Heranças ancestrais e conhecimentos técnicos, uma potente união pela manutenção da saúde mental das comunidades quilombolas da Amazônia

Por Anna Suav*  e Tamara Mesquita*

 

Na construção do bem-viver e no movimento de luta pela dignidade social, é importante considerarmos as particularidades, ainda que façamos parte de um coletivo. Ao se pensar em saúde mental quilombola no território da Amazônia, é fundamental abrirmos o olhar para as heranças ancestrais, os saberes tradicionais de quem é descendente da diáspora afroamazônida e como esse rico contexto, totalmente abraçado pelo território, é visceral no firmamento e na manutenção do propósito de vida de quem o ocupa. 

Aliado a esse propósito e na busca de compreender como contribuir com essas particularidades, é que o projeto Saúde Mental Quilombola: Direitos, Resistência e Resiliência, uma realização do Baobá – Fundo para Equidade Racial, com apoio da Johnson & Johnson, chegou ao seu terceiro encontro na Região do Baixo Tocantins, nas comunidades de Igarapé Preto à Baixinha, passando por Baião e Oeiras, no Estado do Pará. 

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no território brasileiro há  5.972 comunidades quilombolas, sendo o Pará um dos quatro estados com maior contingente populacional, com 42.439 pessoas. Com a pandemia da Covid-19, de acordo com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), o Pará registrou o maior número de mortes pelo vírus. Tais dados nos convocam a contribuir com essas comunidades, uma vez que elas ainda estão no processo de se recuperar e reverter as diversas consequências a que foram expostas durante esse cenário.  

Diante disso, o projeto Saúde Mental Quilombola chega com sensibilidade e equipado de uma equipe multidisciplinar, da Enfermagem ao Direito, bastante interessada em buscar soluções junto das comunidades e considerando os seus modos de operação. Uma vez identificados os problemas, a vivência no território traz profundidade e a mostra de como as tecnologias ancestrais associadas a novos conhecimentos e métodos podem contribuir na apresentação de diferentes perspectivas e no reforço identitário, extremamente potente no que tange o estímulo à saúde mental.

Para Vanessa Souza, moradora da Comunidade de França, “O projeto trouxe conhecimento, porque quando a pessoa não sabe da sua origem, ela fica sem identidade, a gente tem muita dificuldade de ser vista e ouvida, mas ao falarmos, mostramos que existimos, que somos cidadãos”. Essa dificuldade de se enxergar para se reconhecer, uma das violências promovidas pelo racismo, é algo que faz parte da história das comunidades quilombolas, afetando a noção de pertencimento.  

É preciso negritar que os atravessamentos raciais e territoriais são fundamentais ao falarmos de comunidades quilombolas. Que tem acesso aos direitos básicos? Entender os fenômenos dentro de cada espaço é fundamental para enxergar que os rios, as ruas, os ramais* são os caminhos para que as informações cheguem nessas comunidades. “A dificuldade é como a de sair daqui para vender nossos produtos, aí também tem a dificuldade da saúde, é difícil sair daqui com ramal assim, é ruim para ir no posto”, explica Márcia Martins, Coordenadora Samba de Cacete e conselheira fiscal da Associação das Comunidades Remanescente de Quilombo de Igarapé Preto (ARQIB), sobre dificuldades de locomoção, principalmente durante o inverno amazônico, e da ausência de atenção do poder público que não entende as dificuldades locais e que não fornece uma equipe múltipla nos postos de atendimento.  

E é na necessidade que se reforça o originário, a importância do tradicional. Em todas as atividades desenvolvidas pela equipe de saúde que foram executadas nas comunidades, a equipe pode observar que as mulheres quilombolas desenvolvem suas ciências diante de um enfrentamento, principalmente em termos de saúde pela falta de políticas públicas, a precariedade de exames, mostra de resultados e o acesso à consultas no território. 

É nesse contexto que as heranças ancestrais, aliadas a conhecimentos técnicos, se tornam uma fórmula visando a sobrevivência. “As mulheres utilizam muito remédios caseiros para prevenção de algumas infecções, principalmente na região íntima, chás tradicionais como forma de amenizar os agravos de alguma patologia, de alguma doença, e isso é de uma sabedoria enorme. Elas até nos passaram uma lista com todos os chás que usam e pra quê servem, a equipe toda aprendeu!”, relata Fátima Carrera, integrante da equipe interdisciplinar na área de enfermagem do projeto. A enfermeira também destaca o preciosimo do trabalho das parteiras no acompanhamento das mulheres no pré-natal, e das benzedeiras que, segundo ela, “associam o medicamento que o médico passa às rezas e aos chás. Elas fazem essa junção dos saberes tradicionais com a ciência contemporânea”

Os determinantes sociais são essenciais para entendermos da saúde quilombola, das dificuldades do cuidado, e das dificuldades de ser quilombola na Amazônia. No Pará, por exemplo, estão ativos apenas 91 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), segundo a Organização Mundial da Saúde, um número pequeno para oferecer estrutura e atenção necessária à população que carece.  

Tendo em vista essas lacunas, é que as comunidades subvertem as lógicas de descaso e atuam na própria costura de uma rede de afeto e de cuidados entre si, já que sabem das suas doenças, uma vez que lidam diariamente com casos envolvendo tentativas de suicídio e o bullying, o que exige uma atuação especializada para o redirecionamento da situação. Segundo Sandra Maria, parteira e conselheira fiscal da ARQIB, “A atuação do projeto é muito importante, devido às pessoas que têm dificuldades e precisam de ajuda, ter esse suporte gera uma mudança em nós”. 

A saúde mental quilombola merece estar no foco das atenções, as comunidades precisam estar munidas de instrumentos e conhecimentos que permitam e promovam de forma satisfatória a sua resistência, garantindo assim o repasse de um legado saudável às gerações vindouras. O Fundo Baobá, em conjunto com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e a Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará – MALUNGU, seguem juntos e de forma contínua no movimento de proteção às comunidades quilombolas da Amazônia.  

¹ Anna Suav é MC, poeta, jornalista, produtora cultural e audiovisual. Hoje integra a equipe da Negritar Filmes e Produções, na função de coordenadora de comunicação. 
² Tamara Mesquita é Jornalista, produtora audiovisual, educadora e comunicadora popular. Hoje integra a equipe da Negritar Filmes e Produções, na função de coordenadora de produção.
Negritar Filmes e Produções é uma produtora de impacto social, composta por pessoas negras.

*Ramal é uma entrada, um caminho, geralmente uma pequena estrada de terra. 




Luiz Alberto Oliveira Gonçalves: Um Legado de Luta pela Equidade Racial

O Conselho Deliberativo do Baobá – Fundo para a Equidade Racial, com pesar, lamenta o falecimento do Professor Luiz Alberto Oliveira Gonçalves.

O Professor Luiz Alberto foi um dos fundadores da nossa instituição e, por mais de uma década, integrou os principais órgãos de governança do Fundo Baobá.

Foi um dos mais brilhantes intelectuais da sua geração, introduzindo o debate sobre as relações étnico raciais na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, coordenou o Programa de Pós-graduação em Educação na mesma universidade e foi Presidente do Comitê Científico do Centro de Estudos Africanos da UFMG.

Sua dissertação de mestrado, intitulada “O silêncio: um ritual pedagógico a favor da discriminação racial”, defendida e aprovada em 1985, se tornou referência no debate sobre o racismo no Brasil. Seu percurso acadêmico o levou a obter o Doutorado em Sociologia na prestigiada “École des Hautes Études en Sciences Sociales”, na França.

Luiz Alberto foi membro do Comitê Científico do Observatório Europeu da Violência Escolar, sediado em Bordeaux, e professor visitante na Universidade Agostinho Neto, em Angola. Também coordenou o Programa de Mestrado e de Doutorado em Educação na Universidade Onze de Novembro, no mesmo país. A relevância dos seus estudos, pesquisas e da sua atuação docente foram reconhecidos pela UFMG com a concessão do título de professor titular, no ano de 2015. 

Sua militância política no Movimento Negro Unificado – MNU é lembrada pela firmeza e pela coerência das teses que defendeu, além da liderança na realização de fóruns de discussões que embasaram a luta pela implementação das ações afirmativas no Brasil, especialmente no campo da educação.

A sua atuação na esfera pública inclui a participação no Conselho de Ciência e Tecnologia da Fundação Cultural Palmares – FCP e o exercício do cargo de Secretário Adjunto na Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República – SEPPIR/PR.

Neste momento de profunda tristeza, lembramos da dedicação com a qual Luiz Alberto abraçou a proposta de criar a nossa instituição, há quase 15 anos atrás. Ele participou, ao lado de Luiza Bairros, Sueli Carneiro, dentre outros e outras, do “Grupo Impulsor” que mobilizou o movimento negro e diversas instituições parceiras ao longo de 3 anos, cujo trabalho resultou no conceito que orienta a nossa atuação.

Seremos eternamente gratos ao Professor Luiz Alberto e expressamos as nossas condolências a sua família, aos seus amigos, aos seus alunos e a todas as pessoas que tiveram o privilégio de conhecer, conviver e aprender com Luiz Alberto Oliveira Gonçalves.

Que o seu legado continue a inspirar e a guiar todas as pessoas que lutam em prol da equidade racial no Brasil. 

 

Conselho Deliberativo do Baobá – Fundo para a Equidade Racial

Baobá participa do Fórum Interconselhos para elaboração de diretrizes orçamentárias para políticas públicas

  Por Wagner Prado

O Baobá – Fundo para Equidade Racial é uma das organizações da sociedade civil que fizeram parte da cerimônia de reedição do Fórum Interconselhos, evento que marca o início dos trabalhos de elaboração do Plano Plurianual Participativo (PPA), que define diretrizes e metas do governo para o período 2024 a 2027. O Fórum Interconselhos foi criado em 2011 e funcionou até 2017, quando foi interrompido. Sua retomada tem como objetivo promover maior participação da sociedade civil nas decisões sobre investimentos de recursos públicos. 

Essa medida atende a uma diretriz do governo federal que busca ouvir as demandas da sociedade em relação à alocação de recursos. A interrupção das atividades do Fórum impossibilitou essa escuta e sua retomada é considerada de extrema importância para a implementação de políticas públicas que atendam diretamente às necessidades da população.

Um dos representantes do governo federal na cerimônia foi o ministro Márcio Macedo, da Secretaria-Geral da Presidência da República. Ele falou sobre a importância da participação social na adoção de políticas públicas. “Participação e diálogo são as palavras-chave da Secretaria-Geral nesse processo de diálogo institucional permanente entre o Governo Federal e a sociedade civil”,  afirmou. 

A coordenadora de Administração e Finanças do Fundo Baobá, Hebe Silva, definiu a importância de a organização fazer parte do Fórum Interconselhos. “Este fórum é um veículo de escuta das demandas da sociedade civil. Foi uma oportunidade para colocarmos a questão racial na pauta de todos os debates e apresentar sugestões que direcionam as políticas públicas para reduzir os danos causados pelo racismo imperativo na sociedade brasileira”, disse. 

 

Fórum Interconselhos

O Fórum Interconselhos foi criado com a missão de reunir periodicamente representantes dos diversos conselhos nacionais e entidades representativas da sociedade civil para colaborarem na elaboração e no monitoramento da execução dos Planos Plurianuais (PPA).

Desde sua criação, foram realizados seis encontros como Fórum Interconselhos e três como Fórum Dialoga Brasil, até a interrupção do processo, em 2017. A partir de então, não houve mais encontros, e o PPA 2020–2023 foi elaborado sem participação social.

O Fórum Interconselhos foi premiado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2014. O prêmio United Nations Public Service Awards apontou a importância da iniciativa na contribuição para o Plano Plurianual no Brasil.

 

PPA Participativo

O PPA é uma das três leis orçamentárias do Brasil, ao lado da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e da LOA (Lei Orçamentária Anual). É elaborado de quatro em quatro anos, sempre no primeiro ano e com vigência a partir do segundo ano de um mandato presidencial. Ele define os eixos, as diretrizes e os objetivos estratégicos do governo para o período e aponta os programas e metas que permitirão atingir esses objetivos. O PPA deve ser entregue ao Congresso até 31 de agosto do primeiro ano do mandato presidencial, juntamente com a Lei Orçamentária Anual.

O PPA do ciclo 2024-2027 voltará a ser construído com participação social, por meio de 27 plenárias estaduais (uma em cada unidade da federação), além de três fóruns interconselhos. Além dessas instâncias, nas quais a participação da sociedade se dará também por meio de entidades de representação, como conselhos, associações, sindicatos e ONGs, o PPA contará com uma plataforma digital aberta para acolher propostas de cada cidadã ou cidadão.

Baobá faz jornadas ao Pará em prol da saúde mental do povo quilombola

O estado do Pará figura entre os que possuem o maior número de comunidades quilombolas do Brasil. Com o objetivo de abrandar os impactos psicossociais agravados pela pandemia da Covid 19 nessas populações, o Baobá – Fundo para Equidade Racial, com apoio da Johnson & Johnson, realiza o projeto Saúde Mental Quilombola: Direitos, 

Resistência e Resiliência. Com foco na saúde mental e nas estratégias de resiliência das comunidades quilombolas em territórios paraenses, o Baobá reafirma seu papel em aportar recursos para áreas estratégicas. Hoje, 39% das iniciativas apoiadas pelo Fundo são projetos apresentados por associações quilombolas localizadas em diferentes estados do país. 

Uma equipe multidisciplinar composta por profissionais de enfermagem, psicologia, jornalismo, publicidade, história, administração e direito está atuando no sentido de promover a saúde mental da população quilombola, criando pontes com os serviços de saúde e reiterando o fato de que o bem estar e o bem viver também são resultado do protagonismo e da soberania dos quilombolas em defesa de sua cultura, tradição e saberes. 

As ações são realizadas em parceria com a Malungu – Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará e com a ARQIB – Associação dos Remanescentes Quilombolas de Igarapé Preto e Baixinha. A expectativa é que, ao alcançar 12 comunidades que estão no mesmo território, mais de 5 mil pessoas sejam impactadas indiretamente pela ação. 

Já foram realizadas quatro missões, com duração de 1 semana cada. Em 5 das 12 comunidades foram realizadas atividades com participação de homens, mulheres, adolescentes, jovens e crianças; profissionais de saúde, educação e lideranças comunitárias. Além das rodas de conversa sobre saúde mental, saúde das mulheres, direitos da população quilombola, também aconteceram oficinas de produção audiovisual. 

O Coletivo Negritar, um dos parceiros implementadores do Fundo Baobá, ministrou oficinas para que, a partir de seus aparelhos celulares, fosse possível roteirizar, captar e editar imagens. “Conseguimos registrar e entender como a comunidade cada vez mais se comunica, se fortalece, se potencializa, se movimenta e funciona. O objetivo foi mostrar como usar essa ferramenta, o vídeo, em prol da transformação, de educação e de arte”, conta Tamara Mesquita, do Negritar. 

As diversas ações, com foco em promover a saúde mental da comunidade, reúnem diferentes agentes e possibilitam que haja interação entre eles. “Ficamos muito felizes, porque tinha gente de 12 a 64 anos que estava interagindo e trocando dentro da equipe. Outro momento marcante foi uma roda de conversa que tivemos falando sobre infecções sexualmente transmissíveis, métodos contraceptivos, uso de camisinha, menstruação, uso de coletor e identidade de gênero”, diz Tamara.

A saúde é determinada por fatores culturais, políticos, ambientais e econômicos que são levados em consideração. Sem a valorização da identidade, defesa e garantia dos direitos quilombola, não será possível alcançar um bom nível de saúde mental.

Além de contar com ações de educomunicação, o projeto também conta com profissionais da psicologia que compõem a equipe multidisciplinar. ”Percebo que meu corpo de mulher negra tem facilitado para que algumas mulheres me procurem para falar sobre vivências de violências que já passaram ou estão passando”, revela a psicóloga paraense Bianca Mycaella Tsubaki. 

Liderando o time de saúde mental da equipe multidisciplinar está o psicólogo, também paraense, Álvaro Palha. Ele traça um rápido perfil do trabalho que o projeto  Saúde Mental Quilombola vem realizando. “Em geral, penso as ações em projetos de saúde mental como únicas, que mesmo que baseadas em pressupostos técnicos comuns e utilizando instrumentos e ferramentas de trabalho próximas, devem se adaptar à história e singularidade das comunidades”, comenta Palha. 

O que possibilita ao Baobá – Fundo para Equidade Racial promover iniciativas como o projeto Saúde Mental Quilombola é contar com um fundo patrimonial em ampliação: o endowment, que é uma fonte de financiamento de longo prazo composta por doações de apoio. Anualmente, os rendimentos dessa conta são distribuídos para viabilizar as ações da organização em prol da equidade racial. As doações para o endowment são essenciais para garantir a perenidade e sustentabilidade financeira do Fundo. 

Para saber mais sobre o trabalho que o Fundo Baobá realiza, você pode acessar o site www.baoba.org.br



Documentário Corpos Invisíveis, de Quézia Lopes, estreia no próximo semestre

 Por Mariane Euzebio

O projeto, contemplado pelo edital Negras Potências, realizado pelo Fundo Baobá para Equidade Racial, em fevereiro de 2018, teve como objetivo apoiar soluções de impacto que contribuíssem para o empoderamento de meninas e mulheres negras e que ajudassem na visibilidade de agentes da sociedade civil que trabalham para redução das desigualdades raciais e sociais.

O tema é abordado no projeto Corpos Invisíveis, de Quézia Lopes, um documentário construído a partir da experiência de onze mulheres que, imersas nas suas subjetividades, dividem conosco um pouco da sua humanidade, intimidade, afeto, empoderamento e ancestralidade. Além dos diversos tipos de violência de gênero ao qual foram expostas no decorrer das suas vidas. A ideia inicial parte das experiências individuais de Quézia juntamente com o incômodo da prevalência de mulheres negras nos piores índices de violência e violação de direitos. O documentário também responde à falta de representatividade de mulheres negras na mídia e no audiovisual brasileiro.

Créditos: Naira Soares / Pam Nogueira

Promover a equidade racial é combater arduamente um dos maiores problemas do país, o racismo estrutural, que diariamente mata nesse silêncio retratado por Quézia, em Corpos Invisíveis. Incidir o olhar para essas maiorias minorizadas é uma das metodologias para desorganizar as estruturas discriminatórias desse país e se comprometer com a resolução desse problema social complexo, onde a raça define quem vive e quem morre.

Quézia, que não tinha incentivo e nem perspectiva de políticas públicas que viabilizem projetos voltados para o audiovisual negro brasileiro, ao ser contemplada com o Edital Negras potências, pôde construir parte da sua subjetividade no decorrer desse processo. Segundo Quézia, a chamada do Edital Negras Potências, em 2018, foi um grande achado, pois proporcionou viabilidade naquele momento e tornou o longa-metragem possível. Além disso, ela relata a inconstância na continuidade de editais, o que é um quadro diário na política brasileira diante desse cenário desigual de editais de cultura de modo geral e os de cinema em especial, tanto em âmbito federal quanto estadual e municipal, o que torna a captação de recursos cada vez mais árdua e complexa.

“A gente fica sempre sem saber com qual edital contar para financiar um projeto, quando aplicar etc., se terá nova edição ou não, porque a falta de continuidade, de regularidade é generalizada, principalmente nos editais de políticas afirmativas”, relata Quézia.


Atualmente, a diretora e roteirista está num processo de apresentar o documentário a distribuidoras, salas de exibição e equipamentos culturais e já foi possível agendar sessões em alguns estados do Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, de onde é ou mora a maioria da equipe envolvida no filme. A previsão é que a estreia aconteça no segundo semestre deste ano, de 2023.

Para Hebe Silva, coordenadora de Administração e Finanças do Fundo Baobá para Equidade Racial, foi uma experiência de muitos desafios, pois foi possível entender as especificidades da produção de um filme. “Ao analisar a execução financeira de um projeto, nosso empenho é que nossos donatários se visualizem como gestores financeiros do recurso, que é de fato o que são. Gerir o recurso, prezar pela transparência e atingir a execução das atividades propostas”, afirma Hebe.

 

O projeto, num sentido amplo, deixa sua contribuição às gerações atuais e futuras ao visibilizar histórias, trajetórias e vivências de mulheres negras tão potentes.
Construir referenciais e boas representações das nossas e dos nossos na frente e por trás das telas é fundamental para o processo de cura e emancipação da população negra, que como bell hooks fala, é coletivo, não pode se dar apenas individualmente. “A população negra não é invisível; existe um esforço do sistema para inviabilizá-la. Cabe a nós, e a outros atores políticos responsáveis com a construção de uma sociedade justa, ampliar essas oportunidades”, relata Fernanda Lopes, diretora do Programa do Fundo Baobá.

Fundo Baobá para Equidade Racial marca presença no 12º Congresso GIFE – “Desafiando estruturas de desigualdades”.

 Por Mariane Euzebio

Entre os dias 12 e 14 de abril, o GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas – promoveu o congresso Desafiando estruturas de desigualdades, no Memorial da América Latina, em São Paulo. O congresso teve como objetivo aprofundar o debate sobre o Investimento Social Privado  (ISP), uma modalidade de contribuições financeiras feitas por instituições privadas para projetos com o objetivo de gerar mudanças positivas e duradouras para a sociedade.

O diretor executivo do Baobá – Fundo para Equidade Racial, Giovanni Harvey, e a diretora de Programa, Fernanda Lopes, estiveram presentes no evento, contribuindo com o debate.

Giovanni participou da mesa O investimento social está pronto para promover equidade racial? juntamente com Anielle Franco – Ministra da Igualdade Racial, Douglas Belchior – Fundador da Uneafro e Ricardo Henriques – Superintendente Executivo no Instituto Unibanco, mediada por Paula Miraglia – Diretora Geral do Nexo Jornal e da Gama Revista.

Giovanni afirma que há uma inclinação de empresas brancas em definir quais organizações e projetos merecem receber aportes, mas defende que é fundamental fomentar a autonomia do movimento negro em suas decisões. Ele ainda acrescenta:  “O movimento negro serviu para construir a visibilidade da causa, mas não serve pra ditar os critérios de como realizar a transformação.”

Fernanda Lopes esteve na mesa Democracia e Interseccionalidades de gênero, raça e clima, refletindo sobre quais premissas e estratégias precisam ser incorporadas para que a questão de gênero e suas interseccionalidades estejam presentes na agenda que busca fortalecer a democracia. Segundo ela “as pessoas e seus direitos são interdependentes, indivisíveis e inegociáveis”.

A presença do Fundo Baobá no evento reforça a importância de combater práticas que perpetuam desigualdades, discriminação e pobreza, entre outras questões urgentes.

Divulgada a lista final de organizações selecionadas pelo edital Educação em Tecnologia

Com o intuito de fornecer suporte a organizações e empresas negras que atuam no desenvolvimento e/ou expansão das habilidades técnicas de negros, negras e negres na área de tecnologia, o Baobá – Fundo para Equidade Racial, em parceria com o MOVER (Movimento pela Equidade Racial), lançou o Educação em Tecnologia. O objetivo do edital é ampliar o potencial de empregabilidade de pessoas negras nos setores público, privado e terceiro setor. Hoje, em 26 de abril, o Baobá anuncia as 5 organizações selecionadas.

Para conhecê-las, clique aqui.

Organizações de cinco estados brasileiros – Bahia, Ceará, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo – foram selecionadas por sua habilidade em elaborar e implementar programas de formação e qualificação profissional em áreas como gestão e segurança da informação, proteção de dados e privacidade, tecnologia da informação, monitoramento e controle de tecnologias, desenvolvimento, desenvolvimento de produtos analíticos e programação em diversas linguagens

Cada organização selecionada vai receber aportes que variam de R$ 250.000,00 a R$ 475.000,00, além de  assessoria e suporte técnico para desenvolvimento institucional. 

 

Sobre o Baobá – Fundo para Equidade Racial:

O Baobá – Fundo  para Equidade Racial é o primeiro e único fundo patrimonial dedicado, de forma exclusiva, à promoção da equidade racial para a população negra no Brasil. Criado em 2011, o Baobá é uma organização sem fins lucrativos cujo objetivo é  mobilizar pessoas e recursos, no Brasil e no exterior, para apoiar projetos e iniciativas negras para o enfrentamento ao racismo e a promoção da equidade racial. 

Sobre o Mover: 

Com o objetivo de extinguir a desigualdade e o racismo no mercado de trabalho, um grupo de empresas com atuação em vários setores da economia juntou-se para criar ações de promoção da diversidade, da equidade e da inclusão. Esse foi o início do Mover (Movimento pela Equidade Racial), que atualmente agrupa 47 empresas que proporcionam postos de trabalho para 1,3 milhão de pessoas. 

Baobá faz jornadas ao Pará em prol da saúde mental do povo quilombola

O estado do Pará figura entre os que possuem o maior número de comunidades quilombolas do Brasil. Com o objetivo de abrandar os impactos psicossociais agravados pela pandemia da Covid 19 nessas populações, o Baobá – Fundo para Equidade Racial, com apoio da Johnson & Johnson, realiza o projeto Saúde Mental Quilombola: Direitos, 

Resistência e Resiliência. Com foco na saúde mental e nas estratégias de resiliência das comunidades quilombolas em territórios paraenses, o Baobá reafirma seu papel em aportar recursos para áreas estratégicas. Hoje, 39% das iniciativas apoiadas pelo Fundo são projetos apresentados por associações quilombolas localizadas em diferentes estados do país. 

Uma equipe multidisciplinar composta por profissionais de enfermagem, psicologia, jornalismo, publicidade, história, administração e direito está atuando no sentido de promover a saúde mental da população quilombola, criando pontes com os serviços de saúde e reiterando o fato de que o bem estar e o bem viver também são resultado do protagonismo e da soberania dos quilombolas em defesa de sua cultura, tradição e saberes. 

As ações são realizadas em parceria com a Malungu – Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará e com a ARQIB – Associação dos Remanescentes Quilombolas de Igarapé Preto e Baixinha. A expectativa é que, ao alcançar 12 comunidades que estão no mesmo território, mais de 5 mil pessoas sejam impactadas indiretamente pela ação. 

Já foram realizadas quatro missões, com duração de 1 semana cada. Em 5 das 12 comunidades foram realizadas atividades com participação de homens, mulheres, adolescentes, jovens e crianças; profissionais de saúde, educação e lideranças comunitárias. Além das rodas de conversa sobre saúde mental, saúde das mulheres, direitos da população quilombola, também aconteceram oficinas de produção audiovisual. 

O Coletivo Negritar, um dos parceiros implementadores do Fundo Baobá, ministrou oficinas para que, a partir de seus aparelhos celulares, fosse possível roteirizar, captar e editar imagens. “Conseguimos registrar e entender como a comunidade cada vez mais se comunica, se fortalece, se potencializa, se movimenta e funciona. O objetivo foi mostrar como usar essa ferramenta, o vídeo, em prol da transformação, de educação e de arte”, conta Tamara Mesquita, do Negritar. 

As diversas ações, com foco em promover a saúde mental da comunidade, reúnem diferentes agentes e possibilitam que haja interação entre eles. “Ficamos muito felizes, porque tinha gente de 12 a 64 anos que estava interagindo e trocando dentro da equipe. Outro momento marcante foi uma roda de conversa que tivemos falando sobre infecções sexualmente transmissíveis, métodos contraceptivos, uso de camisinha, menstruação, uso de coletor e identidade de gênero”, diz Tamara.

A saúde é determinada por fatores culturais, políticos, ambientais e econômicos que são levados em consideração. Sem a valorização da identidade, defesa e garantia dos direitos quilombola, não será possível alcançar um bom nível de saúde mental.

Além de contar com ações de educomunicação, o projeto também conta com profissionais da psicologia que compõem a equipe multidisciplinar. ”Percebo que meu corpo de mulher negra tem facilitado para que algumas mulheres me procurem para falar sobre vivências de violências que já passaram ou estão passando”, revela a psicóloga paraense Bianca Mycaella Tsubaki. 

Liderando o time de saúde mental da equipe multidisciplinar está o psicólogo, também paraense, Álvaro Palha. Ele traça um rápido perfil do trabalho que o projeto  Saúde Mental Quilombola vem realizando. “Em geral, penso as ações em projetos de saúde mental como únicas, que mesmo que baseadas em pressupostos técnicos comuns e utilizando instrumentos e ferramentas de trabalho próximas, devem se adaptar à história e singularidade das comunidades”, comenta Palha. 

O que possibilita ao Baobá – Fundo para Equidade Racial promover iniciativas como o projeto Saúde Mental Quilombola é contar com um fundo patrimonial em ampliação: o endowment, que é uma fonte de financiamento de longo prazo composta por doações de apoio. Anualmente, os rendimentos dessa conta são distribuídos para viabilizar as ações da organização em prol da equidade racial. As doações para o endowment são essenciais para garantir a perenidade e sustentabilidade financeira do Fundo. 

 

Para saber mais sobre o trabalho que o Fundo Baobá realiza, você pode acessar o site www.baoba.org.br

Edital Educação em Tecnologia: Resultado da segunda fase é divulgado

Edital Educação em Tecnologia: Resultado da segunda fase é divulgado

O Baobá – Fundo para Equidade Racial divulga nesta quarta-feira (5), a relação de empresas e organizações escolhidas para a etapa final do edital Educação em Tecnologia. A iniciativa tem como objetivo oferecer suporte a negócios e organizações negras que atuam na expansão ou desenvolvimento das habilidades técnicas de indivíduos negros na área de tecnologia. A iniciativa conta com a parceria do MOVER (Movimento pela Equidade Racial) e investimento no valor de R$4.000.000,00 (quatro milhões de reais) que serão destinados a apoiar até 16 iniciativas.  A lista final será divulgada em 26 de abril.

Nesta segunda fase 8 propostas, entre 17 analisadas, foram validadas e seguem para a terceira e última etapa do programa. Para conferir a lista completa com os selecionados para a terceira fase do edital Educação em Tecnologia clique aqui.

É importante ressaltar que os projetos selecionados receberão um aporte financeiro que pode variar de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), além de assessoria e suporte técnico para o desenvolvimento e fortalecimento institucional. Estão sendo valorizadas as propostas que venham de organizações e empresas das regiões Nordeste e Norte, e que tenham como foco jovens negres periféricos, pessoas com 40 anos ou mais, população LGBTQIAP+, pessoas com deficiência, jovens em cumprimento de medida socioeducativa, pessoas egressas do sistema prisional, migrantes e refugiados africanos ou afrodescendentes, população quilombola, ribeirinha ou outras comunidades tradicionais. Saiba mais sobre o programa aqui

Sobre o Fundo Baobá:

O Fundo Baobá para Equidade Racial é o primeiro e único fundo patrimonial dedicado, de forma exclusiva, à promoção da equidade racial para a população negra no Brasil. Criado em 2011, o Baobá é uma organização sem fins lucrativos cujo objetivo é  mobilizar pessoas e recursos, no Brasil e no exterior, para apoiar projetos e iniciativas negras para o enfrentamento ao racismo e a promoção da equidade racial. 

Sobre o Mover:

Com o objetivo de extinguir a desigualdade e o racismo no mercado de trabalho, um grupo de empresas com atuação em vários setores da economia juntou-se para criar ações de promoção da diversidade, da equidade e da inclusão. Esse foi o início do Mover (Movimento pela Equidade Racial), que atualmente agrupa 47 empresas que proporcionam postos de trabalho para 1,3 milhão de pessoas. 

21 de março: Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial

Por Ingrid Ferreira

Escolhida pela ONU (Organização das Nações Unidas), a data do dia 21 de março representa o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial. Nesse mesmo dia no ano de 1960 na cidade de Joanesburgo, na Africa do Sul, mais de 20 mil pessoas da comunidade negra africana marchavam em protesto contra a Lei do Passe, criada pelo Partido Nacional como uma das medidas racistas projetadas pelo Apartheid. No dia em questão as tropas militares do governo abriram fogo contra a população, matando quase 70 pessoas e ferindo cerca de 180. O fato é historicamente conhecido como o Massacre de Shaperville.

O Brasil não passou pelo Apartheid, mas na sociedade é evidente a influência do período escravocrata que marcou a sua formação como nação. Em pleno século XXI, as estatísticas brasileiras são alarmantes, como é possível ver nos dados apresentados pela Agência Brasil: “Foram 3.290 mortes em operações policiais em 2021 na Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. Dessas, 2.154 vítimas (65%) eram negras – utilizando como referência o critério do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que considera negros a soma de pardos e pretos”.

A Lei 7.716 (Lei de Crime Racial) existe desde 1989, quando foi decretado como crime qualquer ação resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, mas só em 2023 foi que a Lei 14.532 foi sancionada e Injúria Racial também passou a ser considerada como crime de racismo. Como consta no site do Senado: “Enquanto o racismo é entendido como um crime contra a coletividade, a injúria é direcionada ao indivíduo”.

O Baobá – Fundo para Equidade Racial, procurando trabalhar em seus editais uma forma de mudar os direcionamentos sociais através dos projetos contemplados, contou com o Vidas Negras: Dignidade e Justiça, com foco em atuar pelo enfrentamento à violência racial sistêmica, proteção comunitária e promoção da equidade racial, enfrentamento ao encarceramento em massa entre adultos e jovens negros e redução da idade penal para adolescentes e reparação para vítimas e sobreviventes de injustiças criminais com viés racial. A discriminação,  ainda que seja um crime em lei, assola a vida da população negra em todos os campos, marginalizando grupos e indivíduos. 

Todo trabalho alcançado pelo Fundo Baobá, só se faz possível pelo caminho da filantropia, como no caso do edital Vidas Negras, mencionado acima, que foi apoiado pelo Google.Org. Todas as empresas que se colocam como apoiadoras de projetos em prol da comunidade negra provam o seu compromisso com a quebra da lógica escravocrata em que a sociedade foi construída, promovendo condições dignas, sociais e financeiras, para pessoas negras que passam a ter mais possibilidade de reconhecimento por seus méritos diante da ótica social, o que tende a quebrar as barreiras da discriminação racial que fazem a realidade de pessoas negras destoar da realidade sócioeconomica de pessoas brancas.

Dos valores que são agregados enquanto grantmaker, o Fundo,  além de aplicar recursos direto nos projetos, oferece assessoria técnica, psicológica e o acompanhamento durante todo o processo do edital. Seguindo a explicação do site Direção Cultura: “Grantmaking é a ação filantrópica voltada ao repasse de recursos financeiros, de forma estruturada, a iniciativas, projetos ou programas – sociais, ambientais, culturais ou científicos. 

O Fundo Baobá para equidade racial conta com fundo patrimonial em ampliação, o endowment. O endowment é uma fonte de financiamento de longo prazo composta por doações que apoiam a missão do Baobá. Anualmente, os rendimentos dessa conta são distribuídos para viabilizar as ações da organização em prol da equidade racial. Os rendimentos provenientes do endowment proporcionam à organização a liberdade e a agilidade necessárias para investir em ações consideradas fundamentais para a promoção da equidade racial no Brasil em diferentes áreas de atuação. As doações para o endowment são essenciais para garantir a perenidade e sustentabilidade financeira do Fundo.

Ao realizar a sua contribuição, você está investindo no futuro da instituição e na continuidade do seu impacto transformador na sociedade. Como se tornam permanentes, as doações asseguram recursos financeiros contínuos para a organização, possibilitando o planejamento a longo prazo e o desenvolvimento de projetos de maior impacto social, pois enquanto outras fontes de financiamento podem ser afetadas por crises econômicas, inflação ou outras situações imprevisíveis, o endowment se mantém estável, garantindo recursos para o Fundo Baobá mesmo em cenários complexos.

Para mais informações sobre o trabalho que o Fundo Baobá realiza em luta contra o racismo estrutural, você pode acessar o site clicando aqui

 

O legado de Marielle Franco na história das mulheres brasileiras

Marielle Franco
Por Fernanda Lopes, Diretora de Programa e Giovanni Harvey, Diretor Executivo no Baobá – Fundo Para Equidade Racial.  

 

Uma tragédia brasileira que tomou conta da mídia nacional e internacional completa cinco anos: o ataque brutal que vitimou a vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, ocorrido no bairro do Estácio, região central do Rio de Janeiro, na noite de 14 de março de 2018. Um crime hediondo, que causa repulsa na opinião pública até hoje, gerando a recusa de um libelo que não encontrou responsáveis até o momento. A sociedade exige que o crime seja solucionado. Marielle Franco tornou-se um símbolo da luta pelos direitos humanos e fonte inspiracional para um sem número de mulheres que, a partir do exemplo dela, estão mudando seus horizontes.

Euclides da Cunha escreveu que o sertanejo é forte. O favelado também o é. Marielle Franco cresceu como favelada na Maré, uma das comunidades que compõem o Complexo da Maré. Em suas aparições públicas ou no púlpito da Câmara do Rio de Janeiro, ela sempre se apresentava como mulher negra, mãe, socióloga e cria da Maré. Para ocupar o púlpito e um gabinete na Câmara, foi eleita em 2016 com 46.502 votos para um mandato de quatro anos que não chegou a concluir. Uma mulher negra eleita, parte da comunidade LGBTQIAP+. 

A opressão funciona como o lodo e suas impurezas, em meio às quais coisas boas podem florescer. Na natureza, a flor de lótus é um exemplo. Na história de Marielle, foi o assassinato da amiga Jaqueline que a fez decidir por um trabalho voltado à defesa e promoção dos direitos humanos, à vida digna e sem violência nas favelas e por uma crítica acirrada aos métodos e processos de trabalho das Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs. Ao decidir militar em prol dos direitos humanos, em ser a voz dos migrantes nordestinos menos favorecidos e peitar o sistema de discriminação e morte contra os que têm orientação sexual oposta àquela considerada norma, Marielle Franco sabia que teria que batalhar em inúmeros fronts. Mas ela era uma guerreira ímpar. Era figura que vergava, mas não quebrava, como o bambu. Ela se impunha, reivindicava e não descansava enquanto não obtinha resultados. Gente com esse perfil é taxada de incômoda. Marielle era a linguagem do povo, por ser sua representante legítima. 

 A representatividade de Marielle Franco ganhou corpo nas eleições municipais de 2020. A tradução do empenho das mulheres negras em ter suas vozes sendo ouvidas, suas ações definindo agendas e influenciando o cenário político, foi estampada em números: concorreram a postos nas Câmaras Municipais do país 84.418 mulheres negras, 856 concorreram ao cargo de prefeitas em suas cidades. O movimento Eu Voto Em Negra surgiu de articulações femininas e se baseou em uma frase dita por Marielle Franco: “podemos ser diversas, mas não somos dispersas!”. Os dizeres da vereadora geraram uma onda de afeto e solidariedade feminino-negra que, até então, não havia sido vista em termos de presença política. 

O nome de Marielle já tinha alcançado projeção internacional por ser ela uma defensora dos direitos humanos. A sua morte, porém, o elevou a um fenômeno mundial. A repercussão internacional foi muito grande. Alguns dos principais veículos da imprensa mundial, como The New York Times, The Wall Street Journal e Washington Post (Estados Unidos), The Guardian e BBC (Inglaterra), Le Monde e Le Figaro (França), El País (Espanha) e Der Spiegel (Alemanha) abriram e abrem seus noticiários para falar do agressivo acontecimento com a vereadora e seu motorista. E a história não fica por aí: todos os anos esses veículos cobram um desfecho conclusivo da investigação criminal. Isso tornará a acontecer neste 2023. 

O fenômeno no qual o seu legado se transformou é uma força da natureza, influenciando todo lugar por onde passa. Nos Estados Unidos, a Universidade Johns Hopkins, em sua Escola de Estudos Internacionais Avançados, criou a Bolsa Marielle Franco, após receber uma doação anônima. O programa é voltado aos estudos de relações internacionais, com foco na América Latina. O Marielle Franco Community-Design Award é um prêmio de 10 mil euros criado em Portugal para incentivar arquitetos que trabalham com favelas ou áreas em que vivem pessoas em vulnerabilidade social. Uneafro, Pré Vest Comunitário, Emancipa e outras iniciativas educacionais criaram cursinhos pré-vestibulares voltados a alunos, alunas e alunes negros, negras e negres visando facilitar o caminho de acesso ao ensino superior.  

O Fundo Baobá para Equidade Racial, em 2019, baseou-se no impulso influenciador que a atuação da mulher negra, vereadora, favelada e LGBTQIAP+ havia deixado como legado e criou o Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. Seu objetivo: ampliar e consolidar a participação de mulheres negras em posições de poder e influência, por intermédio de investimentos em seus planos de desenvolvimento individual, formações políticas e técnicas, além da promoção do fortalecimento das organizações, grupos e coletivos liderados por elas. Isso ressalta a importância do financiamento com foco no desenvolvimento social, cujo impacto está nas transformações pelas quais as pessoas passam e, por consequência, são transmitidas a outras pessoas de seus territórios. O programa, que está em andamento, tem como parceiros Kellogg Foundation, Ford Foundation, Instituto Ibirapitanga e Open Society Foundations. Na primeira edição, selecionou 59 mulheres e 14 organizações, sendo que cada uma recebeu diretamente R$ 40 mil para investir em seu projeto e cerca de R$ 20 mil em investimentos indiretos (assessorias, coach, apoio psicossocial, formação política). Considerando os apoios coletivos e individuais, foram cerca de 200 beneficiárias diretas, 520 mil pessoas indiretamente impactadas e R$ 4 milhões de investimento direto. 

Organizações como a Abayomi – Grupo de Juristas Negras, de Pernambuco, por exemplo, têm o objetivo de ampliar a participação de mulheres negras no sistema nacional de Justiça. Hoje, após um início com cinco mulheres, já congrega quase uma centena de mulheres negras com atuação no Judiciário e lidera a mobilização nacional em defesa de mulheres negras no STF (Supremo Tribunal Federal). Esses espaços e cargos são, atualmente, ocupados por homens e mulheres brancos. 

Pesquisa feita pelo Conselho Nacional de Justiça em 2020 apontou a porcentagem de negros e negras nas diferentes esferas do Judiciário: entre os magistrados, a Justiça do Trabalho tem 15,9%; entre os servidores, a Justiça Eleitoral tem 34,7% e entre os estagiários, a Justiça Federal tem 59,4% de pessoas negras. 

Clara Marinho, graduada em administração e mestre em Desenvolvimento Econômico, é outra profissional apoiada pelo Programa Marielle Franco. Ela elaborou o projeto Construindo a Liderança na Administração Pública Federal, recentemente foi convidada a assumir o cargo de Coordenadora-Geral de Estudos e Acompanhamento de Temas Transversais e Investimentos Plurianuais no Ministério do Planejamento e Orçamento. Outra que se inspirou nos ventos deixados por Marielle foi a jornalista Jaqueline Fraga, autora do premiado livro-reportagem “Negra Sou”, que narra a ascensão da mulher negra no mercado de trabalho. O Instituto Marielle Franco foi criado por iniciativa da família da vereadora para manter acesa a chama de seu legado e ampliar o processo de valorização das vidas negras, femininas e periféricas e ainda funcionar como um espaço de educação transformadora onde também se oferece auxílio psicológico, legal, se promove arte e literatura, se realiza oficinas e outras ações voltadas para a herança de luta pelos direitos humanos deixada pela vereadora. Anielle Franco, irmã de Marielle e ministra da Igualdade Racial, Marinete da Silva, mãe de Marielle e Anielle, que é advogada popular, além de Luyara Santos, filha de Marielle, que é estudante de educação física, tiveram os projetos de ampliação de suas habilidades de liderança apoiados pelo Fundo Baobá. 

 A sociedade brasileira, e as mulheres em especial, está convicta do que quer, pode e deve fazer com o legado de Marielle Franco. Ela se foi, mas como herdeira de Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Elza Soares, Benedita da Silva, Esperança Garcia, Conceição Evaristo, Sueli Carneiro e tantas outras, plantou sementes que germinaram, florescem e dão frutos. Permanece ativa, por intermédio de ideias e causas que defendia. Suas certezas e ideais seguem vivos em mulheres, homens e pessoas não binárias que ela inspira. Marielle está e estará, sempre, PRESENTE! 

 

Artigo originalmente publicado no Nexo em 13/03/2023 

  • Fernanda Lopes é bióloga, mestre e doutora em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP). Co-coordenou o Programa de Combate ao Racismo Institucional, uma parceria entre o governo brasileiro, o governo britânico e a ONU Brasil. Por 11 anos compôs a equipe do Fundo de População das Nações Unidas, escritório Brasil. Desde 2019 lidera a área de programas e projetos do Fundo Baobá para Equidade Racial e foi a responsável pela elaboração da teoria da mudança que orienta a implementação do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. 
  • Giovanni Harvey é diretor-executivo do Fundo Baobá para a Equidade Racial e tem 30 anos de experiência como executivo na iniciativa privada, na administração pública e no terceiro setor. Foi presidente do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal Fluminense (1988 a 1989), empresário no setor de seguros e previdência privada (1994 a 2004), fundador da Incubadora Afro-Brasileira (2004) e consultor do Programa de Incubadoras do Ministério da Economia de Cabo Verde (2007). Exerceu funções estratégicas nos três níveis da administração pública nas áreas de direitos humanos, trabalho, ciência e tecnologia, assistência social, governança e igualdade racial. Foi secretário nacional de Políticas de Ações Afirmativas (2008 a 2009) e secretário-executivo (2013 a 2015) da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República. 

 

Trilhando caminhos de aprimoramento, transformação e igualdade com a Educação 

          Organizações apoiadas pelo edital Educação e Identidades Negras promovem ações para impulsionar a equidade racial na educação

         Por Wagner Prado

No início de dezembro de 2022, o Fundo Baobá para Equidade Racial divulgou a lista de organizações selecionadas para serem apoiadas pelo edital Educação e Identidades Negras: Políticas de Equidade Racial. A iniciativa, estabelecida em parceria com a Imaginable Futures e a Fundação Lemann, aportou R$ 2,5 milhões para incentivo financeiro a 12 organizações de oito estados brasileiros mais o Distrito Federal. O objetivo: enfrentar o racismo na educação, promovendo políticas, ações e programas que passem pelas esferas governamentais e não governamentais; valorizando as culturas e identidades negras e fazendo crescer o número de negres, negros e negras na educação formal e não formal. Cada uma das organizações está recebendo R$ 175 mil para o desenvolvimento de seus projetos, que terão 18 meses para serem implantados. 

Na busca pelo objetivo a ser alcançado, o que as organizações almejam é que ocorra o cumprimeto das Leis 10.639/2003  e 11.645/2008 (que tornam obrigatório o ensino da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira no currículo escolar); que a perspectiva racial seja introduzida dentro do sistema socioeducativo; que ocorra o incremento do número de mulheres negras em cursos de pós-graduação; que ocorra o incremento do número de pessoas negras na docência universitária; maior engajamento e fortalecimento de lideranças juvenis negras com a temática educacional; uso ampliado da tecnologia em territórios periféricos e comunidades tradicionais como forma de combate ao racismo.   

Abaixo, algumas das organizações selecionadas compartilham suas experiências sobre os benefícios que essa jornada de aprendizado, desafios e soluções tem trazido para elas.

Como ser contemplado com o aporte financeiro de R$175.000,00 potencializa a atuação da sua instituição?

Dario Junior (Afoxé Ómi Nile Oginja): Ser contemplados com esse valor é termos a oportunidade de realizar a nossa missão, dentro da visão de mundo de um coletivo negro, e isso nos dá tranquilidade. 

Dario Junior – Diretor presidente do Afoxé Ómi Nile Oginja

Quais são os investimentos que vocês pretendem fazer na organização e nas suas lideranças para fortalecer as capacidades institucionais? 

Igo Ribeiro (Anpsinep – Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadores): Os investimentos serão voltados para atividade presencial de imersão institucional, na qual serão realizadas avaliações de processos, revisão do planejamento estratégico e da teoria de mudança.  A imersão institucional nos dará pistas dos novos desafios a serem enfrentados.

Igo Ribeiro, Coordenador geral da Anpsinep

Vocês já haviam recebido recursos para este fim?

Irailda Leandro de Carvalho (Quilombolas do Mundo Novo): Não. Nunca conseguimos antes, apesar de termos tentado. Esta é a primeira vez que aprovamos um projeto em edital. As desigualdades entre os cidadãos brasileiros têm cara e cor. Em uma fileira nós lutamos por política pública que nos atenda com dignidade. Pois o Estado deveria colocar, igualitariamente, em seu guarda-chuva, educação, moradia, acesso à terra, assistência, saúde e trabalho para todos, como diz a Constituição dita “cidadã” de 1988. Como retrocedemos nesse processo de conquistas visivelmente, nesses últimos anos corremos atrás de todas as possibilidades que surgem,  para driblar o sistema e acessar esses recursos para investir no desenvolvimento das nossas comunidades.

Qual a importância de contar com esse tipo de apoio?

Nina Fola (Coletivo Atinuké): A importância é de ser incentivada e fazer com que a gente acredite ainda mais na nossa proposta. Quando a gente passa um edital desses, é uma malha fina. Tantas outras organizações, algumas muito experientes, e a gente é selecionado, a gente acredita que o nosso projeto faz sentido para outras pessoas. Então, é uma importância que nos fortalece de dentro para fora. 

Nina Fola – Coletivo Atinuke

Quais são as mudanças esperadas com a realização do projeto, nas pessoas, no território, nas comunidades onde vocês irão realizar as atividades?

Lizia Celso (Movimento Nação Marabixeira): Através do desenvolvimento das atividades espera-se que o Movimento Nação Marabaixeira consiga alcançar mais comunidades e pessoas, para que estas conheçam e se reconheçam na cultura do Marabaixo na prática, através da realização de palestras, no movimentar da dança, no aprendizado da musicalidade e do ritmo.

Como tem sido a experiência dos integrantes da coordenação com esta fase de preparação para o início do projeto?

Almerinda Cunha Oliveira (Mulheres Negras do Acre): as experiências estão sendo boas, mas muito trabalhosas. por mais que eu seja da educação, do fórum, do movimento negro e sindicalista, há muitos anos, estou com dificuldade de colocar as ideias na planilha, nas propostas, para que os que vão nos financiar entendam quais são nossas ideias. Foi dentro dessa assessoria e formação do Baobá que percebemos que nós precisamos contratar uma assessoria para elaboração do planejamento estratégico. Acho que essa formação do Baobá tem sido muito interessante e muito importante. Quando terminarmos esse projeto, seremos outras pessoas. 

Almerinda Cunha Oliveira, coordenadora geral da Associação Mulheres Negras do Acre

Programa Já É tem dia de celebração com o  encontro entre estudantes e mentores 

Mentoria foi exercida por colaboradores da MetLife, apoiadora do Fundo Baobá na iniciativa do programa

Por  Wagner Prado

Um dia de celebração. Essa foi a tônica do encontro que reuniu na tarde de segunda-feira (27/02) estudantes do Programa Já É com suas mentoras e  mentores. O Programa, que está em seu segundo ano de realização, é uma iniciativa do Fundo Baobá para Equidade Racial com apoio da MetLife Foundation. O Já É foi iniciado em 2021 com o suporte de outros parceiros. O trabalho de mentoria individual começou em setembro de 2022 e foi todo feito por colaboradores e colaboradoras da MetLife, que se voluntariaram para dar um direcionamento sócio-educacional aos estudantes. 

O objetivo é aumentar as chances dos estudantes do ensino médio afro-brasileiro de ter acesso ao ensino superior e conseguir melhores oportunidades de emprego. Essa proposta  integra a estratégia de sustentabilidade do Programa Já É para fornecer até 50 bolsas de estudo de um curso preparatório para o vestibular.vestibular..

O encontro na sede da MetLife Brasil, no Brooklin Novo (zona sudoeste de São Paulo), foi pautado por muita emoção. Jovens do Já É e seus mentores e mentoras não se conheciam pessoalmente. Os encontros entre eles aconteceram todos de forma virtual. Cada sessão tinha duração de 1 hora e poderia ser quinzenal ou mensal, dependendo do acordo estabelecido entre mentores e mentorados. As conversas foram pautadas por temas como: ingresso no mercado de trabalho, habilidades socioemocionais e de comportamento, carreira e projeto de vida. Isso fez com que a aproximação entre eles se fizesse grande. 

Estudantes do Já É reunidos com seus mentores no escritório da MetLife

Um dos muitos casos de grande empatia ocorreu entre o gerente de treinamento Marcelo Fares e a estudante Flavia Martins de Santana.  “Ela me trouxe experiência de vida, mesmo eu tendo 55 anos e ela bem menos. Quando a mentoria começa, a gente pensa que só vai ofertar. Mas é impossível entrar em uma sala de aula e não sair com um conhecimento novo”, afirmou Fares. O mentor fez questão de reiterar algo que já havia reforçado para a mentorada nos encontros: “Se ela tiver foco, vai voar longe. Algumas coisas do paralelo a gente tem que deixar de lado para colocar os sonhos em prática”, afirmou o mentor.

A estudante Thauany Aniceto de Souza, 27 anos, está cursando Enfermagem nas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Antes da chegada ao prédio da MetLife, sua expectativa era por conhecer seu mentor, Alvaro Lucas Gondim.  Thauany é mãe-solo de uma menina. Segundo ela, desde o início do contato, Alvaro mostrou-se compreensivo e entendedor das preocupações que a cercavam. “Sou preocupada com o meu futuro e com o da minha filha. Sei que o futuro dela será outro quando eu concluir um curso superior. Quero mostrar que é possível. Preciso estudar e trabalhar por mim e pela minha filha”, disse. Alvaro Gondim procurou definir a conexão entre ele e Thauany. “Ao certo, não sei dizer. Foi algo emotivo. Senti que eu precisava estar mais próximo dela. Eu não passei pelas mesmas coisas que ela passou e passa. mas consegui ouvir muito dela. Daí, passou a ser uma relação facilmente construída”, afirmou Gondim. 

Mentor Álvaro Gondim e sua mentorada, Thauany de Souza

Edna Alcântara, colaboradora da MetLife há 17 anos, fez sua primeira incursão na área de mentoria a partir da proposta apresentada pelo Fundo Baobá. Formada em Turismo, ela tem seu próprio histórico com relação à chegada ao curso superior. Somente após 10 anos da conclusão do Ensino Médio foi que ela decidiu cursar uma faculdade. “Minha família tinha poucos recursos e estudo. Eu sabia que não podia perpetuar aquilo. Fui fazer Turismo na Universidade de Santo Amaro (Unisa)”, afirmou.  Edna fez a mentoria de Karina Leal de Souza, aprovada em 2022 para o curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP). “Gostei dela por conta de ter ido buscar um curso superior dez anos após ter feito o Ensino Médio. Senti que tinha o que aprender com ela”, disse Karina. 

A gerente de Comunicação Interna e Responsabilidade Social da MetLife Brasil, Thais Catucci, fez questão de salientar que o futuro das e dos estudantes do Já É poderia estar ligado à empresa para além do Programa. “Nosso papel aqui é olhar para as oportunidades internas e ver se ocorre o fit (encaixe), colocando alguns desses estudantes para trabalhar com a gente”, disse. Dirigindo-se em específico aos colaboradores presentes e que faziam parte do departamento dos Recursos Humanos, Thais Catucci foi enfática: “Peço ao nosso setor de RH que fique atento!” 

Thais Catucci – Gerente de Comunicação Interna e Responsabilidade Social da MetLife Brasil

O dia foi tão especial que também celebrou duas novas conquistas. Com a divulgação das notas do Sistema de Seleção Unificada (SISU), os estudantes Isabella Alcantara, 19 anos, e Eduardo Souza comemoraram, respectivamente, suas entradas no curso de Psicologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Educação Física na Universidade de São Paulo (USP). A conquista de Isabella e Eduardo reafirma o que foi dito pela diretora de Programa do Fundo Baobá, Fernanda Lopes: “Cada vez que a gente se movimenta, a gente se transforma”. O Programa Já É é uma forma de promover o desenvolvimento, o movimento das pessoas e sua transformação. 

Baobá na Imprensa

Por Ingrid Ferreira

No mês de janeiro o site da Aliança Entre Fundos foi lançado, uma parceira  entre o Fundo Baobá para Equidade Racial, Fundo Casa Socioambiental e Fundo Brasil de Direitos Humanos, criada em 2021 como uma ação estratégica de trocas e diálogos entre os Fundos sobre as agendas por justiça social durante a pandemia da COVID-19.

O IDIS mencionou o Diretor Executivo, Giovanni Harvey, como um dos membros do painel “Metodologias e Redes para o Fortalecimento da Filantropia”, presente na “11ª edição do Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais”, que aconteceu em setembro de 2022.

Foi realizada menção ao Fundo Baobá na matéria “CEO da Mondelez e membro do Mover: Sem equidade racial, Brasil não crescerá na máxima potência” da Exame, em que o entrevistado Liel Miranda se refere ao Baobá como parceiro recente do Mover.

A  UNESCO lançou o “II Relatório sobre intolerância religiosa: Brasil, América Latina e Caribe”, em que o Baobá foi citado por apoiar um dos projetos que integraram o relatório.

Apoiadas do Fundo Baobá:

Confira os posts sobre oficinas realizadas no edital “Quilombolas em Defesa: Vidas, Direitos e Justiça”, no Instagram da @quilombosanto: “Agroecologia – Trocas e Construção de Saberes”, “Como ser Antiracista em Território Quilombola – A História” e “Masculinidade Positiva – Estrutura e Desafios”.

O site “Blogueiras Negras” que é apoiado pelo Fundo Baobá, fez a publicação de dois textos, sendo eles: “Praticando Afrofuturos: aqui e agora, com todes” e “O AFROPUNK NYC e suas questões”.

Na Coletiva Negras que Movem do Portal Geledés três textos foram publicados: “Brasil precisa se comprometer com representatividade no campo profissional” da autora Jaqueline Fraga; “Dissimular e ferir: verbos conjugados pela branquitude no cotidiano racista” da Josi Souza e “A democracia do discurso, imagens e símbolos que ainda faltam ser vistos no Diário Oficial – desafios postos aos gestores antirracistas” da Luciane Reis.

Experiência de Preta Ferreira com edital do Fundo Baobá a auxilia no processo de transição do atual governo

Por Ingrid Ferreira

“Essa história começa em 24 de junho de 2019, quando fui presa sem ter cometido crime algum. Num desdobramento injusto da investigação sobre o desabamento do Wilton Paes de Almeida, prédio no largo do Paissandu que então era ocupado pelo Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM) – do qual não fiz parte -, e a partir de uma carta anônima, fake news, enviada via correio ao Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), o Ministério Público me denunciou, junto com mais dezoito pessoas de variados movimentos por moradia” – Disponível no UOL.

O depoimento acima é da Janice Ferreira Silva, mais conhecida como Preta Ferreira, integrante do grupo de transição do atual governo e coordenadora do projeto “Minha Carne”, apoiado via edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça. Preta Ferreira escreveu a proposta enquanto estava privada de liberdade injustamente e na oportunidade do lançamento do edital do Fundo Baobá, em parceria com a empresa Google, ela o inscreveu.

Preta Ferreira

Nós da equipe do Fundo Baobá para Equidade Racial tivemos a oportunidade de conversar com Preta Ferreira a respeito do projeto selecionado, confira abaixo a entrevista:

Fundo Baobá para Equidade Racial:

Preta, pode contar um pouco mais sobre o projeto realizado em parceria com o Fundo Baobá e as atividades desenvolvidas ao longo dele?

Preta Ferreira:

O objetivo era a realização de um projeto que, enquanto estive presa em 2019, por lutar por moradia e direitos humanos junto ao MSTC (Movimento Sem Teto do Centro) fui detida. Diante disso hoje nós atuamos pela liberdade de pessoas privadas de liberdade e pelos familiares que aqui fora encontram-se, procurando enfatizar para as pessoas que através da educação de dentro dos presídios para fora e de fora para dentro, é possível ensinar sobre direito constitucional, sobre liberdade e como a sociedade leva pessoas pretas a pararem nas prisões por falta de oportunidade, além de inserir essas pessoas em sociedade através da moradia, o que para nós, é a principal porta de entrada para todos os direitos constitucionais. 

Com o decorrer do projeto houve a necessidade de expandirmos as ações para todo o Brasil, visitei presídios e escolas públicas de São Paulo, no Ceará, Bahia, interior de São Paulo e Fortaleza, onde eu sempre procurava levar o livro que escrevi enquanto estava presa injustamente e um caderno em branco para que essas pessoas pudessem escrever suas próprias narrativas, tanto que três mulheres já escreveram livros dentro da prisão; nós ainda não conseguimos terminar as visitas porque eu tive que entrar na pasta de transição do atual governo, mas seguimos com o foco do projeto. As ações também aconteceram com as famílias que são do MSTC e as famílias de pessoas privadas de liberdade que também pertencem ao movimento, procurando sempre dialogar para que elas adquirissem um entendimento do que é a prisão, e de como nossos corpos são aprisionados injustamente e como podemos fugir dessas armadilhas. O foco do projeto se expandiu, tanto que visitei Brasília, onde estive em abrigos para mulheres e crianças que sofreram violência doméstica e aqui em São Paulo comecei a frequentar a Fundação CASA (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente).

Livro: Minha Carne – Autora: Preta Ferreira – Editora: Boi Tempo

O Fundo Baobá me possibilitou fazer outras parcerias, em outros estados, com outras organizações para que eu pudesse fazer uma peneira de mulheres que saíram dos presídios para ir direto para empregos e moradias definitivas, muitos resultados foram obtidos do projeto que dialogam e fomentam o trabalho já existente no movimento social. 

Atualmente nós temos cinco ocupações no centro de São Paulo e houve recentemente a entrega de 121 casas aos familiares de pessoas privadas de liberdade. Ademais houve formação acadêmica de nível superior para advogades, em que esses profissionais atuam diretamente dentro do MSTC dando o retrofit para as famílias que nunca tiveram atendimento, tanto psicológico quanto atendimento jurídico, e hoje o MSTC tem essa capacidade de fornecer esse atendimento formal para as famílias que estão e que estavam precisando. Por essas razões apresentadas o MSTC acabou formando novas lideranças e novas pessoas do direito para atender essas famílias dentro do próprio movimento.

Fundo Baobá para Equidade Racial:

Os resultados alcançados pelo projeto atenderam às expectativas previstas inicialmente? Como esses resultados se relacionaram com as atividades já realizadas pelo movimento social?

Preta Ferreira:

Houve parcerias com outras ONGs que trabalham com pessoas privadas de liberdade. Essas outras parcerias também trouxeram essas pessoas para serem parte do movimento, e quando eu saí da prisão eu apadrinhei mais duas delas que moram hoje no MSTC, que trabalham e que já não devem mais nada pra justiça, além das famílias que já são atendidas pelo MSTC pela psicóloga, pela assistente social e pelo jurídico que foi formado e fomentado através do projeto financiado pelo Fundo Baobá. 

Através do Fundo Baobá tive a possibilidade de viajar para outros estados e entrar em outros presídios e nas escolas públicas, também consegui levar o meu livro “Minha Carne” já em uma prisão para que fosse o nosso material de trabalho inicial com o intuito de dialogar com essas famílias e com essas pessoas privadas de liberdade, o que possibilitou fazer com que essas mulheres e com que esses adolescentes e as famílias privadas de liberdade também se enxergassem enquanto cidadãos e saíssem do estado em que a sociedade as colocam, que é de pessoas ineficazes, sendo reinseridos em sociedade. 

O projeto com o apoio do Fundo Baobá nos fortaleceu muito porque nós tínhamos pessoas para fazer esse trabalho, a gente ainda tem, só que precisávamos remunerá-las para que tivessem condições de pagar alimentação, transporte, material e o MSTC não tinha de onde tirar o dinheiro e nem do livro “Minha Carne”, e a partir do projeto nos foi possível materializar e fomentar essas pessoas que já trabalhavam conosco. 

Fora as atividades já relatadas, também tivemos ações que aconteceram na Ocupação Nove de Julho, na Ocupação Rio Branco e em Brasília, realizamos atividades de leitura, arte, música, poesia e escrita dos livros. O projeto também me possibilitou estar com o Elas Existem no Acre, onde fomos em dois presídios no estado e fizemos palestra para as mulheres detidas. Ademais ocorreu a distribuição do livro em Salvador, o que nos possibilitou entrar nos presídios do estado e que pudéssemos fazer atividades recreativas com crianças e adolescentes e o que considero a atividade principal foi fazer com que essas mulheres escrevessem seus próprios diários, suas próprias narrativas. O mesmo foi feito no presídio de Araraquara e fiquei de voltar agora pra fazer a última palestra. A minha dinâmica se baseia em primeiro realizar a atividade, a entrega do livro seguido da minha palestra, depois de uma semana retorno ao lugar, sendo a escola ou presídio para ouvir aquelas pessoas e fazer a distribuição do material que é um caderno em branco e um lápis para que essas pessoas possam escrever seus próprios diários e assim sair do estado que lhe foi concebido.

Fundo Baobá para Equidade Racial:

Com a pandemia, muitas pessoas tiveram que se deslocar para as ruas por falta de condições de arcar com os custos de uma moradia. O projeto contribuiu de alguma forma para a causa do movimento nesse contexto?

Preta Ferreira:

No período da pandemia, nós criamos o projeto “Lute Como Quem Cuida”, que é na Ocupação Nove de Julho, onde saímos distribuindo refeições para pessoas em situação de vulnerabilidade social e conseguimos abrigar muitas pessoas. Nós fizemos uma nova ocupação para abrigar outras pessoas e o projeto continua até hoje. Na cozinha da ocupação Nove de Julho todo final de semana existe um almoço com um chef renomado. Então automaticamente a comida que qualquer pessoa que vai almoçar na ocupação, que é aberta ao público, é a mesma quentinha que é servida para as pessoas em situação de vulnerabilidade tanto nas ruas quanto nas periferias. 

No período da pandemia a gente se juntou com outros parceiros também para que pudéssemos fortalecer essas pessoas, além de realizarmos a distribuição de kits de material de higiene, tais como máscaras e luvas. Nós também contratamos pessoas que costuraram máscaras, as quais adicionamos ao kit. O nosso kit continha itens de proteção e álcool em gel, e era distribuído com a quentinha. Além disso, também criamos o projeto chamado “Riqueza Menstrual”, pois quando o Ex-Presidente da República fez o veto tirando a obrigatoriedade de que mulheres presas e em outras situações tivessem acesso a absorvente, o Fundo Baobá nos possibilitou também fomentar a compra de absorventes para que pudéssemos distribuir nas prisões enquanto eu fazia as visitas.

Fundo Baobá para Equidade Racial:

As atividades iniciadas durante a implementação do projeto continuam sendo realizadas atualmente?

Preta Ferreira:

Sim, atualmente há continuidade das atividades realizadas, até porque essas pessoas ainda moram em nossas ocupações, ainda moram em nossos projetos, ainda precisam de toda assistência social, jurídica e psicológica. As atividades continuam e o projeto “Minha Carne” e MSTC tomou uma proporção muito maior do que imaginamos, inclusive eu vou continuar entrando nos presídios que eu já tinha ido visitar e agora eu vou precisar retornar para fazer a segunda etapa desse projeto que continua com o mesmo propósito de libertação, de ser abolicionistas penais, além de dar suporte a essas famílias.

Fundo Baobá para Equidade Racial:

Há alguma coisa que você gostaria de complementar que não foi perguntada?

Preta Ferreira:

Uma coisa que não foi perguntada, mas que eu gostaria de falar foi que eu tive que dar uma pausa nas visitas aos presídios, aos abrigos, as escolas e às Fundações CASA (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente), pois eu entrei na pasta de transição do governo Lula (2023), na pasta de igualdade racial onde eu trabalhei o tema prisional sendo que essa questão que eu pude trabalhar não foi somente com a minha prisão mas devido a todas as visitas que eu fiz as escolas públicas, aos abrigos e aos presídios, o que me possibilitou ter um novo olhar, enxergar com outras diferenças as coisas que precisava, e que eu pude sugerir para ser inserido nos ministérios, para ser exercida agora nessa política pública pela qual nós tanto brigamos.

Os depoimentos que Preta Ferreira apresenta sobre a parceria com o edital são de fato admiráveis, e ela finaliza a entrevista contando como uma pessoa foi beneficiada indiretamente pelo edital: “Através do projeto liberdades pretas eu fiz a curadoria da São Paulo Fashion Week com Naya Violeta, e nós colocamos a proposta de desfilar politicamente na passarela corpos que dizem respeito a sociedade, pensando nisso, eu coloquei o Nego Bala, que é um artista que veio da boca do lixo da Cracolândia, e que foi através do Projeto Liberdades Pretas que ele teve a possibilidade de desfilar nas passarelas da São Paulo Fashion Week, mas retratando tudo que ele vive como um corpo negro que já foi preso injustamente, o corpo de um jovem preto da Cracolândia que teve a mãe assassinada pelo crack pela falta de políticas públicas; e ele trouxe como pauta para as passarelas a situação da Cracolândia e para situação da super lotação dos presídios, além da questão de drogadição”.

Transformando vidas: Como o Fundo Baobá empodera a comunidade negra com oportunidades

Por Ingrid Ferreira

Mais que um fundo para promoção da equidade racial, o Fundo Baobá é uma alavanca para a realização de sonhos. Parafraseando Viola Davis: “O  que separa uma pessoa negra do resto da sociedade é a oportunidade”.

Uma das formas mais antigas de sustento para a nossa comunidade é através da alimentação, tanto que para as pessoas negras que empreendem, o ramo alimentício está entre as 10 áreas de maior presença no mercado. O setor de alimentação, no Brasil, é composto, prioritariamente por empreendedores informais, microempreendedores individuais (MEI) e microempreendedores (ME) sendo pequena a proporção de empresas de pequeno porte (EPP). Consciente disso, em 2022, o Fundo Baobá para Equidade Racial, em parceria com a General Mills lançou o edital Negros, Negócios e Alimentação – Recife e Região Metropolitana.

O edital se apresentou como uma oportunidade para fortalecer as estratégias de resiliência colocadas em prática por empreendedores(as) negros(as), contribuindo na recuperação e aceleração de seus negócios e na ampliação de suas capacidades de planejar e fazer gestão, mantendo a saúde financeira, divulgando e estabelecendo uma infraestrutura mínima para sustentabilidade do seu negócio; ampliando, inovando e qualificando a rede de fornecedores.

O edital que apoiou 14 empreendedores(as) de Recife e Região Metropolitana teve o último encontro da jornada formativa realizado no dia 1º de fevereiro de 2023, contando com a presença das(os) donatárias(os), da equipe do Fundo Baobá, representantes das empresas apoiadoras, da equipe responsável pela formação  e mentoras(es) do projeto.

O encontro foi emocionante e contou com relatos surpreendentes. O edital não apenas apoiou individualmente cada negócio, mas também incentivou a criação de uma rede de apoio entre as pessoas participantes. Dona Maria da Paixão de Brito, proprietária da Capibaribe Doces e Salgados, empreendedora há décadas, que durante as atividades formativas se mostrou uma exímia aprendiz e, ao mesmo tempo, mestra, falou sobre a importância da iniciativa: “Vocês me ajudaram muito, porque eu não tenho conhecimento de estudo, mas tenho da minha vida, e as amizades que fizemos aqui tem sido um grande apoio para mim, e todas as minhas conquistas ao longo desse caminho me faz chorar de felicidade”.

Igualmente emocionada, Isamara Costa Cruz – Acarajé da Tia Joana, também se emocionou ao falar sobre como o edital modificou a visão de seu negócio: “Antes de ser contemplada pelo edital, eu iniciei o trabalho com a minha mãe, mas nós não tínhamos a percepção que nós temos hoje, e eu só consegui acreditar, de verdade, quando a gente teve o primeiro encontro, que nos ajudou a mudar radicalmente, principalmente na questão do financeiro, porque eu nunca tinha visto o negócio da minha mãe como um potencial negócio formal e a partir do edital, até ela mudou a visão, conseguindo entender que, por menor que seja o negócio dela, é uma empresa”.

Outra empreendedora que relatou as mudanças em sua percepção de seu campo de ação e o impacto social de seu projeto foi  Angélica Nobre de Lima Silva – Angu Culinária Sustentável e Afetiva: “Quando vocês vieram fazer a visita, eu queria que provassem minha comida, pois eu tinha uma insegurança muito grande a respeito do que eu faço. Faço comida com a parte do alimento que é descartada, reaproveitamento total do alimento, e quando eu fui estudar mais a partir dos encontros que nós tivemos pelo edital, eu descobri que meu projeto fala de insegurança alimentar, de combate a fome, e quem passa fome no Brasil são os negros que estão nas favelas e comunidades, que são os mais atingidos e a gente acaba se alimentando mal, o que faz com que a nossa rede de cultura aumente e é na favela que eu quis aplicar o meu projeto, através desse entendimento”.

Segundo o site Senado: “Em 2022, o Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil apontou que 33,1 milhões de pessoas não têm garantido o que comer — o que representa 14 milhões de novos brasileiros em situação de fome”. O que reforça a importância de projetos como o da Angélica.

O edital não só ofereceu apoio financeiro e formação empreendedora, mas também se preocupou com a saúde mental e o enfrentamento aos efeitos psicossociais do racismo. Para Aleff Souza do Nascimento, proprietário do empreendimento Delícias do Alleff, a ajuda da psicóloga foi essencial e uma verdadeira virada de chave para o seu negócio: “Eu me sinto grato por todo o processo, eu achava que não seria selecionado, mas eu vejo o quanto as coisas mudaram do começo até aqui, e a questão de ter o apoio da psicóloga foi algo muito importante, uma coisa que muitas vezes nós não damos muita importância, mas foi essencial, e pra mim desde a seleção do edital, foi como uma virada de chave e tudo mudou no meu negócio”.

Um dos comentários mais frequentes  entre as(os) donatárias(os) foi a respeito de como o apoio financeiro, às formações e as orientações que receberam ao longo do processo do edital, fizeram a diferença para que seus projetos alcançassem uma certa formalidade. Houve também quem destacou a  possibilidade de ter uma cozinha exclusiva montada, permitindo a separar a vida profissional da pessoal.

A fala do João Souza da Futuro inclusivos permite avaliar como diante dos comentários das pessoas donátarias esse processo foi minuncioso desde o início do seu desdobramento: “Quando nós começamos a conversar sobre como seria essa parceria do projeto, nós procuramos desenhar um projeto de letramento cuidadoso, procurando trabalhar isso de uma forma humanizada, e é muito importante saber que essa parceria que nós fizemos tem entregado o esperado, pensando o empreender negro no Brasil”.

O Diretor Executivo do Fundo Baobá, Giovanni Harvey, ressaltou a importância de o Fundo ter como pauta procurar dar oportunidade a novos(as) donatários(as): “A coisa que mais me orgulho é saber que muitas das pessoas que estão aqui, achavam que não seriam aprovadas, e a maioria participa de um edital do Fundo pela primeira vez, como ocorreu nos outros editais, o Fundo Baobá está sempre procurando contemplar novas organizações e negócios, dessa forma é possível impactar um número muito maior de donatárias(os)”.

A Vitória Lima, analista de relações externas júnior da General Mills, mencionou como a empresa já se relaciona com os pontos apresentados no edital em sua cultura: “Nós na General Mills temos muita consciência do nosso papel enquanto agente transformador aqui no Brasil, e por essa razão que nós temos grande consciência do nosso compromisso com a pauta da equidade Racial. Nos Estados Unidos nós temos metas para a equidade Racial, por essa razão estamos comprometidos a reduzir a desigualdade alimentar e educacional”.

O edital contou com 20 ações temáticas de formação e 35 horas de mentoria individual pelos empreendedores. No início do programa, 7% dos empresários declararam conhecer o ticket médio de seu negócio (razão entre o valor monetário das vendas totais da empresa pelo número de vendas), ao final, 70% declararam ter conhecimento desse valor. No início apenas 14% das pessoas participantes declararam separar recursos financeiros pessoais dos profissionais, no final esse número era de 31%. No início apenas 29% das(os) participantes consideravam essencial estabelecer parcerias, no fim eram 46%. No início 14% reconhecia seus concorrentes, no final eram 62%. E o processo de ampliação das capacidades segue em curso.

Edital Educação em Tecnologia: Resultado da primeira fase é divulgado

O Fundo Baobá divulga a lista de organizações e empresas selecionadas para a Primeira Etapa do edital Educação em Tecnologia hoje (27/02). A previsão da lista da Segunda Etapa para o dia 05 de abril. Entre as 45 propostas que nos alcançaram, 17 foram validadas e seguem para a etapa 2 do processo seletivo. O objetivo do edital é apoiar organizações e empresas negras que atuam no desenvolvimento ou  ampliação das capacidades técnicas das pessoas negras na área de tecnologia. O MOVER – Movimento pela Equidade Racial é o parceiro do Fundo Baobá nessa iniciativa, investindo o valor de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais)  que serão  destinados a apoiar até 16 iniciativas negras de educação em tecnologia.

Os projetos selecionados receberão um aporte financeiro que pode variar de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), além de assessoria e suporte técnico para o desenvolvimento e fortalecimento institucional. Para conferir a lista do resultado da primeira etapa do edital clique aqui, no site do Fundo Baobá para Equidade Racial é possível conferir mais informações sobre o edital e suas fases. 

Estão sendo valorizadas as propostas que venham de organizações e empresas das regiões Nordeste e Norte, e que tenham como foco jovens negres periféricos, pessoas com 40 anos ou mais, população LGBTQIAP+, pessoas com deficiência, jovens em cumprimento de medida socioeducativa, pessoas egressas do sistema prisional, migrantes e refugiados africanos ou afrodescendentes, população quilombola, ribeirinha ou outras comunidades tradicionais.

Sobre o Fundo Baobá:

O Fundo Baobá para Equidade Racial é o primeiro e único fundo patrimonial dedicado, de forma exclusiva, à promoção da equidade racial para a população negra no Brasil. Criado em 2011, o Baobá é uma organização sem fins lucrativos cujo objetivo é  mobilizar pessoas e recursos, no Brasil e no exterior, para apoiar projetos e iniciativas negras para o enfrentamento ao racismo e a promoção da equidade racial. 

Sobre o Mover:

Com o objetivo de extinguir a desigualdade e o racismo no mercado de trabalho, um grupo de empresas com atuação em vários setores da economia juntou-se para criar ações de promoção da diversidade, da equidade e da inclusão. Esse foi o início do Mover (Movimento pela Equidade Racial), que atualmente agrupa 47 empresas que proporcionam postos de trabalho para 1,3 milhão de pessoas. 

Quilombolas da região do Baixo Tocantins no Pará, criam estratégias coletivas para a promoção da saúde mental

Por Tayna Silva¹ e Tamara Mesquita²

 

É no aquilombamento que as comunidades compartilham práticas de autocuidado. Não há dúvidas que os saberes tradicionais, a cultura e a arte são ferramentas de transformação dentro dessas comunidades. O samba de cacete, por exemplo, é uma das maiores riquezas dentro do território. E é nesse movimento de resistência que as doze comunidades localizadas na região do Baixo Tocantins, no Pará, se movimentam na busca de soluções para melhoria da qualidade de vida.

Contrariando a produção de injustiças que promovem condições desiguais de adoecimento, cuidado, tratamento, recuperação e morte, as comunidades estão pensando soluções coletivas, entendendo as desigualdades e complexidades que atravessam seus corpos e territórios. Como bem ilustra Sandra Martins, parteira e quilombola ribeirinha da comunidade de Pampelônia e uma das representantes da ARQIB – Associação dos Quilombolas de Igarapé Preto à Baixinha: “Nós precisamos combater esse racismo que nunca vai acabar, mas se cada um de nós fizer diferença e assumir quem nós somos, nós vamos humanizar”. 

O racismo que desumaniza e desvaloriza as pessoas por sua origem, cultura e pela cor da pele, naturaliza a violação de direitos, por isso deve ser combatido em ações de promoção à saúde integral (física, mental e espiritual) para a população quilombola, população negra em geral e outras populações tradicionais.

A ausência de uma equipe completa de saúde da família é recorrente dentro das comunidades, que são atravessadas por especificidades de práticas de saúde que desconsideram os saberes comunitários e ancestrais como esse mecanismo de autocuidado entre as pessoas; a participação ativa de seus representantes; o estabelecimento de metas de melhoria e monitoramento dos indicadores de saúde, além de desconsiderar a cultura popular, tecnologias de existência, conflitos agrários e o cotidiano de cada comunidade. Não reconhecer ou valorizar estes elementos singulares, dificilmente a equidade em saúde será alcançada.  Segundo a Organização Panamericana de Saúde (OPAS), a equidade é apontada como o “princípio básico para o desenvolvimento humano e a justiça social” (Viana e col. 2001, p. 16).

Isso nos faz pensar que pautar equidade é ressaltar que o racismo atravessa diretamente as incompletudes da equipe, o que causa consequências danosas à saúde mental tanto dos usuários, quanto dos próprios profissionais da saúde. O racismo que atinge a vida de lideranças e afeta as práticas tradicionais, fazendo com que  desapareçam ou sejam totalmente esquecidas pelas equipes de saúde;  dificulta o amadurecimento das ações, programas, estratégias e das  políticas públicas governamentais de promoção e atenção à saúde das populações tradicionais, em especial  a quilombola

Para Claudelene Rocha, mulher empreendedora, liderança quilombola e uma das coordenadoras da ARQIB, é indispensável valorizar as  práticas ancestrais de cuidado em saúde mesmo após o atendimento médico especializado. Ela conta sobre sua preocupação com o desaparecimento destas práticas, “antes nossos antepassados só sobreviviam através de remédios caseiros e a gente sempre fala que estamos perdendo esses antigos, esses senhores e senhoras, que sabem que no tempo delas […] viviam só de remédios caseiros, só de remédios do mato”. As ferramentas de apagamento da história também são uma das facetas do racismo estrutural e que deve ser combatida dentro de um projeto político, ético e eficaz. 

Dessa forma, considerar equidade como pilar principal para o bem-viver, é reforçar que não há justiça social sem direitos econômicos, sociais, culturais, ambientais e políticos, cuja garantia é responsabilidade do Estado e dos agentes que atuam em diversos setores das políticas públicas, na esfera federal, estadual ou municipal, incluindo o setor da saúde.  

Evidenciar as ausências do Estado enquanto responsável, a partir sobretudo,  do SUS – Sistema Único de Saúde, da garantia do direito fundamental à saúde e bem estar dos indivíduos e dos coletivos, é lançar olhos para a equipe de profissionais que também adoecem nesse sistema que negligencia a realidade quilombola. Como nos conta Joisiane Santo, Agente Comunitária de Saúde – ACS e liderança da comunidade do Trevo da Pampelônia afirma: “eu quero muito que seja visto com muito cuidado a respeito da saúde mental, porque são coisas que vão além. Vai desde a falta de dinheiro para comprar comida. E o que acaba com o psicológico da pessoa, é a falta de poder ajudar alguém. Impossibilitada, às vezes eu me sinto assim, então são vários fatores.”

Assim, a ARQIB,  junto com a Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará – Malungu-PA, o Fundo Baobá Para Equidade Racial e uma equipe multiprofissional das áreas da saúde e comunicação, integram este projeto “Saúde Mental Quilombola: Direito, Resistência e Resiliência”, no intuito de impactar diretamente na vida de cada pessoa e junto da comunidade garantir o acesso à saúde, isso será feito através da permanência e da importância das tecnologias ancestrais de existência e reiterando a necessidade do setor da saúde em reconhecer o valor destes saberes e práticas para promover o bem viver das comunidades. 

 

¹ Tayna Silva é comunicadora social e colaboradora da Negritar Filmes e Produções.
² Tamara Mesquita é Jornalista, produtora audiovisual, educadora e comunicadora popular. Hoje integra a equipe da Negritar Filmes e Produções, na função de coordenadora de produção.
Negritar Filmes e Produções é uma produtora de impacto social, composta por pessoas negras.

Primeiro ícone negro da imprensa brasileira, morre no Rio a jornalista Glória Maria

A jornalista Glória Maria, primeira repórter negra a ser conhecida e reconhecida nacionalmente no Brasil, morreu na manhã desta quinta-feira, 2 de fevereiro, no Rio de Janeiro. Glória estava internada desde o início deste ano para tratamento de complicações de um câncer de pulmão que atingiu o seu cérebro.

Glória Maria Matta da Silva era carioca de Vila Isabel e morou também no Méier. Filha de um alfaiate (Cosme Braga da Silva) e uma dona de casa (Edna Alves Matta), trabalhou como telefonista na Empresa Brasileira de Telecomunicação (Embratel) enquanto concluía seus estudos de Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio).

A jornalista iniciou sua carreira no Grupo Globo na função de radioescuta no ínício dos anos 1970. A radioescuta é uma função inicial básica da carreira. Como radioescuta, o profissional sintoniza, principalmente, as faixas utilizadas pela polícia para saber em primeira mão o que está ocorrendo e alertar a redação. Sua primeira grande reportagem ocorreu na queda do Elevado Paulo de Frontin, em 20 de novembro de 1971, há 51 anos. Com isso, ela se tornava a primeira repórter negra a aparecer no Jornal Nacional.

A partir daí, Glória passou a ser repórter obrigatória na cobertura dos principais fatos do cotidiano, da cultura, do esporte e da política do Brasil. Entrevistou inúmeras personalidades dos mais variados segmentos. Fez reportagens em visita a mais de 100 países. Tornou-se, também, uma personalidade nacional.

A menina negra, torcedora do Botafogo, que teve sua formação em escolas públicas, queria apenas ser jornalista e não tangibilizava a notoriedade que isso poderia trazer e que ela refutava. Enfrentou o racismo sempre de frente. Em 1981, por ser negra, foi impedida de entrar em um hotel em sua própria cidade. Não teve dúvidas. O ato racista virou matéria que foi para o ar no Jornal Nacional.

Em recente entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, ela foi questionada sobre mazelas que o racismo poderia ter causado nela. Glória respondeu: “Hoje, isso não dói. Nessa altura da vida, não posso sentir dor por conta do racismo quer está no outro. Ele que se corroa com seu racismo”.

Glória deixa as filhas Laura e Maria.