 5 mil pessoas sejam impactadas indiretamente pela ação. 

Já foram realizadas quatro missões, com duração de 1 semana cada. Em 5 das 12 comunidades foram realizadas atividades com participação de homens, mulheres, adolescentes, jovens e crianças; profissionais de saúde, educação e lideranças comunitárias. Além das rodas de conversa sobre saúde mental, saúde das mulheres, direitos da população quilombola, também aconteceram oficinas de produção audiovisual. 

O Coletivo Negritar, um dos parceiros implementadores do Fundo Baobá, ministrou oficinas para que, a partir de seus aparelhos celulares, fosse possível roteirizar, captar e editar imagens. “Conseguimos registrar e entender como a comunidade cada vez mais se comunica, se fortalece, se potencializa, se movimenta e funciona. O objetivo foi mostrar como usar essa ferramenta, o vídeo, em prol da transformação, de educação e de arte”, conta Tamara Mesquita, do Negritar. 

As diversas ações, com foco em promover a saúde mental da comunidade, reúnem diferentes agentes e possibilitam que haja interação entre eles. “Ficamos muito felizes, porque tinha gente de 12 a 64 anos que estava interagindo e trocando dentro da equipe. Outro momento marcante foi uma roda de conversa que tivemos falando sobre infecções sexualmente transmissíveis, métodos contraceptivos, uso de camisinha, menstruação, uso de coletor e identidade de gênero”, diz Tamara.

A saúde é determinada por fatores culturais, políticos, ambientais e econômicos que são levados em consideração. Sem a valorização da identidade, defesa e garantia dos direitos quilombola, não será possível alcançar um bom nível de saúde mental.

Além de contar com ações de educomunicação, o projeto também conta com profissionais da psicologia que compõem a equipe multidisciplinar. ”Percebo que meu corpo de mulher negra tem facilitado para que algumas mulheres me procurem para falar sobre vivências de violências que já passaram ou estão passando”, revela a psicóloga paraense Bianca Mycaella Tsubaki. 

Liderando o time de saúde mental da equipe multidisciplinar está o psicólogo, também paraense, Álvaro Palha. Ele traça um rápido perfil do trabalho que o projeto  Saúde Mental Quilombola vem realizando. “Em geral, penso as ações em projetos de saúde mental como únicas, que mesmo que baseadas em pressupostos técnicos comuns e utilizando instrumentos e ferramentas de trabalho próximas, devem se adaptar à história e singularidade das comunidades”, comenta Palha. 

O que possibilita ao Baobá – Fundo para Equidade Racial promover iniciativas como o projeto Saúde Mental Quilombola é contar com um fundo patrimonial em ampliação: o endowment, que é uma fonte de financiamento de longo prazo composta por doações de apoio. Anualmente, os rendimentos dessa conta são distribuídos para viabilizar as ações da organização em prol da equidade racial. As doações para o endowment são essenciais para garantir a perenidade e sustentabilidade financeira do Fundo. 

Para saber mais sobre o trabalho que o Fundo Baobá realiza, você pode acessar o site www.baoba.org.br



Documentário Corpos Invisíveis, de Quézia Lopes, estreia no próximo semestre

 Por Mariane Euzebio

O projeto, contemplado pelo edital Negras Potências, realizado pelo Fundo Baobá para Equidade Racial, em fevereiro de 2018, teve como objetivo apoiar soluções de impacto que contribuíssem para o empoderamento de meninas e mulheres negras e que ajudassem na visibilidade de agentes da sociedade civil que trabalham para redução das desigualdades raciais e sociais.

O tema é abordado no projeto Corpos Invisíveis, de Quézia Lopes, um documentário construído a partir da experiência de onze mulheres que, imersas nas suas subjetividades, dividem conosco um pouco da sua humanidade, intimidade, afeto, empoderamento e ancestralidade. Além dos diversos tipos de violência de gênero ao qual foram expostas no decorrer das suas vidas. A ideia inicial parte das experiências individuais de Quézia juntamente com o incômodo da prevalência de mulheres negras nos piores índices de violência e violação de direitos. O documentário também responde à falta de representatividade de mulheres negras na mídia e no audiovisual brasileiro.

Créditos: Naira Soares / Pam Nogueira

Promover a equidade racial é combater arduamente um dos maiores problemas do país, o racismo estrutural, que diariamente mata nesse silêncio retratado por Quézia, em Corpos Invisíveis. Incidir o olhar para essas maiorias minorizadas é uma das metodologias para desorganizar as estruturas discriminatórias desse país e se comprometer com a resolução desse problema social complexo, onde a raça define quem vive e quem morre.

Quézia, que não tinha incentivo e nem perspectiva de políticas públicas que viabilizem projetos voltados para o audiovisual negro brasileiro, ao ser contemplada com o Edital Negras potências, pôde construir parte da sua subjetividade no decorrer desse processo. Segundo Quézia, a chamada do Edital Negras Potências, em 2018, foi um grande achado, pois proporcionou viabilidade naquele momento e tornou o longa-metragem possível. Além disso, ela relata a inconstância na continuidade de editais, o que é um quadro diário na política brasileira diante desse cenário desigual de editais de cultura de modo geral e os de cinema em especial, tanto em âmbito federal quanto estadual e municipal, o que torna a captação de recursos cada vez mais árdua e complexa.

“A gente fica sempre sem saber com qual edital contar para financiar um projeto, quando aplicar etc., se terá nova edição ou não, porque a falta de continuidade, de regularidade é generalizada, principalmente nos editais de políticas afirmativas”, relata Quézia.


Atualmente, a diretora e roteirista está num processo de apresentar o documentário a distribuidoras, salas de exibição e equipamentos culturais e já foi possível agendar sessões em alguns estados do Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, de onde é ou mora a maioria da equipe envolvida no filme. A previsão é que a estreia aconteça no segundo semestre deste ano, de 2023.

Para Hebe Silva, coordenadora de Administração e Finanças do Fundo Baobá para Equidade Racial, foi uma experiência de muitos desafios, pois foi possível entender as especificidades da produção de um filme. “Ao analisar a execução financeira de um projeto, nosso empenho é que nossos donatários se visualizem como gestores financeiros do recurso, que é de fato o que são. Gerir o recurso, prezar pela transparência e atingir a execução das atividades propostas”, afirma Hebe.

 

O projeto, num sentido amplo, deixa sua contribuição às gerações atuais e futuras ao visibilizar histórias, trajetórias e vivências de mulheres negras tão potentes.
Construir referenciais e boas representações das nossas e dos nossos na frente e por trás das telas é fundamental para o processo de cura e emancipação da população negra, que como bell hooks fala, é coletivo, não pode se dar apenas individualmente. “A população negra não é invisível; existe um esforço do sistema para inviabilizá-la. Cabe a nós, e a outros atores políticos responsáveis com a construção de uma sociedade justa, ampliar essas oportunidades”, relata Fernanda Lopes, diretora do Programa do Fundo Baobá.

Fundo Baobá para Equidade Racial marca presença no 12º Congresso GIFE – “Desafiando estruturas de desigualdades”.

 Por Mariane Euzebio

Entre os dias 12 e 14 de abril, o GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas – promoveu o congresso Desafiando estruturas de desigualdades, no Memorial da América Latina, em São Paulo. O congresso teve como objetivo aprofundar o debate sobre o Investimento Social Privado  (ISP), uma modalidade de contribuições financeiras feitas por instituições privadas para projetos com o objetivo de gerar mudanças positivas e duradouras para a sociedade.

O diretor executivo do Baobá – Fundo para Equidade Racial, Giovanni Harvey, e a diretora de Programa, Fernanda Lopes, estiveram presentes no evento, contribuindo com o debate.

Giovanni participou da mesa O investimento social está pronto para promover equidade racial? juntamente com Anielle Franco – Ministra da Igualdade Racial, Douglas Belchior – Fundador da Uneafro e Ricardo Henriques – Superintendente Executivo no Instituto Unibanco, mediada por Paula Miraglia – Diretora Geral do Nexo Jornal e da Gama Revista.

Giovanni afirma que há uma inclinação de empresas brancas em definir quais organizações e projetos merecem receber aportes, mas defende que é fundamental fomentar a autonomia do movimento negro em suas decisões. Ele ainda acrescenta:  “O movimento negro serviu para construir a visibilidade da causa, mas não serve pra ditar os critérios de como realizar a transformação.”

Fernanda Lopes esteve na mesa Democracia e Interseccionalidades de gênero, raça e clima, refletindo sobre quais premissas e estratégias precisam ser incorporadas para que a questão de gênero e suas interseccionalidades estejam presentes na agenda que busca fortalecer a democracia. Segundo ela “as pessoas e seus direitos são interdependentes, indivisíveis e inegociáveis”.

A presença do Fundo Baobá no evento reforça a importância de combater práticas que perpetuam desigualdades, discriminação e pobreza, entre outras questões urgentes.

Divulgada a lista final de organizações selecionadas pelo edital Educação em Tecnologia

Com o intuito de fornecer suporte a organizações e empresas negras que atuam no desenvolvimento e/ou expansão das habilidades técnicas de negros, negras e negres na área de tecnologia, o Baobá – Fundo para Equidade Racial, em parceria com o MOVER (Movimento pela Equidade Racial), lançou o Educação em Tecnologia. O objetivo do edital é ampliar o potencial de empregabilidade de pessoas negras nos setores público, privado e terceiro setor. Hoje, em 26 de abril, o Baobá anuncia as 5 organizações selecionadas.

Para conhecê-las, clique aqui.

Organizações de cinco estados brasileiros – Bahia, Ceará, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo – foram selecionadas por sua habilidade em elaborar e implementar programas de formação e qualificação profissional em áreas como gestão e segurança da informação, proteção de dados e privacidade, tecnologia da informação, monitoramento e controle de tecnologias, desenvolvimento, desenvolvimento de produtos analíticos e programação em diversas linguagens

Cada organização selecionada vai receber aportes que variam de R$ 250.000,00 a R$ 475.000,00, além de  assessoria e suporte técnico para desenvolvimento institucional. 

 

Sobre o Baobá – Fundo para Equidade Racial:

O Baobá – Fundo  para Equidade Racial é o primeiro e único fundo patrimonial dedicado, de forma exclusiva, à promoção da equidade racial para a população negra no Brasil. Criado em 2011, o Baobá é uma organização sem fins lucrativos cujo objetivo é  mobilizar pessoas e recursos, no Brasil e no exterior, para apoiar projetos e iniciativas negras para o enfrentamento ao racismo e a promoção da equidade racial. 

Sobre o Mover: 

Com o objetivo de extinguir a desigualdade e o racismo no mercado de trabalho, um grupo de empresas com atuação em vários setores da economia juntou-se para criar ações de promoção da diversidade, da equidade e da inclusão. Esse foi o início do Mover (Movimento pela Equidade Racial), que atualmente agrupa 47 empresas que proporcionam postos de trabalho para 1,3 milhão de pessoas. 

Baobá faz jornadas ao Pará em prol da saúde mental do povo quilombola

O estado do Pará figura entre os que possuem o maior número de comunidades quilombolas do Brasil. Com o objetivo de abrandar os impactos psicossociais agravados pela pandemia da Covid 19 nessas populações, o Baobá – Fundo para Equidade Racial, com apoio da Johnson & Johnson, realiza o projeto Saúde Mental Quilombola: Direitos, 

Resistência e Resiliência. Com foco na saúde mental e nas estratégias de resiliência das comunidades quilombolas em territórios paraenses, o Baobá reafirma seu papel em aportar recursos para áreas estratégicas. Hoje, 39% das iniciativas apoiadas pelo Fundo são projetos apresentados por associações quilombolas localizadas em diferentes estados do país. 

Uma equipe multidisciplinar composta por profissionais de enfermagem, psicologia, jornalismo, publicidade, história, administração e direito está atuando no sentido de promover a saúde mental da população quilombola, criando pontes com os serviços de saúde e reiterando o fato de que o bem estar e o bem viver também são resultado do protagonismo e da soberania dos quilombolas em defesa de sua cultura, tradição e saberes. 

As ações são realizadas em parceria com a Malungu – Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará e com a ARQIB – Associação dos Remanescentes Quilombolas de Igarapé Preto e Baixinha. A expectativa é que, ao alcançar 12 comunidades que estão no mesmo território, mais de 5 mil pessoas sejam impactadas indiretamente pela ação. 

Já foram realizadas quatro missões, com duração de 1 semana cada. Em 5 das 12 comunidades foram realizadas atividades com participação de homens, mulheres, adolescentes, jovens e crianças; profissionais de saúde, educação e lideranças comunitárias. Além das rodas de conversa sobre saúde mental, saúde das mulheres, direitos da população quilombola, também aconteceram oficinas de produção audiovisual. 

O Coletivo Negritar, um dos parceiros implementadores do Fundo Baobá, ministrou oficinas para que, a partir de seus aparelhos celulares, fosse possível roteirizar, captar e editar imagens. “Conseguimos registrar e entender como a comunidade cada vez mais se comunica, se fortalece, se potencializa, se movimenta e funciona. O objetivo foi mostrar como usar essa ferramenta, o vídeo, em prol da transformação, de educação e de arte”, conta Tamara Mesquita, do Negritar. 

As diversas ações, com foco em promover a saúde mental da comunidade, reúnem diferentes agentes e possibilitam que haja interação entre eles. “Ficamos muito felizes, porque tinha gente de 12 a 64 anos que estava interagindo e trocando dentro da equipe. Outro momento marcante foi uma roda de conversa que tivemos falando sobre infecções sexualmente transmissíveis, métodos contraceptivos, uso de camisinha, menstruação, uso de coletor e identidade de gênero”, diz Tamara.

A saúde é determinada por fatores culturais, políticos, ambientais e econômicos que são levados em consideração. Sem a valorização da identidade, defesa e garantia dos direitos quilombola, não será possível alcançar um bom nível de saúde mental.

Além de contar com ações de educomunicação, o projeto também conta com profissionais da psicologia que compõem a equipe multidisciplinar. ”Percebo que meu corpo de mulher negra tem facilitado para que algumas mulheres me procurem para falar sobre vivências de violências que já passaram ou estão passando”, revela a psicóloga paraense Bianca Mycaella Tsubaki. 

Liderando o time de saúde mental da equipe multidisciplinar está o psicólogo, também paraense, Álvaro Palha. Ele traça um rápido perfil do trabalho que o projeto  Saúde Mental Quilombola vem realizando. “Em geral, penso as ações em projetos de saúde mental como únicas, que mesmo que baseadas em pressupostos técnicos comuns e utilizando instrumentos e ferramentas de trabalho próximas, devem se adaptar à história e singularidade das comunidades”, comenta Palha. 

O que possibilita ao Baobá – Fundo para Equidade Racial promover iniciativas como o projeto Saúde Mental Quilombola é contar com um fundo patrimonial em ampliação: o endowment, que é uma fonte de financiamento de longo prazo composta por doações de apoio. Anualmente, os rendimentos dessa conta são distribuídos para viabilizar as ações da organização em prol da equidade racial. As doações para o endowment são essenciais para garantir a perenidade e sustentabilidade financeira do Fundo. 

 

Para saber mais sobre o trabalho que o Fundo Baobá realiza, você pode acessar o site www.baoba.org.br

Edital Educação em Tecnologia: Resultado da segunda fase é divulgado

Edital Educação em Tecnologia: Resultado da segunda fase é divulgado

O Baobá – Fundo para Equidade Racial divulga nesta quarta-feira (5), a relação de empresas e organizações escolhidas para a etapa final do edital Educação em Tecnologia. A iniciativa tem como objetivo oferecer suporte a negócios e organizações negras que atuam na expansão ou desenvolvimento das habilidades técnicas de indivíduos negros na área de tecnologia. A iniciativa conta com a parceria do MOVER (Movimento pela Equidade Racial) e investimento no valor de R$4.000.000,00 (quatro milhões de reais) que serão destinados a apoiar até 16 iniciativas.  A lista final será divulgada em 26 de abril.

Nesta segunda fase 8 propostas, entre 17 analisadas, foram validadas e seguem para a terceira e última etapa do programa. Para conferir a lista completa com os selecionados para a terceira fase do edital Educação em Tecnologia clique aqui.

É importante ressaltar que os projetos selecionados receberão um aporte financeiro que pode variar de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), além de assessoria e suporte técnico para o desenvolvimento e fortalecimento institucional. Estão sendo valorizadas as propostas que venham de organizações e empresas das regiões Nordeste e Norte, e que tenham como foco jovens negres periféricos, pessoas com 40 anos ou mais, população LGBTQIAP+, pessoas com deficiência, jovens em cumprimento de medida socioeducativa, pessoas egressas do sistema prisional, migrantes e refugiados africanos ou afrodescendentes, população quilombola, ribeirinha ou outras comunidades tradicionais. Saiba mais sobre o programa aqui

Sobre o Fundo Baobá:

O Fundo Baobá para Equidade Racial é o primeiro e único fundo patrimonial dedicado, de forma exclusiva, à promoção da equidade racial para a população negra no Brasil. Criado em 2011, o Baobá é uma organização sem fins lucrativos cujo objetivo é  mobilizar pessoas e recursos, no Brasil e no exterior, para apoiar projetos e iniciativas negras para o enfrentamento ao racismo e a promoção da equidade racial. 

Sobre o Mover:

Com o objetivo de extinguir a desigualdade e o racismo no mercado de trabalho, um grupo de empresas com atuação em vários setores da economia juntou-se para criar ações de promoção da diversidade, da equidade e da inclusão. Esse foi o início do Mover (Movimento pela Equidade Racial), que atualmente agrupa 47 empresas que proporcionam postos de trabalho para 1,3 milhão de pessoas. 

21 de março: Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial

Por Ingrid Ferreira

Escolhida pela ONU (Organização das Nações Unidas), a data do dia 21 de março representa o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial. Nesse mesmo dia no ano de 1960 na cidade de Joanesburgo, na Africa do Sul, mais de 20 mil pessoas da comunidade negra africana marchavam em protesto contra a Lei do Passe, criada pelo Partido Nacional como uma das medidas racistas projetadas pelo Apartheid. No dia em questão as tropas militares do governo abriram fogo contra a população, matando quase 70 pessoas e ferindo cerca de 180. O fato é historicamente conhecido como o Massacre de Shaperville.

O Brasil não passou pelo Apartheid, mas na sociedade é evidente a influência do período escravocrata que marcou a sua formação como nação. Em pleno século XXI, as estatísticas brasileiras são alarmantes, como é possível ver nos dados apresentados pela Agência Brasil: “Foram 3.290 mortes em operações policiais em 2021 na Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. Dessas, 2.154 vítimas (65%) eram negras – utilizando como referência o critério do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que considera negros a soma de pardos e pretos”.

A Lei 7.716 (Lei de Crime Racial) existe desde 1989, quando foi decretado como crime qualquer ação resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, mas só em 2023 foi que a Lei 14.532 foi sancionada e Injúria Racial também passou a ser considerada como crime de racismo. Como consta no site do Senado: “Enquanto o racismo é entendido como um crime contra a coletividade, a injúria é direcionada ao indivíduo”.

O Baobá – Fundo para Equidade Racial, procurando trabalhar em seus editais uma forma de mudar os direcionamentos sociais através dos projetos contemplados, contou com o Vidas Negras: Dignidade e Justiça, com foco em atuar pelo enfrentamento à violência racial sistêmica, proteção comunitária e promoção da equidade racial, enfrentamento ao encarceramento em massa entre adultos e jovens negros e redução da idade penal para adolescentes e reparação para vítimas e sobreviventes de injustiças criminais com viés racial. A discriminação,  ainda que seja um crime em lei, assola a vida da população negra em todos os campos, marginalizando grupos e indivíduos. 

Todo trabalho alcançado pelo Fundo Baobá, só se faz possível pelo caminho da filantropia, como no caso do edital Vidas Negras, mencionado acima, que foi apoiado pelo Google.Org. Todas as empresas que se colocam como apoiadoras de projetos em prol da comunidade negra provam o seu compromisso com a quebra da lógica escravocrata em que a sociedade foi construída, promovendo condições dignas, sociais e financeiras, para pessoas negras que passam a ter mais possibilidade de reconhecimento por seus méritos diante da ótica social, o que tende a quebrar as barreiras da discriminação racial que fazem a realidade de pessoas negras destoar da realidade sócioeconomica de pessoas brancas.

Dos valores que são agregados enquanto grantmaker, o Fundo,  além de aplicar recursos direto nos projetos, oferece assessoria técnica, psicológica e o acompanhamento durante todo o processo do edital. Seguindo a explicação do site Direção Cultura: “Grantmaking é a ação filantrópica voltada ao repasse de recursos financeiros, de forma estruturada, a iniciativas, projetos ou programas – sociais, ambientais, culturais ou científicos. 

O Fundo Baobá para equidade racial conta com fundo patrimonial em ampliação, o endowment. O endowment é uma fonte de financiamento de longo prazo composta por doações que apoiam a missão do Baobá. Anualmente, os rendimentos dessa conta são distribuídos para viabilizar as ações da organização em prol da equidade racial. Os rendimentos provenientes do endowment proporcionam à organização a liberdade e a agilidade necessárias para investir em ações consideradas fundamentais para a promoção da equidade racial no Brasil em diferentes áreas de atuação. As doações para o endowment são essenciais para garantir a perenidade e sustentabilidade financeira do Fundo.

Ao realizar a sua contribuição, você está investindo no futuro da instituição e na continuidade do seu impacto transformador na sociedade. Como se tornam permanentes, as doações asseguram recursos financeiros contínuos para a organização, possibilitando o planejamento a longo prazo e o desenvolvimento de projetos de maior impacto social, pois enquanto outras fontes de financiamento podem ser afetadas por crises econômicas, inflação ou outras situações imprevisíveis, o endowment se mantém estável, garantindo recursos para o Fundo Baobá mesmo em cenários complexos.

Para mais informações sobre o trabalho que o Fundo Baobá realiza em luta contra o racismo estrutural, você pode acessar o site clicando aqui

 

O legado de Marielle Franco na história das mulheres brasileiras

Marielle Franco
Por Fernanda Lopes, Diretora de Programa e Giovanni Harvey, Diretor Executivo no Baobá – Fundo Para Equidade Racial.  

 

Uma tragédia brasileira que tomou conta da mídia nacional e internacional completa cinco anos: o ataque brutal que vitimou a vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, ocorrido no bairro do Estácio, região central do Rio de Janeiro, na noite de 14 de março de 2018. Um crime hediondo, que causa repulsa na opinião pública até hoje, gerando a recusa de um libelo que não encontrou responsáveis até o momento. A sociedade exige que o crime seja solucionado. Marielle Franco tornou-se um símbolo da luta pelos direitos humanos e fonte inspiracional para um sem número de mulheres que, a partir do exemplo dela, estão mudando seus horizontes.

Euclides da Cunha escreveu que o sertanejo é forte. O favelado também o é. Marielle Franco cresceu como favelada na Maré, uma das comunidades que compõem o Complexo da Maré. Em suas aparições públicas ou no púlpito da Câmara do Rio de Janeiro, ela sempre se apresentava como mulher negra, mãe, socióloga e cria da Maré. Para ocupar o púlpito e um gabinete na Câmara, foi eleita em 2016 com 46.502 votos para um mandato de quatro anos que não chegou a concluir. Uma mulher negra eleita, parte da comunidade LGBTQIAP+. 

A opressão funciona como o lodo e suas impurezas, em meio às quais coisas boas podem florescer. Na natureza, a flor de lótus é um exemplo. Na história de Marielle, foi o assassinato da amiga Jaqueline que a fez decidir por um trabalho voltado à defesa e promoção dos direitos humanos, à vida digna e sem violência nas favelas e por uma crítica acirrada aos métodos e processos de trabalho das Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs. Ao decidir militar em prol dos direitos humanos, em ser a voz dos migrantes nordestinos menos favorecidos e peitar o sistema de discriminação e morte contra os que têm orientação sexual oposta àquela considerada norma, Marielle Franco sabia que teria que batalhar em inúmeros fronts. Mas ela era uma guerreira ímpar. Era figura que vergava, mas não quebrava, como o bambu. Ela se impunha, reivindicava e não descansava enquanto não obtinha resultados. Gente com esse perfil é taxada de incômoda. Marielle era a linguagem do povo, por ser sua representante legítima. 

 A representatividade de Marielle Franco ganhou corpo nas eleições municipais de 2020. A tradução do empenho das mulheres negras em ter suas vozes sendo ouvidas, suas ações definindo agendas e influenciando o cenário político, foi estampada em números: concorreram a postos nas Câmaras Municipais do país 84.418 mulheres negras, 856 concorreram ao cargo de prefeitas em suas cidades. O movimento Eu Voto Em Negra surgiu de articulações femininas e se baseou em uma frase dita por Marielle Franco: “podemos ser diversas, mas não somos dispersas!”. Os dizeres da vereadora geraram uma onda de afeto e solidariedade feminino-negra que, até então, não havia sido vista em termos de presença política. 

O nome de Marielle já tinha alcançado projeção internacional por ser ela uma defensora dos direitos humanos. A sua morte, porém, o elevou a um fenômeno mundial. A repercussão internacional foi muito grande. Alguns dos principais veículos da imprensa mundial, como The New York Times, The Wall Street Journal e Washington Post (Estados Unidos), The Guardian e BBC (Inglaterra), Le Monde e Le Figaro (França), El País (Espanha) e Der Spiegel (Alemanha) abriram e abrem seus noticiários para falar do agressivo acontecimento com a vereadora e seu motorista. E a história não fica por aí: todos os anos esses veículos cobram um desfecho conclusivo da investigação criminal. Isso tornará a acontecer neste 2023. 

O fenômeno no qual o seu legado se transformou é uma força da natureza, influenciando todo lugar por onde passa. Nos Estados Unidos, a Universidade Johns Hopkins, em sua Escola de Estudos Internacionais Avançados, criou a Bolsa Marielle Franco, após receber uma doação anônima. O programa é voltado aos estudos de relações internacionais, com foco na América Latina. O Marielle Franco Community-Design Award é um prêmio de 10 mil euros criado em Portugal para incentivar arquitetos que trabalham com favelas ou áreas em que vivem pessoas em vulnerabilidade social. Uneafro, Pré Vest Comunitário, Emancipa e outras iniciativas educacionais criaram cursinhos pré-vestibulares voltados a alunos, alunas e alunes negros, negras e negres visando facilitar o caminho de acesso ao ensino superior.  

O Fundo Baobá para Equidade Racial, em 2019, baseou-se no impulso influenciador que a atuação da mulher negra, vereadora, favelada e LGBTQIAP+ havia deixado como legado e criou o Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. Seu objetivo: ampliar e consolidar a participação de mulheres negras em posições de poder e influência, por intermédio de investimentos em seus planos de desenvolvimento individual, formações políticas e técnicas, além da promoção do fortalecimento das organizações, grupos e coletivos liderados por elas. Isso ressalta a importância do financiamento com foco no desenvolvimento social, cujo impacto está nas transformações pelas quais as pessoas passam e, por consequência, são transmitidas a outras pessoas de seus territórios. O programa, que está em andamento, tem como parceiros Kellogg Foundation, Ford Foundation, Instituto Ibirapitanga e Open Society Foundations. Na primeira edição, selecionou 59 mulheres e 14 organizações, sendo que cada uma recebeu diretamente R$ 40 mil para investir em seu projeto e cerca de R$ 20 mil em investimentos indiretos (assessorias, coach, apoio psicossocial, formação política). Considerando os apoios coletivos e individuais, foram cerca de 200 beneficiárias diretas, 520 mil pessoas indiretamente impactadas e R$ 4 milhões de investimento direto. 

Organizações como a Abayomi – Grupo de Juristas Negras, de Pernambuco, por exemplo, têm o objetivo de ampliar a participação de mulheres negras no sistema nacional de Justiça. Hoje, após um início com cinco mulheres, já congrega quase uma centena de mulheres negras com atuação no Judiciário e lidera a mobilização nacional em defesa de mulheres negras no STF (Supremo Tribunal Federal). Esses espaços e cargos são, atualmente, ocupados por homens e mulheres brancos. 

Pesquisa feita pelo Conselho Nacional de Justiça em 2020 apontou a porcentagem de negros e negras nas diferentes esferas do Judiciário: entre os magistrados, a Justiça do Trabalho tem 15,9%; entre os servidores, a Justiça Eleitoral tem 34,7% e entre os estagiários, a Justiça Federal tem 59,4% de pessoas negras. 

Clara Marinho, graduada em administração e mestre em Desenvolvimento Econômico, é outra profissional apoiada pelo Programa Marielle Franco. Ela elaborou o projeto Construindo a Liderança na Administração Pública Federal, recentemente foi convidada a assumir o cargo de Coordenadora-Geral de Estudos e Acompanhamento de Temas Transversais e Investimentos Plurianuais no Ministério do Planejamento e Orçamento. Outra que se inspirou nos ventos deixados por Marielle foi a jornalista Jaqueline Fraga, autora do premiado livro-reportagem “Negra Sou”, que narra a ascensão da mulher negra no mercado de trabalho. O Instituto Marielle Franco foi criado por iniciativa da família da vereadora para manter acesa a chama de seu legado e ampliar o processo de valorização das vidas negras, femininas e periféricas e ainda funcionar como um espaço de educação transformadora onde também se oferece auxílio psicológico, legal, se promove arte e literatura, se realiza oficinas e outras ações voltadas para a herança de luta pelos direitos humanos deixada pela vereadora. Anielle Franco, irmã de Marielle e ministra da Igualdade Racial, Marinete da Silva, mãe de Marielle e Anielle, que é advogada popular, além de Luyara Santos, filha de Marielle, que é estudante de educação física, tiveram os projetos de ampliação de suas habilidades de liderança apoiados pelo Fundo Baobá. 

 A sociedade brasileira, e as mulheres em especial, está convicta do que quer, pode e deve fazer com o legado de Marielle Franco. Ela se foi, mas como herdeira de Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Elza Soares, Benedita da Silva, Esperança Garcia, Conceição Evaristo, Sueli Carneiro e tantas outras, plantou sementes que germinaram, florescem e dão frutos. Permanece ativa, por intermédio de ideias e causas que defendia. Suas certezas e ideais seguem vivos em mulheres, homens e pessoas não binárias que ela inspira. Marielle está e estará, sempre, PRESENTE! 

 

Artigo originalmente publicado no Nexo em 13/03/2023 

  • Fernanda Lopes é bióloga, mestre e doutora em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP). Co-coordenou o Programa de Combate ao Racismo Institucional, uma parceria entre o governo brasileiro, o governo britânico e a ONU Brasil. Por 11 anos compôs a equipe do Fundo de População das Nações Unidas, escritório Brasil. Desde 2019 lidera a área de programas e projetos do Fundo Baobá para Equidade Racial e foi a responsável pela elaboração da teoria da mudança que orienta a implementação do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. 
  • Giovanni Harvey é diretor-executivo do Fundo Baobá para a Equidade Racial e tem 30 anos de experiência como executivo na iniciativa privada, na administração pública e no terceiro setor. Foi presidente do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal Fluminense (1988 a 1989), empresário no setor de seguros e previdência privada (1994 a 2004), fundador da Incubadora Afro-Brasileira (2004) e consultor do Programa de Incubadoras do Ministério da Economia de Cabo Verde (2007). Exerceu funções estratégicas nos três níveis da administração pública nas áreas de direitos humanos, trabalho, ciência e tecnologia, assistência social, governança e igualdade racial. Foi secretário nacional de Políticas de Ações Afirmativas (2008 a 2009) e secretário-executivo (2013 a 2015) da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República.