“É nós por nós”: 25 anos de Conaq e de luta pela sobrevivência quilombola

No dia 12 de maio, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) celebrou 25 anos de existência. No dia 14 de maio, durante a live Diálogo Intergeracional: avanços e retrocessos na luta pela terra e território, que celebrou as duas décadas e meia de histórias e lutas da Coordenação quilombola, a educadora, mestra em Políticas Públicas e Gestão da Educação, doutoranda em sociologia e coordenadora executiva da Conaq, Givânia Maria da Silva, fez questão de parabenizar o movimento: “Salve a Conaq! Viva a todos que vieram antes, viva os que estão e os que virão. A Conaq somos todos nós. Não é de um grupo, não é de uma comunidade, é do povo brasileiro, é um patrimônio do povo negro e de todos nós”. 

Live comemorativa de 25 anos da Conaq

Muito antes de ser oficializada em 1996, a trajetória da Conaq iniciou na década de 1970, mais precisamente no estado do Maranhão, conforme relembra a tecnóloga em gestão ambiental, educadora popular e coordenadora executiva da Conaq no Maranhão, Célia Pinto: “Maranhão foi o estado pioneiro na identificação das comunidades quilombolas no país, através do Centro de Cultura Negra (CCN), que fazia um levantamento da população negra rural”. Segundo Célia, esse levantamento acabou gerando um projeto chamado “Vida de Negro”, que existe até hoje, e na época foi o responsável pelo mapeamento das comunidades negras rurais do Maranhão.

Como resultado desse mapeamento ocorreu, no ano de 1986, o 1º Encontro de Comunidades Negras Rurais: Quilombos e Terras de Preto no Maranhão. Célia Pinto faz questão de lembrar que o encontro aconteceu dois anos antes da Constituição Brasileira ser promulgada e muitas das reivindicações apresentadas pela população quilombola no encontro ajudaram a pautar medidas e decretos de proteção. “Naquela época já se começava a se pensar em políticas para essa população.”

Célia Pinto, tecnóloga em gestão ambiental, educadora popular e coordenadora executiva da Conaq no Maranhão

O Maranhão realizou mais quatro encontros estaduais de quilombolas incluindo resultados do mapeamento de comunidades negras rurais que ocorriam em outras regiões do país, com a apoio de outras instituições e movimentos, como o Movimento Negro Unificado (MNU). Até aquele momento 412 comunidades quilombolas eram conhecidas. O exercício de mapeamento e reconhecimento culminou no 1º Encontro Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, realizado em Brasília, no ano de 1995. Durante o evento foi criada a “Comissão Nacional Provisória das Comunidades Rurais Negras Quilombolas”.

Cartaz do “1º Encontro Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas”, em Brasília em 1995

No ano seguinte, 1996, aconteceu o segundo encontro nacional, dessa vez na cidade de Bom Jesus da Lapa, na Bahia, e foi justamente lá que a Comissão Nacional Provisória deu lugar à Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, a Conaq. “Como diz Socorro Guterres, a Conaq nasceu em Bom Jesus da Lapa, mas ela foi gestada no Maranhão”, em complemento, Célia Pinto brinca “e eu tive o privilégio de participar dessa gestação desde o início”.

Atualmente, a Conaq está presente em 24 estados e, a partir do processo de identificação e visibilidade das comunidades quilombolas, articula um universo com mais de 3.500 comunidades, em todas as regiões do país. 

Se Célia Pinto teve o privilégio de participar da gestação da Conaq, até chegar a coordenação executiva da mesma em 2011, ela também esteve presente nas principais conquistas da coordenação para a população quilombola brasileira, como a sanção do decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. 

Quinze anos depois desta importante conquista coletiva, a Conaq se viu lutando contra o Supremo Tribunal Federal (STF) para manter a constitucionalidade deste decreto: “Foi um processo muito difícil pra gente, muito doloroso. Nós fizemos várias idas a Brasília, várias mobilizações, várias caravanas e quando chegávamos lá, na hora, a votação era suspensa”, relembra Célia. Finalmente, no dia 8 de fevereiro de 2018, o STF decidiu que o decreto era constitucional: “Não foi por unanimidade não! Porque ainda teve dois votos imparciais e um voto contrário, mas no final das contas nós conseguimos que o STF votasse como constitucional”, lembra Célia.

Para a coordenadora executiva, além da importância de manter as demarcações e o reconhecimento das terras quilombolas, a mobilização da Conaq por essa causa gerou uma grande visibilidade para o movimento: “Nós tivemos parcerias de várias organizações, tanto políticas como jurídicas e também de comunicação. Nós elaboramos campanhas e tivemos o apoio de vários artistas”. A campanha citada por Célia é a mobilização “O Brasil é Quilombola! Nenhum Quilombo a Menos!”, que contou com o apoio e a participação de atores globais como Ícaro Silva, Sérgio Malheiros, Letícia Colin e Sophia Abrahão, além de lideranças ativistas como a professora Vilma Reis, a coordenadora geral da ONG Criola, Lúcia Xavier e a jornalista e apresentadora Maria Paula de Andrade, entre outros: “Até então, a gente vinha fazendo essas lutas, vinha fazendo esses enfrentamentos, mas muito ainda na invisibilidade. Essa questão da votação fez com que a gente também pudesse ter essa visibilidade mais pra fora, até internacionalmente. Isso pra mim foi um marco muito importante”.

A Conaq e a Covid-19

Ao longo dos 25 anos de atuação a Conaq sempre teve que lidar com questões envolvendo a política de demarcação e reconhecimento de terras quilombolas; racismo ambiental mas,  no ano de 2020, a população quilombola teve que enfrentar um novo e imenso desafio, a pandemia do novo coronavírus. Segundo dados apresentados pela própria Conaq, em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), com base no monitoramento das secretarias estaduais de saúde do país, até o dia 6 de maio deste ano foram confirmados 5.345 casos de Covid 19, em 21 estados e um total de 272 óbitos em 19 estados, sendo o Pará o recordista com 80 mortes, seguidos por Rio de Janeiro (42) e Amapá (35). Para Célia, os números ainda não representam a totalidade: “Para gerar esse boletim, nós solicitamos o apoio das lideranças. Eles pegam os boletins com as secretarias municipais, mas, infelizmente, não são todos os municípios que fazem isso. Tem estados que a gente tem mais facilidade, tem estado que a gente tem mais dificuldade, inclusive de reconhecer a população quilombola como sujeito de direito. Portanto, sabemos que mesmo esses dados que a gente tem dentro da nossa plataforma, são dados que, na verdade, não são reais. Infelizmente há muitos mais mortos”, lamenta.

Aliás, foi conquista da Conaq incluir a população quilombola como grupo prioritário no plano nacional de vacinação, através da Arguição de Descumprimento de Direito Fundamental (ADPF) 742/2020, votada e aprovada pelo STF. Até o momento, apenas 9,4% da população brasileira foi vacinada contra a Covid-19 e isso, obviamente, reverbera nas comunidades quilombolas: “Do total de vacinas que estavam destinadas para a população quilombola no Maranhão, veio apenas 63%. Portanto, o número de vacinas disponibilizadas não condiz com a realidade. Ainda mais considerando que os dados que o governo possui, a respeito das comunidades quilombolas, são de 2010, são 11 anos de defasagem”, frisa Célia, que ainda revela outra triste constatação em relação à vacinação da população quilombola no estado do Maranhão: “Aqui estima que temos em torno de 1.500 comunidades quilombolas espalhadas em 117 municípios. Porém, apenas 90 municípios chegaram a receber doses de vacinas, e destes, três informaram que não têm população quilombola, mas mesmo assim receberam vacinas para vacinar quilombolas”.

Equipe da Conaq em Brasília para a “Arguição de Descumprimento de Direito Fundamental (ADPF) 742/2020”, que incluiu a população quilombola como preferencial no plano nacional de vacinação contra à Covid-19 | Foto: Walisson Braga

Diante de todos esses entraves, Célia Pinto revela de onde vem a força da Conaq para lutar cada vez mais pelas comunidades quilombolas no país: “Como costumamos dizer por aqui, somos sempre nós por nós! É um cuidando do outro, buscando os nossos saberes ancestrais, buscando essas nossas energias vitais e cronológicas. É através disso que a gente tem vencido esses desafios”. 

Em 25 anos de atividade, apesar de muitos desafios, houve muitas conquistas: a titulação de territórios quilombolas através do Artigo 68 da Constituição; o programa de Educação Escolar Quilombola; o Programa Nacional de Habitação Rural, que viabiliza a construção ou a reforma de unidades habitacionais rurais, por meio de parcerias com as Entidades Organizadoras (EO), destinadas às famílias enquadráveis no âmbito, entre elas quilombolas e indígenas; o Programa Brasil Quilombola, que compreende um conjunto de ações voltadas para a melhoria das condições de vida e ampliação do acesso a bens e serviços públicos da população quilombola, entre muitas outras que tiveram as mãos da Conaq e de muitos parceiros. 

Como Givânia fez questão de frisar na live de aniversário: “A Conaq não nasceu sozinha, a Conaq não é uma ilha, não é uma organização isolada, ela tem e bebeu na ancestralidade e essa ancestralidade não é quilombola, ela é negra”. Célia Pinto, que  compartilha o mesmo pensamento, completa:  “A Conaq nunca fez isso sozinha, ela sempre contou com grandes parceiros que até hoje estão conosco. Nesses 25 anos de luta e de resistência, tivemos muitos braços e muitas pernas construindo junto conosco. Falar da Conaq é falar que todo quilombola é Conaq. Onde estiver um quilombola, uma quilombola, lutando por garantia de direitos, lutando pela garantia da vida, é um Conaquiano. A Conaq somos todos nós”.

Racismo ambiental: saiba o que é e enxergue como ele vem acontecendo

Neste 5 de junho (sábado), o mundo vai comemorar o Dia Mundial do Meio Ambiente. Um dia pela conscientização de toda a população para preservação,  conservação e recuperação das fontes naturais sustentáveis. 

O mundo tem estado atento mas, embora a tônica seja “não deixar ninguém para trás”, há sempre aquelas e aqueles que ficam à margem, vítimas da degradação das fontes de recursos naturais.

Para o ativista afro-americano de direitos civis Benjamin Franklin Chavis Junior, isso constitui o Racismo Ambiental, termo criado por ele  no início dos anos 1980 e que define a desigualdade com que as etnias vulnerabilizadas estão sendo expostas, cotidianamente, aos fenômenos ambientais nocivos ao bem-estar humano. 

Chavis Junior criou a expressão Racismo Ambiental a partir da constatação de que parte da população negra nos EUA estava sendo levada a viver em localidades degradadas de várias formas. Ele define Racismo Ambiental como “a discriminação racial no direcionamento deliberado de comunidades étnicas e minoritárias para exposição a locais e instalações de resíduos tóxicos e perigosos, juntamente com a exclusão sistemática de minorias na formulação, aplicação e remediação de políticas ambientais”. 

No Brasil, 51,9% da população não tem acesso ao saneamento básico. Segundo pesquisa do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), realizada em 2016, 51,6% da população sem acesso ao saneamento básico  é pobre, sendo a maioria negra.  

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou em maio de 2020 que o Brasil tem mais de 5,1 milhões de domicílios localizados em favelas, comunidades, palafitas, grotas ou vilas, baixadas ou mocambos (aglomerados subnormais). Estes territórios totalizam 13.151 e estão presentes em 734 municípios do país. Qualquer que seja a denominação há um traço comum: gente vivendo na linha da pobreza ou compondo  os estratos recém nomeados  desamparados. Gente que, pela ausência de políticas públicas de habitação,  planejamento urbano, meio ambiente e políticas sociais em geral, é levada a viver e sobreviver com os piores resultados de um ambiente degradado, ou seja, a coexistir com o pior.

Não há como não associar justiça climática a direitos humanos e justiça social. Já há mais de 500 anos os povos da diáspora negra têm sofrido os impactos negativos do que se denomina desenvolvimento. Em nome desse desenvolvimento é que são promovidas queimadas, desmatamentos e desmantelamentos que vêm despejando opressão sobre o povo preto, indígena e quilombola. 

Presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, Giovanni Harvey analisa a importância do edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça, lançado no início de maio

No dia 5 de maio, o Fundo Baobá lançou mais um importante edital. Com o financiamento da Google.org, o edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça vai apoiar entidades negras atuantes no enfrentamento do racismo, violência racial e incorreções que acontecem dentro do sistema de justiça criminal no Brasil. Uma grande iniciativa dentro de um país que fechou 2020 com a marca de 43.892 mortes, segundo o NEV-USP (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 

Concomitantemente ao lançamento do edital, o dia 6 de maio acabou entrando para a história brasileira como o dia da maior chacina ocorrida na cidade do Rio de Janeiro desde o século passado. Após a invasão do Morro do Jacarezinho por agentes policiais, 28 pessoas foram mortas. Um policial também morreu: André Leonardo Frias, 48 anos.  A motivação alegada pela polícia para a invasão do morro seria a repressão ao aliciamento de crianças e adolescentes pelo tráfico de drogas. 

O Superior Tribunal  Federal (STF), porém, determinou em  junho de 2020 que operações policiais em comunidades não deveriam ocorrer durante o período de pandemia. Situação que seria alterada apenas em casos excepcionais, o que não seria o caso do Jacarezinho. 

O presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, Giovanni Harvey, comenta: “O edital mantém uma linha de coerência com a trajetória do Fundo Baobá. Este edital resgata parte dos compromissos estabelecidos ao longo da mobilização que engajou 192 instituições, lideranças e personalidades negras, principalmente da Região Nordeste do Brasil, no processo que resultou na fundação do Fundo Baobá, em 2011. Já naquele momento um dos temas identificados foi o alto nível de letalidade de jovens negros”.

Harvey cita os eixos programáticos do Fundo Baobá e o alinhamento do Vidas Negras nesses eixos. “Ao longo desses 10 anos, o Baobá vem buscando qualificar a sua atuação programática, para que possa dar conta dos desafios, não apenas nesse eixo Viver com Dignidade, como nos demais: Comunicação e Memória, Educação e Desenvolvimento Econômico. O Baobá trabalha nesses quatro eixos. O edital Vidas Negras engloba os quatro eixos estratégicos”, afirmou o presidente do Conselho Deliberativo do Fundo. 

Giovanni Harvey, presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá

Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP), no ano de 2020 foram realizadas quase 12 milhões de abordagens policiais para revista. O contingente mais impactado por essas abordagens é o dos jovens negros da periferia. Só isso já demonstra arbitrariedade na ação policial.  “Isso é importante porque é um tema que normalmente precisaria de investimento social privado. O Baobá conseguiu construir uma parceria com a Google.org no sentido de atender a uma demanda super nítida, que trata de um tema tão emergente. Um tema para o qual a  filantropia brasileira, o investimento social privado no Brasil,  ainda não dá relevância. Portanto, é importante que o braço filantrópico de uma empresa como a Google se alinhe ao Baobá  no sentido de sinalizar para a sociedade a relevância do enfrentamento desse tema para promover equidade racial”, define Giovanni Harvey. 

As barreiras que quatro jovens negras enfrentam para ingressar nos cursos mais concorridos da universidade pública

As estudantes Luiza, Emily, Isabella e Clarissa sonham em estudar na universidade mais cobiçada do país, a USP

Por Kátia Flora, do Perifaconnection, em parceria com o Fundo Baobá para Equidade Racial

A escolha de um curso superior para jovens que terminam o ensino médio não é uma tarefa fácil. A maioria sai de escolas públicas sem perspectivas, por falta de um ensino de qualidade e que dê suporte ao estudante para ingressar numa universidade. Por isso, o auxílio de políticas públicas têm reforçado o incentivo para esses candidatos, como a Lei 12.711, conhecida como a Lei de Cotas, que serviu para a diminuição desse cenário desigual na educação.

Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgados no estudo  Desigualdade Sociais por Cor ou Raça Brasil (2019),  mostram  que pretos e pardos representam 50,3% do número de estudantes no ensino superior vindo da rede pública. Apesar desse avanço, de acordo com a Quero Bolsa, plataforma de inclusão no ensino superior, a taxa de estudantes negros para medicina é menor que 30%.Os cursos de psicologia e biologia seguem na mesma proporção.

Iniciativas como o Programa Já É, do Fundo Baobá, tendem a melhorar esse panorama na sociedade e viabilizar a entrada dos estudantes negros nas universidades.

É o caso da Luiza Firmino Gabriel, 18 anos, uma das jovens selecionadas que pretende fazer medicina. O seu sonho é entrar na Universidade de São Paulo (USP) e para isso tem o apoio da mãe Cíntia Firmino Gabriel, 52 anos, professora do ensino fundamental que incentiva a filha a focar nos livros de literatura para os vestibulares. Luiza promete se dedicar aos estudos e fica entusiasmada com a oportunidade que está recebendo. “Será uma conquista para uma jovem negra ser médica pediatra”, diz.

Luiza Firmino Gabriel, 18 anos

A estudante, moradora do bairro Vila Porto, em Barueri, região metropolitana de São Paulo, afirma que na área de medicina não tem referência de profissionais por ter poucos médicos negros. Mas, ela quer fazer a diferença e inspirar jovens a seguir seu caminho. “Tenho vontade de fazer engajamento social como médica e incentivar outras adolescentes negras com o meu trabalho”.

Emily Tauany Souza Andrade Pereira, 19 anos, também quer exercer medicina e conta que a vontade surgiu quando estava no ensino fundamental, nas aulas de biologia e ciências. “Me apaixonei pela profissão que estuda o corpo humano, é fascinante”, diz entusiasmada.

Atualmente, ela trabalha como jovem aprendiz em uma instituição bancária, seis horas por dia. O contrato será encerrado no mês de março deste ano, e assim a estudante vai ter mais tempo para se empenhar no curso pré-vestibular. Emily, moradora do Parque Fernanda, região do Capão Redondo, Zona Sul de São Paulo, tem o apoio dos dois irmãos e da mãe, Marinalva Juvina de Souza, 52 anos, para alcançar o seu sonho.

Emily Tauany Souza Andrade Pereira, 19 anos

O desejo da futura médica pela área de saúde é tão intenso que ela já sabe em qual área pretende seguir: ser cirurgiã torácica. “Nesta especialidade que quero trabalhar vejo muitos homens brancos, não tem referência de negros. Infelizmente a medicina é muito elitista”, enfatiza.

O caso de Isabella Alcântara dos Santos, 17 anos, é um pouco diferente. Antes o seu sonho era cursar medicina, assim como Emily. No entanto, a jovem passou a buscar mais informações sobre a área e percebeu, no primeiro ano do ensino médio, que tem mais afinidade com a área da psicologia. Dedicada aos estudos, a moradora da Brasilândia, Zona Norte de São Paulo, no ano passado, durante a pandemia, reservava parte do dia para pesquisa dos trabalhos e cursos online.

Isabellla está muito feliz por ser a primeira da família a fazer um curso pré-vestibular e quer estimular o irmão a seguir o mesmo caminho.”Vejo como uma coisa muito boa, no intuito de realizar meu sonho, entrar na USP. Para quem mora na periferia, as dificuldades são muitas, mas não olho pra isso e sim pra onde quero chegar. Penso em abrir meu consultório e atender adolescentes que sofrem com depressão, ansiedade. Eles precisam de cuidado e atenção”.

Isabella Alcântara dos Santos, 17 anos

Com as notícias sobre a pandemia, os insumos e a eficácia das vacinas, despertaram ainda mais o desejo da estudante Clarissa Beatriz da Costa Bulling, 18 anos, em cursar Biologia .”É isso que eu quero seguir no futuro, fazer parte desse meio cientifico”, diz orgulhosa.

A vontade de se aperfeiçoar nesta área surgiu no início de 2020, quando foi com a mãe e o irmão viajar para Manaus. Ao conhecer a cidade, ela se encantou com as florestas, rios e plantas do local.

Clarissa Beatriz da Costa Bulling, 18 anos

Clarissa mora com a mãe e o irmão mais novo. Residem numa casa de cinco cômodos alugada, ela divide o quarto com o irmão, e tem um espaço para guardar os livros e estudar. Com o apoio da família, que mora no bairro Monte Azul, na Zona Sul de São Paulo, e da bolsa de estudos do Programa Já É, a jovem planeja conquistar seus objetivos. Neste ano pretende se compenetrar nos estudos e entrar na USP para cursar biologia. “Quero conviver com a natureza, isso é tudo pra mim”.

Essas jovens têm sonhos e metas, querem vencer obstáculos, mesmo com toda adversidade e barreiras. As famílias são a base para que elas alcancem seus propósitos e as estudantes veem, na iniciativa do  Fundo Baobá, a possibilidade de estimular outros jovens pretos e pardos.

Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Dina Alves (SP) e Lorena Borges (MG) falam de suas conquistas

O Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, lançado em setembro de 2019 pelo Fundo Baobá para Equidade Racial, teve evento inaugural no Rio de Janeiro. Além da família da vereadora assassinada em 14 de março de 2018, estiveram presentes cerca de 250 pessoas entre elas financiadores, membros da Assembleias Geral e Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, lideranças do movimento de mulheres negras, movimento negro e do movimento feminista. O principal, porém, estava por vir quando das inscrições e definição dos nomes das mulheres que receberam apoio financeiro e técnico para ampliação de suas habilidades.  

Entre tantas mulheres que, com seus esforços, vêm transformando as vidas de outras estão a advogada, atriz e mestra em Ciências Sociais Dina Alves e a também advogada, com pós-graduação em Direito Penal, Lorena Borges. A primeira é de São Paulo e a segunda, de Minas Gerais.  

O fato de estarem sendo apoiadas pelo Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco tem dado um incremento maior à vida dessas mulheres. Dina, por exemplo, tem utilizado as diferentes plataformas em que atua para ampliar a defesa dos direitos  das mulheres negras. “Minha atuação está focada em múltiplas dimensões (profissional, acadêmica e ativista) na luta e defesa intransigente pela vida das mulheres negras. Atuar nestas dimensões tem me permitido construir uma agenda de Direitos Humanos racializada junto a mulheres negras em diferentes pautas. Assim,  tenho construido redes e identificado atores  na luta contra o genocídio antinegro a partir da pauta do encarceramento e mortes” diz. 

Dina Alves, advogada, atriz e mestra em Ciências Sociais

Lorena Borges encontrou significância na atuação com os povos quilombolas e na defesa de sua cultura em Minas Gerais. “Atuo como diretora cultural de eventos da Juventude de Terreiro Cenarab – MG (Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira). Faço parte da comunidade quilombola Manzo N’gunzu Kaiango, onde atuo no desenvolvimento, gestão e execução de projetos. O nosso principal eixo de atuação é o desenvolvimento e emancipação das mulheres da nossa comunidade. Meus trabalhos são voltados para o empoderamento e para a construção de uma sociedade mais justa e fraterna, onde a igualdade de gênero e racial estejam presentes. Para isso organizo e ministro formações, palestras e oficinas em comunidades tradicionais de matriz africana”, afirma.

O trabalho que Lorena vem desenvolvendo tem ajudado na preservação da memória cultural das raízes africanas. “Através deste trabalho alcançamos o fortalecimento e a criação de redes entre nós, que além de possibilitar troca de saberes também ajudam na organização das comunidades tradicionais de matriz africana e geram visibilidade e engajamento para nossas ações”, diz. Já o trabalho de Dina tem foco nas mulheres encarceradas. “A construção de redes em torno do debate sobre encarceramento em massa, feminismo negro e abolicionismo penal passa pelo fortalecimento da nossa identidade de mulher negra na luta antirracista. Estes anos de estudos e ativismo me proporcionaram acúmulo teórico e inspiração para fortalecer as redes e os vínculos com diversos coletivos feministas nacionais e internacionais”, conclui. 

Lorena Borges, advogada com pós-graduação em Direito Penal

Ser parte do Programa de Aceleração tem contribuído para que Dina siga investindo na defesa das mulheres privadas de liberdade e ainda incremente o intercâmbio entre as mulheres negras em diferentes territórios. “O fortalecimento das redes de mulheres negras traduz-se em fortalecimento da nossa autonomia, independência e autoconhecimento. As trocas sobre a política do autocuidado e da importância da preservação de dados pessoais – num contexto de assustador incremento da violência contra as mulheres negras – são conquistas imensuráveis”, afirma Dina. 

Lorena Borges também comemora o fato de estar no Programa de Aceleração. “Os avanços na minha formação acadêmica e os caminhos que venho traçando em prol de me consolidar como pesquisadora me trazem grande satisfação. Significa estar honrando a minha ancestralidade e contribuindo com as gerações futuras”, conclui.

Sobre o programa

O Programa de Aceleração e Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, é uma iniciativa do Fundo Baobá para Equidade Racial, lançada em setembro de 2019, em parceria com a Fundação Kellogg, Instituto Ibirapitanga, Fundação Ford e Open Society Foundations.

O intuito do Programa é fomentar lideranças femininas negras, de forma individual ou coletiva. Para que mulheres negras tenham mais subsídios para acessar espaços de tomada de decisão; mobilizem mais pessoas para a luta antirracista, por justiça, equidade racial e social e transformem o mundo a partir de suas experiências.

 

28 de maio: Dia Internacional de Luta Pela Saúde da Mulher e Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna

Hoje celebramos duas lutas para a saúde feminina, o “Dia Internacional de Luta Pela Saúde da Mulher” e o “Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna”.

A primeira comemoração foi definida no “IV Encontro Internacional Mulher e Saúde”, que ocorreu em 1984, na Holanda, durante o “Tribunal Internacional de Denúncia e Violação dos Direitos Reprodutivos”. Nele foi discutida a mortalidade materna como o principal indicativo da qualidade de saúde ofertada para as mulheres fortemente influenciadas pelas condições socioeconômicas da população.

No Brasil, 28 de maio foi declarado pelo Ministério da Saúde como Dia Nacional da Redução da Mortalidade Materna, focando na necessidade de melhorar os serviços de atenção ao pré-natal e ao parto, bem como a capacitação dos profissionais de saúde para este atendimento.

Dados apresentados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) mostravam no ano de 2016, no Brasil, que 1.829 mulheres morreram por causas relacionadas/agravadas por gravidez, parto ou o puerpério (período pós-parto de 42 dias). No mundo todo, 830 mulheres morreram por dia por essas causas.

Ainda sobre o Brasil, 54,1% das mortes maternas no país ocorrem entre as mulheres negras de 15 a 29 anos. A população negra feminina também tem duas vezes mais chance de morrer por causas relacionadas à gravidez, ao parto e ao pós-parto quando comparadas às mulheres brancas.

No entanto, a partir de 2020, com o avanço da Covid-19 no país, um levantamento realizado pelo Observatório Obstétrico Brasileiro COVID-19 (OOBr Covid-19), registrou que no ano passado tivemos 453 mortes de gestantes e de mães puérperas, sendo 10,5 óbitos da média semanal. Entretanto, esse número da média semanal dobrou agora em 2021, até o dia 7 de abril, foram 289 mortes (22,2 óbitos na média semanal).

O mesmo estudo mostra que a falta de acesso a tratamentos adequados é apontado com uma das principais causas do crescimento de mortes de gestantes e puérperas. Uma em cada cinco gestantes e puérperas internadas com coronavírus não tiveram acesso a UTI e cerca de 34% não foram intubadas, conforme afirma o OOBr Covid-19.

Contra à Covid-19 não existe tratamento precoce, o que imuniza o vírus é a vacina. Segundo dados do Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações, até o dia 23 de abril, foram vacinadas 22.295 gestantes no país, sendo a grande maioria com a vacina Astrazeneca produzida pelo Instituto Fiocruz em parceria com a universidade Oxford. O mesmo órgão apresentou um estudo informando que das três vacinas disponíveis no país, foram notificados 408 eventos adversos em gestantes, entretanto, 397 não são considerados graves, enquanto os 11 restantes, entre eles sete abortos espontâneos em gestantes vacinadas, que não sabiam que estavam grávidas, não teve associação com a vacina.

Sobre a eficiência ou contra indicações da vacina para gestantes, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) publicou, no dia 2 de março, um documento científico com informações acerca do tema. Sobre a imunização de mulheres lactantes, a organização se pronuncia da seguinte forma: “A SBP é enfática em recomendar a vacinação de mulheres que, na sua oportunidade de vacinação, estiverem amamentando, independentemente da idade de seu filho, sem necessidade de interrupção do aleitamento materno, ressaltando todos os benefícios de ambas as ações (imunização e amamentação).” Em relação à administração de vacinas contra a Covid-19 durante a gestação, a posição da SBP é que ela poderá ser realizada após avaliação cautelosa dos riscos e benefícios e com decisão compartilhada, entre a mulher e seu médico prescritor. “As gestantes que eventualmente forem vacinadas inadvertidamente devem ser informadas pelos profissionais sobre a baixa probabilidade de risco e encaminhadas para o acompanhamento pré-natal de rotina”.

A luta diária para redução das mortes maternas e promoção do bem estar das mulheres é uma causa que envolve diversos setores da sociedade e dos governos, focando essencialmente no acesso aos serviços, numa assistência de qualidade e humanizada.

 

Jovens artistas negros em busca do diploma

Conheça alguns dos selecionados do programa Já É que se dedicam, por meio do estudo, ao enfrentamento da invisibilização dos artistas negros nos meios artísticos

Por Eduarda Nunes, do Perifaconnection, em parceria com o Fundo Baobá para Equidade Racial

Em um país que esconde a cor de Machado de Assis, um dos escritores mais notáveis da Literatura, estimular e visibilizar artistas negros é essencial. Eles demonstram e denunciam cotidianamente o racismo e sexismo ainda presentes na área através de muito Artivismo, movimento que, segundo a pesquisadora Wynne Borges Carneiro, foi iniciado pelos artistas visuais.

A possibilidade de assistir atores e atrizes negras nos filmes, novelas e teatros, fazendo outros papéis que não os de servidão, é uma reivindicação externa às estruturas hegemônicas que legitimam o que é Arte. Ainda nesse sentido, se hoje é possível entender que ser artista não está ligado aos estudos formais e acadêmicos, mas à capacidade de reflexão e criação, essa também é uma conquista dos artivistas. Dentre os selecionados do Programa Já É contamos com alguns jovens artistas que buscam dar continuidade às suas criações a partir do conhecimento que a universidade tem a lhes oferecer.

Luiz Oliveira, de 18 anos, é artista e costureiro, mantém sozinho um atêlie com produções que aquecem a arte Drag de Mogi das Cruzes. Ele vê na iniciativa do Fundo Baobá uma oportunidade de acessar o conhecimento teórico disponível no ensino superior para profissionalizar ainda mais a sua arte. “Por eu já ter essa identificação dentro da arte e por grande parte da minha família fazer um trabalho com arte afrodescendente, eu acho que Artes Visuais seria um engajamento pra tudo”, conta o jovem artista.

Crescido em meio à cultura afro-brasileira fervente, cultivada por seus familiares, a arte Drag chegou à vida do jovem ao entender-se homossexual. Suas principais referências são seu pai e homens gays negros da cena Drag Queen, como Márcia Pantera e Jorge Lafond.

Luiz Benedito Ferreira de Oliveira, 18 anos

A arte que já vivia presente no seu dia a dia, o ajudou a lidar com a depressão e a consolidar seu lugar no meio artístico. Como desde sempre lidou com culturas que são socialmente marginalizadas pelo Estado e pelas pessoas, Luiz sente que é preciso ainda mais união do povo negro para que as manifestações culturais afrobrasileiras continuem vivas e contando as histórias de quem até hoje reinvindica reparaçõa histórica.

Flávia Martins tem 25 anos e é violinista. Ela conta que a rigidez da cena musical erudita impossibilita a inserção de pessoas negras nessa arte. Os entraves desse meio impedem que ela se torne a violonista concertista que gostaria de ser.

“Eles colocam limites em tudo para que você não consiga entrar se não for do jeito deles. Que criança negra tem a oportunidade de tocar violino antes dos 10 anos? Isso não é o tipo de coisa que as crianças geralmente falam para os seus pais. Independente de serem brancas, negras ou indígenas”, comenta. Flávia trabalha para que sua o universo violinista não seja tão “engessado” com regras e preconceitos. Atualmente a jovem trabalha numa organização filantrópica dando aula de violino para pessoas com deficiência.

Flávia Martins de Santana, 25 anos

Flávia também comenta sobre os preconceitos no ramo. “No meio erudito eles não tem medo de serem racistas. As pessoas têm o racismo velado nos espaços, mas no meio erudito, não. Um cara vira pra você e fala ‘uma macaca não vai tocar na minha orquestra’  e pronto. O racismo é liberado nessa área. A misoginia é liberada. Tudo isso é estruturado há muitos anos”, conta ela.

Outra participante do Já É, que tem sua carreira artística iniciada na área da dramaturgia é a Jakeline Souza, de 21 anos. Atriz há quase 3 anos, Jake, como gosta de ser chamada, deseja se formar em Artes Cênicas, no entanto, os anos de experiência na área não impedem que ela sofra com as incertezas que permeiam a escolha da profissão. “Por mais que eu trabalhe na área, ainda é uma coisa muito insegura. É difícil se imaginar bem-sucedida trabalhando com arte na periferia. Não parece que vai ser uma coisa que vai me dar uma estabilidade [financeira]”, confessa.

Por mais que já esteja se preparando para ingressar neste curso na universidade, a jovem vê Artes Cênicas como um campo muito cruel para as pessoas negras. Segundo Jake, o que entra em jogo não é só a capacidade técnica e desenvolvimento de atuação, mas também a estética. Mesmo assim, ela não abandona o sonho de ser uma atriz negra e periférica reconhecida, assim como as suas referências Naruna Costa e Gal Costa, diretoras da Companhia Sansacroma.

Jakeline Souza Lima, 21 anos

“Você precisa ter muito suporte psicológico para estar ali, porque desde o momento que você pisa num teste só pra ser avaliada já é uma questão muito grande. São olhares de pessoas que têm uma realidade totalmente diferente da sua. Pessoas que fazem arte e que estão nesse meio desde criança”, conta a atriz.

Jake, Flávia e Luiz são jovens artistas que nem entraram na faculdade e já abordam diversos pontos sobre a presença e permanência de pessoas negras no mundo das artes. A invisibilidade e imposição de dificuldades sempre aconteceu, mas tem muita gente como eles fazendo os enfrentamentos necessários para que essa deixe de ser uma realidade.

Movimentos e organizações sociais lançam campanha de combate à fome em meio a pandemia

A pandemia do novo coronavírus, que assola o país há um ano, trouxe um rastro de destruição que pode ser quantificado em dados: Em 12 meses, tivemos 12,5 milhões de casos e alcançamos a marca de mais de 300 mil vidas perdidas. Mesmo com a vacinação em curso, desde janeiro de 2021, até o momento, apenas 2,22% da população tomou a segunda dose da vacina contra a Covid-19, enquanto a média diária de morte tem alcançado o número de 3 mil por dia. Quanto mais tempo demorarmos para ampliar o acesso à vacinação e sem a consciência social sobre a prevenção, mais vidas serão ceifadas e outras tantas negativamente afetadas. 

A covid-19 acirrou desigualdades sociais existentes em nosso país, o aumento do desemprego, durante o período pandêmico, atingiu as populações mais vulneráveis e com isso, além da doença, um outro vilão têm assombrado essas pessoas: a fome.

Para fazer a contingência da pior crise humanitária dos últimos tempos no Brasil, a Coalizão Negra Por Direitos, em parceria com a Anistia Internacional, Oxfam Brasil, Redes da Maré, Ação Brasileira de Combate às Desigualdades, 342 Artes, Nossas – Rede de Ativismo, Instituto Ethos, Orgânico Solidário e Grupo Prerrô, mobilizam suas forças para lançar a campanha de financiamento coletivo para arrecadar fundos para ações emergenciais de enfrentamento à fome, à miséria e à violência na pandemia de Covid-19.

A campanha “Se Tem Gente Com Fome, Dá de Comer”, lançada no dia 16 de março, visa buscar formas de manter as ações das organizações apoiadoras nos territórios afetados pela pandemia, garantindo a saúde e a vida de lideranças territoriais e de membros do movimento negro. Aumentando a capacidade de organização e acompanhamento de famílias atendidas e, sobretudo, buscando condições estruturais e financeiras para atender milhares de famílias em extrema pobreza.

Foi realizado um mapeamento detalhado dos territórios e das famílias atendidas pelas ações de apoio humanitário promovidas pelas organizações que compõem esta campanha. O resultado prévio deste trabalho identificou 222.895 famílias a serem apoiadas e mobilizadas em periferias, favelas, palafitas, comunidades ribeirinhas e quilombolas de todo o território nacional. Famílias prioritariamente negras. 

O Fundo Baobá, com a premissa de promover a equidade racial para a população negra em nosso país, é mais um braço a somar nesta iniciativa. Assumimos o compromisso de divulgar a campanha junto às nossas bases e parceiros por meio de ações de comunicação, em eventos e outros espaços estratégicos. Falaremos da “Se Tem Gente Com Fome, Dá de Comer” e a necessidade do apoio, participação e doação nessa empreitada. Todos podem participar dessa iniciativa, sendo pessoa física ou jurídica, o mais importante é doar.

A atuação do Fundo Baobá no combate à Covid-19, no ano de 2020, renderam cinco editais voltados para comunidade negra em situação de vulnerabilidade. Em um balanço preliminar, foram investidos mais de R$ 1.180 milhões, que beneficiaram, direta ou indiretamente, 421 indivíduos e 135 organizações, no contexto da pandemia do novo coronavírus.

Para saber mais sobre a campanha “Se Tem Gente Com Fome, Dá de Comer”, e como colaborar acesse o site oficial e participe dessa iniciativa. 

A ancestralidade que acompanha cada passo dos estudantes

A tarefa de ser o primeiro integrante da família no Ensino Superior

Por Ariel Freitas, do Perifaconnection, em colaboração com Fundo Baobá para Equidade Racial

Das filosofias que ligam a vida ao cotidiano real, há um conceito africano que define a importância da vitória coletiva para o povo negro: “Ubuntu – Eu sou porque nós somos”. É nos princípios dessa ideologia que a real dimensão de ser o primeiro integrante da família a ingressar no Ensino Superior é revelada. Na presença desse pensamento e na forma de levar a vida, Alan David Vieira, de 20 anos e morador da Vila Perus – um distrito localizado na Zona Noroeste de São Paulo que abriga 45 bairros e vilas no seu território -, compreende que cada passo seu a universidade representa a vitória dos ancestrais que o acompanham no trajeto.

Alan David Vieira, 20 anos

Amante do gênero rap e apreciador da cultura Hip-Hop, Alan demonstra um olhar atento e curioso sobre as questões humanitárias e sociais, temáticas que explora no seu talento com a área da arte gráfica. Antes de cultivar o desejo de estudar Design Gráfico e, possivelmente, Publicidade e Propaganda, o jovem se dedicou à sua paixão pelo quarto elemento da cultura de rua: o grafite. Das latinhas de tintas e dos sprays nas mãos para a criação de cards, layouts e artes através de softwares de design e fotos.

“Os meus pais só estudaram até o Ensino Fundamental. Então essa oportunidade que tenho agora é muito especial. Quero estudar Design Gráfico para aperfeiçoar a área que já atuo, que é criação de arte. Eu descobri que essa é uma forma de ser e viver livre, confiante e ainda descobrir quem sou. Eu, que não tenho emprego fixo, costumo dizer que meus trabalhos sempre serão mais do que apenas artes”, explica.

De outro lado do mapa, mais especificamente no bairro Ponte Rosa, Zona Leste de São Paulo, Caroline Cristina Santos, de 22 anos, enfrenta as adversidades impostas pela desigualdade racial nas questões que envolvem os índices de educação no Brasil. A jovem fez parte das estatísticas que revelam que 71,7% (IBGE) dos jovens que abandonam os estudos são pessoas negras: a estudante permaneceu na evasão escolar por dois anos.

“Chegou um momento da minha vida que eu perdi totalmente a vontade de estudar. Não tinha ânimo nenhum de ir à escola e isso me fez parar por dois anos. Fiquei em casa cuidando da minha sobrinha e conciliando a rotina com o expediente de trabalho, mas percebi que retornar aos estudos me auxiliaria em serviços melhores e salários mais adequados”, desabafa.

Após esse período longe da escola, Caroline, que trabalha em uma fábrica de costuras, compreendeu que precisava retornar aos estudos para tecer os sonhos em realidade. A partir dessa iniciativa, a estudante definiu que gostaria de ser a primeira da sua família a ingressar no Ensino Superior.

“Eu estou me descobrindo, querendo sair da bolha. A minha família ficou muito feliz com a decisão e me apoia muito todos os dias. Depois de ingressar em uma faculdade, eu busco realizar um intercâmbio em outro país”, complementa.

Fora da Capital de São Paulo, mas dentro dos valores representados pela filosofia de Ubuntu, Geovana da Silva Melo, de 22 anos e moradora de Osasco, detalha que a coragem é essencial para trilhar o caminho de ser a primeira representante da sua família no Ensino Superior. Da Região Metropolitana do estado, a jovem explica que a sua maior determinação é a possibilidade de reverter o quadro taxado para estudantes negros: a de não estarem aptos para cursar uma faculdade.

“É muito difícil ser taxado como alguém que não conseguirá entrar em uma universidade. E esta realidade está sendo redobrada com as mudanças nos Exames Nacionais de Ensino Médio (ENEM). O conteúdo da prova deste ano foi mais elitizado do que de outras edições. Existem mais oportunidades para as pessoas brancas, que estão mais conceituadas nas classes econômicas do Brasil”, aponta.

Geovana da Silva Melo, 22 anos

Na busca do seu sonho, Geovana comenta que estuda em cursinhos populares e presta as provas do ENEM há bastante tempo. A jovem possui a meta de estudar administração, com ênfase em gestão de pessoas. No início deste ano, ela foi aprovada com bolsa integral de estudos do Prouni, mas viu o sentimento de felicidade ser transformado em um momento de frustração, pois, de acordo com ela, os documentos não foram aceitos. Apesar deste contratempo na sua trajetória acadêmica, a estudante destaca que possui certeza que, em breve, o seu ingresso no Ensino Superior será concretizado.

Trabalho tecnológico e trajetória ativista definem a missão da Amadi Technology, apoiador do Programa Já É

O nome Amadi significa alegria e harmonia, ele veio de um ritual conhecido como Ikomojade, que dá nome ao recém nascido dentro da tradição Yorubá. “Há um ano e meio nossa filha nasceu e recebeu esse nome na comunidade tradicional de terreiro, o Ilê Alaketu Ifá Omo Oyá, da qual fazemos parte”, diz Agnes Karoline, CEO da Amadi Technology, empresa que leva o mesmo nome de sua filha com o esposo e sócio Renato Racin.

A trajetória da Amadi Technology começou com Renato Racin. Trabalhando há 15 anos com informática, iniciou os seus trabalhos com o setor privado, depois contribuiu para ativistas de direitos humanos e ativistas políticos, além da comunidade de software livre. Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Renato lutou por melhores condições de acesso e permanência na universidade.  

Com o aumento das demandas por trabalhos de TI com as organizações do terceiro setor, principalmente organizações que lutam pela defesa dos direitos humanos, houve a necessidade de aumentar o nível de profissionalização no atendimento dessas demandas e por uma gestão mais eficiente: “Foi então que constituímos uma sociedade, com a atual diretora-executiva Agnes Karoline”, revela Renato. Graduada em Ciências Sociais também pela UNIFESP, Agnes também possui cursos na área de gestão pública (ETEC CEPAM USP) e gestão e elaboração de projetos sociais (PUC).

Renato Racin, filosofo e sócio da Amadi Technology

Hoje, a Amadi Technology, conta com a colaboração de pessoas que constituem uma Equipe Executiva (Diretora Executiva, Coordenadora Administrativa e Financeira e Diretor de Tecnologia) e a Equipe de Tecnologia, que conta com um analista de suporte nível 1, que realiza seleção, implantação e manutenção de hardwares e software básico e de apoio, um analista de suporte pleno, responsável pelo atendimento de nível 2 e um parceiro de infraestrutura e prestação de serviços na área de elétrica, cabeamento estruturado e Circuito Fechado de TV (CFTV). “Recentemente, também passamos a contar com duas consultorias, responsáveis pelo processo de institucionalização da nossa comunicação e apoio jurídico”, conta Agnes Caroline.

Para Renato, o grande diferencial do trabalho oferecido pela Amadi Technology é a unidade da tecnologia com questões humanas: “Juntamos o trabalho tecnológico com a nossa trajetória ativista e também a experiência com a ancestralidade para dar sentido à empresa e para a missão que temos”.

A missão da Amadi Technology consiste em: 

– Oferecer recursos tecnológicos personalizados para melhorar processos internos de empresas e organizações, agregando maior produtividade por meio de uma gestão inteligente, responsável e confiável em Tecnologia da Informação e Informática. 

– Democratizar o uso das tecnologias da informação e informática, tanto em sua dimensão técnica como de apropriação digital, apresentando suas inúmeras possibilidades de uso criativo e adequado para todos os gêneros, etnias ou raças, modos de existências, lutas ou resistências e para todas as gerações.

“Tudo isso impulsionou nossa profissionalização no campo de direitos humanos e segurança da informação para o terceiro setor”, revela Agnes.

Agnes Karoline, CEO da Amadi Technology e graduada em Ciências Sociais

E foi com essa vontade de mudar o mundo, oferecendo um bom serviço tecnológico, que os caminhos da Amadi Technology e do Fundo Baobá para Equidade Racial se cruzaram em 2019, conforme relembra Renato: “A diretora-executiva do Fundo Baobá, Selma Moreira, entrou em contato comigo para realizar a prestação de um serviço pontual de organização do parque de TI do escritório. Na oportunidade, foi possível identificar alguns recursos de produtividade que poderiam ser implantados na organização”. Hoje a parceria entre Amadi e Baobá segue forte: “Após a realização desse serviço inicial, iniciou-se uma parceria que hoje conta com um atendimento personalizado para Suporte e Gestão de TI, além de Compliance na área de proteção de dados pessoais”.

E a parceria entre Fundo Baobá e Amadi Technology se intensificou ainda mais durante a execução do “Já É: Educação e Equidade Racial”. Lançado em 2020, o Programa tem a premissa de apoiar jovens negros entre 17 e 25 anos para o acesso à universidade. As e os jovens selecionados são de regiões periféricas da cidade de São Paulo e da Grande São Paulo e receberam bolsa de estudos para frequentar aulas em um cursinho pré vestibular. O Programa conta com o apoio da Citi Brasil, Demarest Advogados e também da Amadi Technology, que foi fundamental considerando que as aulas iniciaram de forma remota, devido a Covid-19: “Após receber uma demanda operacional, para o levantamento orçamentário para a compra de notebooks e preparação dos mesmos para uso, percebemos a grandeza do Programa Já É e uma oportunidade de exercer nossa missão de facilitar os processos de democratização dos usos de tecnologias digitais”, diz Agnes. 

A Amadi Technology facilita a informatização dos alunos durante as aulas virtuais do Programa Já É: “Inicialmente realizamos uma pesquisa de equipamentos apropriados para contemplar as necessidades dos(as) estudantes do programa. Essa pesquisa inicial contou também com um estudo orçamentário e dos pré-requisitos da plataforma de estudos do cursinho..

Sugerimos também a instalação de um Sistema Operacional Livre (GNU/Linux) em todos os computadores, por conta de questões de segurança e estabilidade dos equipamentos, além de toda a economia com licenças proprietárias de software”. Afirma Renato.

O apoio ao Programa Já É do Fundo Baobá, não é a primeira e nem única incursão da Amadi Technology na esfera da equidade racial, o grupo de desenvolve o tema não apenas em outras parcerias mas dentro da própria empresa: “Apoiamos projetos em nosso território que fazem formação com mulheres na perspectiva interseccional, que é o curso das promotoras legais populares e também realizam atendimento para mulheres vítimas de violência doméstica, onde grande parte destas mulheres são periféricas e negras”, diz Agnes Karoline. “Os critérios de seleção para funcionários têm alta prioridade mulheres negras ou de comunidades tradicionais. Nossas parcerias estratégicas também contam com a sensibilidade para os debates dos direitos humanos”, reforça, acreditando que essa deve ser uma responsabilidade de todo o setor privado: “Em nossa opinião, o setor privado tem que ter responsabilidade social. Entender sua responsabilidade enquanto ator de impacto em questões de ordem econômica, política, social e cultural”.

Agnes Karoline durante a aula inaugural do “Programa Já É: Educação e Equidade Racial”

Agnes Caroline avalia de forma positiva o resultado da parceria da Amadi Technology no Programa Já É: “Conseguimos neste momento já ter entregado os computadores para os estudantes que é um recurso básico para acessar as aulas. E também ficamos disponíveis para eles dando suporte remoto às dificuldades com o hardware ou com o sistema operacional. Em breve faremos uma interação com as aulas para trazer o debate da tecnologia e segurança da informação e tecnopolítica”, que deixa também uma mensagem para todos(as) os(as) jovens participantes do Programa: “Você não está sozinho(a), a luta dos nossos ancestrais vem de muito tempo para chegarmos até aqui. Acredite em você. Todos os lugares são também pra vocês e não acredite naqueles que digam ao contrário ou menos que isso”.

Justiça Racial: o combate a injustiças históricas pode impedir a carne negra de ir de graça para os presídios

“A carne mais barata do mercado é a carne negra,
Que vai de graça pro presídio
E para debaixo do plástico
E vai de graça pro subemprego
E pros hospitais psiquiátricos” 

Os versos da música A Carne, composta por Seu Jorge e Marcelo Yuca, dão uma pesada ideia da realidade vivida pelo povo preto brasileiro. O sistema prisional nacional tem na sua entranha a presença maciça do elemento negro, quer sejam homens ou mulheres. Esse é um reflexo da (in)justiça racial que impera no país. Segundo o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado em 2019 e que teve atualização em fevereiro de 2021, o sistema Prisional Brasileiro conta com 657.844 detentos definidos por cor e raça. Desses, 438.719 (66,7%) são negros e negras. Os brancos são 212.444 (32,3%). O número de negros é o dobro que o de brancos. 

Para o doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB) Felipe Freitas, o modo de atuação da polícia no Brasil explica um pouco a presença tão marcante do elemento negro dentro do sistema prisional. “Em geral as decisões judiciais não reconhecem a violência policial e resistem em agir para coibir a violência de Estado. Conforme evidencia a  pesquisa do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa). Aceita-se a palavra do policial como única prova na ampla maioria dos casos apreciados no âmbito das audiências de custódia. Nos crimes de tráfico, por exemplo, 90% dos casos analisados pelo IDDD tinham como único elemento da acusação a palavra dos agentes envolvidos na abordagem”, complementa Felipe Freitas. 

Felipe Freitas, doutor em Direito, Estado e Constituição

A história brasileira vem marcando o histórico crescente da violência racial no Brasil. Um fato de peso e que veio contribuir ainda mais para isso, ocorreu durante a Conferência da Comissão Brasileira para a Anistia, realizada em 1979. Nela, o Movimento Negro Unificado (MNU) apresentou proposta sobre a questão da prisão de negros no país. “A proposta partia de uma premissa de que pessoas pobres e pretas presas também eram presos políticos. A proposta foi ridicularizada. Isso mostra como o pensamento negro foi descartado no âmbito da história brasileira”, disse o professor Freitas em recente depoimento em live realizada pela UnB durante o  ciclo Comunidades, Princípios e Processos Sociais de Exclusão, que discutiu o tema Entre Promessas de Paz e Sentenças de Guerra. 

O número de pessoas encarceradas no Brasil teve aumento percentual de 224,5% em 20 anos. O número saltou de 232.755 para 755.274. Num recorte por sexo, o relatório Mães Livres – A maternidade invisível no sistema de justiça, também elaborado  pelo IDDD em 2019, revela que, das 37,8 mil mulheres presas no Brasil, 63,5% são negras. Portanto 24 mil mulheres negras. “Seguimos desenhando um mundo onde não cabe a presença negra. Onde a presença negra não consegue sequer ser ilustrada como uma possibilidade nas nossas representações”, afirma Felipe Freitas.  Concluindo o quadro feminino dentro do sistema prisional, entre as 37,8 mil detentas, 47,3% são jovens entre 18 e 29 anos (17.879) , 51,9% possuem o ensino fundamental incompleto (19.618) e 60,1% são solteiras (22.717).

Em termos históricos, a população negra brasileira sempre tentou dialogar com as esferas do poder para o estabelecimento de uma política de tratamento igualitário e justo. Porém, segundo o professor Felipe Freitas, as inúmeras tentativas de aproximação sempre foram rechaçadas. “A relação do povo negro com a sociedade brasileira sempre foi uma relação de muita generosidade. A comunidade negra sempre ofereceu ao país o melhor: o melhor jogador de futebol; as vozes mais belas; as melhores propostas de políticas. A gente oferece ao Brasil pessoas como Benedita da Silva e Marielle Franco e a resposta da sociedade brasileira a estas ofertas generosas  são  tiros na cabeça e o massacre de crianças dormindo. Temos apostado no diálogo e a resposta do estado tem sido s violência.”, afirma. 

Os caminhos da justiça racial no Brasil, como demonstram as estatísticas, os dados históricos e as falas acima são muito sinuosos. A solução está no enfrentamento que a sociedade brasileira como um todo tem que promover.  O caminho passa pela luta. Mas a luta astuta. A luta inteligente, onde ações e palavras são os golpes mais contundentes contra o poder do racismo estruturado.

‘Já É’ seleciona bolsistas com dificuldades para estudar dentro de casa

Dentre as principais questões enfrentadas pelas estudantes estão casas lotadas, conciliar o aprendizado com o trabalho e pressões para mudar a condição financeira

Por Marcos Furtado, do Perifaconnection, em colaboração com Fundo Baobá para Equidade Racial

Desde que foi determinado o isolamento social, em março de 2020, devido à pandemia do novo coronavírus, milhões de jovens viram as suas rotinas de estudo mudarem radicalmente. Para os vestibulandos, que estavam se preparando para as provas de ingresso às universidades, o impacto foi ainda maior. No caso dos estudantes periféricos, as dificuldades para manter a qualidade dos estudos são mais específicas: casas lotadas, conciliar o aprendizado com o trabalho e pressões para mudar a condição financeira. Com o objetivo de oferecer assistência para estudantes nessas situações, o programa ‘Já É: Educação e Equidade Racial’ selecionou 100 jovens negros e periféricos com bolsas para fazer um cursinho pré-vestibular. Conhecer quem são alguns deles e os obstáculos que precisaram enfrentar até aqui ajuda a entender a importância dessa iniciativa.

Na casa do tio, em Taboão da Serra, município da região metropolitana de São Paulo, de Vitória de Jesus Damasceno, de 18 anos, há sete pessoas dividindo apenas dois quartos. A falta de privacidade e o constante barulho são situações que atrapalham a rotina de estudos da vestibulanda.

“Eu moro com o meu tio, que é o único trabalhando no momento, a minha tia, a minha prima mais velha, a caçula, um primo e a minha avó. Como aqui são dois quartos, dorme os meus tios em um e o resto da família no outro”, explica. “A condição de estudos não é aquela coisa de concentração ‘master’, que geralmente a gente tem na escola, mas quando quero estudar eu sento na cama, coloco o fone e me isolo.”

Vitória de Jesus Damasceno, 18 anos

A jovem, que pretende estudar Direito, tentou se preparar para o Enem, em 2020, enquanto buscava soluções para dar conta das aulas virtuais do terceiro ano do ensino médio. Mesmo com as dificuldades, Vitória realizou o exame do Inep. Ciente de que certamente não teria um bom desempenho, a jovem se inscreveu e foi selecionada pelo programa ‘Já É’. Com o suporte oferecido pela iniciativa, ela está mais calma e se programa para ter o máximo de aproveitamento possível durante o preparatório. “Eu penso em fazer o cursinho e me doar 100%. Dar o melhor de mim”, afirma.

Para Melissa de Jesus Calixto Costa, de 21 anos, moradora de em Butantã, na Zona Oeste de São Paulo, a maior dificuldade enfrentada nesta pandemia foi manter o trabalho como jovem aprendiz na área da saúde junto com os estudos. Assim como Vitória, ela também tem interesse pelo curso de direito. Selecionada para receber uma das 100 bolsas de estudos do ‘Já É’, a jovem acredita que terá oportunidade de recuperar os conteúdos que não absorveu na correria do supletivo.

Melissa de Jesus Calixto Costa, 21 anos

“Além do conhecimento que perdi na escola, o ‘Já É’ vai me ajudar no autoconhecimento. Ter esse momento para mim, pois sinto que essa parte (a escola) da minha vida foi perdida. Todo mundo precisa desse momento de estudar. A minha expectativa é que quando terminar esse cursinho eu seja uma pessoa melhor”, afirma.

Depois de ficar desempregada no meio da pandemia, Melissa sabe bem a importância de manter o trabalho e só conseguiu participar da iniciativa do Fundo Baobá graças a possibilidade de escolher o melhor horário para fazer o preparatório – neste caso sendo o turno da noite.

Outro tipo de pressão é a que acontece com Tallita Soares de Andrade, de 19 anos, que mora em Diadema, município da região metropolitana de São Paulo. Ela deseja mudar de vida e fazer o curso de economia. Com o total apoio da mãe, que lutou muito para se tornar enfermeira, a vestibulanda tem lidado com uma enorme pressão, especialmente tendo que estudar em casa.

“Vem da sociedade uma pressão de que ‘ah! Você vai fazer 20 anos e não está na faculdade ainda’. Tem a comparação com seus amigos, colegas e outras pessoas”, afirma em meio a um choro de desabafo.

Tallita Soares de Andrade, 19 anos

Com a bolsa para fazer o curso preparatório oferecida pelo Fundo Baobá, a vestibulanda considera que terá um suporte para driblar esses obstáculos. “Eu acho que vai ser muito mais produtivo e encorajador”, avalia. “Por projetos como o do Baobá que se consegue nivelar algumas questões e transformar aspectos da realidade.”

17 de maio: Dia Internacional Contra a LGBTQIA+fobia

Segundo o dicionário, a palavra “Fobia” tem dois significados, o primeiro vem de “medo exagerado”, o segundo está altamente atrelado a “falta de tolerância e aversão”. Hoje, dia 17 de maio, celebramos o Dia Internacional contra a LGBTQIA+fobia. A data é um marco, foi escolhida porque, neste dia, em 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou o “homossexualismo” da categoria de transtornos mentais. Passados 31 anos,  lésbicas, gays, travestis, transgeneres e outros grupos cuja identidade se constrói a partir das sexualidades, seguem reivindicando o direito de ter direitos.  O Brasil segue sendo o país que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo.

Um estudo de Isabella Vitral Pinto e colaboradores de diferentes instituições de ensino e pesquisa, membros de grupos temáticos da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), e funcionários do Ministério da Saúde, mostra que entre 2015 e 2017, foram registradas 24.564 notificações de violências contra a população LGBTQIA+ no Brasil, o que resulta, em média, quase uma notificação por hora, sendo a violência física equivalente a 75% dos casos. O mesmo estudo destaca que 50% das vítimas eram negras, destacando-se, entre elas, um elevado número de  mulheres lésbicas e mulheres trans.

Falando ainda de pessoas trans, estudo realizado pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), em 2019, registrou naquele ano 124 assassinatos no Brasil. Do total de vítimas, 121 eram travestis e mulheres trans e outros 3 foram identificados como homens transgênero. Dessas vítimas, 82% eram negras. A Antra afirma em relatório que o perfilamento racial da violência contra pessoas trans se dá sob diversas formas e em diferentes contextos regionais.

Há 31 anos o “homossexualismo” foi retirado da categoria de transtornos mentais e isso é uma vitória, contudo, a transexualidade só foi retirada da mesma categoria em 2019.  

A própria ONU começou a se manifestar a favor dos direitos das pessoas LGBTQIA+ tardiamente. Assuntos como a inclusão de pessoas no mercado de trabalho, só foram discutidos pela organização no ano de 2010, quando do lançamento  da iniciativa “Construindo igualdade de oportunidades no mundo do trabalho combatendo a homo-lesbo-transfobia”, que se propôs a identificar situações de estigma e de discriminação no ambiente corporativo. Embora a iniciativa seja de suma importância, a inclusão no mercado formal ainda é um desafio.  Dados apresentados pela Antra sobre violência e morte contra transexuais, revelam que 67% dos assassinatos foram cometidos contra mulheres trans prostitutas e 64% dos casos aconteceram na rua, no exercício do trabalho informal.

Em quase uma década de atuação, o Fundo Baobá para Equidade já apoiou projetos e iniciativas de pessoas e organizações LGBTQIA+, como é o caso do Grupo de Mulheres Lésbicas e Bissexuais Maria Quitéria, fundado em 2002, na Paraíba, com o objetivo de combater a violência e o preconceito contra essas mulheres. Apoiadas no Programa de Aceleração e Desenvolvimento de Lideranças Femininas: Marielle Franco, em 2019, o grupo lançou o projeto “Equidade sim! Racismo não!” que impulsionou e fortaleceu as lideranças internas, especialmente neste período de pandemia, em que as atividades se concentraram no mundo virtual: “O surgimento do Maria Quitéria é porque precisávamos de iniciativas que nos representassem além do HIV/Aids e que resgatasse nossa cidadania, promovendo a autoestima dessas mulheres”, revela Cryss Pereira, presidente do grupo, que afirma o avanço do grupo após o apoio do Fundo Baobá: “Visualizamos um avanço na disseminação de informações on-line, um maior envolvimento quanto às denúncias e quanto à propagação de postagens encorajadoras e empoderadoras para as mulheres”, completa.

Que neste dia de luta por direitos, possamos lembrar que amar em tempos de ódio é um ato revolucionário e que o Fundo Baobá, com a sua premissa de promover a equidade racial em todo território nacional, contribua para a construção de uma sociedade onde as vidas da população LGBTQIA+, as vidas negras e todas as vidas importem. 

10 Anos do Baobá: cineasta brasileiro e executiva mexicana têm passado e presente ligados à criação do Fundo Baobá

Neste ano de 2021, mais precisamente no mês de outubro, o Fundo Baobá para Equidade Racial completa 10 anos de existência. Nesse período, está consolidado como o maior fundo para promoção da equidade racial para a população negra no Brasil. O Baobá trabalha com captação de recursos oriundos da filantropia e, através de seus editais, destina esses recursos  para organizações e lideranças negras que implementam ações contra o racismo e promovem a justiça social. 

Como um fundo que promove a justiça social, o Baobá tem como diretrizes o trabalho com ética e transparência, baseado em boas práticas de gestão. A busca de mecanismos de enfrentamento ao racismo e ações pela equidade racial para o povo negro brasileiro colocam o Fundo Baobá como referência no segmento da luta contra a desigualdade social no Brasil. 

Ao longo deste ano, vamos apresentar aqui as pessoas que fizeram e fazem a história do Fundo Baobá. Todas têm importância ímpar no histórico de fundação do fundo. Algumas delas sequer se conhecem. É o caso da mexicana Alejandra Garduno Martinez e do brasileiro Joel Zito Araújo. Alejandra está vivendo e trabalhando em Nova York, nos Estados Unidos. Joel Zito tem como base a cidade do Rio de Janeiro, onde trabalha e mora. 

O Fundo Baobá atua nas mais diferentes frentes. Então, para a sua formação foram chamadas pessoas das mais distintas vertentes de trabalho. Joel Zito Araújo, por exemplo, tem seu nome ligado à produção cultural do audiovisual. Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorado em Rádio, TV e Cinema pela Universidade do Texas em Austin (EUA), Joel tem como obras principais  A Negação do Brasil, As  Filhas do Vento e Meu Amigo Fela. Alejandra Garduno Martinez tem formação voltada para a área de negócios, com graduação em Relações Internacionais e mestrado em  Negócios Internacionais pela Universidade Nacional Autônoma do México. Ela trabalha para a Fundação Kellogg, principal apoiadora do Baobá. 

Joel Zito iniciou seu contato com o Fundo Baobá após um convite feito pelo antropólogo Athayde Motta e hoje faz parte da governança como membro do Conselho Deliberativo. Para ele, fazer parte do Baobá é promover a conscientização do jovem povo negro nas questões relativas ao combate ao racismo e busca pela equidade racial.  “Creio que o grande demonstrativo disto é o rejuvenescimento da militância negra. Hoje temos milhares de jovens negros combatendo o racismo em centenas de frentes”, afirmou.  

Alejandra Garduno, analisando os dez anos de surgimento do Baobá, concorda que houve muitos avanços na questão do combate às desigualdades no Brasil. “Definitivamente, fizemos progressos. A história da resistência ao autoritarismo, a abertura do espaço cívico, hoje muito ameaçada, a existência de fundos como o Baobá nos fala das conquistas e que hoje a conversa é diferente do que era há 10 anos”, afirmou. 

Alejandra Garduno, Diretora da Fundação Kellogg para América Latina

Fazendo uma volta no tempo, Alejandra relembra desafios enfrentados para a formação do Baobá. E quando há desafios no caminho de um sonho a ser alcançado, o negócio é enfrentá-los. “Existiram desafios de diferentes tipos. Há alguns anos, consolidar a estrutura da organização e garantir seu funcionamento foi um deles. Já hoje, são diferentes. Por exemplo, enfrentar o desafio de fazer investimentos coerentes com sua missão, fazer investimentos de grande valor nas comunidades e evoluir de acordo com as necessidades que surgem também em um ambiente social e financeiro instável”, disse a executiva da Fundação Kellogg. Para Joel, o maior desafio ainda está por vir. “Creio que a maior barreira é a falta de cultura de filantropia na  elite econômica brasileira. Não temos aqui o que vemos nos Estados Unidos, por exemplo: universidades com bibliotecas, centros de pesquisa, centros culturais com investimento particular de membros da elite norte-americana. Faz parte da cultura de elite de lá, “ostentar” o seu apoio a causas educacionais, de saúde, e em metas para diminuir as desigualdades sociais. A elite brasileira, que tanto copia os EUA, ignora tudo isto. Por outro lado também, a questão racial é ainda um tabu para 99% dos potenciais doadores para um fundo como o Baobá”, diz. 

Joel Zito Araújo, Cineasta e doutor em Ciências da Comunicação

A Fundação Kellogg (WK Kellogg Foundation) é a organização que propiciou a existência  do Fundo Baobá. O Fundo Baobá se constitui como o legado de trabalho e investimentos da WKKF no Brasil ao longo de décadas. Desde a sua criação, em 2011, o Fundo responde à demanda do movimento negro por ser uma instituição cuja atribuição exclusiva é apoiar iniciativas negras, ao mesmo tempo que é consistente com o compromisso da WKKF em promover a equidade racial e a saúde nas diferentes comunidades. Até 2026 a WKKF tem o compromisso de investir U$25 milhões no fundo patrimonial, criado para garantir a sustentabilidade e autonomia do Baobá. Importante destacar que, aos valores mobilizados pelo Fundo Baobá em moeda nacional a WKKF doa 3 vezes este valor para o fundo patrimonial. Quando a captação é em moeda estrangeira, a Fundação Kellog coloca duas vezes aquele valor no fundo patrimonial.

14 de maio e a sobrevivência do negro

“No dia 14 de maio, eu saí por aí
Não tinha trabalho, nem casa, nem pra onde ir
Levando a senzala na alma, eu subi a favela
Pensando em um dia descer, mas eu nunca desci

Zanzei zonzo em todas as zonas da grande agonia
Um dia com fome, no outro sem o que comer
Sem nome, sem identidade, sem fotografia
O mundo me olhava, mas ninguém queria me ver”

(14 de Maio – Lazzo Matumbi)

O trecho acima é da canção 14 de Maio, de autoria do cantor, compositor e ativista baiano Lazzo Matumbi. A letra traça um panorama do que aconteceu com a população negra um dia depois do 13 de maio de 1888, o dia em que foi assinada a Lei Áurea, que concedia a libertação dos escravos em território nacional.

Nessa data, em torno de 750 mil negros e negras foram mantidos fora da competência do Estado, sem qualquer tipo de amparo legal ou medida afirmativa por parte do Estado e das próprias pessoas que detinham o poder, esse sustentado pelo trabalho, até então imprescindível, desses negros e negras. Sendo assim, o dia 14 de maio se tornou um dia de reflexão para a população negra ex-escravizada, que não tinha o que comer, o que vestir e onde morar, como canta Lazzo Matumbi. A cultura negra continuou a ser marginalizada e leis foram criadas para proibir sua exibição em público. Dois anos depois de a  Lei Áurea entrar em vigor, a Lei dos Vadios e Capoeiragem, de 1890, determinava que pessoas maiores de 14 anos que não trabalhavam e ofendessem “a moral e os bons costumes”  poderiam ser detidas. Dentro da mesma lei havia um decreto que tornava crime a prática da capoeira e de rodas de samba em ruas e praças públicas, considerando as duas manifestações artísticas uma “perturbação social”. 

Se Lazzo Matumbi canta que no dia 14 de maio o negro “subiu a favela pensando em um dia descer”, realmente, como completa a letra, ele nunca desceu. Não desceu por falta de políticas públicas que reintegrassem o negro, já não escravizado,  à sociedade. Segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre o perfil da população das principais favelas do país, existe a predominância da população negra na periferia. O estudo mostra que 40,1% das casas são chefiadas por homens negros e 26% por mulheres negras, contra 21,3% por homens brancos e 11,7% por mulheres brancas. Os dados da Rede Nossa São Paulo, apresentados em 2019, mostram que 32% da população da cidade de São Paulo se identificam como negros, mas em bairros periféricos como o Jardim Ângela, na zona sul da cidade, a concentração dessa população chega a 60%. Em outros distritos da capital, como Capão Redondo, Parelheiros, Grajaú, Cidade Tiradentes e Itaim Paulista, a população negra chega a 56%. Na região considerada nobre da cidade, no bairro de Moema, por exemplo, apenas 5,82% se autodeclaram negros.

A não descida do negro também está relacionada com a política de segurança pública higienista que enxerga a população preta periférica como inimiga e pratica o extermínio sem culpa alguma, como aconteceu na favela do Jacarezinho no Rio de Janeiro, na última semana. Para a jornalista, escritora e doutoranda em direitos humanos Maíra Brito, a polícia agir dessa forma com a população negra periférica é herança do período escravagista: “O historiador Luiz Antonio Simas explicou a razão da polícia assassinar civis, considerando que a função da instituição era defender propriedade de terras e seus donos – algo que acontece ainda no século 21. Ou seja, o problema das polícias não é ter dado errado, mas, sim, ter dado certo até hoje”, afirma.

O Brasil foi o último país do ocidente a abolir a escravidão. Antes do dia 13 de maio, inúmeros protagonistas negros assumiram a luta abolicionista e atuaram pelo fim da escravidão do país, como Luís Gama (1830-1822), que nasceu livre e foi vendido como escravo pelo próprio pai. Ele foi alfabetizado aos 17 anos, conseguiu a sua própria alforria judicialmente, tornou-se advogado e passou a atuar como defensor dos próprios escravos. Ao lado de Gama, nomes como José do Patrocínio, André Rebouças, Joaquim Nabuco, entre outros, reforçaram a luta abolicionista, muito antes da assinatura da Lei Áurea. Mas um epistemicídio apagou esses nomes da história do nosso país, tirando qualquer tipo de protagonismo negro diante do feito da abolição da escravatura.

A historiadora Flaviane Ribeiro Nascimento, integrante da Rede de Historiadorxs Negrxs, em seu artigo O trânsito para a liberdade e a precarização do trabalho livre no final do século XIX, publicado pelo site do Instituto Geledés da Mulher Negra, explica a precarização que levou ao processo de abolição, muito diferente da suposta compaixão que a história nos fez acreditar que a Princesa Isabel teve dos negros escravizados por três séculos: “A abolição vai acontecer apenas no final do século XIX, respaldada por legisladores, depois de um conjunto de normas jurídicas que pretendiam uma ‘transição’ para o trabalho livre mediante a indenização das elites escravistas, do controle e da disciplina dessas trabalhadoras e trabalhadores que passariam a ter liberdade para negociar a força de trabalho”. Flaviane cita também outra historiadora, Wlamyra Albuquerque, para explicar o porquê da demora da abolição da escravatura em nosso país: “A resistência à abolição da escravidão foi justificada pela dependência do trabalho cativo e pela racialização do comportamento em liberdade dessas mulheres e desses homens, que seria marcada por insubordinação, desordens e perversão moral”.

É importante lembrar que antes da assinatura da Lei Áurea, o país teve outras duas leis abolicionistas assinadas: a Lei do Sexagenário, assinada no dia 28 de setembro de 1885, que libertava escravos com mais de 60 anos e considerada, por muitos, a grande “gargalhada nacional” pelo fato de praticamente nenhum escravo conseguir chegar vivo aos 60 anos. E antes, em 1871, houve a Lei do Ventre Livre, determinando que filhos de mães escravizadas fossem libertos – como se recém nascidos tivessem autonomia para seguirem suas vidas longe de suas mães escravizadas.

Completando 10 anos em 2021, o Fundo Baobá tem como missão promover a equidade racial em nosso país, investindo em iniciativas de organizações, grupos e coletivos negros, alinhados aos seus  eixos programáticos prioritários, entre eles o Viver com Dignidade. Se a escravidão retirou a dignidade do povo negro e, mesmo após a abolição, ele se viu sem trabalho, sem casa, sem saúde, sem direitos, levando a senzala na alma, como diz a canção de Lazzo Matumbi, o Fundo Baobá existe para transformar realidades, promover resistência, resiliência e reiterar que a sociedade brasileira não será uma sociedade justa, enquanto não houver liberdade e equidade racial para a população negra.

Jovens vêem cursinhos populares como oportunidades para diminuir desigualdade entre ensino público e privado

Para diversos alunos provenientes de escolas públicas, o cursinho popular é a possibilidade de aumentar as chances de cursar uma graduação

Por Tâmara Regina, do Perifaconnection, em colaboração com o Fundo Baobá para Equidade Racial

Quando se fala em cursos pré-vestibulares não é difícil ouvir relatos como: “aprendi mais em um ano, do que em 11” ou “foi a partir dele que eu me senti preparado para prestar o vestibular”. Os conhecimentos cobrados em provas de universidades deveriam ser adquiridos ano após ano, durante toda a vida escolar do aluno. Porém, muitas vezes, a expectativa está longe da realidade, principalmente por parte dos alunos que são provenientes do ensino público.

Em 2017, após a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), apenas 650 escolas ficaram na categoria “melhor nota, com a média de 712,91,”. O que representa, 10% do total das escolas. Deste total de “melhor nota”, 82% são privadas e 18% são públicas. Sendo que as escolas públicas desse grupo são formadas por escolas federais ou estaduais de ensino técnico. Esses dados são de um levantamento da Folha de S. Paulo baseado em dados do Ministério da Educação e Cultura (MEC).

Este é o caso de Taynara Santos, 21, e de Ketlen Carvalho, 24, que buscam melhorar o conhecimento adquirido na escola para chegar bem preparadas para o vestibular. “Minha expectativa é conseguir uma nota boa no Enem para ganhar uma bolsa de estudos e aprender também”, afirma Ketlen, que estudou a vida toda em escola pública e que já teve a oportunidade de iniciar a faculdade através de uma bolsa de estudos.

Ketlen Leandra Carvalho, 24 anos

A jovem cursou Administração, mas teve que trancar por conta do valor da rematrícula. Ela relata ter abandonado um curso pré-vestibular para começar o curso de administração: “Eu fiz dois meses de curso pré-vestibular e quando eu peguei o material de estudos percebi que tinha muito conteúdo que eu nunca tinha visto”, explica.

Já a Taynara, destaca que um dos diferenciais de fazer curso pré-vestibular é estar com o conteúdo fresco na cabeça: “Quando estava no segundo ano, eu fiz o Enem pela primeira vez, como a minha mente estava fresca, eu fui bem. Se comparar aos outros anos que eu fiz, depois de terminar o ensino médio, fui bem melhor lá atrás”, conta a jovem.

Taynara Silva Santos, 21 anos

Para os adolescentes Rayane Santos, Eduardo de Souza e Nicholas Gonçalves, ambos de 17 anos, que atualmente estão no terceiro ano do ensino médio, o cursinho irá compensar o déficit do ano letivo de 2020/2021, agravado pelas dificuldades do ensino à distância. Em comum, vêem na possibilidade de fazer um curso pré-vestibular a oportunidade de suprir o que faltou no fundamental e no médio.

Correndo atrás do prejuízo

O terceiro ano será um desafio para esses jovens, que a princípio terão aulas híbridas – metade on-line e metade presencial.  Para Rayane, estudar em casa foi muito difícil porque a escola não chegou a ter aula remota. “Foi só conteúdo e apostila. [Em casa] era o pessoal falando alto e eu tentando me concentrar. Foi uma bagunça, muito difícil mesmo”, afirma a adolescente, que considera que de tudo que só conseguiu absorver 50% do conteúdo aprendido no ano passado.

Rayane Jesus Santos, 17 anos

Já o Eduardo relata que não conseguia reter todos os conteúdos das aulas. “Não conseguia aprender com as aulas on-line, mas quando era para fazer as atividades, eu estudava e conseguia entender as matérias”, explica. No entanto, ele pondera: “Foi melhor do que eu esperava”.

Eduardo Silva de Souza, 17 anos

Com Nicholas não foi diferente. Ele conta que, mesmo tendo estudado em colégio particular até a sexta série, a escola pública não foi ruim. Ainda assim, não é possível falar de bom aproveitamento. “Eu não estava esperando, mas o meu rendimento caiu no ensino médio. No primeiro ano não fui bem, no segundo foi difícil por conta da Covid-19 e agora temos o terceiro que está por vir”, explica o adolescente que acredita que de todo o conteúdo que deve levar para realizar uma prova de vestibular aprendeu cerca de  60%. Os motivos são distintos, mas todos os cinco jovens vão tentar compensar em um ano tudo que deveriam ter aprendido em mais de três.

Nicholas Welington Crisologo Gonçalves, 17 anos

Fundo Baobá na imprensa em Março

No mês de março tivemos a aula inaugural do Programa Já É: Educação e Equidade Racial, edital do Fundo Baobá para Equidade Racial, em parceria com o Citi Brasil, Demarest Advogados e Amadi Technology. E o evento foi destaque na Folha de São Paulo e nos principais portais de mídia negra como Portal Geledés, Portal Gongogi, Jornal Empoderado e Mundo Negro.

Também no mês de março em virtude do Dia Internacional da Mulher, comemorado no dia 8 de março, a diretora-executiva do Fundo Baobá, Selma Moreira, foi homenageada na campanha “Toda Mulher é Uma Potência” da Fundação Lemann, com o objetivo de destacar a atuação das mulheres durante a pandemia do novo coronavírus. Com um poema escrito pela escritora e poetisa Ryane Leão, além de Selma Moreira, foram homenageadas, Kátia Helena Schweickardt (secretária municipal de Educação em Manaus), Sabine Righetti (diretora da Agência Bori), Patrícia Santos (professora-autora do projeto Skills for Prosperity), Isabel Opice (diretora e cofundadora da Impulso), Fernanda Roder (enfermeira e pesquisadora do Projeto Xingu) Priscila Cruz (presidente-executiva do Todos pela Educação) e a cientista carioca Sue Ann Costa Clemens.

No momento que a imagem de Selma Moreira aparece no vídeo, a poetisa Ryane Leão diz: “Mulheres que com seus projetos transformam vidas, mulheres que enxergam o que é dito invisível, mulheres que elevam comunidades inteiras, mulheres que habitam a resiliência”

A homenagem foi destaque no portal Catraca Livre, no Vida e Ação e no site da Fundação Lemann. O vídeo completo você pode assistir aqui.

Selma Moreira e a diretora de programa do Fundo Baobá, Fernanda Lopes, também foram homenageadas pela Imaginable Futures, organização filantrópica global, que tem como missão estimular o potencial humano através da aprendizagem. A entidade foi uma das apoiadoras do Edital Para Primeira Infância no Contexto da Covid-19.

Na ocasião do Dia Internacional da Mulher, a organização fez essa postagem, com a imagem de todas homenageadas, entre elas, Selma e Fernanda:

“Hoje, no #InternationalWomensDay, celebramos as líderes femininas visionárias que estão reformulando a educação e criando oportunidades equitativas para alunos e suas famílias. Junte-se a nós para destacar nossos parceiros incríveis ao longo do dia. # IWD2021”

A postagem original (em inglês), pode ser vista aqui.  

A participação de Selma Moreira no evento Expert XP, organizado pela XP Investimentos, sobre empreendedorismo e sustentabilidade, nos dias 2 a 5 de março, e que foi noticiado em nosso site, foi destaque de uma série de matérias. O próprio site do evento destacou a participação de Selma em duas matérias que podem ser lidas aqui e aqui. Já o portal EPBR fez questão de frisar a frase dita pela diretora-executiva “Diversidade de gênero e étnica podem ampliar lucros em até 35%”. Em outra matéria, o site dá ênfase às mulheres que participaram do evento e, mais uma vez, Selma é mencionada.

Selma Moreira também participou de uma reportagem especial do jornal Estado de São Paulo, sobre diversidade e mercado de trabalho, na ocasião, a diretora-executiva do Fundo Baobá falou da importância do gestor investir na diversidade racial no mercado de trabalho: “Para chegar às novas comunidades é necessário extrapolar as estratégias utilizadas anteriormente. Fazer as mesmas coisas leva aos mesmos resultados”. 

Outros dois membros da diretoria do Fundo Baobá para Equidade Racial foram citados na imprensa em março. O presidente do conselho deliberativo da organização, Giovanni Harvey, teve a sua participação no 11º Congresso GIFE – Fronteiras da Ação Coletiva citada no site do Instituto Unibanco, enquanto a diretora de programa, Fernanda Lopes, foi citada no site da Abrasco pelo o artigo de sua autoria “De Volta aos Primórdios: em defesa do SUS como uma política antirracista”, que foi publicado no boletim de Análise Político-Institucional do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). No texto, Fernanda traz um histórico do Sistema Único de Saúde no país, e mostra o quanto ainda são necessários avanços na incorporação da pautaracial para que os princípios e diretrizes que sustentam o SUS sejam plenos, inclusive, citando indicadores atuais: “Dados mostram que 55% dos pacientes negros, hospitalizados com Covid-19 em estado grave, morreram em comparação com 34% dos pacientes brancos. Este cenário reforça a tese de que o racismo institucional é manifesto na inação consciente das instituições públicas governamentais ante as necessidades da população negra”.

Apoiadas do Fundo Baobá 

A jornalista e apoiada do Programa de Aceleração e Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, Midiã Noelle, participou de uma live organizada pelo Observatório do Terceiro Setor, no dia 4 de março, ao lado da repórter Isabela Alves, com o tema: “O que o BBB mostra sobre o ódio da sociedade brasileira”. A live na íntegra pode ser vista aqui.

O site da Prefeitura de Curitiba divulgou o evento “Afroempreender & Crescer”, que aconteceu no dia 4 de março e tinha a premissa de conectar e integrar os afroempreendedores da cidade usando a tecnologia. O evento virtual foi organizado pela iniciativa ConectAfro, que é formada pelas empreendedoras, Carolina Lopes, Olenka Borba e Roberta Kisy, todas selecionadas no edital Recuperação Econômica de Pequenos Negócios de Empreendedores (as) Negros (as), uma iniciativa do  Fundo Baobá, cujas atividades foram recentemente iniciadas  e que conta  com o apoio da Coca-Cola Foundation, Instituto Coca-Cola Brasil, Banco BV e Instituto Votorantim.

A ativista e apoiada do Programa Marielle Franco, Jéssica Vanessa, foi entrevistada pelo portal Alma Preta, na matéria que denuncia o fato de Recife ainda não contar com uma Comissão de Igualdade Racial na Câmara dos Vereadores do município. Na matéria, Jéssica acredita que a criação da comissão vai funcionar como importante ferramenta de diálogo. “A política de inclusão racial está acima de qualquer bandeira partidária e ideológica e é uma das mais importantes para que se possa haver formulação de leis para o enfrentamento efetivo ao racismo e às discriminações contra as populações negra”. A matéria completa você pode conferir aqui

No mês de março, o Instituto Geledés da Mulher Negra, trouxe de volta ao seu portal a coluna “Coletiva Negras que Movem”, com artigos escritos pelas integrantes do Programa de Aceleração e Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. A reinauguração aconteceu no dia 6, com o texto Desafios das mulheres negras no mercado de trabalho, de autoria de Clara Marinho, servidora da carreira de planejamento e orçamento federal. No dia 13, foi a vez da advogada Mayara Silva de Souza escrever o artigo As últimas depois de ninguém: meninas em privação de liberdade. No dia 20, a coreógrafa e oloya Leandra Silva assinou o texto Que Oxum nos dê olhos de ver Vênus. É ano novo no céu. E no dia 27, a marketeira digital e fundadora do LAB the Creator, Vitorí da Silva, escreveu o artigo Internet como ferramenta revolucionária.

04/03/2021 – Expert XP – Sustentabilidade integrada à governanç estratégia e transparência são as chaves do sucesso, dizem empresários:
https://conteudos.xpi.com.br/expert-esg/sustentabilidade-integrada-a-governanca-estrategia-e-transparencia/   

04/03/2021 – Expert XP – Governança fecha ‘ciclo sustentável’ no terceiro dia da Expert ESG:
https://conteudos.xpi.com.br/expert-esg/governanca-fecha-ciclo-sustentavel-no-terceiro-dia-da-expert-esg/ 

05/03/2021 – Catraca Livre – Conheça histórias femininas inspiradoras na campanha ‘Toda Mulher é Uma Potência’:
https://catracalivre.com.br/cidadania/historias-femininas-inspiradoras-campanha-toda-mulher-e-uma-potencia/  

05/03/2021 – EPBR – Diversidade de gênero e étnica podem ampliar lucros em até 35%:
https://epbr.com.br/diversidade-de-genero-e-etnica-podem-ampliar-lucros-em-ate-35/ 

08/03/2021 – Vida e Ação – Agenda Positiva Mês da Mulher:
https://www.vidaeacao.com.br/agenda-positiva-mes-da-mulher/ 

08/03/2021 – Fundação Lemann – Fundação Lemann homenageia mulheres selecionadas em campanha:
https://fundacaolemann.org.br/releases/fundacao-lemann-homenageia-mulheres-selecionadas-em-campanha 

09/03/2021 – EPBR – Oito entrevistas que mostram que as mulheres podem (e devem) ser fontes o ano inteiro:
https://epbr.com.br/8-entrevistas-que-mostram-que-mulheres-podem-e-devem-ser-fontes-o-ano-inteiro/ 

09/03/2021 – Abrasco – Fernanda Lopes é uma das autoras de edição temática do Boletim do IPEA:
https://www.abrasco.org.br/site/gtracismoesaude/2021/03/09/fernanda-lopes-e-uma-das-autoras-de-edicao-tematica-do-boletim-do-ipea/ 

16/03/2021 – Instituto Unibanco – Ricardo Henrique participa de evento de encerramento do 11º Congresso GIFE:
https://www.institutounibanco.org.br/conteudo/ricardo-henriques-participa-de-evento-de-encerramento-do-11o-congresso-gife/ 

18/03/2021 – Folha de São Paulo – Fundo Baobá realiza aula inaugural do Programa Já É – Educação e Equidade Racial:
https://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/2021/03/fundo-baoba-realiza-aula-inaugural-do-programa-ja-e-educacao-e-equidade-racial.shtml 

18/03/2021 – Portal Geledés – Fundo Baobá realiza aula inaugural do Programa Já É – Educação e Equidade Racial:
https://www.geledes.org.br/fundo-baoba-realiza-aula-inaugural-do-programa-ja-e-educacao-e-equidade-racial/  

18/03/2021 – Portal Gongogi – Fundo Baobá realiza aula inaugural do Programa Já É – Educação e Equidade Racial:
https://portalgongogi.com/fundo-baoba-realiza-aula-inaugural-do-programa-ja-e-educacao-e-equidade-racial/portalgongogi/ 

18/03/2021 – Ponto E – Fundo Baobá realiza aula inaugural do Programa Já É – Educação e Equidade Racial:
https://pontoe.org/blogs/geledes/fundo-baoba-realiza-aula-inaugural-do-programa-ja-e-educacao-e-equidade-racial/

18/03/2021 – Jornal Empoderado – Em meio à pandemia, programa de apoio a estudantes negros começa em formato virtual:
https://jornalempoderado.com.br/em-meio-a-pandemia-programa-de-apoio-a-estudantes-negros-comeca-em-formato-virtual/   

19/03/2021 – Site Mundo Negro – “Já É – Educação e Equidade Racial”, programa de apoio a estudantes negros começa em formato virtual:
https://mundonegro.inf.br/ja-e-educacao-e-equidade-racial-programa-de-apoio-a-estudantes-negros-comeca-em-formato-virtual/ 

24/03/2021 – Estado de São Paulo – Carreira: Gestor de diversidade e inclusão começa a aparecer no alto escalão:
https://www.estadao.com.br/infograficos/economia,carreira-gestor-de-diversidade-e-inclusao-comeca-a-aparecer-no-alto-escalao-das-empresas,1158548 

Matéria de Apoiados dos Fundo Baobá:

01/03/2021 – Observatório do Terceiro Setor – Observatório do Terceiro Setor promove lives sobre direitos humanos – Apoiada Midiã Noelle:
https://observatorio3setor.org.br/noticias/observatorio-do-terceiro-setor-promove-lives-sobre-direitos-humanos/ 

12/03/2021 – Prefeitura de Curitiba – ConectAfro usa a tecnologia para integrar afroempreendedores de Curitiba – Apoiados ConectAfro:
https://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/conectafro-usa-a-tecnologia-para-integrar-afroempreendedores-de-curitiba/58249 

16/03/2021 – Alma Preta – Recife ainda não conta com Comissão de Igualdade Racial na Câmara dos Vereadores – Apoiada Jéssica Vanessa:
https://almapreta.com/sessao/cotidiano/com-populacao-de-maioria-negra-recife-ainda-nao-conta-com-comissao-de-igualdade-racial-na-camara-dos-vereadores

Coluna Coletiva Negras que Movem – Portal Geledés

06/03/2021 – Desafios das mulheres negras no mercado de trabalho – Por Clara Marinho Pereira:
https://www.geledes.org.br/desafios-das-mulheres-negras-no-mercado-de-trabalho/ 

13/03/2021 – As últimas depois de ninguém: meninas em privação de liberdade – Por Mayara Silva de Souza:
https://www.geledes.org.br/as-ultimas-depois-de-ninguem-meninas-em-privacao-de-liberdade/ 

20/03/2021 – Que Oxum nos dê olhos de ver Vênus. É ano novo no céu – Por Leandra Silva:
https://www.geledes.org.br/que-oxum-nos-de-olhos-de-ver-venus-e-ano-novo-no-ceu/ 

27/03/2021 – Internet como ferramenta revolucionária – Por Vitorí da Silva:
https://www.geledes.org.br/internet-como-ferramenta-revolucionaria/

Estudantes que possuem apenas celular encontram dificuldades para estudar na pandemia

Sem acesso à computadores ou tablets, estudantes focam estudos nas pequenas telas do celular

Por Pedro Ribeiro, do Perifaconnection, em parceria com o Fundo Baobá pela Igualdade Racial

Com a pandemia, estudantes do estado de São Paulo se viram obrigados a aprender a estudar em casa. Sem as telas de computadores, notebooks ou tablets, esse aprendizado pode ser desconfortável.

No Brasil, apenas 39% dos domicílios possuem computador, como aponta a pesquisa TIC Domicílios de 2019. Ainda segundo o levantamento, 99% da população possui aparelho celular e 58% acessa a internet somente por ele (85% das pessoas de classe D e E).

A pesquisa mostra ainda que as pessoas da classe D e E que têm somente o aparelho móvel para se conectar têm cor. Indígenas, pretos e pardos lideram o recorte de raça quando o assunto é uso apenas do celular.

Dos que possuem computador (de mesa, notebook ou tablete), a classe social também revela uma discrepância na inclusão digital brasileira. Nas classes D e E, somente 14% dos domicílios possuem computador; na classe C, 44%; enquanto na classe B esse índice é de 85% e, na A, 95%.

Trabalho e maternidade

Laiza Catarine Ferreira Diniz tem 25 anos, é mãe e mora com os pais no bairro do Campo Limpo, na Zona Sul de São Paulo. Ela está em dúvida sobre cursar administração ou recursos humanos, mas gostaria de trabalhar como recrutadora de diversidade.

Para conquistar esse sonho, Laiza estuda em casa, usando apenas o celular. Ela diz que conversa com conhecidos para tirar dúvidas e usa um aplicativo que a ajuda nos estudos. A irmã dela possui um notebook, mas por estar trabalhando com ele em casa, Laiza não consegue usá-lo para estudar. Além disso, ela diz que consegue se concentrar nos estudos sem muitos problemas, mas muitas vezes o obstáculo é a falta de tempo que o trabalho, cuidados com a filha e a casa demandam.

Laiza Catarine Ferreira Diniz, 25 anos

A jovem chegou a iniciar a graduação no curso de hotelaria, mas trancou por questões financeiras e não conseguiu retomar os estudos. Hoje, ela entende que essa não era a melhor carreira para ela e por isso optou por uma área que a interessa mais.

“Às vezes a gente escolhe uma coisa, mas a vida vai levando a gente para outro lugar. Eu também era muito nova quando comecei nessa parte de hotelaria e de turismo. Aí eu acabei entrando nisso e me deixei levar”, explica a jovem que acumulou dívidas com o financiamento do antigo curso.

Por esses motivos, ela buscou a bolsa do Programa Já É, oferecida pelo Fundo Baobá. O objetivo dela é ser aprovada em uma universidade pública para não precisar se preocupar com as mensalidades. “Eu ainda tenho valores do Fies da outra faculdade para pagar, não tenho como arcar com uma nova”.

Muitos cursos, pouco tempo

Leandro Gomes de Oliveira, de 18 anos, sonha em se tornar cantor profissional e pretende se estabilizar na carreira de recursos humanos para bancar os estudos na música. Leandro mora com sua mãe adotiva no Jardim Guarani, na Zona Leste de São Paulo, e vai ser o primeiro entre os seus amigos a ingressar no ensino superior.

A lista de cursos que ele pretende fazer é bem longa. Leandro quer cursar primeiro Rh, depois administração ou produção musical e por fim psicologia. “Eu vou fazer Rh primeiro porque é a faculdade base para a gente entrar no mercado de trabalho. Em seguida, eu quero fazer música, mas eu acho que vou fazer administração primeiro. Se tiver como fazer as duas ao mesmo tempo, farei”, explica o jovem.

Leandro é ajudante de envidraçamento e passa boa parte do dia instalando placas de vidro em sacadas. Além do pouco tempo para os estudos, o jovem conta que concluiu o ensino médio em 2020, durante a pandemia. Estudante do período noturno, ele diz que teve pouquíssimo conteúdo e não precisou estudar para provas, o que prejudicou seu ingresso imediato no ensino superior.

Leandro Gomes de Oliveira, 18 anos

Juntos a esses problemas está a falta de estrutura para um aprendizado mais eficiente. O notebook que ele possui em casa está com defeito e ele tem somente o celular para estudar no pouco tempo que lhe sobra.

Celular virou rotina

Maria Eduarda da Silva Souza, de 20 anos, mora com os pais e a irmã no bairro do Jaraguá, na Zona Norte da cidade de São Paulo. Ela quer cursar relações públicas para ajudar ainda mais um coletivo pan-africanista do qual faz parte.

A ligação da jovem com o movimento é forte até mesmo na hora dos estudos. Maria Eduarda explica que o coletivo pan-africanista possui redes sociais e promove grupos de estudos frequentemente, por isso ela sempre está estudando matérias de ciências humanas como história e geografia. Tudo pelo celular.

“Meu notebook infelizmente queimou na pandemia. Eu estava utilizando o computador da empresa enquanto estava em home office, mas por enquanto é só o celular mesmo”, conta Maria.

Maria Eduarda da Silva Souza, 20 anos

Entretanto, o uso contínuo do celular fez com que ela se habituasse cada vez mais ao aparelho. “Tudo o que eu faço é pelo celular. Trabalho, coletivo, comunicação com as pessoas… Então eu sou bem tranquila em relação a isso. Só que eu pretendo arrumar o meu notebook, pois para estudo eu acho bem melhor”.

Por causa disso, a jovem tem grandes expectativas para a bolsa do Programa Já É, pois, além das aulas híbridas, ela terá mais acompanhamentos em matérias de ciências exatas, nas quais diz ter dificuldades.

Google e Fundo Baobá vão apoiar com R$ 1 milhão ONGs com foco em equidade racial e justiça

Edital de iniciativa voltada a enfrentamento ao racismo, à violência e às injustiças criminais contra população negra no Brasil abre inscrições no dia 5 de maio

O Fundo Baobá para Equidade Racial, com apoio do Google.org, braço filantrópico do Google, lança no dia 5 de maio um edital para apoiar entidades negras que atuam no enfrentamento do racismo, da violência racial e incorreções que ocorrem dentro do sistema de Justiça Criminal no Brasil. 

Por meio do edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça, a iniciativa vai selecionar 10 entidades brasileiras e apoiá-las com R$ 100 mil para cada e, assim, garantir a execução de projetos que viabilizem ações de enfrentamento a esses problemas. 

Além do aporte financeiro, cada uma das 10 entidades receberá suporte técnico para o fortalecimento institucional e todas participarão de jornadas formativas. As lideranças das entidades selecionadas receberão, de forma virtual, capacitação e ferramentas de planejamento, gestão, monitoramento e avaliação de projetos, captação de recursos, entre outros temas importantes para o fortalecimento institucional.   

As organizações interessadas devem apresentar suas propostas para um dos temas a seguir: a) Enfrentamento à violência racial sistêmica; b) Proteção comunitária e promoção da equidade racial; c) Enfrentamento ao encarceramento em massa entre adultos e jovens negros e redução da idade penal para adolescentes; d) Reparação para vítimas e sobreviventes de injustiças criminais com viés racial. 

As inscrições poderão ser feitas a partir de 05 de maio até 06 de junho, às 23h59 (horário de Brasília) no site do Fundo Baobá para Equidade Racial.

 

Enfrentamento ao racismo

“No ano em que o Fundo Baobá celebra 10 anos de existência, o lançamento do  edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça é estratégico. Apenas as ações de políticas públicas não têm sido suficientes para conter a crescente escalada de violências e outras violações de direitos que assolam a população negra brasileira”, diz Selma Moreira, diretora executiva do Fundo Baobá. 

A iniciativa financiada por Google.org e liderada pelo Fundo Baobá é resultado de um esforço coletivo para o enfrentamento ao racismo e promoção da equidade racial.  O edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça será mais uma oportunidade para organizações negras fortalecerem estratégias de ativismo e resistência  frente às injustiças raciais recorrentes, envolvendo e engajando comunidades, vítimas, sobreviventes e aliados. 

“Injustiças raciais provocam marcas e traumas que estarão sempre presentes na vida das vítimas, de seus familiares, de suas comunidades. Isso jamais poderá ser completamente reparado. Mas, em muitos casos, poderá ser evitado”, completa a diretora executiva do Fundo Baobá, Selma Moreira.

Em 2020, o CEO do Google e da Alphabet, Sundar Pichai, reafirmou a importância de se reconhecer o racismo como um problema global e reforçou o compromisso de colaborar com o trabalho de organizações atuantes no combate ao racismo e à desigualdade em países como o Brasil. O Google.org anunciou então a destinação de US$ 500 mil (cerca de R$ 2,5 milhões) em doações para organizações sem fins lucrativos que trabalham para promover a justiça racial no país. 

O Fundo Baobá foi uma das entidades contempladas pelo Google.org no Brasil por meio de recurso que seria utilizado para a seleção e apoio continuado a organizações de todos os estados brasileiros com foco no enfrentamento ao racismo em suas regiões de atuação. 

“Temos um compromisso global por equidade racial e inclusão que no Google se traduz em ações internas e externas, seja adotando medidas para aumentar a representatividade negra em cargos de liderança em nossa empresa, seja apoiando o trabalho de organizações que lutam contra o racismo e a desigualdade”, diz Flavia Garcia, head de Diversidade, Igualdade e Inclusão no Google para América Latina e Canadá. “Com esse apoio, queremos promover mudanças que sejam significativas e duradouras pela equidade racial no Brasil, ampliando o alcance do legado de transformação social das organizações negras a serem financiadas por meio do Fundo Baobá”.

Além do Fundo Baobá, o Google.org destinou US$ 100 mil para o Núcleo de Pesquisa em Justiça Racial e Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), liderado pelos professores Thiago Amparo e Marta Machado, com o objetivo de melhorar a coleta de informações sobre o estado da justiça racial no Brasil, a partir da análise de estudos de caso, dados e visualização das dimensões raciais da violência policial no Brasil.

 

Sobre o Fundo Baobá

O Fundo Baobá para Equidade Racial é o primeiro e único fundo dedicado exclusivamente à promoção da equidade racial para a população negra no Brasil. Criado em 2011, o Fundo Baobá é uma organização sem fins lucrativos que tem por objetivo mobilizar pessoas e recursos, no Brasil e no exterior, para o apoio a projetos e ações pró-equidade racial para a população negra. O Fundo Baobá prioriza apoio a iniciativas negras alinhadas a quatro eixos programáticos: viver com dignidade; educação; desenvolvimento econômico; comunicação e memória. A missão do Baobá é o desenvolvimento de uma agenda filantrópica para a promoção da equidade racial para a população negra calcada em valores como ética, efetividade na gestão e transparência. O Baobá faz parte da Rede de Filantropia para Justiça Social.  

 

Sobre o Google.org

O braço filantrópico do Google apoia organizações sem fins lucrativos voltadas a questões humanitárias e aplicam inovação escalável e orientada por dados para solucionar os maiores desafios do mundo. Aceleramos seus progressos conectando-as a uma combinação única de apoio que inclui financiamento, produtos e conhecimentos técnicos de voluntários do Google. Buscamos nos envolver com as pessoas que fazem acontecer, causando impacto positivo para as comunidades que representam, e cujo trabalho tem potencial de produzir mudanças significativas. Queremos um mundo que funcione para todos – e acreditamos que tecnologia e inovação são peças fundamentais para este objetivo.

Leia aqui a matéria com o doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB) Felipe Freitas, um dos idealizadores do edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça.

Número de brasileiros que moram sozinhos cresce no país

Muitos deles são jovens que precisam conciliar os cuidados com a casa e os estudos

Por Mônica Moreira do Perifaconnection, em parceria com o Fundo Baobá para Equidade Racial

Em 2019, cerca de 11,7 milhões de pessoas viviam sozinhas no país, o que corresponde a 16,2% dos lares brasileiros, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua) mostram o maior número de domicílios com apenas um morador desde 2016.

Ingressante do curso pré-vestibular Já É, do Fundo Baobá, Antônio Gustavo Ribeiro da Silva, de 19 anos, mora sozinho desde que saiu da cidade natal, Mombaça, no interior do Ceará, para morar na capital de São Paulo. “Fui criado pelos meus avós, depois que perdi eles, me mudei para São Paulo e comecei a morar com a minha mãe. Não deu muito certo, então passei a morar sozinho”, comenta.

Natalini conta que a experiência de morar só foi fundamental para que ela se conhecesse, tivesse mais segurança e adquirisse mais maturidade. “Você percebe que não precisa de mais ninguém, só você. Já passei por muitas coisas, então agora ficar sozinha é melhor. […] Fui me conhecendo, sabendo até onde posso ir, as inseguranças e me sentir mais forte. Tudo isso se aprende morando sozinho”, conta.

Responsabilidades da casa e estudos

A rotina de quem vive sozinho exige disciplina e organização, mas se torna um desafio ainda maior ao conciliar as responsabilidades de casa e os estudos pré-vestibular do programa Já É.

Para isso, Natalini Santos de Jesus, de 23 anos, conta com ajuda da irmã mais nova, Janaína, de 14 anos. “Minha irmã me ajuda bastante quando preciso trabalhar ou sair para resolver alguma coisa, ela é a minha principal rede de apoio. […] Ela também vai me auxiliar quando começar os estudos do curso do Fundo Baobá”, relata.

Já Antônio, que tem se preparado desde muito cedo para os vestibulares, desenvolveu uma rotina para que conseguisse ter um tempo dedicado aos estudos e também aos cuidados da casa.

“Normalmente acordo, faço algumas coisas da casa e começo a estudar. Paro no horário do almoço para conseguir fazer minha comida, descanso e depois volto para os estudos. O período da tarde é o momento que mais estudo, costumo parar só no início da noite. Depois disso volto a fazer o serviço de casa, lavo roupa ou coloco comida para o cachorro. Apesar disso, eu considero uma rotina bem tranquila e gosto bastante”, conclui.

Driblando a solidão

Como uma forma de não se sentir tão sozinho, Antônio Gustavo adotou um animal de estimação para lhe fazer companhia no dia a dia. “Eu tenho o Luís Eduardo, o apelido dele é Dudu, meu cachorro de estimação que me faz companhia nas horas que me sinto sozinho, é ele quem traz alegria para casa. Sinto que minha família é eu e ele”, diz.

Natalini Santos, também considera a solidão com um aspecto negativo de estar sozinha, mas não se vê morando com outra pessoa no futuro, além dos dois filhos, Arthur, de 7 anos, e Ezequiel, de 11 meses. “Quando eu morava com meus pais achava que seria muito bom não dar satisfação para ninguém, mas agora é muito ruim. Porém, já me acostumei e só quero ficar morando com os meus filhos mesmo”, brinca.