Diretor executivo do Fundo Baobá fala sobre cultura de doação no Valor Econômico

Por Wagner Prado

A cultura de doação no Brasil é algo a ser construído e incentivado. Diariamente, o noticiário geral dá conta dos problemas que o país vem enfrentando na Educação, Emprego,  Saúde, Cultura e outras áreas sociais. 

Mas o ato da doação ultrapassa a questão do dar o dinheiro. Como promover a autonomia das organizações que recebem doações? Foi para fazer esse debate que o jornal Valor Econômico realizou o encontro do Diretor Executivo do Fundo Baobá para Equidade Racial, Giovanni Harvey, com a Diretora Executiva do Instituto Clima e Sociedade (ICS), Ana Toni. O encontro foi mediado por Laura Ignacio, editora-assistente de Legislação do jornal. 

O primeiro ponto abordado por Giovanni Harvey foi a questão da autonomia que deve ser dada a instituições, como o Fundo Baobá, cujo histórico e projetos já implementados geram confiança em quem está doando. “No Baobá temos como objetivo buscar o maior nível possível de autonomia e sustentabilidade para o enfrentamento direto dos efeitos da  discriminação racial e do racismo no Brasil”, disse.  Para exemplificar, Harvey citou a doação feita pela bilionária e filantropa norte-americana Mackenzie Scott, que em abril doou US$ 5 milhões para o Baobá. “A doação de Mackenzie Scott foi um divisor de águas na história do Baobá porque é a maior doação individual desvinculada da execução de um projeto ou programa específico. Os US$ 5 milhões foram doados para o Baobá usar livremente”, afirmou.

Para Ana Toni, do ICS, o fato de não existirem incentivos fiscais para que pessoas e organizações façam doações no Brasil dificulta o trabalho de captação. “Na Europa e nos Estados Unidos há incentivo fiscal para que, quem faz a doação, não pague alguns tributos.  No Brasil,  tirando algumas isenções,  como acontece nas áreas de esporte e cultura, a maioria dos doadores, principalmente os individuais, têm que pagar entre 4% e 8% a mais sobre a doação”, falou. 

No Brasil, projetos relacionados a direitos humanos, equidade racial, combate ao racismo, homofobia e questões de gênero recebem apoio menor que outras causas, como a defesa climática, por exemplo. Um dos caminhos para que ocorra um equilíbrio e as causas de direitos humanos sejam melhor beneficiadas é o engajamento das empresas a elas. 

Giovanni Harvey finalizou falando da importância da doação individual. “Nós temos uma frente de captação junto a pessoas físicas. Temos um círculo de doação que foi lançado em 2021. Dentro da nossa estratégia, temos a expectativa de que, ao longo dos próximos 10 anos, tenhamos um crescimento da participação significativa das pessoas físicas no bolo de arrecadação do Baobá. Temos a expectativa de que o doador individual, uma vez iniciado o processo de engajamento com a instituição, se mantenha como doador. Estamos buscando formas de mostrar a esses doadores individuais os resultados do investimento que eles fazem”, afirmou Harvey. 

Quando assumiu a direção executiva do Fundo Baobá, em dezembro de 2021, esse foi um dos principais temas abordados por ele. Naquela oportunidade, Harvey citou a convicção que tinha na ampliação do engajamento de mais pessoas físicas no hall de doações para o Baobá. Diante disso, Giovanni Harvey colocou como metas elaborar e dar visibilidade a indicadores, bem como ampliar as ações de comunicação para que as pessoas (doadores) possam acompanhar, com mais nitidez,  o que é feito com os recursos arrecadados e os resultados que têm sido alcançados.   

Fundo Baobá e MOVER Fecham Parceria em Prol da Equidade Racial 

Representantes das duas instituições falam sobre expectativas, valores e metas esperadas com a parceria 

Por Ingrid Ferreira

Um dos parceiros mais recentes do Fundo Baobá é o MOVER. O Movimento pela Equidade Racial é uma coalizão composta, atualmente, por 47 empresas nacionais e transnacionais que têm como compromisso ampliar a participação de pessoas negras no mercado de trabalho, em diferentes posições, incluindo as de liderança; capacitá-las e fortalecer suas habilidades e conscientizar a população geral sobre tais necessidades. 

Após dois anos de negociação, o contrato foi assinado. Inicialmente o acordo tem vigência de três anos, mas poderá ser estendido até 2030 ou mais. Em  2022, será lançado o primeiro edital da parceria Baobá-MOVER. Como em todos os editais que idealiza, a equipe programática do Fundo Baobá está elaborando com o cuidado de sempre cada detalhe. Os próximos passos, de forma paulatina, serão informados em nosso site e redes sociais.

Para abrir os trabalhos e falar um pouco sobre a parceria, Marina Peixoto, Diretora Executiva do MOVER, e Giovanni Harvey, Diretor Executivo do Baobá, pronunciaram-se sobre a parceria, as singularidades das instituições  e as expectativas conjuntas.

Marina Peixoto, Diretora Executiva do MOVER

 

Giovanni Harvey, Diretor Executivo do Fundo Baobá

Quais são os impactos sociais que você considera que a parceria entre o MOVER e o Fundo Baobá pode gerar?

Marina Peixoto – MOVER

As desigualdades no Brasil e no mercado de trabalho podem ser verificadas em diversas estatísticas – as quais nós, como MOVER, lutamos a cada dia para mudar, atuando no combate ao racismo estrutural e na promoção da equidade racial. 

Um dos pilares do MOVER é a Capacitação & Emprego e temos a meta de gerar 3 milhões de oportunidades para pessoas negras até 2030. O Fundo Baobá é nosso grande parceiro nessa frente. Somado às ações promovidas internamente nas empresas e outras iniciativas pontuais, acreditamos que, através de editais, conseguiremos de forma democrática e com abrangência nacional, identificar e fomentar projetos e instituições que trabalham com foco em educação e geração de emprego para a população negra e, com isso, evoluir no atingimento da nossa meta.

Giovanni Harvey – Fundo Baobá para Equidade Racial

Eu acredito que a parceria entre o MOVER e o Fundo Baobá pode gerar impactos, qualitativos e quantitativos, em quatro esferas: no ambiente corporativo e nas capacidades das empresas que participam diretamente da iniciativa; na percepção que os agentes que atuam no mercado (para além das empresas que participam diretamente da iniciativa) têm do tema que orienta a atuação do MOVER; na relação que o investimento social privado tem com as instituições especializadas que atuam nas várias frentes de promoção da equidade racial; e no comportamento dos consumidores, tendo em vista o nível de engajamento da sociedade nesta e em outras causas.

O que motivou o MOVER a escolher o Fundo Baobá para essa parceria?

Marina Peixoto – MOVER

O Baobá é o único fundo dedicado, exclusivamente, para a promoção da equidade racial para a população negra no Brasil e tem mais de 10 anos de existência e experiência. Ter o Fundo Baobá como parceiro, e contar com toda sua expertise, conhecimento do campo e da população negra para nos ajudar na criação e implementação dos editais, nos dá confiança de estarmos investindo nossos recursos da melhor forma para trazer nosso propósito de ser agentes de transformação na luta pela equidade racial.

O que motivou o Fundo Baobá a fechar essa parceria com o MOVER?

Giovanni Harvey – Fundo Baobá para Equidade Racial

O Fundo Baobá é um operador financeiro especializado em captação, gerenciamento de recursos e distribuição de doações para pessoas e organizações que travam a luta diária contra o preconceito e discriminação étnica. Esta operação é potencializada através do aporte de recursos de investidores e do match funding da Fundação Kellogg. A parceria com o MOVER se insere neste contexto e nos permite, a um só tempo, estreitar a nossa relação de confiança com os investidores privados; produzir impacto quantitativo e qualitativo no mercado de trabalho (desenvolvimento econômico é uma das quatro áreas temáticas que priorizamos) e aumentar o nosso fundo patrimonial.

Os valores praticados pelo Fundo Baobá representam os objetivos do MOVER?

Marina Peixoto – MOVER

Os valores do Fundo Baobá (Ética, Transparência, Gestão e Justiça Social) estão diretamente ligados aos esforços que o MOVER realiza diariamente com todas as empresas que são parte do Movimento. 

Os valores praticados pelo MOVER representam os objetivos do Fundo Baobá?

Giovanni Harvey – Fundo Baobá para Equidade Racial

Os princípios e os valores que orientaram a constituição do MOVER foram inspirados na preocupação genuína dos CEOs das empresas que construíram a iniciativa com o cenário de desigualdade étnica no Brasil. Este propósito foi objeto de um diálogo franco entre estes executivos e executivas com a direção do Fundo Baobá. Por esta razão o Fundo Baobá está absolutamente confortável com os termos desta parceria, tendo consciência dos desafios, dos limites e das possibilidades, tanto no ambiente interno das empresas quanto na sociedade como um todo.

Internamente, vocês possuem algum comitê voltado às pautas raciais?

Marina Peixoto – MOVER

O MOVER é uma coalizão formada hoje por 47 empresas que se uniram com o propósito de ser agente de transformação na luta pela equidade racial. Temos 3 pilares estratégicos: Lideranças, Capacitação e Emprego e Conscientização. Para cada frente formamos um comitê de trabalho que conta com a participação de voluntários das empresas e parceiros que ajudam a trazer mais legitimidade no desenho e recomendação dos planos. Além disso, no nosso Conselho Deliberativo, além de CEOs, passamos a contar com membros da sociedade civil que trarão perspectivas complementares e mais representatividade negra na tomada de decisão.

“Não teremos justiça racial no Brasil”, afirma Lúcia Xavier, coordenadora geral da ONG Criola

Por Wagner Prado

Com 30 anos, Criola é uma organização da sociedade civil cujo foco de atuação está centrado nas mulheres negras e seus direitos. Difundir para a sociedade os conceitos de justiça, solidariedade e equidade está nas bases de sua formação. De acordo com o que preconiza Criola, investir na ação de transformação das e por mulheres negras, cis e trans  é fundamental para que a sociedade brasileira exista de uma forma melhor. 

A organização coordenada por Lúcia Xavier é uma das apoiadas pelo edital Vidas Negras, Dignidade e Justiça, do Fundo Baobá para Equidade Racial com apoio do Google.Org. O projeto leva o nome “Justiça Para Mulheres Negras: Enfrentando a Violência Racial e de Gênero e Ampliando Direitos” e objetiva fortalecer lideranças negras e suas organizações, para que desenvolvam ações políticas de enfrentamento da violência racial, da criminalização e das desigualdades raciais.  

Nesta entrevista,  Lúcia Xavier dá a sua visão sobre justiça racial no Brasil, o papel  das mulheres negras na construção da democracia, fala sobre homens pretos, aborto, eleições e outros temas importantes que, abordados por ela, ganham ainda mais peso.     

Lúcia Xavier – coordenada da organização Criola

Quais são os fatores que dificultam os caminhos da Justiça Racial no Brasil?  

Lúcia Xavier – Eu não acho que haja fatores que dificultam o caminho da Justiça Racial no Brasil. O que eu acho é que não teremos Justiça Racial no Brasil. Porque a estrutura brasileira é racista. O racismo alimenta todas as formas de poder, de acúmulo de riqueza,  de distribuição dessas riquezas,  de modo de viver,  da cultura.  Justiça Racial é o nosso objetivo,  é o nosso horizonte. Mas, de fato, esse caminho não existe. É aquilo que a gente tenta fazer todos os dias. Porque numa sociedade que se alimenta disso, toda e qualquer forma de resistência contra essa injustiça se volta contra nós. 

Em 2017, você declarou que a Democracia que almejava era a que colocasse a Mulher em primeiro plano. Por quê? 

Lúcia Xavier – Quando eu trouxe essa declaração,  que a democracia que almejávamos era aquela que colocasse as mulheres negras em primeiro plano, é porque somos nós mulheres negras o grupo mais afetado da sociedade brasileira, e esse impacto sobre nós acaba também causando Impacto nas próximas gerações.  Nós vivemos em uma sociedade onde o tipo de democracia tida como liberdade, como igualdade e fraternidade não nos afeta. Ao contrário! Nós somos a antítese. É como se a democracia que produz liberdade, fraternidade, desenvolvimento e liberdade não visse em nós os seres humanos que somos. Então, ao trazer a mulher negra em primeiro plano,  quer dizer melhorar a qualidade dessa democracia que tanto almejamos. 

As teorias e concepções racistas ainda norteiam a vida da população negra brasileira? 

Lúcia Xavier – Quando você traz a ideia das teorias e concepções racistas que ainda norteiam a vida da população negra brasileira,  isso é claro!  Víde o mapa da fome no Brasil. De certa maneira,  por mais que avancemos em termos do enfrentamento ao racismo e da sua erradicação,  ainda hoje vivemos em uma sociedade que tem em nós (população negra) o inimigo. Tem em nós (população negra) o desumano. Tem em nós aqueles e aquelas que não têm direito. Essas concepções racistas,  essas teorias, vão nortear nossas vidas, porque se desconhece a nossa humanidade ou não se reconhece a nossa semelhança. Então, todo o processo político que envolve a questão da população negra é tratado como se nós não existíssemos. 

Qual o papel dos homens pretos nas diferentes trajetórias de conquistas das mulheres pretas? No que eles podem contribuir? 

Lúcia Xavier – Eu acho que se eles contribuírem melhorando as condições de vida deles,  enfrentando o racismo,  já fazem muita coisa. O que eu tenho percebido e notado nessa discussão é que, de alguma forma, essa relação tem sido desigual como parte do processo do racismo. E  isso implica na reprodução dessas práticas racistas. O racismo como ideologia ele afeta todo mundo. Ele não vai afetar somente as mulheres negras e vai deixar incólume os homens negros. Ao contrário.  Só que, como vivemos em uma sociedade patriarcal, sendo até normativa,  muitos dos homens negros acabam também ajudando, ou reproduzindo, ou fortalecendo essa experiência de dominação e subordinação também com mulheres negras.  

Isso não quer dizer que é uma característica dos homens negros, mas é parte do processo político que eles vivem numa sociedade como a nossa. Eles não estão incólumes ao patriarcado, à misoginia, à  violência contra a mulher, só porque são negros. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.  Afinal,  essa mesma condição que os oprime não os  leva a evitar outras opressões.

Recentemente, em 24 de junho, a Suprema Corte dos Estados Unidos derrubou a decisão de 1973 que garantia às mulheres norte-americanas o direito ao aborto. Esse vento conservador tem ou pode ter que tipo de influência no Brasil? 

Lúcia Xavier – Sobre o posicionamento da Suprema Corte dos Estados Unidos,  que acabou derrubando o direito ao aborto, esse evento é mais um dos eventos que impactam as decisões políticas no Brasil,  especialmente nesse momento de violência contra as mulheres, de perda de direitos e sobretudo uma vigília constante sobre os corpos das mulheres, sobre a autonomia sexual delas.  Possivelmente, essa decisão ainda reverbera mais também pelos outros países da América Latina e do Caribe, mas eu preciso informar que há algum tempo, desde o Pacto de São José,  que a questão do aborto nessa região tem sido tratada quase como um caso de polícia. 

O Brasil não vai começar agora. Ele está há anos perseguindo, prendendo,  julgando mulheres que praticam ou praticaram o aborto. Mesmo que a decisão dos Estados Unidos, que era considerado o mais avançado em termos dessa questão,  mesmo que essa decisão impacte ao Brasil  e toda América Latina, é preciso levar em consideração que esta é uma questão global. A questão do aborto passa a figurar nas agendas conservadoras como chave para o controle dos direitos das mulheres e para o controle,  sobretudo,  da sua autonomia sexual. De certa forma, essa é uma perda enorme para as mulheres negras americanas, que ao menos tinham condição de poder decidir pelo aborto,  em algumas regiões do país,  e ao mesmo tempo, terem mais fortalecidas as decisões que tomaram na vida. É muito humilhante para as mulheres, num retrocesso, terem que se subordinar a um Estado que não admite o direito ao aborto como uma possibilidade de liberdade e de condições das mulheres. 

A morte de jovens pretos brasileiros, segundo o movimento negro e o movimento  de mulheres negras, é um genocídio. Você concorda que esta é uma ação arquitetada pelo Estado? 

Lúcia Xavier – Sobre a morte de jovens pretos brasileiros, se elas são arquitetadas pelo Estado, claro que sim!  Mas o Estado não é um ser vivente, não é um ser em si. Ele é a sociedade espelhada em um espaço político de definições, articulações e acordos. E nesse caso o Estado brasileiro tem um peso muito grande de outros grupos da sociedade que pensam que negros são seus inimigos. Que negros são,  de certa forma, uma população que não devia existir. Então, esse genocídio, como controle da população negra,  é uma prática direcionada pelo Estado e também pela sociedade, mas com total aquiescência dos grupos sociais que estão no poder. Quando se usa essa expressão, do Estado,  nós não estamos querendo dizer que a estrutura do Estado é isso (genocida) só porque ela é Estado.  É a sociedade que configura um espaço de articulação e ação política que leva um dado grupo à morte. Essa arquitetura da morte tem a ver com uma movimentação dos grupos sociais. Como eles imaginam o poder,  como eles imaginam a sociedade e como eles querem que essa sociedade funcione.

Caso o Brasil siga no atual contexto político, que retrocessos teremos na Saúde, na Educação, na Empregabilidade e nos Direitos de uma forma geral? 

Lúcia Xavier – Em relação ao momento atual,  os retrocessos já ocorrem em todos os campos. Desde 2016, as políticas públicas têm menos recursos e de 2019 em diante elas começam a perder a capacidade de se desenvolver e alcançar os seus objetivos. Isso significa que, de forma geral, todos esses direitos conquistados desde 1988: direito à saúde,  à educação,  ao trabalho decente, com garantias,  direito de ir e vir,  direito à comunicação,  ao  ambiente saudável, todos estão em risco. E,  nesse contexto político atual, esse ritmo pode aumentar,  trazendo,  além da morte, outras sequelas, por exemplo, há um grupo que vem desde o início da pandemia sem acesso à educação de qualidade,  sobretudo,  crianças e adolescentes, estas pessoas vão perder tempo e também perder a possibilidade de ter um desenvolvimento adequado, com qualidade. No caso da  saúde, o que mais impacta é a própria  morte,  mas ter uma saúde precária, em termos de política,  é muito grave. Quanto à  empregabilidade,  de certa maneira essas pessoas  já viviam em uma situação de desemprego ou de empregos precários, trabalhos precários,  sem segurança e sem garantias,  há algum tempo. O  tempo atual só reforça, amplia, aumenta,  impede que esse grupo venha a reivindicar seus direitos,  porque uma coisa é o retrocesso no contexto do acesso a direitos e outra coisa é um retrocesso somado a restrições na sua própria participação,  a sua luta e resistência. 

A ONG Criola foi criada em 1992, portanto há 30 anos. De lá para cá, o Racismo e o Racismo Estrutural no Brasil tiveram retrocesso? 

Lúcia Xavier –  Criola  foi fundada em 1992 e de lá para cá temos atuado contra o racismo patriarcal cis heteronormativo e não vemos retrocesso nessa prática constante e  estruturada do Estado e da sociedade brasileira. Apesar das conquistas que tivemos ao longo desse tempo, a exemplo das cotas na universidade,  de uma política nacional de saúde da população negra, da ampliação dos direitos de trabalhadoras domésticas, da garantia da participação da população negra nos espaços de poder.   Apesar disso tudo, estamos vendo uma reestruturação das práticas racistas, do racismo que a gente chama de estrutural no Brasil,  como nunca visto… Essa discriminação constante,  violência,  morte,  encarceramento, isso  já diz o que significa retrocesso nesse camp. Mesmo que olhando o passado  a gente reconheça conquistas,  efeitos positivos sobre a comunidade, sobre  a população negra,  é também preciso lembrar que, de certa forma, esse grupo continua sobre ataque e esse ataque vai desde a perda dos direitos das Comunidades Quilombolas até a possibilidade de ganhar uma eleição e não levá-la. 

A questão ambiental no Brasil é muito discutida. As pessoas, principalmente as pretas, as populações quilombolas, estão colocadas no centro dessa discussão? 

Lúcia Xavier – Em relação à centralidade das Comunidades Quilombolas no tema ambiental, elas estão cada vez mais próximas desse debate,  tanto ambiental quanto climático, mas isso não quer dizer que elas sejam prioritárias nas ações positivas contra a destruição ambiental. Talvez estejam muito próximas ao que as medidas que alcançam outros grupos na sociedade em relação à degradação ambiental, ao  racismo ambiental. Mas elas são a principal vítima desse processo. Creio que hoje,  com a capacidade de se representar, de falar por si e de trazer as boas práticas para esse campo,  possivelmente as Comunidades Quilombolas tenham conseguido maior articulação para sua defesa, para a articulação em torno dos seus interesses e objetivos, sobretudo no campo da Justiça Ambiental, mas elas não são o centro da discussão.  Elas buscam cada vez mais estruturar esse debate e agir para que as suas questões sejam levadas em consideração,  em especial seu modo de pensar, de viver em termos dos desafios do ambiente e do clima. 

O Brasil tem hoje a quarta maior população carcerária feminina do mundo, com cerca de 40 mil mulheres privadas de liberdade. A maioria dessas 40 mil é de mulheres negras. É possível dizer que isso é parte de uma manobra? Se sim, o que essa manobra objetiva?

Lúcia Xavier – As mulheres têm sido cada vez mais encarceradas. Esse encarceramento eu não posso dizer que é uma manobra objetiva  e  de quem é essa manobra. Mas o racismo ele age em contexto. Ele não separa homens e mulheres,  crianças e adultos. Ele age em contextos e para ampliar sua capacidade de controle sobre um grupo populacional, que a qualquer momento pode se transformar em um grupo atuante politicamente, resistente às práticas negativas de outros setores da sociedade;  a violência contra as mulheres alcança esse nível: o do encarceramento,  em qualquer etapa da vida,  e em qualquer condição: na juventude, na terceira idade,  como mães,  como familiares,  como passo do processo da violência e também como maneira de fazer o controle de dado grupo.  O encarceramento  feminino negro também nos faz pensar que, de certa forma, o racismo nunca deixou de lado, apesar de afetar muito as mulheres, nunca deixou de lado as mulheres como alvo,   quer seja na mortalidade materna, na violência policial, no encarceramento,  ou nos  processos de degradação pessoal: fome, trabalhos precários. Realmente as mulheres nunca deixaram de ser alvo. Mas quando é necessário,  elas passam a ser alvo em espaços que, certamente, predominam  os homens, como é o caso das prisões. 

“Quando  a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela.” A frase da filósofa e ativista Angela Davis continua muito atual.  Tem sido fácil às mulheres negras se articularem para movimentar as estruturas? 

Lúcia Xavier – O movimento de mulheres negras tem oferecido alternativas para toda a sociedade, para aqueles que querem de fato constituir uma estrutura de sociedade mais justa,  mais igualitária,  fraterna e é nessa perspectiva que o movimento de mulheres negras produz saídas para essa questão. Essa movimentação feita pelas mulheres é uma movimentação que pensa não só na população negra em particular, mas na sociedade como um todo.  O fim do racismo melhora a vida de todo mundo. Se  eu trago as mulheres negras para o primeiro plano, elas que são as principais vítimas desse processo,  efetivamente o que melhora para mulheres negras melhora em 100% para qualquer outro grupo da sociedade. E nesse sentido a gente pensa que a nossa movimentação é constante,  de várias formas  e pretende, de certa maneira, estruturar um novo padrão de civilidade. 

Em 2018, ao ser homenageada pela Justiça Global, você pediu às pessoas brancas que abrissem mão dos privilégios gerados pelo racismo. A sociedade branca brasileira está ganhando consciência com relação a esses privilégios e abrindo mão dos mesmos ou ela segue insensível a isso? 

Lúcia Xavier – Quando eu ganhei esse prêmio da Justiça Global, um prêmio de direitos humanos,  de uma instituição que é tradicional nesse campo,  não tinha,  depois de tantas falas poderosas das mulheres acerca daquela premiação,  outra maneira de dizer o que representava aquele  prêmio. A ideia de que é preciso abrir mão dos privilégios, de que é preciso ser mais sensível a essa questão,  não quer dizer só atuar contra o racismo, mas mudar o padrão de civilidade, mudar os processos que reforçam ou que garantem esse tipo de circunstância. Isso é muito difícil ser feito. Por isso a gente precisa buscar e lembrar aos diferentes setores da sociedade que nós estamos atentas a essa questão. 

Lúcia, existe algo que você  gostaria de mencionar e que não tenha sido explorado aqui? Fique à vontade para comentar.

Lúcia Xavier – Eu diria que,  de modo geral,  seria bom pensar que o racismo atua em todos os campos,  constantemente,  se renovando. Ele  não é o mesmo que foi no passado e nem seguirá  da forma que está hoje. Para ele poder dominar,  constituir-se como forma de repressão e controle é preciso que ele também tenha uma uma capacidade de construir outras experiências e práticas na sociedade para poder se manter vigente. E nós,  é claro,  seguiremos atentas a essa perspectiva. 

Edital com apoio da Imaginable Futures e Fundação Lemann busca projetos para enfrentar o racismo na educação

Por Wagner Prado

Duas importantes organizações se juntam ao Fundo Baobá para Equidade Racial em uma iniciativa voltada à Educação. O edital Educação e Identidades Negras: Políticas de Equidade Racial, elaborado pelo Baobá, tem na Imaginable Futures e na Fundação Lemann suas apoiadoras. O foco do edital está em incentivar organizações, grupos e coletivos negros que atuam no combate ao racismo e na promoção da equidade racial no segmento Educação. É notório que o acesso à Educação e a permanência nas instituições de ensino é diferente para brancos e negros no país. O caminho para a solução dessa e outras fontes de exclusão está na adoção de ações afirmativas. Imaginable Futures e Fundação Lemann assumem tais ações como parte de suas politicas públicas e, juntas, estão aportando R$ 2,5 milhões que vão contribuir para que 10 organizações, grupos e coletivos negros ampliem e fortaleçam suas intervenções em espaços educacionais formais e não formais. Imaginable Futures, por intermédio de seu Venture Partner, Fabio Tran, e a Fundação Lemann, por meio de sua Gerente de Equidade Racial, Deloise Bacelar de Jesus, expõem aqui os motivos que as levam a apoiar o edital, a importância de se investir em Educação no Brasil e também como promovem o combate ao racismo dentro de suas próprias instituições e levam esse tema aos seus diferentes grupos  de interesse.  

O edital Educação e Identidades Negras: Políticas de Equidade Racial é uma forma de suprir a defasagem que existe no mecanismo de ensino oficial do Brasil?

Fabio Tran – Em todos os estados brasileiros, a diferença entre o percentual de estudantes negros e brancos com níveis adequados de aprendizagem é significativa e se mantém mesmo dentro do mesmo nível socioeconômico (dados do SAEB). Está evidente que a desigualdade racial tem afetado o direito à aprendizagem e, por diversos motivos, o estudante negro tem sido levado a aprender menos. O racismo, enraizado enquanto modelo mental na sociedade, impacta os estudantes negros e suas famílias e os submetem ao preconceito cotidianamente. Esses e outros fatores, que são reflexo do racismo estrutural, afetam diretamente a autoestima e o senso de pertencimento de estudantes negros, impactando na sua performance acadêmica.

Entendemos que se trata de um fenômeno complexo e, para entender e agir com maior profundidade sobre ele, em 2021 a Imaginable Futures realizou um processo de escuta e construção junto a mais de 50 educadores e ativistas negros. Ao final, chegamos em três principais áreas que podem ser alavancadas na busca por uma realidade livre do racismo estrutural, sendo uma delas a razão por que estamos fazendo este edital: garantir a implementação de políticas educacionais que valorizam as identidades e culturas negras, indígenas e quilombolas, aumentando a legitimidade destes grupos dentro do sistema educacional, bem como o seu desempenho e permanência escolar.

As duas outras áreas são: (i) elevar o nível de entendimento sobre questões étnico raciais a fim de alcançarmos uma negritude consciente e uma branquitude crítica, fazendo com que as políticas e as práticas não sejam desenhadas de maneira universalista e (ii) elevar as vozes negras, indígenas e quilombolas através de acesso e representação em posições de liderança, assegurando que essas lideranças possuam conhecimento aprofundado sobre equidade racial e recebam todo o suporte necessário para que consigam permanecer com saúde mental e física dentro desses ambientes. 

Deloise Jesus  A aprendizagem de alunos brancos e alunos pretos é desigual. A diferença é expressiva em todos os estados brasileiros, tanto para alunos de nível socioeconômico alto quanto baixo, revelando os reflexos do racismo estrutural também no processo de aprendizagem. Realizar ações como o edital Educação e Identidades Negras: Políticas de Equidade Racial é muito estratégico para promover equidade racial. Acreditamos que diferentes esforços são necessários para transformar essa realidade e diminuir as desigualdades, por isso o lançamento do edital é tão bem vindo. 

Que iniciativas educacionais podem contribuir para o combate ao racismo?  

Fabio Tran – Para além do trabalho relevante e direto de combate ao racismo realizado por diversas organizações como o Fundo Baobá, CEERT, Geledés, IBEAC, dentre tantas outras, é preciso considerar também a influência das políticas públicas governamentais na manutenção ou quebra de estruturas racistas. As políticas públicas educacionais hoje são predominantemente universalistas, desconsiderando o contexto extremamente desigual de que partem estudantes brancos e negros. Sendo assim, uma das formas de combater o racismo estrutural é assegurar, na tomada de decisão das políticas educacionais, o reconhecimento dessas diferenças e desigualdades e o entendimento que equidade não significa necessariamente igualdade. A Lei de Cotas e a Lei 10639 são excelentes exemplos de como romper essas estruturas. E esperamos que as iniciativas apoiadas por esse edital permitam identificar novas formas de combater o racismo e o racismo estrutural. 

Fabio Tran – Venture Partner da Imaginable Future

Deloise JesusCombater o mito da democracia racial passa por promover estratégias para que educadores e estudantes possam atuar de forma antirracista. Fortalecer o ecossistema de organizações que atuam no combate às desigualdades raciais é essencial para trilhar este caminho. 

Como sua organização, interna e externamente, vem abordando o racismo? Há ações direcionadas aos colaboradores e diferentes comunidades nas quais vocês atuam?

Fabio Tran – Como uma organização de investimento social privado, entendemos nossa responsabilidade, dado nossa posição de privilégio em um sistema fundamentado sobre a supremacia de pessoas brancas e sobre outras formas de injustiça. 

A equidade racial está no centro da estratégia programática da Imaginable Futures. Temos trabalhado para isso diretamente com organizações comunitárias, através das práticas de educação libertadora das organizações que apoiamos e por meio de recomendações de políticas de apoio para práticas de reparação antirracista, entre outras iniciativas. Além disso, entendemos que o combate ao racismo passa também por uma transformação interna e de como trabalhamos, por isso desde 2019 temos aumentado o letramento racial da equipe e a equidade racial na sua composição, incluindo nossos prestadores de serviço e consultores. A partir de um esforço de diversificar o nosso time, hoje somos uma organização internacional e a maioria dos nossos colaboradores não se identifica como branca. Por fim, como indivíduos, trabalhamos para mudar nossas próprias mentalidades, comportamentos e abordagens. E apesar de todos os nossos esforços, entendemos que, como organização, estamos apenas no começo da nossa jornada antirracista. Temos muito que avançar ainda.

Deloise Jesus –  A Fundação Lemann tem estabelecido metas para promover a equidade racial nas escolas, viabilizando ações que garantem uma trilha de formação para educadores e gestores escolares, realização de pesquisas de engajamento de lideranças educacionais no tema, produção de guias diagnósticos de equidade racial nas redes de ensino; entre outras ações que fomentam parcerias estratégicas pela promoção da equidade racial na educação brasileira.

Além disso, buscamos aumentar a diversidade dentro do nosso próprio time. Com iniciativas centradas na redução de vieses para atração, retenção, inclusão e desenvolvimento de talentos, aumentamos a presença de pessoas negras na composição da nossa equipe – hoje, já representam pouco mais de ⅓ da organização (35%). A Rede de Lideranças da Fundação Lemann também passou a contar com um processo seletivo estruturado e focado na ampliação da representatividade entre os membros e viabilizamos programas como o Alcance, que busca promover mais equidade racial e econômica no acesso a programas de mestrado profissional em algumas das melhores universidades do mundo. 

Deloise de Jesus – Gerente de Equidade Racial da Fundação Lemann

O edital vai alcançar organizações, grupos e coletivos negros. Que elementos estatístico-sociais levaram sua organização a direcionar esse investimento para a população negra?

Fabio Tran – O racismo estrutural permeia o sistema educacional brasileiro, levando a resultados de aprendizagem muito diferentes. Não surpreende que haja uma sub-representação significativa de grupos de pessoas negras e indígenas em posições de poder. Boa parte dos recursos do investimento social privado no Brasil é destinado à Educação, e boa parte dos estudantes que estão no sistema de ensino público são negros. Apesar disso, há pouco investimento no tema equidade racial na Educação e menos ainda  para organizações com lideranças negras. Achamos fundamental direcionar mais investimento social privado para essas organizações.

Deloise Jesus  Diversos indicadores sociais demonstram como o racismo prejudica a população negra. Na Educação, as desigualdades na aprendizagem são contundentes. Um estudo feito pelo Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), analisando dados da avaliação nacional oficial (o Saeb) mostra que, em todos os estados brasileiros, o percentual de crianças pretas com aprendizado adequado é inferior ao de crianças brancas da mesma classe social. Também fica evidente que, quanto mais alto o nível socioeconômico, maior é a diferença entre os aprendizados entre alunos  pretos e não pretos.

Se o fator socioeconômico não explica sozinho tais diferenças, então é preciso reconhecer que também – e sobretudo – a Educação precisará olhar para o racismo que está presente nas práticas educacionais, assim como em tantas outras instâncias da sociedade. Na gestão pública, por exemplo, isso se reflete na representatividade em cargos de liderança. No poder executivo federal, apenas 15,2% dos cargos de segundo e terceiro escalões, nas pastas de Educação, Saúde e Economia, são ocupados por pessoas negras. No poder executivo como um todo, nos mesmos escalões, são 17,7%, de acordo com dados do IPEA (2020). 

Em termos de política pública, a implementação desse edital poderá gerar alguma base de trabalho que possa ser adotada oficialmente (pelo Governo) e melhorar a política educacional no país?

Fabio Tran – O tema do desenvolvimento das identidades e culturas negras e quilombolas é trabalhado por organizações negras há muito tempo no Brasil. Esse edital vem como um reconhecimento da luta histórica desses grupos pelos seus direitos. Temos a expectativa que, a partir desses projetos, possamos sistematizar melhor e dar mais luz ao trabalho dessas organizações para que elas possam seguir cada vez mais pautando a construção de políticas públicas de equidade, dentro e fora do ambiente de educação formal. 

Deloise Jesus –  Como país, é urgente chegarmos ao consenso mínimo de que políticas públicas precisam ser construídas a partir da premissa que seus impactos terão efeitos diferentes nas populações brancas e negras. A gestão pública – que elabora, implementa e monitora essas políticas – precisa refletir com mais justiça nossa demografia, ampliando a representatividade de pessoas negras em cargos de liderança. 

É possível projetar o que poderá ser alcançado por esse edital em termos sociais? 

Fabio Tran – O valor concedido para as organizações contempladas no edital não é só para as ações programáticas dessas organizações. Ele também é destinado ao fortalecimento institucional e desenvolvimento das lideranças das organizações selecionadas. Além do impacto direto das 10 organizações selecionadas na aprendizagem das comunidades em que elas trabalham, esperamos que essas organizações, juntas, influenciem o sistema na direção do que precisa ser feito – e trabalharemos junto ao Fundo Baobá para que essa conexão e esse trabalho em rede aconteça.

Quando vemos as estatísticas da desigualdade social e racial no Brasil podemos ficar desesperançosos com relação ao tema, mas a partir das organizações esperamos enxergar a força e a riqueza da diversidade que a população negra traz para o Brasil, sem ignorar e tentar remediar as consequências negativas do racismo e da opressão desses grupos no país.

Deloise Jesus – Estamos confiantes que a iniciativa é capaz de contribuir com o fortalecimento de  organizações para desenvolver novas tecnologias sociais e para ampliar o leque de estratégias disponíveis para a promoção da equidade racial.

Como sua organização define Equidade Racial? 

Fabio Tran – Justiça. Equidade. Diversidade. Inclusão. O que chamamos de princípios “JEDI” direcionam tudo o que fazemos. Orientam nossas crenças, embasam nossa estratégia e moldam nossa cultura, operações e ações. Equidade racial para nós significa promover justiça, imparcialidade e equidade nos processos, distribuição de recursos e resultados em instituições e sistemas de educação. 

Acreditamos que o acesso equitativo à aprendizagem é fundamental para sociedades saudáveis, justas e prósperas. Cada pessoa, independentemente de raça, formação, etnia, gênero, orientação sexual, religião, renda, saúde e habilidades, deve ter a oportunidade de aprender e tornar o futuro que imagina uma realidade. Sabemos que o racismo, o colonialismo e a cultura patriarcal incorporados nos sistemas educacionais ao redor do mundo fazem com que nem todos tenham a mesma oportunidade de prosperar. Entendemos que o nosso trabalho é sermos parceiros de organizações como o Baobá para eliminar essas barreiras sistêmicas e cocriar soluções para as crianças e jovens e suas respectivas famílias.

Deloise Jesus –  Na iniciativa privada e no terceiro setor, precisamos ser mais explícitos e propositivos no enfrentamento dessas desigualdades raciais profundas e sistêmicas. Muito conscientes do tamanho desse desafio, aqui na Fundação Lemann trouxemos o combate às desigualdades raciais para o centro de todas as nossas frentes de atuação. Assim, traçamos uma visão de futuro que conecta nossos objetivos nas frentes de educação e desenvolvimento de lideranças com conquistas de equidade racial. 

Promover esse edital é contribuir para a promoção da Equidade Racial?

Fabio Tran – Sim, serão selecionadas até 10 organizações, grupos ou coletivos cujas propostas contribuam para o desenvolvimento, aprimoramento e/ou a implementação de políticas educacionais de identificação e enfrentamento do racismo e para o fortalecimento das identidades e culturas negra, quilombola e indígena, com atenção especial para iniciativas focadas em políticas educacionais para crianças, adolescentes e jovens.

Deloise Jesus – O racismo é uma estrutura social complexa e difícil de combater, por isso diferentes estratégias articuladas entre si são necessárias. Acreditamos que o edital é parte importante desse processo. Temos certeza de que tudo isso é só um começo. E de que há muito o que refletir, aprender, planejar, executar e corrigir para que a pauta ganhe mais prioridade, profundidade e consistência dentro da gestão da nossa organização, e de tantas outras instituições e governos. Esperamos poder somar forças e aprender com quem já está há muito mais tempo à frente dessa agenda e incentivar muitos outros a entrar nela também. Nosso sonho de um Brasil que acredita nas pessoas e de pessoas que acreditam no Brasil certamente depende disso. 

Baobá na imprensa em Junho

Por Ingrid Ferreira

No mês de junho o Fundo Baobá para Equidade Racial foi citado em diferentes veículos da mídia, tais como o Valor, que contou com a entrevista do Diretor Executivo, Giovanni Harvey, na matéria “Fundo Baobá ganha reforço de US$ 5 milhões”, falou a respeito da doação realizada pela bilionária Mackenzie Scott. O texto também ganhou espaço na versão impressa do jornal e foi compartilhado pela Demarest Advogados.

O site Tozzi publicou o título “Captação e rentabilidade: desafios institucionais na gestão de fundos patrimoniais no Brasil” em que explica a funcionalidade e o que é um fundo patrimonial. O Diário do Litoral citou o Baobá no texto “Instituto Procomum e Coletivo Afrotu recebem Encontro Afrolab, em Santos”, destacando a parceria entre o Fundo e o Pretahub, realizador do Afrolab.

O GIFE mencionou o Baobá na matéria “Apenas 2,7% das Organizações da Sociedade Civil receberam recursos federais entre 2010 e 2018”, em que o Fundo é usado como exemplo, para falar da importância dos investimentos em instituições com histórico de atuação em ações de  promoção da igualdade e da equidade racial.

As redes sociais também foram palco para o Baobá, a Tribuna Afro Brasileira no Facebook postou “O Fundo Baobá está há 10 anos dedicado na promoção da equidade racial no Brasil e precisa da sua ajuda para seguir investindo em projetos”. 

APOIADAS DO FUNDO BAOBÁ:

O Coletiva Negras Que Movem do Portal Gelédes teve um grande fluxo de matérias no mês de junho, sendo elas: “2022, um ano de muitos questionamentos e dúvidas: Como será o amanhã nas escolas públicas?”; “Rede de mulheres negras discute justiça social em campanha intitulada “Meu Corpo É Templo”’; “A musculatura dos afetos. É preciso dançar o xirê da dignidade” e “A questão racial no Brasil hoje: O que eu aprendi com Sueli Carneiro?”.

A Tayna Maisa também publicou no instagram um post falando sobre o seu novo cardápio de comidas afro juninas, e mencionou o Baobá apontando o Fundo como um mecanismo muito importante para auxiliar pessoas pretas a enxergarem suas pautas e encontrarem caminhos para tornarem-se pessoas prósperas.

O @canalmynews no instagram entrevistou a apoiada Clara Marinho (@claramp), que falou: “O Brasil pode ser um país rico, com distribuição de renda adequada, que valorize os talentos das pessoas negras”. E a Julia Moa (@juliamoa___), mencionou o Baobá ao falar: “Tive o privilégio de integrar o corpo de jornalistas que produziu as reportagens sobre os frutos do primeiro ‘Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Negras: Marielle Franco’, iniciativa do @fundobaoba”.

Culinária como meio de resistência na vida de mulheres negras

Donatárias do edital Negros, Negócios e Alimentação contam como a culinária tornou-se mecanismo de emancipação  para elas e suas famílias

Por Ingrid Ferreira 

Julho, para o movimento de mulheres negras,  é marcado por ser o mês das Pretas, mês daquelas que,  há séculos, se reinventam para se sustentarem e às suas famílias; daquelas que, mesmo com todas as dificuldades, movem montanhas e unem forças para transformar suas vidas e das pessoas à sua volta.

E a culinária é um meio de resistência adotado por muitas mulheres negras, como é possível observar no edital Negros, Negócios e Alimentação do Fundo Baobá para Equidade Racial. O grupo de donatários deste edital é composto, em grande parte, por mulheres que usaram da culinária para reconstruir suas vidas e transformar suas histórias, a de suas famílias e a de sua comunidade. 

Rozenir Maria da Silva Nascimento, uma das donatárias, proprietária do Tempero de Rosa conta um pouco da sua história: “Eu comecei meu negócio na frente da minha casa. Eu tive um casamento bem difícil, e um dia, já com duas filhas me vi sem nada pra comer em casa, uma vizinha tinha um pé de coco, e eu meio quilo de açúcar e apenas um pouco de farinha em casa, então pedi para retirar os cocos e fiz um mingau para as minhas filhas. Como eu nunca fui de me conformar com as coisas, me dei conta que havia uma escola na frente de casa, então o que restou do coco eu fiz uma cocada e fui pedir para a diretora da escola se poderia vender lá na hora do intervalo, ela autorizou e eu vendi toda cocada que eu fiz; perguntei a ela se poderia voltar a tarde, ela permitiu, então peguei o dinheiro da primeira venda e comprei mais açúcar para fazer mais para aquele dia e já para o dia seguinte. Consegui dinheiro suficiente para comprar pão, leite, ovos, trigo, margarina… No outro dia, além da cocada, levei bolo, e assim eu fiz até completar 18 anos e poder trabalhar de carteira assinada”.

Rozenir Maria da Silva Nascimento – Proprietária da empresa Tempero de Rosa – Recife

Dona Rosa, como é conhecida,  não conseguiu terminar o ensino médio, contudo, encontrou na cozinha uma forma de persistir, criar suas 4 filhas, forma-las, apoiar sua comunidade e construir uma rede de apoio para outras mulheres. Como ela mesma relatou: “Todos que trabalham comigo, são de Recife, dos bairros, da comunidade, o que me deixou mais orgulhosa”. E ela também conta que dos 22 funcionários, 20 são mulheres e que ela gostaria muito de construir uma rede de funcionárias, exclusivamente constituída por mulheres, pois segundo ela, as mulheres são as que mais enfrentam dificuldades na hora de conseguir um emprego, principalmente as mulheres pretas e pobres como ela.

Há histórias ancestrais na culinária e uma enorme relação de afeto também, tanto que Dona Rosa conta que chegou a fazer um curso de enfermagem, mas nunca atuou na área, porque a sua paixão era mesmo a culinária. Cheia de orgulho,  demonstra que faz e sabe fazer comida e que, por esse caminho, construiu a sua vida.

Além da Dona Rosa, as empreendedoras Rosana Rodrigues Ramos, proprietária da D’licias da Rosana, e Angélica Nobre de Lima Silva, da Angu das Artes também contaram um pouco sobre suas histórias.

Rosana conta que deu início ao seu negócio em 2017, quando saiu do trabalho após o nascimento de sua filha – onde mora não tinha creche e ela não tinha com quem deixar a criança.  E segue seu relato: “Como sempre gostei de cozinhar, e anos atrás tinha feito um curso de doces e salgados,  decidi colocar lanches para vender. No aniversário da minha filha de 1 ano, eu fiz tudo da festa, doces, salgados, bolos e tortas, tanto doce quanto salgada. E todas as pessoas que vieram para festa ficaram perguntando quem havia feito, porque estava tudo muito bom, quando falei que havia sido eu, todos ficaram falando que eu poderia fazer para vender. Logo começaram os pedidos e encomendas, e desde então não parei mais”.

Rosana Rodrigues Ramos – Proprietária da D’licias da Rosana – Recife

A empresária também fala que o que a move na cozinha é amor, e que na culinária é onde ela se conecta com sua ancestralidade, sendo  possível unir todas as nações. Rosana conta que sua comunidade é muito participativa na divulgação de seu negócio, e que ela teve a preocupação de contratar alguém da região para ajudá-la na comunicação e que faz o mesmo quando tem muitas encomendas.

Já Angélica proprietária da empresa Angu das Artes, tem o foco em uma culinária sustentável, com  aproveitamento de todas as partes do alimento e nos conta um pouco sobre como seu negócio começou: “Sou gestora ambiental e comecei na minha comunidade que fica na zona norte do Recife, no Alto Santa Isabel, a fazer conscientização ambiental, aulas de artesanato e com isso a levar lanche que sempre fiz em casa aproveitando toda parte do alimento. As pessoas ficaram encantadas e, em pouco tempo, estava passando o conhecimento para muitas mulheres da comunidade, através de oficinas. Isso aconteceu em 2018 onde no final do ano eu já era chamada pra dar oficina de forma itinerante”.

Angélica Nobre de Lima Silva – Proprietária da empresa Angu das Artes – Recife

Angélica relata que passou por um processo de separação e, com muitas dificuldades financeiras, começou a vender seus produtos em feirinhas, eventos e fazer coffee break. Mas logo veio a pandemia e o seu negócio passou a ser itinerante. Hoje, além de fazer comidas sustentáveis, servir em coffee break, feiras e eventos, está se preparando para desenvolver o turismo criativo e servir num espaço de sua casa, em sua  comunidade. Ademais o envolvimento com a comunidade, a empresa Angu das Arte tornou-se um negócio familiar e hoje os dois filhos de Angélica atuam com ela.

Angélica conta que: “Cozinhar sempre foi minha paixão, mas fazia por hobby, passou a ser necessidade e hoje faço como propósito de vida pois uso do que é desperdício de alimento para a maioria da população, como meio de sobrevivência e como ferramenta de combate à fome. Hoje sou realizada com o que faço e minha maior inspiração é minha mãe pois na minha infância ela tirava da alimentação de porcos que criava, o alimento pra eu e meu irmão não passar fome.”

Essas três mulheres possuem histórias diferentes, conectadas por um fator em comum que as auxiliou a reconstruir suas vidas, a culinária. Ao  dedicarem-se a esse conhecimento milenar seguem buscando superar as dificuldades e a motivar pessoas, em especial mulheres negras, a acreditarem que as mudanças são possíveis. 

Textos selecionados no edital Chamada de Artigos são compilados em publicação bilíngue

Fundo Baobá publica livro com artigos de donatários(as) e conta com a participação de Mel Adún proprietária da editora Ogum’s Toque na sua edição

Por Ingrid Ferreira

Em 2020, o Fundo Baobá fez uma chamada para artigos para subsidiar  a sua atuação no contexto da pandemia da Covid-19, integrando o projeto “Consolidando Capacidades e Ampliando Fronteiras”, realizado em parceria com a Fundação Ford. Foram selecionados 19 artigos, que receberam um apoio de R$ 2,5 mil cada.

O Baobá se comprometeu com uma publicação eletrônica, bilíngue. Uma publicação amigável, embora seguindo regras editoriais rigorosas, cuidadosamente aplicadas.  A  editora escolhida para realizar esse trabalho foi a Ogum’s Toque,  que nasceu oficialmente em 2014, em Salvador, Bahia, mas cuja  movimentação na cena literária começou em 2011.

A proprietária Mel Adún conta como aconteceu o processo de criação da empresa.  “Em 2011,  levamos à Bahia mais de 60 escritoras e escritores negros de diversas partes do país, e fora, para falar da sua produção literária no evento Ogum’s Toques do/a Escritor/a (OTE), atividade cujo objetivo principal era formação de público leitor. Contamos com nomes importantes da literatura negra brasileira e internacional como Abelardo Rodrigues, Oswaldo de Camargo, Miriam Alves, Isabel Ferreira entre tantos outros. Contudo,  é a partir da participação fatídica do Brasil na Feira de Frankfurt em 2013 – quando a Feira homenageava a diversidade brasileira e o governo mandou 70 escritores para representar o país, sendo 1 negro, 1 indígena e 68 brancos – que resolvemos nos publicar. No mesmo ano escrevemos uma nota de repúdio que foi traduzida para o inglês e para o alemão e assinada por mais de cem escritoras negras e escritores negros e lançamos a Coletânea Poética Ogum’s Toques Negros,  com 22 poetas de diferentes gerações da Literatura Negra brasileira. Daí percebemos que não havia outro caminho e, em 2014/15, lançamos o livro Encantadas,  do poeta José Carlos Limeira (1951/2016).  De lá pra cá, publicamos mais de 20 livros e seguimos publicando, em ritmo de ijexá, textos que acreditamos que precisam ser publicados”.

Mel Adún – Proprietário da editora Ogum’s Toque

Mel conta que cresceu em uma casa onde seus pais valorizavam muito os livros.  Ao relembrar suas memórias de infância, ela conta que a sala tinha suas paredes recheadas de estantes de madeira que abrigavam os livros que, desde cedo, tornaram-se seus companheiros. Um  dos frequentadores de sua casa era José Carlos Limeira e que ele foi a pessoa que leu seus escritos e a aconselhou que ela os enviasse para participar dos Cadernos Negros.

Ao ser questionada sobre como o mercado nacional e internacional se comporta frente à literatura negra, Mel afirma que: “Se hoje o termo Literatura Negra é recebido com reservas pelo mercado editorial hegemônico, quando começamos a Ogum’s era pior ainda. Contudo, atualmente,  a escrita negra foi descoberta enquanto nicho, enquanto commodities, pelas editoras hegemônicas e vinculadas ao grande capital, o que dá a falsa impressão de que não existem mais problemas no campo editorial nesse sentido. Curiosamente, essas mesmas editoras que se mostram sensíveis à escrita negra hoje – mesmo que esse montante não alcance 10%  dos seus catálogos – não se manifestaram ou esboçaram qualquer reação perante aquela lista da Feira de Frankfurt. Ou seja, como afirma a escritora Zadie Smith, o capital é pragmático e quando necessário nos transforma em commodities preservando os mecanismos de controle. Enquanto houver racismo, enquanto pessoas negras forem desumanizadas, enquanto o racismo sistêmico fizer parte da sociedade brasileira ou de qualquer outra, estaremos sempre em desvantagem no campo editorial assim como em todos os outros campos. E enquanto essa for a nossa realidade, nosso trabalho e nossa arte é nicho para apreciação de terceiros, mas a riqueza gerada a partir do nosso labor nunca será igualmente compartilhada entre os iguais a nós. Não serão as nossas futuras gerações que estarão com o futuro garantido”.

A fala da Mel Adún reitera a complexidade do racismo estrutural e sobre como impacta as pessoas e a sociedade em diferentes aspectos. Fica nítido que trabalhar com uma editora dedicada à produção negra é resistir e lutar para que os saberes compartilhados estejam acima do capital e do ideário hegemônico  imposto por uma estrutura racista de sociedade.  E, neste sentido, Mel destaca que é a primeira vez que a editora publica um livro com conotações mais científicas e, com base nessa experiência afirma: “Nós temos publicações teóricas e críticas no campo literário e essa experiência com o “Consolidando Capacidades e Ampliando Fronteiras: Filantropia para Equidade Racial no Brasil” foi muito boa. Temos que enfrentar o genocídio da população negra e também o epistemicídio dos nossos saberes. Iniciativas como essas do Fundo Baobá são muito importantes”.

Como a aprovação do projeto de lei de “Homeschooling” pode impactar crianças e jovens negros

 Gabi Coelho

O Projeto de Lei 1338/2022 foi aprovado na Câmara dos Deputados no dia 19 de maio de 2022 como PL 3179/2012 devido ao fato de substituir o projeto anterior – proposto pelo deputado Lincoln Portela (PL-MG) – enquanto uma nova proposta idealizada pela deputada Luisa Canziani (PSD-PR). Esse projeto pauta a prática da Educação Domiciliar no Brasil. A palavra “homeschooling” designa um método cujo objetivo seria que o jovem ou criança aprendesse em casa ao invés de frequentar a escola de maneira regular e os encarregados do ensino seriam seus pais ou responsáveis.

CONTEXTUALIZANDO A HISTÓRIA

Quando falamos sobre Educação Domiciliar, precisamos enfatizar os principais aspectos relacionados à realidade brasileira que irão se fundir à nova realidade que poderá ser estabelecida pelo projeto caso ele seja aprovado. O Brasil, por se tratar do último país independente nas Américas a abolir a escravidão, as desigualdades acabaram se tornando um “carimbo” na realidade de pretos e pobres. Esse grupo de pessoas seguiu sua trajetória de maneira desfavorecida e marginalizada. As oportunidades eram quase nulas e a cidadania não lhes era atribuída. No instante em que tiveram acesso à Educação pública – o que definitivamente não aconteceu logo após a expulsão dos jesuítas e as mudanças realizadas por Marquês de Pombal, visto que para essa enorme parcela da população até o que consideramos hoje como um direito básico, o acesso à Educação, era algo difícil (ou até mesmo impossível) de se ter acesso -, tais pessoas passaram a enfrentar novas dificuldades, como a precarização desse serviço público, o que diretamente colocava os jovens negros e pobres em condições educacionais extremamente desiguais em relação aos jovens brancos que possuíam melhor condição financeira e consequentemente acesso a um ensino de melhor qualidade.

A REALIDADE ATUAL

Depois dessa contextualização, podemos “mover” esse cenário para a atualidade: jovens negros e pobres cujo acesso ao ensino é precarizado justamente por se tratar de um serviço público que, por muitas vezes, sofre com o descaso de representantes eleitos que são inaptos para lidar com a pauta educacional. Ainda que esse projeto de lei possua determinadas regras para que seja possível que os responsáveis insiram o jovem/criança nessa prática, quem poderá nos garantir o cumprimento de tais normas se nem mesmo conseguimos ter a garantia de um ensino público de qualidade?

Outra questão importante é que, a partir do momento em que o projeto for aprovado, estarão sendo estabelecidos precedentes para que as verbas públicas destinadas à Educação sejam drasticamente diminuídas utilizando-se do argumento de que seria possível ensinar em casa e por isso reduzir os investimentos nas escolas, além de um outro precedente muito perigoso: a possibilidade de se implementar a obrigatoriedade desse tipo de ensino. O que seriam das nossas escolas? O que seriam dos nossos professores? O que seria da qualidade de ensino se esses jovens fossem todos submetidos ao ensino domiciliar de maneira a “(…) garantir o desenvolvimento pleno das nossas crianças”, como afirmou a autora do projeto durante a sessão em que o PL foi aprovado?

O RACISMO ESTRUTURAL E A ESCOLA

Existem dois outros tópicos que precisamos analisar em relação a essa prática: o racismo e a qualidade do ensino. A escola, enquanto um dos responsáveis pela construção da visão de mundo dos jovens e crianças que a frequentam, estaria sendo diretamente golpeada em uma de suas principais funções. Como essas crianças terão acesso às pautas antirracistas e aos temas que debatem negritude e ancestralidade se os adeptos do homeschooling representam o lado político cuja prática frequente é a descredibilização de abordagens progressistas e a propagação do ideal meritocrático? 

Quando falamos sobre melhor a qualidade da vida em sociedade de jovens, principalmente jovens negros, não podemos cair na armadilha de crer que tudo se trata de mérito, que a meritocracia seria a principal  responsável pela melhora da realidade dos indivíduos. Crer que somente trabalhar duro torna possível alcançar todos os próprios objetivos é algo que soa muito bem para pessoas que têm acesso às oportunidades de maneira quase que instantânea, sem necessitar de esforço, como é o caso de jovens brancos brasileiros que nascem em famílias cuja condição financeira possibilitará frequentar boas escolas, realizar diversos cursos e consequentemente se preparar melhor para o mercado de trabalho. 

Essa discussão não pode e nem deve ser baseada em esforço ou em mérito somente, é necessário falar sobre investimento e suporte para que os menos favorecidos possuam maiores oportunidades. Sem a chance de mostrar o próprio potencial e ocupar novos espaços, não há meritocracia que resolva as desigualdades socioeconômicas que assolam a juventude negra no Brasil.

De acordo com a mostra Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) Contínua Educação 2019 realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), pessoas negras apresentam um nível de analfabetismo três vezes maior do que pessoas brancas. Segundo esses dados, em 2019 8,9% das pessoas pretas e pardas com 15 anos ou mais eram analfabetas, contra 3,6% de pessoas brancas. O Brasil precisa de tempo, mais recursos e melhor administração para se recuperar dos prejuízos que a pandemia nos trouxe. Caso esses jovens negros sejam inseridos numa realidade de  ensino domiciliar, o que será da qualidade de aprendizado e do futuro dessas pessoas?

Evidentemente a pandemia afetou diretamente o acesso ao ensino e dificultou o processo de ensino-aprendizagem. Um estudo divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) no último dia 19 de janeiro mostrou que, entre as crianças com idade de 5 a 9 anos, a evasão escolar aumentou em 197,8% entre 2019 e 2020. Um outro ponto que pode ser visto como, no mínimo, curioso, é o fato de poucas pesquisas estarem focadas em retratar como crianças e jovens negros foram impactados pela pandemia e pelas dificuldades de ter acesso à internet para estudar e mias especificamente retratar as diversas questões que podem ter os levado a abandonar a escola.

A realidade do ensino remoto envolveu problemas que vão desde a dificuldade de acesso a aparelhos eletrônicos e à internet até a necessidade de ajudar nos afazeres de casa e no orçamento familiar. É imprescindível que uma maior quantidade de pesquisas abordem esses aspectos da vida de jovens negros no Brasil, como a evasão escolar, o trabalho infantil e o decaimento da qualidade do ensino devido ao cenário pandêmico.

Em entrevista para o Monitor Mercantil, o psicólogo Filipe Colombini falou sobre a importância da escola: “O ambiente escolar é fundamental para a socialização. A escola vai muito além das provas e avaliações. É neste lugar que, já na primeira infância, a criança vai ter um modelo social, estranho a sua família, onde ela terá de aprender a lidar com seus impulsos e que é fundamental para o seu desenvolvimento”. Colombini também falou sobre a vida em sociedade: “(…) “viver em sociedade é difícil, porém, a escola é um recorte disso, e fugir da escola é também fugir da sociedade.”.

O FUNDO BAOBÁ E O INVESTIMENTO EM EDUCAÇÃO

Com o objetivo de contribuir para o acesso de jovens negros à Educação, o Fundo Baobá apoia iniciativas como oPrograma Já É: Educação e Equidade racial. Trata-se de um projeto cujo objetivo principal é auxiliar jovens negros a entrarem na universidade, prioritariamente universidades públicas, através dos seguintes benefícios: “Bolsa de estudos em cursinho preparatório para o vestibular, Mentorias coletivas e individuais para ampliar habilidades socioemocionais e acadêmicas​, Laptop e acesso à internet e Pagamento de despesas de transporte e alimentação”, de acordo o portal do Fundo Baobá.

Nelson Mandela: A Vitória da Vida Contra a Submissão

    Por Wagner Prado

Em 18 de julho de 1988, um show realizado no antigo estádio de Wembley, em Londres (Inglaterra), chamou a atenção do mundo. Artistas dos Estados Unidos, da Europa e da África estavam unidos para celebrar o aniversário de Nelson Mandela, líder da revolução contra o Apartheid (regime de separação racial) na África do Sul. Mandela completava então 70 anos de vida. Desses 70, 25 ele havia passado na cadeia. Sentenciado a cumprir prisão perpétua em 1963, ele havia sido acusado de traição por liderar revoltas que colocavam o regime segregacionista em cheque. Mandela era líder do CNA (Congresso Nacional Africano) e, para derrubar o Apartheid, encorajava a luta armada.

Rolihlahla Mandela nasceu em 1918 em uma tribo no povoado de Mvezo, província do Cabo Oriental, na África do Sul. Devido à influência inglesa na colonização sul-africana, quando foi matriculado na escola foi determinado a ele um nome inglês. Em homenagem ao almirante Horatio Nelson, da Marinha Britânica, que se tornou famoso por ter enfrentado as tropas de Napoleão Bonaparte, Mandela acabou recebendo o nome Nelson. Ele foi para a escola porque fazia parte da aristocracia tribal. Era sobrinho do rei e isso o ajudou a chegar ao nível universitário. 

A luta contra as injustiças influenciaram a vida de Nelson Mandela desde cedo. Ao ingressar na Universidade de Fort Hare, a única da África do Sul  que aceitava alunos negros, logo  se envolveu com a política estudantil. Ao protestar contra a qualidade da comida que era servida aos alunos, recebeu uma reprimenda. Entre baixar a cabeça, se retratar e seguir a trilha dos contestadores, ficou com a segunda opção, deixou a universidade e mudou-se para Joanesburgo. Acabou concluindo o curso de Direito, por correspondência, na Universidade da África do Sul. Para sobreviver em Joanesburgo, consegue um emprego como guarda em uma mina de ouro. Ali, toma conhecimento de todas as atrocidades pelas quais os negros passavam como funcionários e cidadãos. 

Sua trajetória como advogado começa em 1942. Um escritório de Direito abre uma vaga destinada a um negro. Mandela consegue a vaga e exercendo seu trabalho toma contato com o Congresso Nacional Africano. Crítico, ele discorda da passividade do CNA no que dizia respeito à falta de posicionamento diante das atrocidades que a segregação impunha ao povo preto. Mandela funda a Liga da Juventude do CNA, uma ala radical pela defesa dos valores culturais negros sul-africanos. A Liga da Juventude do CNA prega a desobediência civil contra o regime segregacionista. 

Shaperville

O Massacre de Shaperville, em março de 1960, foi determinante para a prisão de Mandela. A população negra decidiu protestar de forma pacífica contra a Lei do Passe. Eles eram obrigados a portar uma caderneta que determinava os lugares para onde poderiam ir. Quem fosse pego em outra área que não as determinadas na caderneta era preso de forma sumária. Cerca de 30 mil pessoas foram para as ruas pedir o final da Lei do Passe. A polícia decidiu acabar com a Marcha atirando, com isso seus agentes assassinaram 69 pessoas. Outras 186 foram feridas. Mandela foi arrolado como um dos responsáveis pela Marcha, acusado de traição e condenado à prisão perpétua em 1963 com outros líderes do CNA e do Congresso Pan-Africano. 

O massacre, a prisão de Mandela e outros líderes fizeram o mundo prestar maior atenção no que acontecia na África do Sul. Em 1976, com Mandela preso há 13 anos, rebeliões contra o Apartheid eclodiram por todo país. A revolta era principalmente contra a obrigatoriedade de se falar o africâner nas escolas, língua derivada do holandês e que foi desenvolvida na África do Sul no período de colonização. O governo rechaçou as rebeliões matando 1.000 pessoas e prendendo outras 6.000. Movimentos antiapartheid passaram a surgir no mundo todo, pedindo o fim do regime e, a reboque, a libertação de Mandela e de outros líderes. 

Contrainformação

Para provar que o preso Mandela era  bem tratado na prisão de Robben Island, as autoridades sul-africanas promoveram um convite a jornalistas de vários países para irem à prisão e se avistarem com ele. Mandela não perdeu a oportunidade, aproveitou a presença dos jornalistas e falou da situação do seu país. Como resultado, acabou transferido de Robben Island para a prisão de Pollsmoor, onde ficou de 1982 a 1988. Depois de Pollsmoor, uma nova transferência, agora para a prisão de Victor Verster, onde ficou de 1988 a até sua libertação em 1990.  

A Liberdade

Sentindo que a África do Sul poderia passar por uma guerra civil, dado o avanço da extrema direita, que não queria perder os privilégios do Apartheid, e a consequente resistência negra aos direitistas, o então presidente Pieter Botha passou a negociar a libertação de Nelson Mandela. A intenção de Botha era  que Mandela fizesse uma renúncia oficial à luta armada, fato que nunca ocorreu. Tudo estava sendo alinhavado, mas Botha teve uma doença grave que culminou com o seu afastamento da presidência. O bastão foi passado para Frederik De Klerk, que seguiu na mesma estratégia. Em dezembro de 1989, De Klerk manda tirar Mandela da prisão para um encontro na sede do governo sul-africano.  Segundo depoimento de De Klerk, naquela noite do jantar com Mandela, eles não tocaram no assunto da libertação e nem sobre o fim do regime separatista-assassino. Teria sido apenas um encontro de conhecimento mútuo. Porém, dois meses depois, Frederick De Klerk vai até o Parlamento e, em discurso, declara que estavam canceladas todas as prerrogativas que proibiam as atividades do Congresso Nacional Africano, do Congresso Pan-Africano e do Partido Comunista Sul-Africano. Além disso, todos os líderes dessas organizações, detidos pelos seus crimes, seriam libertados. Em 11 de fevereiro de 1990, após 27 anos de cativeiro, Nelson Mandela é libertado. 

Queda do Apartheid    

Para quem pensou que a liberdade colocaria fim aos anseios de Mandela, enganou-se. A busca dele não era pela liberdade. Seu objetivo maior era colocar fim ao regime que oprimia seu povo. Em 13 de fevereiro de 1990, Mandela faz um discurso no estádio Soccer City, em Joanesburgo, e clama pela democracia: “A África do Sul só será livre quando o seu governo for eleito democraticamente”. Mandela sai em viagens ao exterior, angariando simpatia e apoio de grandes líderes mundiais, que o recebiam com honras de chefe de Estado. A pressão pela democracia na África do Sul passou a ser mundial. Frederick De Klerk convoca um plebiscito para saber se as negociações com o CNA continuariam. Apenas a população branca votaria. O “SIM” ganhou de forma esmagadora, com 68% dos votos. O caminho para a convocação de eleições estava aberto. Pelas contribuições em busca do entendimento entre brancos e negros na África do Sul, Nelson Mandela e Frederick De Klerk ganharam o Prêmio Nobel da Paz em 1993. 

Mandela Presidente

Em 27 de abril de 1994 ocorrem as primeiras eleições democráticas na África do Sul. O Congresso Nacional Africano, tendo Nelson Mandela como candidato a presidente, venceu a eleição com 12.237.655 votos; o Partido Nacional ficou com 3.983.690 e o Partido da Liberdade Inkhata ficou com 2.058.294. Mandela se tranformava no primeiro presidente negro a comandar a África do Sul pós-Apartheid. 

Mandela em Filmes, Músicas e Livros

Invictus – filme de 2009

Nelson Mandela é interpretado por Morgan Freeman

Após assumir a presidência, Mandela traça uma estratégia para unir brancos e negros na África do Sul. O esporte é a saída e ele usa a Copa do Mundo de Rúgbi de 1995 para isso.

Mandela: Longo Caminho para a Liberdade – filme de 2013

Nelson Mandela é interpretado por Idris Elba

O filme é baseado na biografia de Mandela, cujo nome é o mesmo do filme. Traça um bom retrato do que forjou o espírito aguerrido e a resiliência de um dos maiores líderes do mundo moderno.

Mandela Day – Música do Simple Minds

A música foi escrita e tocada pela primeira vez no aniversário de 70 anos de Nelson Mandela, durante show no estádio de Wembley, em Londres. O show pedia a liberdade do líder sul-africano.

Free Nelson Mandela – Música do The Specials

Longo Caminho para a Liberdade – Livro de 1994

Relata a infância, juventude, ativismo e os 27 anos em que Mandela passou na prisão.

Cartas da Prisão de Nelson Mandela – O livro traz 200 cartas escritas por Mandela durante os 27 anos em que esteve aprisionado. São registros de inspiradoras reflexões de um homem que soube resistir até alcançar seu objetivo: a queda do regime racista do Apartheid na África do Sul.

Fontes: 

Documentário Nelson Mandela, o Homem por Trás da Lenda – NatGeo

Documentário Nelson Mandela: Apartheid, Racismo e Um Longo Caminho para a Liberdade – Youtube

Show Mandela Day – Julho de 1988 – Youtube

Longo Caminho para a Liberdade – Livro

Dia Nacional Contra o Racismo. Quais as suas origens

Em meio aos ataques racistas feitos pelo brasileiro Nelson Piquet ao piloto Lewis Hamilton, primeira lei antirracista brasileira completa 71 anos

Por Wagner Prado

Em 28 de junho, o mundo ficou surpreso após ser divulgado o áudio de uma entrevista do três vezes campeão de Fórmula 1, o brasileiro Nelson Piquet, chamando o sete vezes campeão do mesmo esporte, o britânico Lewis Hamilton, de neguinho. A divulgação do áudio ocorreu às vésperas do Dia Nacional Contra o Racismo, que no Brasil é comemorado em 3 de julho. 

O ato racista de Piquet, esportista que marcou sua trajetória pelos impropérios que sempre saíram de sua boca, foi condenado por grande parte da sociedade brasileira e mundial e já rendeu uma denúncia ao Ministério Público do Distrito Federal, que poderá resultar em  processo criminal com pena prevista de um a três anos de detenção. O crime é o de Injúria Racial. Tanto o racismo quanto a injúria racial são caracterizados como uma maneira de discriminar as pessoas com base em questões raciais ou cor da pele. 

Piquet chamou Lewis Hamilton de neguinho, pelo menos quatro vezes, ao analisar um lance do Grande Prêmio de Silverstone, na Inglaterra, em 2021, em que Hamilton não permite ser ultrapassado pelo belgo-holandês Max Verstappen, da equipe Red Bull. Verstappen é namorado de Kelly Piquet, filha de Nelson. 

O Dia Nacional Contra o Racismo foi instituído em 3 de julho de 1951. Naquela data, o então presidente Getulio Vargas (1882/1954) assinou a Lei 1390/51, de autoria do deputado Afonso Arinos de Melo Franco (1905/1990), que condenava a discriminação racial no Brasil. A lei ficou popularmente conhecida como Lei Afonso Arinos. Em seu texto, ela determinava o seguinte:Constitui contravenção penal, punida nos termos desta Lei, a recusa, por parte de estabelecimento comercial ou de ensino de qualquer natureza, de hospedar, servir, atender ou receber cliente, comprador ou aluno, por preconceito de raça ou de cor.” 

Em 1989, após a promulgação da Nova Constituição do Brasil, ocorrida em 1988, é instituída a Lei CAÓ, a Lei 7716, de 5 de janeiro de 1989, que amplia para crime as ações resultantes de preconceito de raça ou de cor. A lei ficou conhecida como Lei CAÓ, apelido do então deputado federal, advogado e jornalista Carlos Alberto Oliveira. Já em 13 de maio de 1997, a Lei 9.459 faz alterações na lei de 1989, estendendo também a lei para a punição a crimes de preconceito por etnia, religião  ou procedência nacional, que é a ofensa a alguém que vem de outro país e seu gentílico (italiano, japonês, sudanês, por exemplo) é usado de forma pejorativa e/ou  ofensiva. 

A professora Ynaê Lopes dos Santos, doutora em História  Social e pesquisadora, autora do livro “Racismo brasileiro: uma história da formação do país”, em entrevista à rádio CBN-SP deu sua visão sobre o que é o racismo. “O racismo é um sistema de poder. Quem paga o ônus desse sistema são as pessoas não brancas: negros e indígenas. O racismo é um problema da sociedade brasileira e, para desconstruí-lo é necessário que as pessoas brancas tomem consciência dessa sistematização do racismo em suas próprias vidas. Elas têm que tomar consciência de que têm o usufruto dos privilégios do racismo, mesmo que elas não tenham clareza sobre isso.  A Educação é a principal forma de transformar essa nossa condição profundamente racista.” 

A professora Ynaê fala em desconstrução. O primeiro alvo dessa desconstrução seria a queda de estereótipos que reforçam, de maneira infeliz, a representação social negativa sobre as pessoas pretas. Ações educativas antirracistas têm que ser adotadas de formas mais efetivas. E aqui não se está falando apenas em ações que possam ser implementadas exclusivamente no ambiente educacional-escolar-formativo. A análise é sobre o cotidiano formativo de qualquer pessoa. O volume de (des)informação recebido pelas pessoas reforça preconceitos, reitera estigmas, influencia atitudes e comportamentos discriminatórios, pois molda sua (des)educação para muito além do que é passado nos bancos escolares.

Programa Já É: Mentoria contribui para fortalecer potencialidades

Estudantes  do Programa que incentiva o acesso ao ensino superior, além das aulas contam com orientação de especialistas para alcançar o objetivo de chegar à universidade e permanecer nela

                                          Por Wagner Prado

Quando é que surge em alguém o sentimento de pertencimento? A resposta é simples: quando a pessoa identifica a si mesma como parte de uma comunidade já estabelecida ou que está se estabelecendo. Apesar da simples resposta, a engrenagem que move sentimentos e sentidos e faz a pessoa alcançar a tal sensação de pertencimento é que é um tanto complicada. Mas não é intransponível. 

Estudantes  do Programa Já É, do Fundo Baobá para Equidade Racial, estão sendo orientados para alcançar a sensação de pertencimento. São jovens negras, negros e negres da cidade de São Paulo e da região metropolitana, moradores de bairros e/ou comunidades periféricas, do sexo masculino e feminino, cis (pessoa que se identifica com o gênero que foi atribuído a ela no nascimento), trans (pessoa que não se identifica com o gênero que foi atribuído a ela no nascimento)  e não binários (pessoa designada como menino ou menina ao nascer, mas que não tem identificação com nenhum desses dois gêneros)

O Já É é um programa de acesso e permanência no ensino superior, de preferência em universidades públicas, para esses jovens negros . Ele procura ampliar as oportunidades de acesso ao ensino de nível superior em algumas das melhores instituições de ensino do país, quer sejam elas gratuitas ou pagas. Acontece que esse grupo de jovens, ao longo de suas trajetórias pessoais, não foi contemplado com o melhor ensino no nível básico. Portanto, carregam algumas defasagens que precisam e estão sendo superadas. O Programa Já É está em seu segundo ano de execução. Neste segundo ano é apoiado pela empresa MetLife, que fez aporte de R$ 1 milhão para o desenvolvimento dos e das estudantes. 

Caminhos da superação

Mas como superar disparidades que colocam quem teve maior poder aquisitivo e pôde frequentar as melhores instituições particulares de ensino, desde a base, no caminho preferencial? O estabelecimento de políticas públicas não governamentais, que sejam afirmativas e gerem oportunidades de desenvolvimento de potencialidades. 

O Fundo Baobá, na elaboração do projeto do Programa Já É, estabeleceu que os estudantes selecionados teriam mentorias de caráter coletivo e de caráter individual com foco na ampliação de suas potencialidades acadêmicas e também suas potencialidades socioemocionais. 

Essa atividade de mentorias é metodologicamente  voltada para pessoas pretas. Ela aborda, de forma sistêmica o processo de estudo que será empregado, considerando os efeitos psicossociais do racismo como algo de extrema singularidade na experiência educacional de cada pessoa. É uma jornada de autoconhecimento em busca de transformação, que reforça as positividades existentes e procura dirimir as negatividades. O resultado pode ser observado em aspectos como a importância de se organizar para a concretização de projetos pessoais, para reter as informações trazidas pelo estudo e também para a realização dos afazeres profissionais. 

A primeira, das 12 sessões de mentoria coletiva foi presencial e aconteceu em 11 de junho. A equipe de mentoria é formada por Ellen Piedade (Gestora de Políticas Públicas pela Universidade Candido Mendes e bacharel em Ciências Políticas pela Universidade de Brasília); Juliana Lima (Pós-Graduada em Direito Empresarial pela Legale Educacional e graduada em Direito pelo Centro Universitário Cesmac, de Alagoas); Jussiara Leal (Graduada em Psicologia pela Universidade de Pernambuco) e Glauber Marinho (Pedagogo pela Universidade de Brasília).

Juliana Lima
Jussiara Leal
Glauber Marinho

Serão feitos outros 11 encontros até o final do segundo semestre, com periodicidade quinzenal e temas variados, como: Planejamento, autoconsciência, autogestão e plano de estudos na prática. Outros dois encontros presenciais estão agendados. 

Ellen Piedade, que coordena o time de mentores,  fala sobre o objetivo acompanhamento e mentoria para o Programa Já É.  “Temos como propósito combater o racismo, por meio de capacitação de alta qualidade e estímulo ao desenvolvimento de habilidades socioemocionais em pessoas negras. Especificamente na mentoria para estudantes, atuamos a partir de uma metodologia afrocentrada,  que oferece ferramentas para lidar com o desafio pré-universitário  e universitário”, diz. 

Fazer com que estudantes negros não represem suas potencialidade e deixem aflorar até as que não tinham conhecimento é fundamental. “A mentoria trabalha a partir de quatro pilares: intelectual, emocional, físico e espiritual. É uma proposta de olhar sistêmico para os recursos necessários para desenvolvimento de competências que impactam diretamente na vida profissional desses jovens. A mentoria trabalha desde métodos de estudo, os efeitos psicossociais do racismo, sustentabilidade e ecologia de projetos profissionais, quilombismo e consciência social. O foco é investir no protagonismo delas e deles como estudantes e profissionais”, afirma Ellen Piedade. 

Ellen Piedade

As variáveis que podem afetar um bom desempenho estudantil e, posteriormente, profissional, são levadas em conta e analisadas. “Além de revelar métodos de estudos que normalmente não foram ensinados de forma explícita para esses alunos, a mentoria tem uma abordagem que considera outras variáveis que afetam a adesão aos estudos: a sensação de pertencimento, as aspirações e o empoderamento dessas e desses jovens. É um olhar real do trajeto que é necessário percorrer para alcançar a universidade, se formar e entrar no mercado de trabalho”, declara Ellen. 

Jovens negras, negros e negres lutando para alcançar um nível educacional que muitos em suas famílias e entre seus amigos não têm. Como lidar com as dificuldades que isso pode trazer? Ellen Piedade explica: “Na mentoria, o coaching é uma metodologia que ampara a organização do projeto profissional definido (entrada na universidade, a permanência nela  e a colocação profissional). É necessário identificar onde se está e para onde se quer ir e,  a partir desse diagnóstico, constroem-se os caminhos possíveis para a realização do objetivo, estimulando uma tomada de decisão coerente. Dessa forma, essa é uma metodologia orientada ao estímulo, ao protagonismo necessário e maior eficiência das ações que levam ao alcance do objetivo. Tudo isso em uma lógica sustentável e que considera a realidade de cada estudante, sem fórmulas mágicas absurdas e irreais”.

Dudu Ribeiro, da Iniciativa Negra Por Uma Nova Política de Drogas, fala sobre Justiça, Racismo Estrutural e Política no Brasil 

       Por Gabi Coelho

Dudu Ribeiro é co-fundador e coordenador executivo da Iniciativa Negra Por uma Nova Política De Drogas. Dudu é formado em História (Universidade Federal da Bahia), tem especialização em Gestão Estratégica de Políticas Públicas (Universidade Estadual de Campinas) e é mestrando também na área de História (Universidade Federal da Bahia). 

Dudu Ribeiro – Diretor executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas

A Iniciativa Negra é uma organização que atua desde 2015 em busca de propor reformas na atual política brasileira de combate às drogas. Foi uma das organizações selecionadas pelo edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça, do Fundo Baobá para Equidade Racial, com apoio da Google.org. O projeto apresentado foi o ¨Iniciativa Negra Por Direitos, Reparação e Justiça”.   

Dudu Ribeiro, em entrevista, falou sobre a visão da sua organização sobre a política oficial de combate às drogas, além de se manifestar também sobre racismo estrutural e a realidade política do Brasil.

O Fundo Baobá implementa o edital Vidas Negras, Dignidade e Justiça com o intuito deapoiar organizações que desenvolvam ações práticas para o enfrentamento ao racismo, à violência sistêmica e às injustiças criminais com perfilamento racial no Brasil. O edital foi organizado em quatro eixos temáticos: 1) Enfrentamento à violência racial sistêmica; 2) Proteção comunitária e promoção da equidade racial; 3) Enfrentamento ao encarceramento em massa entre adultos e jovens negros e redução da idade penal para adolescentes; 4) Reparação para vítimas e sobreviventes de injustiças criminais com viés racial. 

A Iniciativa Negra Por Uma Nova Política De Drogas, organização da qual você é co-fundador e coordenador executivo, foi  uma das selecionadas pelo edital. Qual você acredita ser a importância de editais como esse promovido pelo Baobá?

Dudu Ribeiro – Um edital como esse é importante como subsídio ao trabalho ativista de muitas organizações negras no Brasil,  que têm condições tanto de incidir na política como também de dar suporte à vida das pessoas, promovendo transformações, sobretudo olhando para um edital com perspectiva de colocar a vida negra no centro e conectada a conceitos como dignidade e justiça.

De que forma a Iniciativa Negra encara a maneira como o Brasil lida com os assuntos “drogas” e “legalização”?

Dudu Ribeiro – A Iniciativa compreende que a guerra às drogas, o modelo adotado no Brasil, assim como em grande parte do mundo, guarda relações profundas com atualizações de processos históricos de distribuição desigual de possibilidades de vida, de oportunidades de cidadania e também de distribuição da morte enquanto política de Estado. Não há compatibilidade entre a ideia de guerra às drogas e a democracia, por isso é fundamental o processo de regulação, e esse processo de regulação das substâncias tornadas ilícitas deve levar em consideração também a perspectiva da reparação do que foi causado pelas décadas de proibição, sobretudo às vítimas diretas e também às comunidades afetadas.”

Como é possível entender a extensão do racismo estrutural que afeta a política brasileira de “guerra às drogas”?

Dudu Ribeiro – A política de guerra às drogas, ela é organizada a partir da atualização de um processo histórico de genocídio contra a população negra. A lógica da proibição se baseia em  controle, vigilância e punição de corpos e territórios negros, o altíssimo encarceramento, a altíssima letalidade, a distribuição de estigmas e o sequestro do orçamento público pela lógica da guerra que impacta, de forma decisiva,  na construção de políticas públicas de efetivação da cidadania nos territórios negros.

Com o intuito de incluir a população negra num debate tão importante como esse, de que forma a Educação é capaz de colaborar com essa inclusão e com a transformação do senso comum acerca da presente discussão?

Dudu Ribeiro – É fundamental a gente incidir e colaborar para projetos e processos de educação que consigam colocar, na centralidade,  a produção científica no campo da guerra de drogas, no campo da política de drogas; que consiga inclusive fazer com que as pessoas compreendam a participação das substâncias psicoativas na história da humanidade e como isso passa a ser transformado, sobretudo no último século, num processo de guerra, de sequestro do orçamento, de corrupção do Estado e de produção de morte. A educação tem um papel fundamental, desde que seja construída a partir de uma perspectiva libertadora, pautada na ciência e que tenha como foco a superação dos estigmas provocados pela lógica da proibição.

Depois de passar por períodos de regimes militares, como a Ditadura Civil-Militar e o Estado Novo, o Brasil pôde, novamente, em pleno século XXI, presenciar o destaque do militarismo e de figuras militares a partir de um governo presidencial de extrema direita. Como esse cenário colabora com o retrocesso de abordagens acerca de temas como direitos humanos, racismo, drogas e a adoção de perspectivas progressistas sobre o futuro?

Dudu Ribeiro – O militarismo é base do modelo da guerra às drogas no Brasil e no mundo, inclusive tem muitos episódios de colaboração entre os militares brasileiros e os estadunidenses no início desse processo de internacionalização do controle do comércio e uso de substâncias psicoativas. O cenário que o Brasil vive hoje é um processo de amplificação de um projeto de distribuição de morte enquanto política de Estado e a lógica da operação dos militares tem sido de se movimentar a partir da destruição de um inimigo interno eleito pelo racismo brasileiro. Isso tem agravado as condições de vida da população negra, da população brasileira como um todo, e colabora com o retrocesso gigantesco em temas fundamentais, não apenas ligados aos direitos humanos e às políticas de drogas, mas também de direitos  civis, econômicos e políticos conquistados nas últimas décadas.

Quando tratamos de perfilamento racial, ou seja, a associação sistemática de um conjunto de características físicas, comportamentais ou psicológicas com delitos específicos e seu uso como base para tomar decisões de aplicação da lei, segundo o Grupo de Trabalho da Força-Tarefa de Implementação do Contraterrorismo sobre a Proteção dos Direitos Humanos, conseguimos compreender que a própria Justiça possui características evidentemente racistas que pautam a noção de Cidadania concedida aos sujeitos pelo Estado. No instante em que refletimos sobre o lugar de não-ser, de não-pessoas, atribuído às pessoas negras por esse mesmo Estado, como agir a fim de modificar as estruturas de dentro para fora?

Dudu Ribeiro – É importante a gente relembrar os ensinamentos da professora Ana Flauzina,  quando ela nos coloca que as ideias de crime, castigo, punição e pena, no Brasil, são oriundos da Casa Grande. O comportamento do sistema judiciário tem sido a partir dessa lógica de atuação. Sem qualquer conexão com a maioria do povo brasileiro, mas de fato de distribuição de privilégios entre a própria branquitude, e de restrição de cidadania para a população negra brasileira, justamente por virem de um processo em que a desumanização de outras pessoas é consequência dos processos de colonização e escravização no Brasil. Esses processos de desumanização, eles continuam organizando a atuação do sistema judiciário e a própria pequena participação de pessoas negras no sistema judiciário brasileiro, em todas as instâncias, não é só um exemplo disso, como é também o próprio resultado de um processo de distribuição de privilégio e de restrição de oportunidades. É fundamental que as organizações da sociedade civil interajam com os poderes a partir da perspectiva do aprimoramento de instrumentos construídos ao longo dos anos pelas forças progressistas, mas é fundamental também a gente fazer grandes processos de mudança. Aí não vai ser apenas a sociedade civil organizada, mas todos construindo processos mais profundos de transformação real do que a gente tem hoje de sistema judiciário,  que tem contribuído de forma fundamental como uma máquina de morte para o povo brasileiro.                   

De acordo com o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, a proporção de pessoas negras em cárcere aumentou em 14%, enquanto a proporção de pessoas brancas encarceradas diminuiu em 19%. Qual relação pode ser estabelecida entre esse aumento percentual, a “criminalização da pobreza” e o racismo sistêmico presente no Brasil?

Dudu Ribeiro – O processo de encarceramento no Brasil, muito organizado pela lógica da guerra às drogas, é parte fundamental de um processo de destruição da população. Eu tenho falado que um dos conceitos importantes da guerra é a destruição da linha de defesa do inimigo, no caso, o inimigo mascarado pela guerra às drogas seria a população negra e visualizar que nos últimos 15 anos o encarceramento de mulheres, sobretudo de mulheres negras, cresceu mais de 700%, é um exemplo desse processo de como a guerra às drogas compreende esse modelo, esse encarceramento como método de destruição da linha de defesa da população negra para a produção de existência para além da sobrevivência.

A lógica de cárcere é a restrição da vida das pessoas que são encarceradas a partir de um lugar de tortura, mas isso também tem um impacto significativo no conjunto de pessoas negras que ficam fora do cárcere, os familiares, filhos, primos, parentes, esposas… E isso contribui de forma importante para o aumento da precarização da vida das pessoas, seja por muitas vezes sequestrar pessoas fundamentais para a renda da família, mas também todo o processo de violência, estigmatização, precarização e destruição da cidadania das pessoas que ficaram fora do cárcere, impostos pelo encarceramento de alguém da sua família. 

Quando a gente está falando de mulheres negras, a gente precisa lembrar que quando o Estado sequestra uma mulher negra da sua família, quando sequestra várias mulheres negras de várias famílias e várias comunidades, é um exemplo desse modelo de como a guerra às drogas compreende a destruição da linha de defesa do inimigo eleito como a população negra brasileira, que, para a fundação do Brasil Republicano, seria necessário controlá-la para a plena existência de um processo civilizatório embranquecido no Brasil.                                   

Baobá na imprensa em Maio

Por Ingrid Ferreira

No mês de maio os destaques na mídia citando o Fundo Baobá foram diversos, começando pelos veículos internacionais como a Alliance Magazine que publicou o título “Dois anos após o movimento global por justiça racial de 2020, onde estamos agora?” com participação da Fernanda Lopes, Diretora de Programa do Baobá. E o site Pyxera Global enunciou “Construindo Equidade Racial no Brasil com o Fundo Baobá”.

Já nas matérias publicadas em páginas brasileiras encontra-se no site da 4Labs uma matéria sobre o evento Bett Brasil 2022 da organização, que contou com a presença de Giovanni Harvey, Diretor Executivo do Fundo Baobá falando sobre“Políticas públicas para promoção da inclusão”.

O site Para Quem Doar indicou o Fundo Baobá como uma instituição para receber doações com a seguinte legenda: Lute em prol da igualdade de raça apoiando o primeiro fundo dedicado à promoção da equidade racial no Brasil. E o Jornal Empodera falou a respeito do e-book lançado pelo Fundo Baobá divulgando resultados do Programa Marielle Franco.

 O InfoMoney citou o Baobá na matéria “A colaboração no terceiro setor: importância e desafios”, sobre a atuação das  organizações do terceiro setor durante esses dois anos de pandemia da Covid-19 no Brasil. E o Investnews com o seu título “O ‘ESG à brasileira’ precisa dar salto em relação à população negra” que usou o Fundo Baobá como exemplo de uma instituição que mobiliza recursos, no Brasil e no exterior, para apoiar projetos que promovam a equidade racial em todo o território nacional. 

“Fundo Baobá divulga resultados do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco” foi a matéria publicada no Notícia Preta. O Sebrae compartilhou uma planilha em que consta a indicação ao Edital para Apoiar Pessoas e Comunidades no Combate ao Coronavírus, que foi lançado em 2020 pelo Baobá.

Já a página na internet Chico Terra publicou um texto com o título “Território Quilombola do Maracá será a próxima região a ser contemplada com o edital do Fundo Baobá”.

Organizações e lideranças apoiadas pelo Fundo Baobá:

Da coluna Coletiva Negras que Movem do Gelédes, em maio teve postagem no Instagram falando a respeito do artigo “Metaverso – Estamos transformando a vida em game?”, em que Vitorí da Silva fala sobre os saltos tecnológicos que foram dados e os que ainda acontecerão.

Outro artigo publicado também na coluna do Portal Geledés é o “Enegrecida Festival: aquilombamento, protagonismo e cura”, da autora Carolina Brito, falando sobre o evento Enegrecida Festival, que aconteceu em Campina Grande na Paraíba, nos dias 13, 14 e 15 de Maio.

O Empreendedorismo como Caminho da Dignidade na Vida de Pessoas Negras LGBTQIA+

Por Ingrid Ferreira

No dia 28 de junho comemora-se uma data de extrema importância para que a sociedade seja democrática e trate com respeito às especificidades de cada ser humano: o Dia do Orgulho LGBTQIA+. Apesar de ter um dia dedicado, às comemorações se estendem pelo mês todo, o evento mais conhecido e com maior número de frequentadores é a Parada LGBTQIA+ de São Paulo.

O Fundo Baobá,um fundo voltado exclusivamente para apoiar iniciativas de promoção da equidade racial para pessoas negras, reconhece as intersecções entre raça, gênero, território e sexualidades. No Brasil e em outros países onde existe racismo, pessoas pretas LGBTQIA+ enfrentam desafios ainda mais complexos para viver com dignidade, respeito e com seus direitos efetivados.

O intuito do Fundo é contribuir para que  as pessoas negras cuja identidades de gênero não são heteronormativas  estejam próximas e acessem as oportunidades que a instituição oferece seja no campo da educação, comunicação e memória, saúde, enfrentamento à todas as formas de violência, empreendedorismo. 

Em um país onde as oportunidades de trabalho, emprego e renda são escassas, o número de pessoas negras que empreendem em busca de  autonomia financeira cresce todos os dias. 

Como afirma Akuenda Translésbicha, dona da Erzulie Igbalê, apoiada pelo Fundo Baobá no edital Negros, Negócios e Alimentação – Recife e Região Metropolitana: “Eu já vendi várias coisas de diferentes ramos, gêneros e serviços, mas comida é algo que até na guerra conseguimos fazer dinheiro, pois é uma necessidade vital, foi base da colonização e base da economia, está na história de libertação do nosso povo e também é uma forma de consolidar expressões culturais e cosmovisões. Meu negócio entendeu a alimentação como um campo estratégico para propagar uma vivência radical e dissidente, provocando afirmação política, isso faz o diferencial na nossa cozinha.”. 

Akuenda Translésbicha, proprietária do empreendimento Erzulie Lgbalê – Recife- PE

Akuenda também fala sobre a sensação de ter seu empreendimento selecionado em um edital do Fundo Baobá: “Senti que meu negócio é reconhecido por especialistas e que foi avaliado com potencialidade de prosperar, além de que ter outras pessoas acreditando nele, o que me motiva e me faz olhar pra trás e perceber o início dificultoso, mas me sentir recompensada pelo trabalho feito até aqui. Quero sentir essa mesma sensação no futuro, para continuar nesse movimento de construção, alimentando possibilidades de mudança social e pessoal para além das dificuldades com sabor de revolta”.

O donatário Aleff Souza, dono do empreendimento Delícias do Alleff, selecionado também no edital Negros, Negócios e Alimentação – Recife e Região Metropolitana também falou um pouco sobre a sua experiência como empreendedor: “Como dono do meu próprio negócio nesses anos eu não tive nenhum problema referente a discriminação, além de livre me sinto realizado e privilegiado por criar uma rede de contatos que me respeita. Diferente dos meus empregos anteriores,  onde sofri situações de racismo e homofobia. Isso também foi um ponto crucial na decisão de trabalhar pra mim mesmo, pra não ter que passar por certas situações traumatizantes”.

Aleff Souza, proprietário do empreendimento Delícias do Alleff – Recife- PE

Aleff fala como participar do edital tem fortalecido as suas potencialidades emocionais e de sua equipe: “Sem sombra de dúvidas, fazer parte desse edital me fez enxergar o quão  bom eu e minha equipe somos no que exercemos. E sendo um negro, de periferia e homossexual,  me sinto fortalecido estando à frente de um negócio, onde nenhum tipo de racismo ou discriminação é tolerado e na medida em que for crescendo, será um espaço onde todos, todas e todes terão oportunidades de exercerem suas funções e reafirmarem suas identidades sem nenhuma restrição”.

As falas de Akuenda e Aleff provam como empreender pode significar criar um ambiente de trabalho mais digno para pessoas LGBTQIA+ negras. Além de conversar com a donatária e o donatário, o Baobá também conversou com o Flip Couto,  que é um homem negro, gay, produtor cultural e engajado tanto nas pautas do movimento LGBTQIA+ quanto nas pautas raciais, e há pouco tempo colaborou na organização de um evento do Programa Já É: Educação e Equidade Racial.

Flip Couto – Produtor, ativista, artista e militante do movimento negro e LGBTQIAP+ – SP

Ao ser questionado se ele dentro das suas particularidades se sente representado pelo Fundo Baobá, Flip diz que: “Desde que conheci o Fundo Baobá em 2017 através dos editais, eu sempre olhei a organização com admiração pela coerência entre seus projetos e seus fundamentos. Através do movimento pró saúde da população negra, eu me aproximei de Fernanda Lopes (Diretora de Programa do Fundo Baobá) e em 2020 tive a oportunidade de colaborar com o Projeto Já É. Esse processo me fez conhecer as pessoas geniais que semeiam as ações do Fundo Baobá e entendi o diferencial na forma cuidadosa,  trazendo olhares amplos em suas ações; além de todo o legado em colaboração com importantes nomes do ativismo negro no Brasil.”

Também foi perguntado a Flip como ele acha que o Fundo Baobá pode ter mais visibilidade entre a população negra LGBTQIA+, e ele respondeu o seguinte: “Infelizmente,  pessoas negras LGBTQIAP+ seguem com poucas referências de pertencimento, pois durante décadas nossas histórias foram apagadas e silenciadas. Criar encruzilhadas entre a orientação sexual, diversidade de gênero e negritudes nos abre um leque de possibilidades de diálogo. E penso que é nessas aberturas de diálogo que o Fundo Baobá pode gerar mais visibilidade e aproximações com pessoas negras LGBTQIAP+ de diferentes gerações e esse é um importante processo de equidade racial, pois nos faz refletir sobre a pluralidade dentro de nossa comunidade negra.”

Flip também comentou que como produtor, ativista e artista, o Fundo Baobá é uma grande referência para ele por mostrar possibilidades de fortalecimento da comunidade sem se distanciar de suas bases.

Quilombolas em Defesa: a importância e a utilização do conhecimento compartilhado

Organizações falam sobre as jornadas formativas de que têm participado e sobre a utilização desses conhecimentos no seu cotidiano 

Por Wagner Prado

“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.” 

A frase acima é do filósofo, professor e pedagogo brasileiro Paulo Freire (1921-1997). Ela está muito relacionada com a transformação pela qual estão passando 35 organizações quilombolas, apoiadas pelo edital Quilombolas em Defesa: Vidas, Direitos e Justiça, do Fundo Baobá para Equidade Racial. O edital foi lançado em setembro de 2021 e em dezembro as organizações foram selecionadas  para serem apoiadas com R$ 30 mil cada uma delas. 

A dotação está sendo utilizada para promover a sustentabilidade econômica e geração de renda; a soberania e a segurança alimentar, além de proteger e defender direitos quilombolas. A instituição parceira do Baobá é a Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) e o edital integra as ações da Aliança entre Fundos por Justiça Racial, Social e Ambiental, que reúne o Fundo Baobá, o Fundo Brasil de Direitos Humanos e o Fundo Casa Socioambiental. Os três fundos são membros da Rede de Filantropia para a Justiça Social e as ações da Aliança entre Fundos têm financiamento da IAF (Inter-American Foundation) e da própria Rede. 

Para saber como as organizações estão aproveitando as jornadas formativas previstas pelo edital, conversamos com quatro delas: Associação da Comunidade Negra Rural Quilombola Deziderio Felipe de Oliveira, da cidade de Dourados (Mato Grosso do Sul, que apresentou um projeto para o Eixo 2;  Fundação dos Moradores e Remanescentes dos Quilombolas da Tranqueira, da cidade de Valença (Piauí), cujo projeto apresentado foi ´para o Eixo 1;  Associação Quilombola do Sítio Queimada Grande, de Bom Conselho (Pernambuco), projeto é do Eixo 3 e, por final, a Associação Comunitária Unidos(as) do Cumum, da cidade de Guimarães (Maranhão), que apresentou projeto para o Eixo 1. 

As quatro organizações quilombolas, de diferentes estados brasileiros, falam aqui sobre como tem sido a experiência advinda das jornadas formativas, em formato virtual, que têm sido promovidas pelo Fundo Baobá.  As jornadas formativas,  que são parte do investimento indireto ofertado pelo edital,  visam, entre outras coisas, o fortalecimento institucional de cada uma das organizações. 

O compartilhamento de experiências com outros donatários é fundamental para ganhar conhecimento e identificar caminhos de soluções de problemas. 

Esse compartilhamento, que contribui para a formação do estofo teórico que vai dar diretriz à administração do projeto ou negócio, está dentro dos investimentos indiretos previstos nos editais. Investimentos indiretos são as doações não-financeiras, os recursos colocados em formação, encontros, eventos, palestras, entre outros. O Fundo Baobá vem, desde 2019, trabalhando com investimentos  indiretos, o que tem garantido o incremento de potencialidades nas organizações selecionadas para os seus editais e também para as lideranças das mesmas. Em 2021, o Baobá colocou mais de R$ 1,3 milhão em investimentos indiretos. 

No edital Quilombolas em Defesa ate o presente momento, as organizações apoiadas participaram de atividades sobre elaboração de projetos, planos de ação, orçamento, prestação de contas, ambiente virtual e uso de recursos tecnologicos. 

JORNADA FORMATIVA

Associação da Comunidade Negra Rural Quilombola Deziderio Felipe de Oliveira  

Foi imprescindível, pois nos  trouxe um norte,  desde como desenhar o projeto, fazer o orçamento, o plano de ação e a prestação de contas.”

 (Ramão Oliveira)

Fundação dos Moradores e Remanescentes dos Quilombolas da Tranqueira

“As jornadas formativas têm sido muito importantes porque nos capacita para trabalharmos com o nosso projeto e os projetos futuros.” 

Ramão Oliveira – Associação da Comunidade Negra Rural Quilombola Dezidério Felipe de Oliveira – Dourados, Mato Grosso do Sul

(José Soares Bizerra)

Associação Quilombola do Sítio Queimada Grande

“As jornadas formativas têm sido de grande valor, pois estamos adquirindo conhecimentos e entendendo como devemos proceder durante o projeto.”

(Taciana Bento)

Associação Comunitária Unidos(as) do Cumum

Essas jornadas formativas têm sido muito importantes. Inclusive eu participei de várias e elas têm nos ajudado a esclarecer alguns pontos na questão administrativa, que a gente às vezes não sabia. Desconhecia. Tem sido uma aprendizagem muito bom.” 

(Cacá de Guimarães)

MUDANÇA DE PARADIGMA

Associação da Comunidade Negra Rural Quilombola Deziderio Felipe de Oliveira 

A comunidade era carregada pela boa vontade de terceiros para fazer a parte teórica dos projetos. Por meio das jornadas,  a própria comunidade está tentando fazer sozinha cada etapa do projeto.” 

 (Ramão Oliveira)

Fundação dos Moradores e Remanescentes dos Quilombolas da Tranqueira

Agora temos uma melhor capacidade de manejar os nossos projetos.”

(José Soares Bizerra)

José Bizerra – Fundação dos Moradores e Remanescentes dos Quilombolas da Tranqueira – Valença do Piauí, Piauí

Associação Quilombola do Sítio Queimada Grande

Hoje podemos dizer que estamos conscientes de nossos direitos no acesso a políticas públicas quilombolas.”

(Taciana Bento)

Associação Comunitária Unidos(as) do Cumum

Apesar de a gente estar no início do projeto, nessa questão administrativa a palestra que tivemos online com o pessoal do Fundo Baobá  e também com a técnica Val foi fundamental. Tem ajudado até na administração da Associação.” 

(Cacá de Guimarães)

CONHECIMENTO TRANSFORMADOR

Associação da Comunidade Negra Rural Quilombola Deziderio Felipe de Oliveira 

Todo conhecimento tem sido fundamental para nós, tendo em vista que até alguns meios de correspondências virtuais eram desconhecidos para nós. Outro conhecimento que consideramos de suma importância é a prestação de contas.” 

 (Ramão Oliveira)

Fundação dos Moradores e Remanescentes dos Quilombolas da Tranqueira

A oficina para nos capacitar na prestação de contas.” 

(José Soares Bizerra)

Associação Quilombola do Sítio Queimada Grande

Todas as formações foram muito importantes, mas destaco as iniciais de conhecimento do projeto e das informações sobre as políticas públicas quilombolas.”

(Taciana Bento)

Taciana Bento – Associação Quilombola do Sítio Queimada Grande – Bom Conselho, Pernambuco

Associação Comunitária Unidos(as) do Cumum 

“A gente já aprendeu muita coisa com esse projeto, apesar de ele estar no início. Nós fazíamos as coisas de acordo com o nosso conhecimento. Nós não tínhamos conhecimento técnico. Agora já temos um pouco: tomada de preços, conhecimento de preços, essas questões burocráticas, onde a gente tem muita dificuldade. Mas já avançamos um pouco.”  

(Cacá de Guimarães)

SABERES UTILIZADOS

Associação da Comunidade Negra Rural Quilombola Deziderio Felipe de Oliveira 

No presente momento, utilizamos os conhecimentos das comunicações digitais,  como A intranet para envio de documentos; as palestras sobre orçamento e plano de ação. Tivemos também o curso de Qualidade Sanitária de Alimentos,  mInistrado pela Universidade Federal da Grande Dourados/UFGD.”  

 (Ramão Oliveira)

Fundação dos Moradores e Remanescentes dos Quilombolas da Tranqueira

O manejo da agricultura na  comunidade.” 

(José Soares Bizerra)

Associação Quilombola do Sítio Queimada Grande

Considero que a formação sobre prestação de contas está nos ajudando nesta parte  burocrática. Aprendemos como devemos deixar essa prestação mais organizada e fazê-la da forma mais correta.”

(Taciana Bento)

Associação Comunitária Unidos(as) do Cumum 

A questão da tomada de preços. Fazer essa pesquisa de preços, sempre optando por preços que tenham a ver com a realidade da comunidade, tem sido um grande ensinamento.” . 

(Cacá de Guimarães)

EXPECTATIVAS FUTURAS

Associação da Comunidade Negra Rural Quilombola Deziderio Felipe de Oliveira 

Esperamos executar o projeto de acordo com o planejado utilizando todos os conhecimentos adquiridos por meio das jornadas formativas realizadas pelo o Fundo Baobá. E obter os resultados esperados pela comunidade.” 

(Ramão Oliveira)

Fundação dos Moradores e Remanescentes dos Quilombolas da Tranqueira

Mais conhecimentos na área agricola trazida pelos técnicos do projeto.”

(José Soares Bizerra)

Associação Quilombola do Sítio Queimada Grande

Precisamos entender melhor como colocar preço nos nossos produtos e no nosso trabalho. Seria muito importante conhecimento em relação a como comercializar.” 

(Taciana Bento)

Associação Comunitária Unidos(as) do Cumum 

Com certeza tem vários conhecimentos no percurso da execução do projeto que a gente ainda vai aprender. Mas eu posso dizer que onde estamos com ansiedade é no acompanhamento técnico agrícola, que vai nos orientar melhor a como criar galinha, como plantar melhor. Então, a gente está ansioso por isso.” 

(Cacá de Guimarães)

Tudo o que foi exposto nesse texto está diretamente ligado com o ato de educar. E sobre educação, Paulo Freire disse:

 “A educação faz sentido porque as mulheres e homens aprendem que através da aprendizagem podem fazerem-se e refazerem-se, porque mulheres e homens são capazes de assumir a responsabilidade sobre si mesmos como seres capazes de conhecer.”

Sueli Carneiro completa 72 anos 

Por Ingrid Ferreira

No dia 24 de junho de 1950 nasceu em São Paulo Sueli Carneiro, atual Presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá. Primeira filha de Eva e José Horácio e,  até seus 4 anos de idade, filha única, até que a prole do casal começou a crescer. Sueli foi alfabetizada pela mãe, que além de ensinar as letras ensinou às filhas a importância de serem independentes.

A filha mais velha do casal sempre carregou os conhecimentos da mãe, que ensinou aos seus descendentes como era crucial nunca permitirem que ninguém usasse do racismo para lhes ofender, e Sueli,  como boa filha de Ogum, sempre esteve pronta para guerrear e lutar pelos seus direitos.

Mas a sua trajetória foi e continua sendo árdua, sua vida não só daria um livro, como de fato resultou na biografia escrita por Bianca Santana, que carrega o nome “Continuo Preta – A Vida de Sueli Carneiro”, em que Sueli abriu seu coração e contou os fatos que cercaram sua vida pessoal, profissional, acadêmica, militante, amorosa e familiar.

Sueli ingressou no curso de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) no ano de 1971, durante a ditadura militar, e mesmo estando naquele período de tensão da época, foi o momento em que ela se aproximou do movimento negro e feminista. E foi ali que iniciou os seus feitos casando militância e produções acadêmicas, como encontra-se na Enciclopédia de Antropologia da USP: “Além da forte militância, Carneiro é responsável por uma vasta produção voltada para relações raciais e de gênero na sociedade brasileira, que encontra repercussão em diversas áreas do conhecimento, também na Antropologia. São mais de 150 artigos publicados em jornais e revistas, assim como 17 em livros, que buscam fazer convergir ativismo e reflexão teórica, por exemplo: Mulher negra (1995), Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil (2011) e Escritos de uma vida (2018).”

Sueli além de ser a atual Presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, é fundadora e atual Coordenadora de Difusão e Gestão da Memória Institucional do Geledés (Instituto da Mulher Negra),  membro do Grupo de Pesquisa “Discriminação, Preconceito e Estigma” da Faculdade de Educação da USP, membro do Conselho Consultivo do projeto Saúde das Mulheres Negras do Conectas em parceria com o Geledés, do Conselho Consultivo da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, do Conselho Consultivo do Projeto Mil Mulheres, e membro da Articulação Nacional de Ongs de Mulheres Negras Brasileiras; fellow da Ashoka Empreendedores Sociais.

Como consta no Portal Geledés: “Em 1988,  Sueli foi convidada a integrar o Conselho Nacional da Condição Feminina, em Brasília. Após denúncias de um grupo de cantores de rap da cidade de São Paulo, que queriam proteção porque eram vítimas frequentes de agressão policial. Ela decidiu criar em 1992 um plano específico para a juventude negra, o Projeto Rappers, onde os jovens são agentes de denúncia e também multiplicadores da consciência de cidadania dos demais jovens”.

Não por acaso, há poucas semanas, Sueli participou do podcast Mano a Mano, apresentado pelo rapper Mano Brown no Spotify, episódio que teve grande repercussão na mídia, após falarem de sociedade, racismo, primórdios do rap no Brasil e a conexão com movimentos negros da época, além de visões de futuro para o povo brasileiro.

Sem dúvidas, Sueli é uma grande referência para a sua geração e posteridade.

Luiz Gama e o seu Legado em Defesa da Liberdade

Por Ingrid Ferreira

Em 21 de junho de 1830, nasceu em Salvador – Bahia um grande ícone da história brasileira; autodidata, abolicionista, republicano, jornalista e advogado, é ele, Luiz Gama, que é comparado a Zumbi dos Palmares em sua importância na luta anti escravocrata no Brasil, como é possível conferir no relato do jornalista e escritor Laurentino Gomes e na produção audiovisual do canal Tempo História.

Gama nasceu livre, filho de uma mulher africana chamada Luiza Mahim e ao que tudo indica, guerreira e islâmica. Há rumores que ela participou da Revolta dos Malês e, por essa razão, não pôde participar da criação do filho. Por outro lado, o pai era um fidalgo português importante na Bahia da época, que estava com dívidas de jogos e vendeu o próprio filho como escravo.

Naquele tempo, as pessoas escravizadas na Bahia tinham fama de revoltosas, o que não despertava o interesse dos senhores de engenho em comprá-las, por isso o menino foi mandado para o Rio de Janeiro e depois para o interior de São Paulo, em Campinas, onde chegou quando estava com 10 anos.

Em São Paulo, aos 17 anos aprendeu a ler, mostrando que além de tudo era autodidata. Em seus estudos sobre direito descobriu que sua venda havia sido ilegal, pois ele era um homem livre. Tendo provas disso, ele fugiu do cativeiro. A história de Luiz Gama se assemelha muito à história do filme norte-americano “12 anos de escravidão”, de 2013, que fala justamente de um homem negro livre, que é sequestrado e vendido como escravo.

Diante de sua história, como forma de tratar desse momento tão difícil de sua vida, Gama decidiu nunca revelar o nome de seu pai; por outro lado, sua mãe sempre foi uma grande figura para ele, tanto que chegou a procurá-la, porém, infelizmente não teve sucesso, como é possível ver nos registros de cartas que deixou, falando de seu pai, sua mãe e suas lutas.

Após esse processo, Luiz Gama serviu durante 6 anos a força pública, depois foi nomeado escrivão de polícia, cargo que ocupou durante 15 anos, até que foi demitido por ser alguém envolvido em causas que lutavam pela liberdade. Após esse acontecimento, ele pediu a um juiz o direito de advogar na comarca de São Paulo, sendo nomeado como um rábula (advogado sem formação), e nesse mesmo período tornou-se jornalista, decidido a escrever contra as injustiças da época como forma de denúncia.

O trabalho no jornal teve início através da parte técnica. Ele aprende o ofício de montagem dos jornais, formatação manual como era na época e distribuição. Nisso ele passa a dedicar-se à escrita, tornando-se sócio e proprietário de uma tipografia e dedicando-se às letras dentro do Direito e do Jornalismo, sendo um homem da mídia do seu tempo, inclusive estampando nos jornais as ameaças de morte que ele recebia.

Por intermédio de sua luta pela abolição e pela república, Luiz Gama foi uma celebridade do seu tempo, ainda que tenha morrido muito jovem aos 52 anos, vítima de diabetes. Gama deixou um legado surpreendente, tendo libertado, ao longo de sua vida,  mais de 500 pessoas escravizadas. 

Apesar de ser um homem negro vivendo uma vida atípica para a época, Gama sabia muito bem das dificuldades que assolavam a vida do seu povo, tanto que declarou que todo escravo que atacasse o seu senhor, independentemente da situação, estava agindo em legitima defesa.

Mesmo com todas as vitórias ao longo de sua vida, Gama não deixou bens em dinheiro para sua família ao falecer, mas com certeza deixou um grande legado para todos, em seu velório, as pessoas se revezavam para carregar o seu caixão. Atualmente, encontra-se na Praça da República em São Paulo , uma estátua de seu busto que o homenageia, além de uma instituição que carrega o seu nome e é uma associação civil sem fins lucrativos formada por um grupo de juristas, acadêmicos e militantes dos movimentos sociais que atuam na defesa das causas populares.

Foto realizada com estudantes do Programa Já É e equipe do Fundo Baobá em tour por São Paulo, com o guia Allan da Rosa

Fundo Baobá anuncia filiação ao GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas)

Por Wagner Prado

O Fundo Baobá para Equidade Racial anuncia sua filiação ao GIFE (Grupo de |Institutos, Fundações e Empresas), organização que congrega 160 associados, responsáveis pelo aporte de mais de R$ 5 bilhões em investimentos sociais no ano de 2020, por intermédio de projetos próprios ou projetos elaborados por terceiros. 

A importância de o Fundo Baobá fazer parte agora do grupo de organizações que estão sob o guarda-chuva do GIFE está no fato de poder trocar a experiência de seus 11 anos de atuação na promoção da equidade racial no Brasil, tendo investido em mais de 900 iniciativas negras em todo território brasileiro. 

O diretor executivo do Fundo Baobá para Equidade Racial, Giovanni Harvey, e o secretário-geral do GIFE, Cassio França, falam sobre as expectativas da chegada do Fundo Baobá ao GIFE. 

O que significa para o Fundo Baobá essa entrada no GIFE? 

Giovanni Harvey O Fundo Baobá se relaciona com o investimento social privado desde a sua fundação e, neste contexto, já mantinha um certo grau de proximidade e interação com o GIFE, que teve incidência direta durante o processo de elaboração do nosso plano estratégico, em 2017. A decisão pela associação formal foi amadurecida ao longo dos últimos anos e nós tivemos o entendimento de que este era o momento oportuno, sobretudo pela dimensão que a agenda da Equidade Racial alcançou no GIFE. O aumento do endowment do Fundo Baobá, o reconhecimento da nossa expertise na realização dos editais e os resultados que a instituição vem alcançando, ampliaram as nossas responsabilidades, tanto junto à Rede de Fundos para a Justiça Social (RFJS) quanto em relação ao GIFE. O nosso propósito é contribuir, fortalecer, trocar e aprender com as pessoas e as instituições que construíram o GIFE e fizeram dele a principal referência quando se fala em investimento social privado no Brasil.

Para o GIFE, o que significa ter o Fundo Baobá em seu portfólio de associados? 

Cassio FrançaA chegada do Fundo Baobá dialoga com a nossa intenção de o GIFE ser, cada vez mais, plural e abrangente.  A pluralidade e diversidade que o GIFE busca tem a intencionalidade de contribuir para decolonizar a filantropia e o investimento social privado no país. Ter uma organização como o Fundo Baobá entre os associados, cuja finalidade é a justiça social e racial, certamente influenciará positivamente todo o campo rumo ao desenho e execução de estratégias de enfrentamento ao racismo, às desigualdades e à antidemocracia. 

No que o GIFE vai contribuir para estender a expertise que o Baobá acumula em 11 anos de trabalho com a filantropia para equidade racial?

Giovanni HarveyComeçar a participar, de forma orgânica, do dia a dia do GIFE já representa um ganho para o Fundo Baobá, pela intensidade das trocas e pela possibilidade da nossa instituição incidir no rumo dos debates internos que subsidiam o processo de tomada de decisões. A decisão pela associação foi tomada sem ressalvas. A  relação com o GIFE é um livro com páginas não escritas. E elas serão escritas em conjunto. O que posso dizer, neste momento, é que o Fundo Baobá tem a expectativa de que a participação no GIFE contribua para a melhoria contínua dos seus processos e permita, através da troca de experiências com os demais associados, aumentar a efetividade e o impacto das doações que a instituição realiza com o intuito de fortalecer as iniciativas lideradas por pessoas e organizações do movimento negro,  que se dedicam a enfrentar o racismo e promover a equidade racial no Brasil.

Quando agregamos alguém ou algo ao nosso cotidiano, olhamos também o que aquele novo elemento pode nos trazer. O que o Fundo Baobá pode trazer para o GIFE? 

Cassio FrançaA expectativa é muito positiva no que diz respeito ao avanço e aprofundamento de temas estratégicos e emergências no campo do investimento social privado e da filantropia, como a filantropia colaborativa, o apoio a organizações da sociedade civil e, sobretudo, a promoção da equidade racial. Esses são temas de nossa agenda e que dialogam diretamente com o trabalho realizado pelo Fundo Baobá e, por isso, acreditamos que a presença do Baobá  enriquecerá ainda mais os debates, especialmente em nossas redes temáticas. 

Quais serão os primeiros passos dessa associação? 

Giovanni HarveyNós começamos a participar das instâncias decisórias formais. Estamos contribuindo na formulação de diretrizes nos temas nos quais temos expertise e assumindo responsabilidades e tarefas afetas à agenda institucional, incluindo debates internos e organização de eventos. Estamos aprendendo bastante e tendo oportunidades de troca com os demais associados.

Cassio França – A associação do Fundo Baobá chega em um momento propício para que os assuntos ao redor do plano estratégico do GIFE ganhem mais potência. 

Existe algo que você queira comentar e não foi abordado aqui?  

Giovanni Harvey O tema das relações raciais e o enfrentamento ao racismo estrutural são os eixos que orientam a atuação do Fundo Baobá. Nós temos o entendimento de que, atuando de forma orgânica e propositiva, nós poderemos ampliar a presença destes temas no contexto dos demais temas que mobilizam a filantropia no Brasil, numa via de mão dupla que também nos fará assumir responsabilidades institucionais no sentido de fortalecer outras agendas que, somadas às nossas causas, são fundamentais para o aperfeiçoamento da democracia no Brasil.

Cassio FrançaO fortalecimento da democracia está no centro do plano estratégico do GIFE para 2022. Traduzimos, para este período, o fortalecimento da democracia em três grandes eixos: enfrentamento às desigualdades estruturais; promoção da equidade racial e fortalecimento da sociedade civil. Isso significa que, ao longo deste ano, estaremos promovendo mais discussões, produzindo conteúdo e incentivando nossos associados a desenvolver ações que fortalecem a democracia. 

Malcolm X teria completado 97 anos neste 2022 e pelo carisma, elegância, discurso e luta ele faz muita falta

Quando cumpriu seis anos de prisão, os livros e a busca do conhecimento foram sua saída 

    Por Wagner Prado

Malcolm Little. O nome é familiar a você? Nascido no início do Século 20, exatamente em 1925, neste ano de 2022 o mundo, especificamente os Estados Unidos, comemora o aniversário de 97 anos de seu nascimento. Little tornou-se um símbolo na luta pelos direitos civis dos negros nos anos 1950/1960. Sua oratória era incendiária. Fazia pensar, refletir e agir. Malcolm Little tornou-se mundialmente conhecido pelo nome que adotou: Malcolm X. Ele talvez seja a mais pura tradução do que o racismo estrutural pode fazer com alguém. As informações contidas aqui são fruto da leitura do livro Malcolm X – Autobiografia, escrita por ele em parceria com o jornalista Alex Haley.  

Malcolm Little nasceu em Omaha, no estado de Nebraska (meio oeste dos EUA). Filho de um pastor, Earl Little, e de Louise Helen Little, perdeu o pai muito cedo, em circunstâncias suspeitas. Oficialmente, Earl Little teria sido atropelado por um bonde. Mas exames feitos em seu cadáver descobriram um ferimento na cabeça, que não foi causado no suposto atropelamento. Earl, em suas pregações, defendia a independência e separatismo negro da sociedade branca. O que se suspeita é que Earl Little tenha sido surrado e seu corpo colocado na linha férrea do bonde para ser atropelado. 

A morte do pastor Earl Little deixou Louise Helen sozinha para cuidar de oito filhos. O estado norte-americano  desfez a família, mandando cada uma das crianças para famílias diferentes. Malcolm foi morar em uma residência branca mas, aos 14 anos decidiu fugir.  Apesar de bom aluno, o racismo o atingiu em cheio quando, ao revelar para um professor que seu sonho era ser advogado, o professor o desencorajou ao dizer que ser advogado não se adequava a um negro. Seria melhor ele pensar em ser um carpinteiro. A partir disso, o então bom aluno tornou-se um menino problema, até ser expulso da escola. 

Malcolm arrumou um bico no trem que ia de Omaha até Nova York (leste dos EUA). Na Big Apple, a vida do menino foi completamente transformada. Vivendo no  Harlem em uma época em que o tráfico de drogas começava a se organizar e ganhar as ruas, o garoto foi crescendo como o que hoje, na gíria, é conhecido por aviãozinho (aquele que faz a intermediação da venda da droga entre o consumidor e o traficante). Daí para outras contravenções, como roubos e furtos, não demorou muito. A lei trancafiou Malcolm.   

A transformação para Malcolm X

Condenado a 10 anos por tráfico de drogas e roubo, a prisão acabou sendo o grande marco transformador na vida de Malcolm Little. Cumprindo pena, ele conheceu John Elton Bembry, a quem ele carinhosamente chamava de Bimbi. Bembry era um autodidata e incentivou Malcolm a procurar conhecimento. Ele passou a ter interesse pelos livros e fez da leitura e do conhecimento suas bases, assim como a oratória transformou-se em sua principal habilidade. Quando saiu da cadeia, após cumprir seis dos 10 aos quais havia sido condenado, juntou-se à Nação do Islã, comandada por Elijah Muhammad, onde já militavam dois de seus irmãos. 

Malcolm Little rompeu com tudo o que dissesse respeito ao homem branco. Daí a decisão de retirar de seu nome o sobrenome Little. O motivo alegado por ele era de que os senhores de escravos davam a estes os seus sobrenomes. Isso caracterizava propriedade. Como ele considerava-se livre e não propriedade de nenhum Little, passaria a ter o sobrenome “X”. 

Nação do Islã

Malcolm X rapidamente foi ganhando espaço dentro da Nação do Islã, comandada por Elijah Muhammad. Tornou-se seu principal porta-voz. Seus discursos fortíssimos fizeram com que a Nação do Islã crescesse de 500 fiéis para mais de 30 mil em apenas dois anos. Ele era o homem que percorria os EUA com pregações e angariava novos fieis. Seu objetivo era fazer com que os negros americanos tivessem seus direitos respeitados, nem que para isso tivessem que pegar em armas. 

Malcolm X passou a ser uma figura midiática. Com frequência estava nas principais redes de tevê dando entrevistas polêmicas. Como não se escondia de dar boas e contundentes respostas, sempre era fustigado pelos entrevistadores. O mundo passou a ter percepção do que ele dizia. Suas opiniões e suas aparições passaram a causar ciúme dentro da Nação do Islã. Seu brilho ofuscava o líder Elijah Muhammad. Uma declaração de Malcolm X quando do assassinato do então presidente John Fitzgerald Kennedy,  em 1963, fez a coisa azedar com a Nação do Islã. Ao ser questionado sobre o assassinato, Malcolm X disse algo como: “Você colhe o que você planta”.  Elijah Muhammad ordenou que ele não mais se manifestasse. Foi nesse contexto que Malcolm X fez uma denúncia contra Elijah. O líder da Nação do Islã estaria utilizando parte do dinheiro arrecadado pela irmandade em proveito pessoal, além de ter filhos com meninas adolescentes que Muhammad utilizava como suas secretárias. Elijah Muhammad era casado. E mesmo que não fosse, aquilo não era comportamento de um líder religioso. 

Traidor e Insurgente

A partir de sua denúncia, Malcolm X foi declarado traidor da Nação do Islã. Ao mesmo tempo, por conta de seus discursos e reivindicações pelos direitos dos negros, o FBI (Federal Bureau of Investigations / Departamento Federal de Investigações) já estava de olho nele e o classificara como insurgente, um subversivo que merecia toda atenção porque poderia levar o país a uma convulsão racial. Ele passou a ser grampeado, seguido e monitorado. 

O atentado

Depois de se desligar da Nação do Islã, Malcolm X viajou para cidade de Meca, na Arábia Saudita, o templo do islamismo. Ao voltar ele fundou a Organização para a Unidade Afro-Americana, (Organization of Afro-American Unity – OAAU), que não era uma organização religiosa de defesa da identidade negra e de combate radical ao racismo. Malcolm X passou a receber várias ameaças de morte. Uma atentado a bomba foi feito em sua casa em 14 de fevereiro. Ninguém se feriu e, em declarações à tevê, Malcolm X culpou a Nação do Islã pelo ocorrido. 

O assassinato

Em 21 de fevereiro de 1965, durante evento da Organização para a Unidade Afro-Americana no Audubon Ballroom, no bairro Washington Heights, em Manhattan (Nova York), enquanto Malcolm X falava no púlpito colocado no palco, um tumulto teve início. Os seguranças tentaram conter o problema e se dispersaram. Nisso, três homens se aproximaram do palco e começaram a disparar contra Malcolm X. Os tiros foram dados em direção ao seu peito. No total, foram 13  tiros. Ele teve morte instantânea. Ali morria o homem, mas nascia o mito, cujo legado de luta e perseverança pela comunidade negra e para a comunidade negra permanece nos dias de hoje. Com certeza em 2025, quando do centenário de seu  nascimento, muito do que ele fez e deixou será rememorado. 

Para saber muito mais sobre Malcolm X 

1 – Livro: Malcolm X – Autobiografia / Autores – Malcolm X e Alex Haley

2 – Filme: Malcolm X (1992) – Direção: Spike Lee – Com: Denzel Washington como Malcolm X

3 – Documentário: Quem matou Malcolm X (2020) – Direção: Rachel Dretzin e Phil Bertelsen

 

Morre o ator Milton Gonçalves, aos 88 anos

Por Wagner Prado

O Brasil perdeu no início da tarde deste 30 de maio uma de suas grandes referências artísticas da dramaturgia. Morreu no Rio de Janeiro, em consequência de problemas relacionados a um Acidente Vascular Cerebral (AVC), o ator Milton Gonçalves, de 88 anos.
Milton Gonçalves fazia parte do elenco de atores da Rede Globo, onde fez praticamente tudo: 40 novelas, casos especiais, minisséries, humorísticos e apresentações. Gonçalves era mineiro de Monte Santo. Ele nasceu em 9 de dezembro de 1933.

Neste ano de 2022, o ator foi homenageado pela escola de samba Acadêmicos de Santa Cruz, do Rio de Janeiro, com o enredo Axé, Milton Gonçalves – No Catupé da Santa Cruz, que mostrou a história do ator desde sua saída de Minas, a chegada no Rio, seu envolvimento no mundo das artes e o engajamento político. Milton foi um dos fundadores do Teatro de Arena, onde se destacou com as peças “Eles não Usam Black Tie” e “Arena Conta Zumbi”. Como ativista político, militou em prol da redemocratização durante a Ditadura Militar. Também foi voz influente no debate racial, dentro e fora do então PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) e desde 2017 MDB (Movimento Democrático Brasileiro).

Na tevê, Milton Gonçalves fez personagens marcantes, como o Braz Canoeiro, na primeira versão da novela Irmãos Coragem (1970/1971). Sua última participação em novelas ocorreu em 2018, quando interpretou o catador de lixo Eliseu em “O Tempo Não Para”.