Outubro Rosa e a saúde da mulher negra

Por Vinícius Vieira

No mês de abril de 2020, durante a gestação da sua segunda filha, a empresária e esteticista Zarah Flor Rizzo descobriu um nódulo no seio esquerdo enquanto fazia um auto exame durante o banho: “Relatei para minha médica obstetra que havia encontrado um nódulo, a médica me examinou e me tranquilizou falando que era um nódulo de leite empedrado, não me senti confortável pois eu conhecia meu corpo e sabia que tinha algo errado”.

A insistência da empresária em relação àquele nódulo levou Zarah a pedir a realização de um exame ultrassom: “Eu sabia que tinha algo de errado, mas a médica achou melhor não fazer porque poderia afetar as glândulas mamárias”. Zarah não desistiu e decidiu ligar no laboratório solicitando o exame: “A atendente também informou que era melhor não realizar o exame pelo mesmo motivo”. Zarah ligou novamente em outra oportunidade e insistiu com a ideia até que o exame fosse feito: “A médica realizou o exame de mama e falou que não era nada, apenas a mama que estava com uma pequena inflamação e com um pouco de líquido por conta das minhas próteses mamárias”.

Após o nascimento da filha, Zarah Flor retornou à obstetra para realização de exames de rotina pós parto e comentou sobre o aumento do nódulo. A médica pediu para ela não se preocupar, mas mesmo assim ela não desistiu de investigar: “Saí do consultório e no estacionamento mesmo eu liguei no meu convênio e perguntei se poderia marcar um mastologista sem encaminhamento médico. A resposta foi sim. Marquei uma consulta com o mastologista e marcamos a biópsia”. Em novembro de 2020, saiu o resultado da biópsia.  Zarah Flor estava com câncer de mama. 

Zarah Flor Rizzo, empresária e esteticista

Segundo um estudo apresentado pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), o câncer de mama é o segundo tipo que mais acomete as mulheres brasileiras, representando em torno de 25% de todos os tipos de câncer que afetam o sexo feminino no país. Por isso, o mês de outubro é dedicado à conscientização e controle do câncer de mama, conhecido popularmente como Outubro Rosa.

O movimento foi criado no início da década de 1990 pela Fundação Susan G. Komen for the Cure, nos Estados Unidos e é celebrado anualmente no mundo todo. O Brasil aderiu à campanha do Outubro Rosa em 2010, com o apoio do Inca, como forma de conscientizar a população feminina sobre a importância do autocuidado. 

Ao aprofundar as estatísticas da doença no país, desagregando os dados por raça/cor, no ano de 2019 o Inca apresentou evidências de que a taxa de mortalidade por câncer de mama entre as mulheres negras era maior: 10% superior à observada para  mulheres não negras. O Instituto classifica uma das causas que leva a mais mortes, o diagnóstico tardio da doença.

No caso de Zarah, mesmo com todas as interpelações médicas, o diagnóstico precoce da doença proporcionou a ela um tratamento em tempo hábil: “Hoje eu estou curada! Fiz cirurgia, que foi realizada no quadrante. Sigo em tratamento ainda. Ele acaba em Fevereiro de 2022”.

Câncer de mama e as mulheres negras

Para a médica ginecologista Ligia Santos, é preciso compreender que os estudos mostram que o câncer de mama não acomete mulheres negras de forma mais prevalente que as não negras. Porém, quando uma mulher negra apresenta câncer de mama precocemente (antes dos 50 anos, mais especificamente antes dos 45 anos),  a doença tende a ser mais grave e com prognóstico pior,  e isso está atrelado ao fator social: “Os determinantes sociais de saúde são importantes fatores para a pior evolução da doença,  pois eles atuam dificultando o diagnóstico e o tratamento precoce das mulheres negras. Sabemos que a maioria das mulheres negras está na base da pirâmide social e dependem muito do SUS,  que é um sistema fundamental para a nossa sociedade, mas possui muitas falhas. Logo, essas mulheres tendem a fazer menos mamografias de rastreamento, passam em menos consultas médicas e com especialistas e com isso podem ter o diagnóstico mais tardio e, consequentemente, mais mortes”.

Ligia Santos, médica ginecologista

Mariana Ferreira, outra médica que atua na área da ginecologia e obstetrícia, também afirma que, no que diz respeito a diagnóstico precoce, a partir do rastreio com mamografia, ainda há uma grande disparidade quando avaliamos o acesso por raça/cor e classe: “Mulheres negras e com escolaridade mais baixa são aquelas que mais têm dificuldade em acessar o rastreio. Isso acaba atrasando o diagnóstico e, consequentemente, o prognóstico se torna mais reservado”.

Os dados do Inca mostram que, enquanto 66,2% das mulheres brancas fizeram o exame da mamografia, somente 54,2% das negras fizeram no mesmo período. Para a médica Ligia Santos, o acesso à saúde é um benefício que embora seja legal é negado a muitas pessoas: “Os mais pobres vivem nas periferias que, geralmente, acabam ficando para segundo plano quando se pensa em políticas públicas em geral ou que não possuem a estrutura que deveriam ter para que o atendimento seja equânime”, segundo a médica. Isso é visível na escassez de equipes, de especialistas e equipamentos de saúde em alguns bairros: “Como a falta de mamógrafos, além da dificuldade em agendar consulta com especialista, entre outros tantos fatores. Sendo assim, uma mulher que deveria fazer o diagnóstico/tratamento precoce acaba perdendo muito tempo entre idas e vindas para poder ‘entrar’ no sistema”.

Para a empresária Zarah Flor, a falta de acesso a direitos básicos por parte da população negra, sendo eles cada vez mais escassos, impacta diretamente no aumento do índice de mortalidade de doenças como o câncer de mama: “A falta da inclusão acaba refletindo na comunidade negra e limitando o mínimo para viver em sociedade. E os números estão aí para comprovar que somos as mais afetadas pela desigualdade onde não temos o mínimo para sobreviver”.

Mariana Ferreira também acredita que, para a mulher que ainda se encontra ativa economicamente, o acesso vai impactar. Por outro lado, a médica também afirma que o medo do diagnóstico também afasta algumas mulheres: “Por se tratar de uma doença ainda cercada de muitos estigmas, acaba fazendo com que muitas mulheres, mesmo após apalparem tumor na mama, acabam por postergar a busca por atendimento. Por isso que estratégias e campanhas que tragam conscientização sobre a doença são tão importantes”.

Cuidado com a saúde da mulher negra para além do Outubro Rosa

Apesar de outubro ser dedicado à prevenção e à conscientização sobre o câncer de mama, tanto Mariana quanto Ligia reforçam a importância dos cuidados de outras enfermidades que são letais para a população negra de modo geral: “Não podemos esquecer que a população negra é mais suscetível à hipertensão e diabetes,  que contribuem para o surgimento e piora das doenças cardiovasculares, que são as que mais matam no mundo, além da depressão, que é a doença que mais incapacita pessoas”, afirma Ligia.

Mariana Ferreira, ginecologista e obstetra – Foto: Gabriella Maria

Mariana reforça a importância de campanhas preventivas como a do Outubro Rosa, considerando que as estratégias de prevenção em saúde da mulher negra passam por vários aspectos: “Desde avaliação de risco para doenças cardiovasculares, tentativa de controle de fatores de risco como diagnóstico e controle de condições como hipertensão, diabetes, obesidade, estímulo à prática de atividade física”. Porém, a médica afirma que ainda há campos na saúde da mulher que também requerem atenção e conscientização:  “O rastreio de acordo com a faixa etária para câncer de colo do útero e mama; a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, através do acesso a métodos contraceptivos, assim como acesso à pré-natal de qualidade e acompanhamento ao parto,  para desta forma prevenir desfechos negativos. São várias as intervenções que podem ser feitas no que diz respeito à saúde da mulher negra”, finaliza.

Recentemente, Zarah Flor integrou uma campanha publicitária de uma famosa loja de departamentos, no qual ela e outras mulheres reais contam como venceram a doença. No vídeo, Zarah diz:

“Eu fui me reconectando, eu consegui trazer a minha autoestima de volta, eu quero estar sempre presente, não deixo nada pra depois, eu quero fazer hoje e agora, eu me sinto uma nova mulher”

Para o Fundo Baobá, Zarah explica o significado desta frase: “Essa afirmação eu levo para vida. Com ela, eu me renovo todos os dias e com a cura do câncer de mama, só me fez enxergar ainda mais o quanto as coisas simples da vida precisam ser valorizadas. Estar com a família, com meu marido e minhas filhas, acabam nos encorajando para lutar contra a doença”. Finaliza.

Edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça consolida parceria entre Fundo Baobá e Google.org

Por Wagner Prado

O estado de ebulição em que o mundo entrou quando do assassinato do negro George Floyd pelo então policial, o branco Derek Chauvin, na cidade de Minneapolis, no estado de Minnesota (Estados Unidos), provocou posicionamentos sociais por parte de várias empresas em todo mundo. O assassinato de Floyd, infelizmente, fez despertar em milhões a atenção sobre os problemas causados pelo racismo, muito mais observado pelos que são vítimas dele no cotidiano. 

Uma das corporações mundiais a se manifestar foi o Google, por intermédio de seu  CEO, Sundar Pichai. “No ano passado, o CEO Sundar Pichai falou sobre a importância de reconhecer o racismo como um problema global e sistêmico e assumiu compromissos de aumentar a proporção de pessoas negras em cargos de liderança e dedicar esforços não só no processo de contratação, mas de retenção e promoção. Na ocasião, nos comprometemos globalmente a investir cada vez mais esforços  em equidade racial, por meio de iniciativas internas e externas de combate à injustiça racial e construção de sustentabilidade social”, afirmou Flavia Garcia, Head de Diversidade, Equidade e Inclusão do Google na América Latina. 

O comprometimento global do Google fez com que ações no sentido do combate ao racismo e busca pela equidade fossem realizadas também no Brasil. Uma dessas ações foi o apoio dado ao Fundo Baobá para Equidade Racial no edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça, lançado em maio de 2021 com dotação de R$ 1,2 milhão. Os recursos vieram do Google.org, braço filantrópico do Google, que tem como uma de suas premissas apoiar entidades negras cuja atuação no enfrentamento ao racismo seja o foco. 

O edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça selecionou 12 organizações negras brasileiras que apresentaram projetos com os seguintes direcionamentos:  Enfrentamento à Violência Racial Sistêmica; Proteção Comunitária e Promoção da Equidade Racial; Enfrentamento ao Encarceramento em Massa entre Adultos e Jovens Negros e Redução  da Idade Penal para Adolescentes; Reparação para Vítimas e Sobreviventes de Injustiças Criminais com Viés Racial

O objetivo do Vidas Negras é ir de encontro a inúmeras arbitrariedades que têm sido relatadas e documentadas dentro do sistema de Justiça do Brasil, que em inúmeros casos procura desqualificar o povo negro impondo a ele decisões sem embasamento que culminam em penas injustificáveis. “Reforçamos nosso compromisso em continuar avançando na redução das desigualdades estruturais raciais, por meio de ações de equidade de oportunidades de acesso, desenvolvimento e liderança para a comunidade negra. Trabalhamos promovendo oportunidade econômica para a população negra e apoiando o trabalho de organizações que atuam no front,  realizando ações de combate ao racismo e à desigualdade racial, como é o caso do apoio do Google.org ao Fundo Baobá, primeiro e único fundo filantrópico brasileiro dedicado exclusivamente à equidade racial”, disse Flavia Garcia. 

Flavia Garcia, Head de Diversidade, Equidade e Inclusão do Google na América Latina

Um dos objetivos do Google como único apoiador do edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça foi o de alcançar o maior número de pessoas possível com as ações implementadas. O objetivo foi alcançado. “Por meio do Fundo Baobá, o apoio do Google se multiplicou, beneficiando 12 organizações com trabalhos com foco no enfrentamento ao racismo em suas regiões de atuação. Além do Fundo Baobá, o Google.org destinou recursos para o Núcleo de Pesquisa em Justiça Racial e Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) com o objetivo de apoiar a pesquisa e coleta de informações sobre o estado da justiça racial no Brasil, a partir da análise de estudos de caso, dados e visualização das dimensões raciais da violência policial no país”, revelou a executiva de Diversidade, Equidade e Inclusão do Google para a América Latina. 

As organizações selecionadas estão recebendo um amplo treinamento para que alcancem 100% da potencialidade de seus projetos. Como apoiador, o Google vem monitorando e tem apreciado o trabalho que vem sendo feito pelo Baobá. “O Google.org entende que as pessoas mais próximas do problema são as que estão em melhor posição para resolvê-lo. E esse é o caso dos treinamentos que o Fundo Baobá disponibilizou para todo o ecossistema de organizações, o que inclui ferramentas de governança, recursos humanos, monitoramento e avaliação de programas, finanças, saúde e sustentabilidade, estratégia de comunicação e desenvolvimento de competências digitais; essenciais para seu fortalecimento institucional. Estamos entusiasmados em ver que as organizações selecionadas criarão uma rede onde terão interações mais profundas para compartilhar as lições aprendidas umas com as outras, com o objetivo de fortalecer uma rede nacional com representantes de organizações lideradas por pessoas negras de cada região”, finalizou Flavia Garcia.

Fundo Baobá discute ESG

Por Vinícius Vieira

No dia 4 de outubro, conhecido como o Dia da Natureza, o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), em parceria com o LinkedIn, realizou o evento virtual “ESG na Prática: Parcerias e Negócios para um mundo em transformação”, que contou com a participação de profissionais de diversas áreas para falar da prática do ESG (Environmental, Social and corporate Governance – Governança Ambiental, Social e Corporativa) em seu ramo de atuação.

A diretora executiva do Fundo Baobá para Equidade Racial, Selma Moreira, foi uma das palestrantes na mesa de encerramento do evento. Com o tema “Como evitar o ESG Washing?”,  a sessão foi mediada pela professora associada da FEA/USP e vice-presidente do IPÊ, Graziella Comini, e contou com as  participações de Adriana Machado (Fundadora do Briyah Institute), Ricardo Batista (CEO do Tribanco) e Tarcila Ursini (EB Capital).

ESG na prática. Sentido horário: Graziella Comini (FEA/USP e IPÊ), Adriana Machado (Briyah Institute), Selma Moreira (Fundo Baobá), Tarcila Ursini (EB Capital) e Ricardo Batista (CEO do Tribanco)

No dia do evento, três redes sociais muito utilizadas tiveram problemas de instabilidade e ficaram sete horas sem funcionamento, gerando caos no mundo todo. Selma Moreira fez questão de iniciar a sua exposição fazendo conexões entre o ocorrido e a prática do ESG: “Se cai a internet, todo mundo enlouquece. Então por que a gente não sente a mesma coisa quando cai uma árvore ou quando a gente perde uma vida?”, perguntou.

Falando sobre ESG na prática, Selma destaca a necessidade de a discussão sobre o tema começar pela letra G, que representa a Governança Corporativa: “A governança é a chave, o espírito, sendo, talvez, o tema mais forte e que a gente tenha que apertar a caneta. Porque você precisa trabalhar a importância internalizada no alto escalão da empresa, para garantir que todos os trabalhos sejam feitos na perspectiva de promover a questão ambiental e a questão social. Muito além de uma simples propaganda”, afirmou.

A expressão ESG Washing é conhecida no meio corporativo como a implementação do ESG, sem o comprometimento real com todas as pautas que compõem a sigla. Neste contexto, Selma Moreira frisou a importância do engajamento e da discussão em torno dos fundamentos estratégicos do ESG; de não ficar apenas em modismos, citando, inclusive, a comoção virtual pela morte do norte-americano George Floyd em junho de 2020: “No ano passado nós vimos todo mundo falando sobre o Black Lives Matter [movimento ‘Vidas Negras Importam’] o tempo todo nas redes sociais. Eu acho muito importante as pessoas dialogarem sobre isso, mas eu quero que seja de verdade, para além de um post nas redes sociais. É preciso que essas pessoas se importem com isso e que todas as decisões tomadas, na vida pessoal ou profissional, estejam conectadas com essa temática também”.

A diretora executiva do Fundo Baobá, o primeiro fundo dedicado à promoção da equidade racial para a população negra no país, fez questão de afirmar que é necessário um olhar cuidadoso para as organizações e Fundos de justiça social e aprender com a experiência de atuação de cada um deles, nas causas mais urgentes: “O nosso trabalho está diretamente ligado ao Brasil profundo, escutando e respondendo às demandas dos diversos públicos. Assim como o Baobá, existem outros Fundos com outras temáticas que atuam para garantir que organizações de base comunitária, rurais, quilombolas, além da população mais afastada e vulnerável, tenham direito de viver com dignidade e de seguir se desenvolvendo”.

Por fim, Selma Moreira reitera que é necessário se permitir colocar em dúvida as nossas certezas: “As crianças têm o chamado ‘cantinho da disciplina’, os adultos precisam ter o cantinho da dúvida, antes de tomar qualquer decisão. É nessa hora da dúvida que se permite dialogar, experimentar e tentar outros caminhos, porque o que falta é conhecer mais do Brasil, falta conhecer mais das necessidades e falta, inclusive, desenhar os nossos planos a partir das escutas”, afirmando que não significa apenas investir o dinheiro em uma causa, baseado nas próprias estratégias, mas ter a sensibilidade de ouvir as demandas de cada um: “É muito do ser humano achar que tem a solução de tudo, no entanto, eu diria que é preciso fazer tudo com intencionalidade”, finalizou. 

No final do evento, a artista gráfica Camila G.MW. fez uma arte com todos os participantes da mesa digital e retratou Selma Moreira com os cabelos em formato de baobá, a árvore nativa da África, pertencente à família das malváceas, com um tronco que pode chegar a nove metros de diâmetro e 30 metros de altura e que deu origem ao nome da organização.

O vídeo está disponível no perfil do IPÊ no LinkedIn e pode ser assistido aqui.

Nasce uma Aliança para fortalecer o apoio a grupos comunitários no enfrentamento da covid-19

Como a filantropia está apoiando o enfrentamento da pandemia

Publicado originalmente no site da Rede de Filantropia para Justiça Social

Por Cristina Orpheo e Joyce Maria Rodrigues

A pesquisa Emergência Covid-19, realizada pelo GIFE, apresenta uma análise da atuação emergencial de diferentes organizações do campo da filantropia e de investimento social, e revela que houve uma forte resposta desse setor na construção de ações para minimizar os impactos da pandemia. No que confere à alocação de recursos, num grupo de 98 organizações entrevistadas, 78% afirmaram que investiram em iniciativas finalísticas de enfrentamento à Covid-19. No que se refere ao montante alocado, a pesquisa apresenta que a somatória de 69 organizações resultou num valor total de R$ 2 bilhões. No comparativo com o valor investido em outras iniciativas e na gestão dessas organizações, esse valor é 1,9 vezes superior.

Nesse contexto, os fundos e fundações comunitárias reunidas na Rede de Filantropia para a Justiça Social (RFJS) têm desempenhado também um papel estratégico para viabilizar a doação de recursos. Ao longo de 2020 as organizações da Rede doaram de forma direta um montante de R$ 14.019.120,70 para mais de 1.200 iniciativas da sociedade civil. As doações indiretas (cestas básicas, kit higiene e ajuda humanitária, de forma geral) somam aproximadamente 2,9 milhões de reais, totalizando mais de 16,9 milhões de reais.

Além disso, a RFJS, por meio de seu Programa de Apoio, doou um montante de R$ 210.000 para fortalecimento dos seus membros no enfrentamento da pandemia a partir de três linhas de atuação: mobilização comunitária e campanhas de doação e de comunicação, informação e produção de conhecimento.

Como demonstra o estudo O Papel e o protagonismo da sociedade civil no enfrentamento da pandemia da covid-19 no Brasil, embora o montante das doações dos fundos locais que integram a RFJS não seja comparável aos recursos mobilizados pelas grandes fortunas, a atuação da Rede foi e continua sendo estratégica no contexto da pandemia pela capacidade de reagir de forma ágil e assertiva, atendendo a múltiplas demandas, com foco nas minorias políticas e grupos vulneráveis.

Esses dados demonstram que a urgência por respostas ao cenário da pandemia do coronavírus promoveu uma prioridade de investimentos entre as organizações do universo da filantropia e do investimento social no Brasil.

Se a imprevisibilidade de uma pandemia mundial explicou o deslocamento de prioridades e a maior mobilização por recursos ao longo do ano de 2020, após um ano e meio de seu início percebemos que as urgências não findaram, mas se transformaram.

O país se encontra imerso em um cenário de retrocessos na garantia direitos humanos e ambientais, aumento da taxa de desemprego em consonância com o encarecimento do custo de vida, que somados às inúmeras ausências de políticas públicas para minimizar os impactos da covid-19 têm agravado as condições de vida da população mais vulnerável, em especial os povos indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais.

Parafraseando os autores Luiz Antônio Simas e Luiz Rufino, como combater a mortandade quando ela se torna algo corriqueiro? Se seguirmos as trilhas da resposta à pergunta dos autores, precisamos exercitar a política da vida, o encantamento.

O encantamento como uma capacidade de transitar nas inúmeras voltas do tempo, invocar espiritualidades de batalha e de cura, primar por uma política e educação de base comunitária entre todos os seres e ancestrais, inscrever o cotidiano como rito de leitura e escrita em diferentes sistemas poéticos e primar pela inteligibilidade dos ciclos é luta frente ao paradigma de desencanto instalado aqui. Ou seja, o encante é fundamento político que confronta as limitações da chamada consciência das mentalidades ocidentalizadas. (SIMAS E RUFINO, 2020, p.8).

Portanto, o atual contexto demanda ações destinadas à (re)construção, fortalecimento e principalmente de reconhecimento do protagonismo das organizações de base comunitária e tradicionais. Infelizmente, não vemos a construção de políticas públicas que dê conta de atender essas populações para essa reconstrução.

Passamos de um momento de apoios humanitários para apoios com ações mais estruturantes, e com eles o desafio dos recursos da filantropia chegarem de fato às comunidades mais impactadas.

Aliança entre Fundos

Diante desse contexto é consolidada a Aliança entre Fundos, composta pelos Fundos Baobá, Brasil de Direitos e Casa Socioambiental.

Os diálogos e as trocas entre essas organizações ocorridas no ano de 2020 para aprendizados sobre mobilização, coordenação, alocação e gestão dos recursos emergenciais durante o período mais crítico da pandemia resultaram numa aliança estratégica direcionada a apoiar iniciativas de comunidades tradicionais frente aos impactos causados pela covid19.

A Aliança foi lançada no dia 26 de agosto e tem como objetivo principal contribuir para a autonomia e o protagonismo das populações tradicionais, organizações, grupos e coletivos na construção de soluções para os impactos provocados pela pandemia por meio de apoio a projetos em três eixos temáticos; (1) Fortalecimento da resiliência, (2) soberania e segurança alimentar (3) defesa de direitos.

A iniciativa tem ainda como objetivos fortalecer o ecossistema da filantropia pela justiça racial, social e ambiental por meio de estratégia de atuação conjunta entre os Fundos, gerando aprendizados e reforçando a importância da colaboração para enfrentar emergências, potencializando o apoio aos grupos comunitários.

Assim, a Aliança se inscreve como apoio e ponte para a construção da política de vida plantada nas margens, capoeiras, sambaquis, quilombos, mangues, sertões, gameleiras, esquinas e matas daqui. O “encantamento” se torna metáfora, mas também estratégia colaborativa onde os Fundos que buscam apoiar ações de alicerce, de (re)construção e enfrentamento aos desafios impostos pela pandemia para as comunidades quilombolas e povos indígenas.

A Rede de Filantropia para a Justiça Social foi campo fértil para o nascimento dessa Aliança, criando um importante espaço de diálogo no pior momento da pandemia em 2020, fomentando ações criativas para o apoio aos grupos de base para ações emergenciais de enfrentamento a covid19. Acreditamos que a Aliança e a Rede podem seguir na trilha de gerar aprendizagem, em especial nos temas de estratégias colaborativas para mobilização de recursos e em monitoramento e avaliação dos apoios aos grupos de base.

Próximos Passos

Os Fundos que compõem a Aliança começaram a lançar os editais de apoio a projetos no mês de setembro, com previsão inicial de aporte de 2,5 milhões de reais para apoios a grupos quilombolas e indígenas. O edital Em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, lançado pelo Fundo Brasil. A Chamada de Projetos para Apoio às Comunidades Quilombolas no Enfrentamento dos Impactos Causados pela Covid-19, lançada pelo Fundo Casa Socioambiental. E o edital Quilombolas em Defesa: Vidas, Direitos e Justiça, lançado pelo Fundo Baobá para Equidade Racial.

Para 2022, está sendo construída uma agenda de fortalecimento de capacidades e trocas e intercâmbios entre os grupos comunitários que serão selecionados nos editais.

Referências

Observatório da Covid-19 nos Quilombos – https://quilombosemcovid19.org/

Pesquisa Emergência Covid-19: levantamento de dados e informações da resposta da filantropia e do investimento social privado no enfrentamento à pandemia – https://sinapse.gife.org.br/download/pesquisa-emergencia-covid-19-levantamento-de-dados-e-informacoes-da-resposta-da-filantropia-e-do-investimento-social-privado-no-enfrentamento-a-pandemia

O papel e o protagonismo da sociedade civil no enfrentamento da pandemia da covid-19 no Brasil – https://www.redefilantropia.org.br/publicacoes/o-papel-e-o-protagonismo-da-sociedade-civil-no-enfrentamento-da-pandemia-da-covid-19-no-brasil%E2%80%89

SIMAS, Luis Antônio e RUFINO, Luis. Encantamento, sobre a política de vida. Rio de Janeiro. Mórula Ed.2020.

Joyce Maria Rodrigues – Mestra em Planejamento e Gestão do Território pela UFABC, especialista em políticas públicas pela USP e Licenciada em ciências sociais pela UNESP Marília. Atua como consultora técnica da iniciativa Aliança entre Fundos.

Cristina Orpheo é Diretora Executiva do Fundo Casa Socioambiental. É formada em Administração, com pós-graduação em gestão de projetos sociais, terceiro setor e gestão ambiental. Tem 20 anos de experiência em elaboração e gestão de projetos, gestão de recursos humanos, elaboração de projetos, planejamento estratégico e mobilização de recursos. Nos últimos 10 anos atua em Grantmaking e apoios a grupos comunitários de base.

Pessoas com deficiência, o esporte e as estratégias de afirmação

Por intermédio de suas conquistas no Esporte, as PcDs (Pessoas com Deficiência) mostram para os capacitistas que são capazes de fazer qualquer coisa

Por Wagner Prado

Em 1944, o mundo ainda estava sacudido pelo flagelo da II Guerra Mundial, que terminaria um ano depois. Um neurologista de origem alemã, Ludwig Guttmann, recebeu do governo do Reino Unido o aval para abrir um centro de reabilitação para tratar lesões na coluna. O público eram os soldados feridos em batalha. Ludwig Guttman acreditava na prática esportiva como principal forma de reabilitação. Aquilo foi o embrião para o que havia começado como recreação visando reabilitação,  se transformasse em competitividade entre pessoas com deficiências. 

Como muitas ideias evoluem, Ludwig Guttmann levou seu desejo de promover uma competição entre cadeirantes para a organização dos Jogos Olímpicos de 1948 em Londres. Nascia ali a intenção de promover jogos exclusivos para PcD, chamados então de Jogos Paraolímpicos. A realização dos primeiros Jogos Paraolímpicos ocorreu em Roma, em 1960 e, desde então, acontecem a cada quatro anos após os Jogos Olímpicos.

Competir esportivamente foi e é uma grande conquista das pessoas com deficiência. Porém, algumas conquistas acabam por esconder tantas outras batalhas que estão sendo travadas por este segmento da população e a sociedade, em sua quase totalidade, não tem conhecimento. 

Uma dessas batalhas é contra o que se denomina Capacitismo, que é a atitude de discriminar, tratar com preconceito e opressão qualquer pessoa com deficiência física e motora, visual, auditiva, intelectual e de aprendizado. Criou-se o conceito de que pessoas com deficiência são inferiores. Dar a elas tratamento de comiseração é, também, uma forma de capacitismo.

O Brasil tem 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para combater o capacitismo, foi instituída a Lei Federal 13.146, em 6 de julho de 2015, que é o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Em seu artigo 4º, a Lei diz que  “toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação”.

Ainda no terreno das leis federais, a Lei 8.213 de 1991, batizada como Lei de Cotas, determina que empresas que tenham de 100 a 200 funcionários reservem 2% das vagas para PcD. Essa porcentagem vai crescendo de acordo com o número de empregados/as e chega ao máximo de 5% para empresas que tenham mais de 1001 colaboradores/as. 

A fuga da invisibilidade, a ocupação de espaços que movam a  opinião pública, a busca pela conscientização sobre os direitos das pessoas com deficiência,  têm sido uma missão para muites. O movimento Vidas Negras com Deficiência Importam (VNDI) foi criado por negros para combater os impactos das intersecções entre racismo, capacitismo e a discriminação a pessoas negras com deficiência. O grupo está bem ativo nas redes sociais e fora delas também.

A prática esportiva tem sido uma forma de afirmação encontrada por PcDs para trazer o olhar da sociedade sobre suas conquistas e também  reivindicações. Na última edição da Paraolimpíada de Tóquio, realizada em agosto de 2021, o Brasil levou 253 atletas, sua maior delegação. Um deles, o nadador estreante Gabriel Geraldo Araújo, o Gabrielzinho, de 19 anos. Competindo na categoria S2 (o “S” é de Swimming/Natação e o 2 classifica nadadores com limitações físico motoras). Gabrielzinho nasceu com Focomelia, um tipo de anomalia que provoca a má formação de braços, mãos, pernas e pés. A mãe de Gabriel, Eneida Magna dos Santos,  descobriu o problema quando estava em seu quinto mês de gravidez. 

Gabriel Geraldo Araújo, o Gabrielzinho

A vida não foi fácil e ninguém disse que seria. Gabriel desde muito cedo, antes de completar um ano, já estava em um centro de reabilitação para aprender a dar os primeiros passos e, com o crescimento, ganhar autonomia. A natação competitiva veio aos 13 anos, quando foi inscrito nos Jogos de Minas Gerais para Deficientes por um professor de Educação Física. De lá até Tóquio o caminho foi de muitas vitórias, mas, acima de tudo, muito esforço visando o próprio aperfeiçoamento. Gabriel Araujo alcançou três medalhas na  Paralimpíada japonesa: dois ouros e uma prata. Pela competência de atleta e pelo carisma, ganhou fama e aproveitou para levantar bandeiras: “Na minha vida sempre foi assim, ‘vai lá e faz’. As pessoas, todas, têm que entender que nós somos deficientes, mas nós somos capazes de fazer tudo”, afirmou o campeão paralímpico em entrevista ao site ge.com .

Setembro Amarelo e a saúde mental dos adolescentes e jovens negros

Por Vinícius Vieira

Desde 1996 o Brasil celebra o Dia de Adolescentes (21). Setembro também é o mês em que se celebra o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio (10). Em alusão a esta data, desde 2014 acontece a campanha nacional Setembro Amarelo, por iniciativa da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e do Conselho Federal de Medicina (CFM) e sendo aderida em 2015 pelo Centro de Valorização da Vida (CVV).

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), no Brasil, todos os anos, cerca de 12 mil pessoas tiram a própria vida. Isso representa quase 6% da população. A OMS também informa que o suicídio é a terceira causa de morte de jovens brasileiros entre 15 e 29 anos. 

Dados do Ministério da Saúde, revelam que, em 2019, a taxa de jovens negros entre 10 e 29 anos de idade que cometeram suicídio foi 45% maior que a observada entre jovens brancos na mesma faixa etária. A pergunta que fica é: Qual são os possíveis motivos que levam o adolescente/jovem negro brasileiro a experimentar este risco acrescido de suicídio?

Para a psicóloga, mestre em Saúde Comunitária, doutora em Saúde Pública, docente na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e idealizadora da página Saúde Mental da População Negra, Jeanne Saskya Campos Tavares, é preciso voltar no tempo e analisar que o suicídio funciona como estratégia política da população negra no Brasil desde a colonização: “No passado, por diferentes meios, pessoas negras davam fim a sua própria vida e de seus filhos para que não mais fossem submetidos aos horrores da escravização”.

Nos tempos atuais, Jeanne afirma que o racismo continua diretamente ligado à ideação e comportamento suicida, uma vez que este não é um problema individual, mas um processo coletivo: “Ele se relaciona com a necessidade do jovem negro de cessar um intenso sofrimento através da morte e à percepção de que não há esperança de que, em algum momento, terá uma vida que valha a pena viver. Neste sentido, o racismo está diretamente relacionado às questões sociais, de baixa auto-estima e de violência no ambiente escolar desde a infância”.

Jeanne faz questão de salientar que o racismo é um importante fator que vulnerabiliza os adolescentes e jovens negros brasileiros e pode ser entendido como um fator predisponente para o suicídio: “Pois ele impede o acesso aos direitos de cidadania, expõe as pessoas negras a múltiplas violências cotidianas  que envolvem  desde situações continuadas de humilhação pública, até a possibilidade de sua própria morte e encarceramento ou encarceramento de conhecidos e familiares. Essas experiências comprometem  significativamente a saúde mental da maioria das pessoas negras,  pois relacionam-se com a  baixa qualidade de vida e impossibilidade de receber apoio social em diferentes contextos”.

Jeanne Saskya Campos Tavares, psicóloga, mestre em Saúde Comunitária, doutora em Saúde Pública, docente na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e idealizadora da página Saúde Mental da População Negra

Em 2020 e 2021, tivemos que lidar (e estamos lidando) com um fato que afetou diretamente a vida e a saúde mental das pessoas do mundo inteiro: a pandemia da Covid-19. Durante este período, Jeanne Tavares realizou uma série de lives intituladas Saúde mental da  população negra em tempos de pandemia, que dialogavam diretamente com os mais afetados nesta crise sanitária. Jeanne diz que o novo coronavírus impactou diretamente na saúde mental dos adolescentes e jovens negros: “A saúde mental foi afetada porque foram expostos à maior insegurança do que já viviam. Não era apenas o risco de contaminação pelo vírus, pois muitos continuaram desenvolvendo atividades laborais, geralmente informais, junto com suas famílias, mas tiveram que lidar com a morte e adoecimento dos seus familiares e conhecidos que, em sua  maioria, não puderam estar em trabalho remoto”. Jeanne frisa que, em um ano de pandemia, os jovens experienciaram todas as dificuldades relacionadas à perda de emprego entre os seus e ao empobrecimento coletivo, além da paralisação de suas atividades escolares com comprometimento do apoio que a comunidade escolar pode oferecer, “ainda que tendo muitas limitações, é um contexto reconhecido como protetor e  de acesso à alimentação e contatos sociais diários”.

Diante de todo esse cenário, fica evidente que o cuidado com a saúde mental de adolescentes e jovens negros é essencial. Políticas, programas, iniciativas para enfrentar o racismo no ambiente escolar, dialogar sobre orientação sexual, identidade de gênero, entre outras intersecções que contribuem para a vulnerabilidade e podem levar ao suicídio de jovens negres. Trabalho de base realizado em um ambiente escolar, educação básica de qualidade, manutenção de jovens negres na escola, todos estes pontos estão em jogo quando falamos sobre saúde integral e saúde mental, em especial. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em  2018 um terço dos brasileiros entre 19 e 24 anos não havia conseguido concluir o ensino médio. Entre os que não conluíram esta etapa, 44,2% eram homens jovens negros. Um dos motivos da evasão escolar entre  negros do sexo masculino, com menos de 18 anos,  é o ingresso no mercado de trabalho. O relatório  Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, divulgado em 2019 pelo IBGE, mostra que as pessoas negras representam 75% entre os mais pobres. A educação de má qualidade, o ambiente que segrega e a carência econômica contribuem para a busca por emprego em detrimento à formação escolar. 

Sobre esta conexão entre situação  socioeconomica e educacional, Jeanne acredita que as políticas de redistribuição de renda e as políticas afirmativas, não apenas as cotas como também as que garantam a permanência de crianças, adolescentes e jovens do ensino fundamental ao superior, podem ser interpretadas também como políticas promotoras de saúde mental: “É importante salientar que a saúde mental da população negra está diretamente associada à nossa qualidade de vida, por isso todas as políticas que nos permitam viver numa sociedade equânime, com acesso à alimentação, água, justiça, paz, trabalho, moradia, liberdade de trânsito nas cidades, saúde, educação, descanso, dentre  tantos outros direitos humanos, são também produtoras de saúde mental e nos protegem  em relação ao suicídio”. Finaliza.

 

Já É: Promovendo educação, equidade racial e qualidade de vida

Compreendendo as conexões entre educação de adolescentes e jovens, qualidade de vida, saúde mental e  justiça racial, o Fundo Baobá lançou em 2020 o Programa Já É: Educação e Equidade Racial. Em parceria com a Citi Foundation, Demarest Advogados e Amadi Technology, o Programa Já É foi criado pelo Baobá com a premissa de impulsionar o ingresso de jovens negros e periféricos nas universidades, através do custeamento dos gastos em um curso pré-vestibular e também transporte e alimentação.

Jakeline Souza Lima, 22 anos, é uma das jovens apoiadas pelo Já É e uma das defensoras da promoção de uma educação de qualidade para o fim do racismo estrutural: “A educação é a ferramenta mais potente para transformar as estruturas, para sanar os problemas que estão enraizados há tanto tempo na nossa sociedade”. Apesar desta certeza, Jakeline também acredita que a educação precisa ser crítica e empoderadora, principalmente no que diz respeito a história negra: “É preciso que nossa história seja passada como realmente foi: cheia de lutas, com muita potência, inventividade, riqueza e orgulho, e não como tem sido desde sempre, quase nos ensinando a termos vergonha e aceitar tudo que nos dizem”.

Jakeline Lima, apoiada no “Programa Já É: Educação e Equidade Racial”

Foi a falta dessa educação crítica e empoderadora, que fez Jakeline sofrer racismo dos 7 aos 14 anos no ambiente escolar: “Os alunos zoavam tudo em mim: o meu cabelo, a cor da minha pele, o meu nariz e o meu peso. Essas ofensas afetaram demais minha autoestima, passei a me sentir feia, achar que eu nunca seria amada; passei a não ter mais vontade de sair e ter medo de ser vista demais, queria ficar escondida e chamar o mínimo de atenção possível”.

Mesmo com a saúde mental abalada pelos ataques racistas na adolescência, durante o ensino médio, Jakeline Lima teve contato com o movimento dos estudantes secundaristas, com o teatro e também com o grêmio estudantil. Montou uma chapa com alguns amigos e realizou  um trabalho de conscientização, enfrentamento  ao racismo, e outras formas de discriminação: “Realizamos a Semana da Alteridade, levando os alunos mais novos para a biblioteca para contarmos as nossas experiências e explicar o porquê não era bom ofender o amigo, além de várias outras questões”, 

Hoje no Programa Já É, Jakeline quer cursar artes cênicas e credita ao teatro um divisor em sua vida: “No teatro eu lidei, e sigo lidando, com as questões mais pessoais, passei a trabalhar minha relação com a imagem e transformar minhas dores em criações, juntar minhas dores com as de muitas pessoas e lutar, criar um coro, forte e potente”.

Jakeline Lima: “No teatro eu transformo minhas dores em criações”

 

Assim, Jakeline Lima faz questão de reforçar a importância da educação como sendo caminho de potencialização e transformação: “Através da educação a gente se enxerga na história e tem orgulho dela, tanto da que escreveram antes de nós, mas também da que estamos escrevendo”, afirma a estudante, também frisando que o Fundo Baobá, através do Programa Já É, tem permitido que outros adolescentes e jovens escrevam a sua própria história: “O Programa Já É, é um desses caminhos que usa a educação para nos devolver, para nos dar perspectiva, para nos fazer acreditar que somos capazes e também para nos mostrar que, quase cem jovens estão juntos e, se apenas um passar na universidade, todos passam, porque representamos a nós mesmos, mas também toda nossa família que muitas vezes não tiveram a mesma oportunidade que nós”.

Edital Vidas Negras e a potencialização da dignidade e justiça

Por Vinícius Vieira

No dia 9 de setembro, o Fundo Baobá para Equidade Racial divulgou a lista das organizações selecionadas no edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça, iniciativa lançada no dia 5 de maio, com apoio do Google.Org, braço filantrópico do Google, e que tem a premissa de apoiar entidades negras que atuam no enfrentamento do racismo e incorreções que ocorrem dentro do sistema de Justiça Criminal no Brasil.

Ao todo foram selecionadas 12 iniciativas, divididas pelos seguintes eixos: 

I – Enfrentamento à violência racial sistêmica
II – Proteção comunitária e promoção da equidade racial
III – Enfrentamento ao encarceramento em massa entre adultos e jovens negros e redução da idade penal para adolescentes
IV – Reparação para vítimas e sobreviventes de injustiças criminais com viés racial

Entre as organizações selecionadas temos organizações de mulheres negras e que atuam no enfrentamento à violência racial contra as mulheres, aquelas que atuam no enfrentamento ao racismo religioso, outras que dão visibilidade à situação de encarceramento de mulheres negras, organizações quilombolas que atuam na defesa dos direitos quilombolas, sobretudo o direito à terra. Organizações antiproibicionistas, outras que atuam na defesa do direito à moradia  para famílias sem teto de baixa; aquelas que congregam familiares e vítimas de violência do Estado e outras que prestam assistência biopsicossocial e jurídica a familiares de pessoas privadas de liberdade.

As organizações selecionadas estão localizadas nas regiões Sudeste, Norte e Nordeste do país, oriundas dos estados de Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Amapá, Pernambuco e Ceará.

O edital contou com três etapas de seleção sendo que, na última fase, as organizações  participaram de um painel de entrevistas conduzido por especialistas e membros da governança do Fundo Baobá. As entrevistas foram realizadas considerando o eixo temático escolhido pela organização no momento da inscrição e cada eixo contava com 2 ou 3 entrevistadores(as).

Para a graduanda em direito, monitora das disciplinas de Sociologia Geral e Assessoria Jurídica Popular na FND/UFRJ, também monitora no curso de extensão Promotoras Legais Populares e liderança comunitária na Baixada Fluminense, Thuane Nascimento, ter atuado no comitê de seleção entrevistando as e os representantes de organizações que inscreveram seus projetos no eixo III Proteção Comunitária e Promoção da Equidade Racial, dialoga perfeitamente com a sua área de atuação, desde quando ela entrou na universidade: “Essa lógica da proteção comunitária junto com a promoção da equidade racial tem tudo a ver com o trabalho que eu desenvolvo. Nós sabemos que quando um território está seguro, a pessoa que mora lá se sente segura naquele território. Entendemos que é a comunidade que consegue dar uma segurança e um aporte para a pessoa que está morando ali”.

Segundo Thuane, essa proteção que a comunidade oferece aos seus moradores, de maioria negra e pobre, faz parte do senso coletivo que está enraizado desde a construção desse local: “As favelas, os assentamentos e as ocupações são construídos numa lógica de coletividade. Isso é muito importante, porque na coletividade as pessoas aprendem a respeitar um ao outro e aprendem a proteger um ao outro”.

Thuane Nascimento, graduanda em direito, monitora das disciplinas de Sociologia Geral e Assessoria Jurídica Popular na FND/UFRJ, também monitora no curso de extensão Promotoras Legais Populares e liderança comunitária na Baixada Fluminense

Thuane atuou em um projeto chamado Circuito Favela por Direito, onde ela pôde vivenciar de perto o senso de coletividade existente nas comunidades do Rio de Janeiro: “Em muitas comunidades existe um grupo de WhatsApp para poder falar onde estava acontecendo um tiroteio, para avisar qual lugar que estava perigoso, além dos grupos de WhatsApp entre as mães. Proteção comunitária tem tudo a ver com o território”, afirma.

Quem também atuou no comitê de seleção do edital Vidas Negras, em diálogo com organizações que apresentaram suas propostas no eixo IV: Reparação para vítimas e sobreviventes de injustiças criminais com viés racial, foi a doutora e mestra em Direito Constitucional e Teoria do Estado; Professora do Departamento de Direito da PUC-Rio; Coordenadora Geral do NIREMA – Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente – e professora visitante Jr. no African Gender Institute, University of Cape Town, Thula Pires, que também vê ligação entre a sua área de atuação e o eixo em que realizou entrevistas: “O eixo de Reparação é aquele que mais evidencia a necessidade do Estado se responsabilizar pelas violências que (re)produz e, nesse sentido, dialoga muito intrinsecamente com o campo do Direito Constitucional e da Teoria do Estado”.

No eixo IV foram selecionadas três organizações, todas da região Sudeste. Thula analisou e traçou o perfil característico de cada uma: “As organizações selecionadas no eixo IV nos oferecem a possibilidade de incidir em diferentes dimensões na reparação às vítimas de injustiças raciais. Do direito à moradia, em toda sua complexidade, aos desafios da política de drogas e da política prisional, passando pelo racismo religioso, temos distintas e estratégicas áreas de enfrentamento às violências promovidas, sobretudo, pelo Estado brasileiro”.

Thula Pires, doutora e mestra em Direito Constitucional e Teoria do Estado; Professora do Departamento de Direito da PUC-Rio; Coordenadora Geral do NIREMA – Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente – e professora visitante Jr. no African Gender Institute, University of Cape Town

Ao relembrar a sua atuação no eixo II, Thuane fala dos diferentes perfis das quatro organizações selecionadas que, segundo a própria, deixou a escolha dos projetos ainda mais interessante. Entretanto, ela fez questão de destacar um dos projetos selecionados: “Uma organização da Região Norte que está situada em uma  comunidade quilombola e eles queriam expandir o trabalho para dezenas de comunidades, em um lugar que o principal meio de transporte é o fluvial. Eu fico imaginando a dificuldade: já trabalhavam com algumas comunidades e querem expandir ainda mais o trabalho. Isso é de uma importância imensa”. No caso, Thuane se refere à organização selecionada Associação de Jovens Moradores e Produtores Rurais de Santa Luzia do Maranum I (Ajomprom), localizada em Macapá, no Amapá.

Ao lembrar dessa organização, Thuane Nascimento fala sobre as potencialidades dos projetos e das organizações selecionadas;  as expectativas em relação às mudanças que poderão ser geradas na sociedade, além da importância da realização do edital Vidas Negras: “Se as organizações conseguem fazer um trabalho tão bom e chegar até aqui, mesmo sem tanto apoio financeiro e sem um apoio de rede, imagina onde que elas vão conseguir chegar com esse apoio do Fundo Baobá? Eu acredito que teremos muitas mudanças, talvez não seja uma mudança como a gente pensa, que vai abranger a todos, porque nem é essa a proposta, mas vai mudar a comunidade local, vai avançar no sentido dela se sentir protegida, se sentir conscientizada e conseguir avançar nas pautas e demandas que elas precisam para poder se manter e produzir em seu território”.

Para Thula Pires, os projetos selecionados têm a potencialidade de produzir impactos importantes na sociedade brasileira: “Não apenas na redefinição e monitoramento de políticas já existentes, como também na possibilidade de ampliarmos as ações de organizações negras em comunidades e grupos historicamente negligenciados pelas políticas públicas. Em tempos de acirramento da violência e da produção da morte em escala, medidas de enfrentamento às injustiças raciais são não apenas bem-vindas, mas efetivamente necessárias”. Ela também faz questão de ressaltar a importância da realização do edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça: “através deste edital, o Fundo Baobá cumpre um papel fundamental na viabilização de ações promovidas por pessoas negras no enfrentamento concreto às injustiças raciais. O apoio financeiro para o desenvolvimento das ações, ao ser acompanhado pelo suporte técnico para o fortalecimento institucional, é capaz de preparar as organizações para intervenções futuras e para ampliar o acesso a outros editais e programas. Nesse sentido, atua tanto no fortalecimento das comunidades, vítimas e sobreviventes das injustiças raciais, como na ampliação da capacidade de incidência das organizações negras de promoção da justiça racial”, finaliza.

10 Anos do Baobá: Trabalho em Busca da Sustentabilidade Social

Rosana Fernandes e Helio Santos lançam um olhar sobre a sociedade brasileira diante do segmento da filantropia para justiça social

Por Wagner Prado

Dois profundos analistas da sociedade brasileira. Ambos com trabalhos que envolvem a observação das movimentações sociais e a influência dos diferentes fatores econômicos no dia a dia das pessoas. O passado de ambos está ligado à formação do Fundo Baobá para Equidade Racial. A historiadora Rosana Fernandes e o administrador e professor Helio Santos falam sobre doações, consciência social, futuro e a atuação do Baobá dentro desses contextos. 

Rosana Fernandes é formada em História pela Universidade Católica de Salvador e faz parte da CESE (Coordenadoria Ecumênica de Serviço), onde atua no Setor de Projetos e Formação. A CESE foi criada há 48 anos e sua atuação está voltada para a defesa e garantia de direitos das pessoas no Brasil. Essa defesa de direitos é motivada por questões de injustiças e desigualdades tão presentes no cotidiano dos brasileiros. A CESE foi criada pela união de várias igrejas cristãs. 

Helio Santos é doutor em Administração e  mestre em Finanças. O doutorado foi obtido na  Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Atuou como professor na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e Universidade São Marcos. Atualmente é professor convidado na Universidade do Estado da Bahia (Uneb). 

O ano de 2022 será de transformações políticas no Brasil. A eleição poderá mudar o ocupante do cargo de presidente da República, além de 27 governadores de Estado. Com certeza, novas diretrizes serão adotadas, e elas sempre impactam todos, principalmente os cidadãos e cidadãs comuns. O país encontra-se entre as 19 maiores economias do planeta, mas isso não é visto como positivo em relação à política por equidade racial e o incentivo a doações. “Por mais de uma década o Brasil esteve entre as dez maiores economias do mundo. Então, até um dia desses estávamos junto com China, Japão, Alemanha, Estados Unidos e Canadá. Ao mesmo tempo, estivemos também no banco dos mais desiguais. Se quando estávamos entre os dez  mais ricos, sempre houve uma escassez de recursos, o que dará uma vantagem para nós não é essa colocação do Brasil em 19º lugar, esqueça dela,  e sim  a mudança da sociedade”, disse Helio Santos.  

Helio Santos, doutor em Administração, mestre em Finanças e professor convidado na Universidade do Estado da Bahia (Uneb)

Rosana Fernandes é ainda mais reticente ao analisar a tão propalada posição brasileira no ranking da economia mundial. “ Eu questiono muito os índices de crescimento econômico,  quando analiso o desemprego e o subemprego. A Pandemia trouxe um número muito grande de pessoas em situação de rua. Está havendo uma migração para cidades menores para se ter uma garantia de vida. Mas não há políticas públicas para a garantia de um lugar de qualidade de vida e de melhoria de vida para essa população. E a fome aumentou. E quem está passando fome?  A gente sabe que a fome tem cor”, falou a historiadora. 

Mudanças de consciência e engajamento das pessoas em causas que favoreçam populações em situação de vulnerabilidade não acontecem de uma hora para a outra. Mas uma cultura que leve a isso deve ser apoiada, mesmo que a mudança venha de forma lenta. “Se a pessoa acredita e pensa numa sociedade justa,  colocar recursos financeiros no Baobá, que luta pelo enfrentamento ao racismo,   significa você querer um outro Brasil, uma sociedade melhor. O apoio ao Baobá é fundamental para equilibrar a balança um pouco mais a favor da maioria nesse país. E a maioria é negra. Quem quer fazer a diferença deve colocar recursos no Baobá”, disse Rosana Fernandes. 

Iniciativas como as que o Fundo Baobá empreende no ecossistema filantrópico com seus editais voltados para o apoio a comunidades quilombolas, para o acesso de jovens negres à universidade e incentivo ao empreendedorismo estão modificando o pensar sobre engajamento social. “A filantropia racial hoje é o tema da sociedade brasileira. O Fundo Baobá tem muito a ver com isso, porque ele é o primeiro fundo criado com essa vertente e organização. A missão dele é exatamente transferir e fomentar recursos para as organizações negras. O Fundo Baobá tem uma responsabilidade direta nessa mudança. Isso é resultado do esforço  da sociedade civil, da qual o Baobá faz parte. E hoje se entende o investimento social como uma mola para o desenvolvimento com sustentabilidade. Então, a vantagem de se doar para o Fundo Baobá é você investir no segmento da equidade racial”, define Helio Santos. 

A fidelização, palavra muito usada no segmento corporativo, é o grande desafio para o Fundo Baobá e para o segmento da filantropia para equidade racial, no entender de Rosana Fernandes: “Precisamos ter um discurso direto e respostas objetivas. Mas este é o grande desafio. Como atrair voluntários doadores? Acho que a capacidade de dialogar com a sociedade é que talvez nos dê a independência e a autonomia necessárias. Se a gente trouxer a sociedade para o enfrentamento ao racismo, a gente pode estar trazendo a fidelização para uma estrutura”, afirmou. 

Rosana Fernandes, historiadora e integrante da CESE (Coordenadoria Ecumênica de Serviço)

O Baobá trabalha com a empatia. Analisa os movimentos da sociedade brasileira e faz a escuta sobre as necessidades das populações menos favorecidas. Neste período de  Pandemia da Covid-19, essas carências ficaram muito evidenciadas.  Hélio Santos analisa: “Solidariedade e generosidade. São elas que permitem sentir a qualidade de uma sociedade. Às vezes,  a solidariedade e a generosidade estão acima da própria ética. É arriscado dizer isso, mas muitas vezes tenta-se estruturar ética  onde não há nem solidariedade nem generosidade.  Essas duas características são eminentemente humanas.  Elas são o resultado da empatia e da capacidade que se  tem de  estar no lugar do outro.  Eu hoje meço a qualidade de uma sociedade não só pela renda per capta, não só por parâmetros econométricos. Eu meço pela capacidade que ela tem de produzir empatia. Pela capacidade de estar no lugar do outro. O homem pode,  a partir do seu corpo masculino,  entender o que significa para uma mulher o estupro. Uma pessoa branca pode muito bem entender o que é a pessoa ser discriminada pelo exclusivo motivo de ser negra, da mesma forma que uma pessoa que tem posses  pode muito bem se posicionar e se colocar na situação desses 19 milhões de brasileiros que acordam pela manhã sabendo que não terão ao longo do dia como se alimentar.  Então eu acho que radicalizar na empatia é fundamental, é uma forma de demonstrar a qualidade de uma sociedade. Mas que qualidade? A qualidade moral”, declarou.

Dia da Mulher Negra: a potencialização do poder negro e feminino

No dia 25 de julho é celebrado no país o Dia da Mulher Negra. A data foi instituída no ano de 2014, juntamente com o Dia Nacional de Tereza de Benguela, líder do Quilombo do Quariterê em Mato Grosso no século 18. A história conta que, sob a sua liderança, a comunidade do Quariterê, que abrigava mais de 100 pessoas, com destacada presença de negros e indígenas,  resistiu à escravidão por duas décadas.

Tereza de Benguela, líder do Quilombo do Quariterê em Mato Grosso no século 18

Para a doutora em História, professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), escritora e liderança apoiada do Programa de Aceleração e Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, Giovana Xavier, o dia 25 de julho é uma data muito importante porque oficializa o direito humano e o dever patriótico de celebrar a história de mulheres negras, além de suas ideias, emoções e projetos políticos: “Aprendi com a professora Ida Mara Freire um saber precioso: ‘ao celebrar saímos do automático’. Assim, o 25 de julho é o desvio de um olhar automático de inferioridade e objetificação para um olhar vivo, essencial para a missão de restituir a humanidade negada a mulheres negras pelo Estado brasileiro”.

Giovana acredita que este novo olhar impacta todos os grupos raciais: “Pois ao enxergar mulheres negras pelas vias do brilho, criatividade e protagonismo, transformamos positivamente as relações de ensino-aprendizagem, pesquisa científica, relações pessoais e política institucional”.

Giovana Xavier, historiadora, doutora em História, professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), escritora e liderança apoiada do Programa de Aceleração e Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco

Entretanto, em um país com 56,4% da população autodeclarada negra (preta e parda) e onde as mulheres negras representam 27,8% da população brasileira (IBGE), ainda há um longo caminho para inserção deste grupo em espaços de poder e tomada de decisões. Giovana acredita que a figura e a história de Tereza de Benguela seja inspiração para outras mulheres negras: “Quando pensamos que, apesar dos indiscutíveis avanços, mulheres negras permanecem sub-representadas em espaços estratégicos de decisão como a ciência e a política institucional, a sua história é inspiradora, pois alude literalmente ao fato de que nossos passos vêm de longe.”

Para explicar a grandeza de Tereza de Benguela, Giovana faz questão de recorrer à reflexão feita pela assistente social e coordenadora geral da Ong Criola, Lúcia Xavier, sobre “sujeito político, mulher negra”: “Tereza é a materialização deste sujeito político, pois definiu nos próprios termos os sentidos de ser mulher e negra. Sentidos estes ligados à autonomia, coragem, governança, que foram combustíveis para colocar em prática o sonho da liberdade para a comunidade negra no Quilombo do Quariterê em Mato Grosso no século 18”.

História não contada

No ano de 2003, foi instituída a lei 10.639, que inclui no currículo oficial da rede de ensino do país a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. Porém, mesmo com essa lei, histórias de mulheres negras como Tereza de Benguela, Maria Felipa, Dandara dos Palmares, Luísa Mahin, entre outras, seguem desconhecidas. Para a historiadora Giovana Xavier, existe uma grande diferença entre história desconhecida e história não contada: “As histórias destas mulheres podem até não ser contadas associadas aos seus nomes nos espaços formais de educação, o que, sem dúvida, é uma grande injustiça. Mas para expandir os horizontes, também é importante considerar que seus legados fazem-se presentes na maioria das famílias das classes trabalhadoras brasileiras, chefiadas por mulheres negras que mantêm viva a tradição de liderança em casa, ativismo político em comunidades, criação de definições de cuidado e maternidade, alinhados às suas experiências de vida e leituras de mundo.”, finaliza.

O nascimento do Dia da Mulher Negra no Brasil e a concretização da Marcha das Mulheres Negras

É importante ressaltar que o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, instituído e celebrado no Brasil desde 2014, é inspirado no Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha. O reconhecimento desta data surgiu após o 1º Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas realizado entre os dias 19 a 25 de julho de 1992, em Santo Domingo, na República Dominicana, no qual levaram ao evento discussões sobre os diversos problemas e alternativas de como resolvê-los. A partir desse encontro nasceu a Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-Caribenhas.

Quem participou deste encontro em Santo Domingo foi a historiadora, mestre em Educação, coordenadora executiva do Odara Instituto da Mulher Negra e do Fórum de Promoção de Igualdade Racial (FOPIR), também secretária-executiva da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras, Valdecir dos Santos Nascimento, que faz questão de frisar a principal motivação da sua participação e de outras mulheres negras brasileiras neste encontro: “Nós nos organizamos em 1992 e fomos à Santo Domingo para protestar contra as celebrações dos 500 anos do Descobrimento da América. Nós somos um movimento em ressonância ou consonância com toda a conjuntura local, nacional e internacional. Portanto, a nossa participação não foi apenas por uma incidência contra a violência doméstica ou até mesmo contra o racismo, mas sim uma incidência contra um modelo que escravizou e colonizou os povos da América e os povos africanos que foram trazidos para cá”.

Valdecir dos Santos Nascimento, historiadora, mestre em Educação, coordenadora executiva do Odara Instituto da Mulher Negra e do Fórum de Promoção de Igualdade Racial (FOPIR) e secretária-executiva da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) – Photo: UN Women/Ryan Brown

A Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) começou a dar os primeiros passos nos anos 1990, mas ela se consolidou em 2000, para fortalecer a participação das mulheres negras na 3ª Conferência Mundial Contra o Racismo, organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e realizada em Durban, na África do Sul, em 2001. “Nós sempre atuamos no Brasil, no entanto não estávamos atuando de forma tão organizada, com uma articulação nacional. A partir deste momento, nós começamos a não apenas pautar questões prioritárias, mas como também a mobilizar esses debates em torno das organizações de mulheres negras no Brasil”, afirma Valdecir.

Para a secretária executiva, o marco histórico da AMNB e um importante acontecimento para potencialização das organizações de mulheres negras, foi a 1ª Marcha das Mulheres Negras, que teve toda a sua articulação em 2013, mas foi realizada no dia 18 de novembro de 2015, reunindo cerca de 100 mil mulheres em Brasília. “A Marcha com sua organicidade e com a sua clareza de quais são os próximos passos que ela vai demarcar, tornou-se um espaço político de qualidade de incidência política e de visibilidade do movimento de mulheres negras.”

1ª Marcha das Mulheres Negras em 2015

Hoje, olhando para trás, vendo a sua participação na 1º Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas em Santo Domingo, que gerou o Dia da Mulher Negra, além da sua atuação na AMNB que anos depois consolida na Marcha das Mulheres Negras, Valdecir enxerga avanços significativos: “Depois de todas essas ações, nós vimos aumentar o número de mulheres negras candidatas a cargos eletivos, o que nos mostra uma crescente. Mesmo que a eleição de 2020 não tenha expressado o número de concorrentes, de uma forma ou de outra você vai perceber que o número de mulheres trans e cis negras eleitas, começa a fazer pressão na sociedade brasileira”. A fala de Valdecir afirma a informação do Tribunal Superior Eleitoral, a respeito das eleições municipais de 2020. Em números totais, 84.418 mulheres negras foram candidatas a vereadoras em 2020, mas apenas 3.634 foram eleitas, representando 6% nas câmaras municipais.

A força da mulher negra

A ativista Angela Davis tem uma famosa frase que diz “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se move com ela”, Valdecir faz coro à frase da norte-americana, ressaltando que não existiria movimento negro no Brasil sem a articulação das mulheres negras: “O movimento negro brasileiro é conduzido pelas mulheres negras, não tem como solapar o nosso protagonismo. É o movimento mais organizado no país, porque você tem quase todos os segmentos de mulheres negras organizadas, você tem jovens negras feministas, você tem ialorixás organizadas, mulher trans, além de mídia negra com o protagonismo de mulheres negras, produção literária, entre outras. Então, olhando o Brasil e essa mobilização de sujeitas políticas da nossa própria história, ela ganha cada vez mais força”.

A própria criação do Dia da Mulher Negra no Brasil, no dia 25 de julho, em 2014, Valdecir, atribui a essa força: “O Dia de Tereza de Benguela foi instituído porque o nosso movimento se apresenta como uma força política que precisa ser reconhecida, então essa data é evidência de que nós mulheres negras estamos atuando de forma qualitativa para mudança dessa nação”.

Justamente neste contexto, que a historiadora Giovana Xavier escreveu o livro Você pode substituir mulheres negras como objeto de estudo por mulheres negras contando sua própria história que, segundo a própria autora, tem a premissa de fazer as mulheres negras pensarem e refletirem sobre suas experiências e organizarem as suas ideias: “Lendo isso, parece óbvio, mas no dia a dia costuma ser desconsiderado uma vez que vivemos em um país no qual vigora uma história única da intelectualidade. Gosto de associar o livro, e todo o meu trabalho científico, à oferta de uma alternativa epistemológica na qual mulheres negras ocupam o centro e conduzem a análise”.

Livro de autoria de Giovana Xavier

Isso faz Valdecir Nascimento relembrar a carta escrita pela organização da Marcha das Mulheres Negras, em 2015, apresentando o evento e mostrando a força da mulher negra: “Na carta nós escrevemos ‘nós não queremos reivindicar, nós estamos generosamente apresentando para vocês as possibilidades de fazer um outro Brasil’. Nós, mulheres negras, apresentamos para o Brasil uma estratégia e uma perspectiva de um outro projeto de nação onde a igualdade e a equidade sejam os pontos que estruturem as relações neste país”, finaliza.

Por que celebramos hoje o Dia Internacional das Pessoas Afrodescendentes?

Por Vinícius Vieira

Hoje, dia 31 de agosto de 2021, celebramos pela primeira vez o Dia Internacional das Pessoas Afrodescendentes. A data é uma iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU), como forma de relembrar a célebre 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, organizada por ela entre os dias 31 de agosto e 8 de setembro de 2001, na cidade de Durban, na África do Sul.

Celebrando 20 anos na presente data, a Conferência de Durban teve a participação de 173 países e 4 mil ONGs. No final do encontro, dois documentos foram gerados como forma de aplicar políticas públicas de combate ao racismo em todo o mundo: a Declaração de Durban e o Programa de Ação.

3ª Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, organizada, em 2001, na cidade de Durban, na África do Sul

O Brasil esteve presente na Conferência. A sociedade civil negra organizada, em especial as mulheres negras, tiveram papel fundamental. O país não só é signatário de suas resoluções, como compôs a relatoria oficial do evento. Para o doutorando em Saúde Coletiva (PPGSCM/IFF/Fiocruz), mestre em Políticas Públicas em Direitos Humanos (UFRJ), psicólogo, pesquisador da Fiocruz e coordenador do Plano Fiocruz de Enfrentamento à Covid-19 nas Favelas do Rio de Janeiro, Richarlls Martins, a participação do país na Conferência trouxe avanços significativos: “A Conferência de Durban é um marcador histórico no âmbito global e especialmente aqui no Brasil, trazendo pautas relacionadas à promoção da equidade racial e de enfrentamento ao racismo”. 

Richarlls Martins, doutorando em Saúde Coletiva (PPGSCM/IFF/Fiocruz), mestre em Políticas Públicas em Direitos Humanos (UFRJ), psicólogo e professor do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Algumas das pautas defendidas pelo movimento negro no final dos anos 80 e na década de 90 foram reforçadas em Durban e convertidas em políticas públicas: a utilização do critério de autodeclaração de cor/raça nos censos demográficos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e as políticas afirmativas para inclusão de pessoas negras no ensino superior, como o sistema de cotas em instituições públicas e o Programa Universidade para Todos (ProUni). Com a visibilidade estatística, cuja importância foi tão ressaltada na Conferência Mundial, sabemos hoje que a maioria da população brasileira é negra, representando 54,6% e que, em 2018 negros  passaram a representar 50,3% dos estudantes do ensino superior da rede pública.

Entretanto, 20 anos depois, mesmo com todas estas conquistas simbólicas, a realidade da população afrodescendente ainda está longe do ideal. As desigualdades seguem pujantes e fazendo vítimas. Em junho, a mesma ONU da Conferência de Durban divulgou um relatório especial de Promoção e proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais das pessoas africanas e afrodescendentes contra o uso excessivo da força e outras violações dos direitos humanos por agentes policiais. O documento foi apresentado à Assembleia Geral pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos e aprovado após o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos, que deflagrou uma série de protestos no mundo e popularizou um brado: “Vidas Negras Importam”.

A premissa do documento é desconstruir culturas de negação, desmantelar o racismo sistêmico e acabar com a impunidade para as violações dos direitos humanos por parte de agentes policiais. O Brasil é um dos países que mais tem mortes de pessoas negras por policiais, o próprio relatório cita um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública no qual a taxa de mortalidade em 2019, devido a intervenções policiais, foi 183,2% maior para pessoas afrodescendentes do que para pessoas brancas. O mesmo estudo foi realizado em  2020 e mostrou que 78% dos mortos pela polícia eram negros. 

O relatório da ONU ainda cita os assassinatos de Luana Barbosa dos Reis Santos, que foi morta na frente do seu filho de 14 anos, na cidade de Ribeirão Preto (SP), e do jovem João Pedro Mattos Pinto, que foi assassinado dentro de casa em uma ação policial no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (SP).

Luana Barbosa dos Reis Santos e João Pedro Mattos Pinto

Segundo Richarlls, tudo se trata de um processo histórico de violação de direitos: “Tivemos avanços significativos em algumas áreas setoriais, mas a grande dificuldade desse processo se dá na temática de garantia de direito à vida da população negra. Tudo isso está enraizado no processo histórico de violação dos direitos da população negra, a partir de um processo secular de escravização, que ainda quer permitir o flagelo sobre o corpo negro”. Inclusive, Richarlls faz questão de mencionar que o momento político e econômico atual, além da grande crise sanitária, derivada da pandemia do novo coronavírus, impactou diretamente na vida da população afrodescendente brasileira: “Nos últimos três anos nós tivemos um retrocesso, começando pela perda do ministério da igualdade racial, havendo uma defasagem no âmbito da governança das políticas públicas. Hoje nós temos uma ampliação da extrema pobreza na população negra, além do aumento de desemprego e da violência letal contra afrodescendentes”.

Por reconhecer os impactos do racismo na vida e no desenvolvimento de afrodescendentes, a ONU instituiu de 2015 até 2024 a Década Internacional de Afrodescendentes, sendo uma ocasião para promover maior conhecimento, valor e respeito às conquistas da população afrodescendente e às suas contribuições para a humanidade, além de promover o respeito, proteção e a concretização de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, conforme reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Década Internacional dos Afrodescendentes: 2015-2024

Richarlls diz que é preciso aproveitar essas ocasiões para trazer visibilidade para a luta afrodescendente: “O nosso país precisa ser alvo de solidariedade global. Especialmente no que diz respeito à pauta de ampliação e defesa dos direitos da população negra”.

Aliança entre Fundos: Conheça a iniciativa inédita no campo da filantropia do sul global

Por Vinícius Vieira

No dia 26 de agosto, aconteceu o evento virtual que discutiu os “Impactos da COVID-19 e a filantropia para a justiça social no Brasil”, que também marcou o lançamento da Aliança Entre Fundos, uma iniciativa surgida a partir da mobilização comunitária pela justiça racial, social e ambiental, propondo um novo modo de atuação no ecossistema da filantropia no Brasil: a filantropia colaborativa para a justiça social.

Integram esta iniciativa inédita o Fundo Baobá para Equidade Racial, o Fundo Brasil Direitos Humanos e o Fundo Casa Socioambiental. Juntos, os três Fundos irão fazer um aporte inicial de R$ 2,5 milhões, distribuídos em diferentes editais. A grande novidade é o modo de atuação no ecossistema da filantropia no Brasil. Esta é a primeira vez que três Fundos se reúnem para promover o maior aporte de recursos diretos para os povos indígenas e as comunidades quilombolas mais vulnerabilizadas pela pandemia.

O Fundo Baobá, que celebra dez anos de atividades em 2021, é o primeiro e único Fundo no país dedicado à promoção da equidade racial. A organização realizou no ano de 2020, cinco editais inseridos no contexto da Covid-19, entre eles o “Apoio Emergencial para Ações de Prevenção ao Coronavírus”, que apoiou 350 projetos (215 de indivíduos e 135 de organizações) de comunidades vulneráveis, mulheres, população negra, idosos, povos originários e comunidades tradicionais. Acerca das comunidades quilombolas, este edital apoiou 17 iniciativas de organizações quilombolas e 16 projetos de pessoas que moram em quilombos. 

O Fundo Brasil Direitos Humanos é uma fundação independente e sem fins lucrativos, formada no ano de 2006 e que atua promovendo o respeito aos direitos humanos no país, criando mecanismos sustentáveis, inovadores e efetivos para fortalecer organizações da sociedade civil e para desenvolver a filantropia de justiça social. No dia 8 de abril, a organização lançou o edital “Fundo de Apoio Emergencial: Covid-19”, que atendeu 271 pedidos de organizações, grupos e coletivos que atuaram no enfrentamento às consequências da pandemia junto às suas comunidades.

O Fundo Casa Socioambiental é uma organização que atua desde 2005 e busca promover a conservação e a sustentabilidade ambiental, a democracia, o respeito aos direitos socioambientais e a justiça social por meio do apoio financeiro e fortalecimento de capacidades de iniciativas da sociedade civil na América do Sul. As suas ações voltadas para o combate da Covid-19 resultou em uma série de parcerias, principalmente em defesa dos povos indígenas, diante do contexto pandêmico, como a campanha do “Fundo de Emergência da Amazônia”, que foi criada justamente para canalizar fundos diretamente para as comunidades indígenas que enfrentam o novo coronavírus na floresta amazônica.

A Iniciativa da Aliança entre Fundos foi impulsionada pelo reconhecimento da atuação e do protagonismo dos povos indígenas, da população quilombola e das organizações de base comunitária diante da pandemia da COVID-19. Antes individualmente e agora unidos, os Fundos atuam na construção de convocatórias para o apoio a ações de grupos, organizações e/ou indivíduos que visem enfrentar os impactos da pandemia.

Selma Moreira, diretora-executiva do Fundo Baobá para Equidade Racial, salienta a importância da aliança inédita entre os três Fundos, ao atender diretamente as comunidades mais vulneráveis: “Decidimos nos voltar para essas comunidades de povos tradicionais, que têm mais dificuldade para acessar esse tipo de recurso. E também resolvemos trabalhar juntos nessa operação por causa da pandemia. Há muitos recursos, mas também muita disputa por eles”.

Selma Moreira, diretora-executiva do Fundo Baobá para Equidade Racial

“A luta por direitos é coletiva e, portanto, incentivar e viabilizar o trabalho em rede no campo dos direitos humanos é uma estratégia central na atuação do Fundo Brasil”, diz Allyne Andrade, superintendente adjunta do Fundo Brasil de Direitos Humanos. “Por isso, faz muito sentido para nós que as fundações criem metodologias de apoio conjunto às organizações e grupos ativistas. Essa é uma parceria que fortalece todas e todos nós.”

Allyne Andrade, superintendente adjunta do Fundo Brasil de Direitos Humanos

Já a fundadora e diretora de desenvolvimento estratégico do Fundo Casa Socioambiental Maria Amália Souza, afirma que a organização nasceu e sempre funcionou a partir de alianças, parcerias e uma enorme rede de confiança. “Para atuar em territórios complexos e levar recursos para as mãos dos verdadeiros guardiões planetários, é preciso trabalhar junto. Portanto, a Aliança entre Fundos é uma realização importantíssima, pois viabiliza uma coordenação ímpar no campo da filantropia para a justiça social, onde trabalharemos de forma coordenada para ampliar nosso impacto coletivo na sociedade como um todo”.

Maria Amália Souza, fundadora e diretora de desenvolvimento estratégico do Fundo Casa Socioambiental

Os editais de cada uma das instituições que compõem a Aliança Entre Fundos, serão lançados em Setembro.

 

Vida Quilombola – Respeitar, reivindicar e se impor para ter respeito

Por Wagner Prado

No mês de julho entrevistamos duas líderes quilombolas: Selma Dealdina, secretária executiva da Coordenação Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e Luiza Cavalcante Santos Dias, do Sitio Agatha, na Zona da Mata, em Pernambuco. Uma conversa rica, de muito aprendizado sobre a vida nos quilombos. Nesta edição, a conversa será com o Jhonny Martins de Jesus, quilombola com origem na comunidade de Furnas do Dionísio em Jaraguari/MS e que atualmente reside no Quilombo Salinas, em Campinas do Piauí (PI), estudioso da vida nos quilombos, outra importante figura entre essa rica comunidade 

Quais as principais reivindicações da comunidade quilombola hoje?
Acesso à terra (titulação), educação, saúde com o enfrentamento ao COVID e vacina para todos/as quilombolas. Apoios com projetos que gerem renda e emprego nos quilombos. 

Que barreiras impedem chegar a essas reivindicações?
O racismo estrutural e institucional e o sucateamento das políticas públicas são algumas das barreiras impostas aos quilombolas.  O Estado brasileiro, com suas estruturas e posturas racistas, é um entrave, uma vez que a política quilombola é vista como uma política de governo e não de Estado. Para atender a algumas poucas reivindicações exigidas pelo movimento quilombola, precisamos recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), como foi o caso recente do COVID em territórios quilombolas. 

Jhonny Martins de Jesus, liderança quilombola no Quilombo Salinas, em Campinas do Piauí (PI)

Como está a questão do não reconhecimento das terras quilombolas?
Nossa maior reivindicação é a titulação dos territórios quilombolas. São 1.767 processos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). São 2.819 quilombos certificados e 3.475 quilombos identificados no Brasil. A CONAQ estima que existam no país 6.300 quilombos. São 134 territórios quilombolas titulados; 47 territórios quilombolas parcialmente titulados. Sem a garantia definitiva dos nossos territórios, continuaremos a sofrer com as violações do Estado brasileiro.

Você se considera um estudioso da vida e da cultura quilombola?
Sou um estudioso da vida e da cultura quilombola e também sou um agricultor quilombola.

Que ensinamentos o modo de vida quilombola pode trazer para homens e mulheres neste quase ¼ do século 21?
Aprendemos com nossos ancestrais a lutar pela garantia dos nossos territórios, a viver em coletividade, cuidando da terra, da água, das pessoas que no quilombo vivem, guardando os conhecimentos ancestrais. A prendemos a lidar com as plantas medicinais, a produzir e manter a cultura e a tradição quilombola, mas também a fazer o enfrentamento ao racismo,  que em pleno Século 21 precisamos denunciar, numa sociedade que viola os corpos negros, que não titula os territórios quilombolas. Vivemos numa reflexão mútua em aprender e ensinar sobre nosso modo de viver e fazendo com que a sociedade conheça a história do Brasil. Para isso, precisam saber que ainda existem sim, quilombos neste país.    

Quilombo Salinas, em Campinas do Piauí (PI)

No contexto da Pandemia, os quilombolas deixaram de ser priorizados?
No dia 9 de setembro de 2020, a CONAQ, juntamente com entidades que apoiam a luta quilombola, e partidos políticos, protocolou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 742 (ADPF), que reconheceu o direito à implementação de medidas específicas para combate à COVID, diante da vulnerabilidade social das comunidades, agravada pela pandemia. Isso não se restringiu à vacinação, mas também a materiais de higiene; promoção de testagens; logística para acesso a leitos hospitalares; garantia do acesso à alimentação; à água potável e falta de efetivação do direito à terra. Esses foram alguns dos elementos abordados pela ADPF.

Saiba mais sobre a ADPF

A contribuição negra para a Comunicação no Brasil

Por Vinícius Vieira

No dia 5 de agosto, estreou nos principais cinemas do país o filme Doutor Gama, que narra a trajetória de Luiz Gama, líder abolicionista. A vida de Luiz Gama já foi abordada pelo Fundo Baobá em uma matéria especial, mas é importante salientar que Gama foi uma figura importantíssima para a modernização da Comunicação no país. No ano de 1864, o advogado e jornalista fundou o primeiro jornal ilustrado humorístico da capital paulista, o Diabo Coxo, considerado algo inovador para a época.

Diabo Coxo – Jornal ilustrado idealizado por Luiz Gama

Para Edson Cardoso, jornalista, mestre em Comunicação Social, doutor em Educação e membro do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, há um grande apagamento da história de pessoas negras que contribuíram para o avanço da Comunicação no país, assim como foi Luiz Gama: “José do Patrocínio, outro grande nome do século XIX, é considerado um dos maiores jornalistas que o país conheceu”, relembra Edson. “Mas, além dos indivíduos que se destacaram por seus méritos numa realidade adversa e hostil, há uma imprensa negra vinculada ao coletivo de associações e entidades, que diz respeito aos esforços de organização política”, completa.

José do Patrocínio, jornalista e abolicionista

Foi justamente com a premissa de valorizar e preservar a memória negra brasileira, que nasceu das mãos de Edson Cardoso o Irohin, que surgiu no ano de 1996, como um jornal impresso e hoje é um centro de memória e documentação da história negra, além do projeto de uma biblioteca. O nome Irohin é uma palavra de origem Iorubá que significa notícia. O seu criador considera o Irohin um projeto de maturidade: “Antes do Irohin, eu editei o Raça & Classe e o Jornal do MNU (Movimento Negro Unificado), ambos tabloides. Na revista da UnB (Universidade de Bahia), Humanidades, eu era um faz-de-tudo, com o nome três vezes no expediente, e sou também o editor convidado em 1988 para o número do Centenário da Abolição”, sendo que neste último, Edson contou com a colaboração de Lélia Gonzales, Luíza Bairros, Helena Teodoro, entre outras personalidades negras. “No Irohin, tive oportunidade, finalmente, de coordenar um projeto que envolveu muita gente jovem talentosa, num momento de enfrentamento decisivo como foi a luta pela legitimidade das ações afirmativas. Eu já tinha o mestrado em Comunicação, mas a minha aprendizagem foi lenta e acidentada, fora da escola. O projeto de valorização da memória era, em princípio, valorização da memória do Irohin”, conta Edson, que também afirma que aos poucos vai incorporando outras dimensões no projeto.

Edson Cardoso, jornalista, mestre em Comunicação Social, doutor em Educação e membro do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá

Quando se fala em resgate de memória, automaticamente pensamos em personalidades renomadas, porém Edson salienta a importância de registrar e contar memórias de pessoas comuns: “é justamente no cotidiano das nossas comunidades que vamos encontrar o rico patrimônio de uma cultura de resistência e continuidade que enfrenta os obstáculos a nossa participação econômica, social e política”. Edson usa como exemplo a história do Valdir Macário, um cabeleireiro que foi brutalmente assassinado em 2016, em seu local de trabalho, em Salvador: “Valdir era referência comunitária importante, uma perda inestimável. Exatamente por isso que eu tenho insistido, em várias intervenções, de que nós devemos valorizar mais as estratégias de sobrevivência utilizadas pela população negra. Sempre estivemos por nossa própria conta, sobrevivemos por nossa própria conta. Os recursos públicos, as políticas públicas, seletivas e orientadas pelo racismo, foram responsáveis pelo aprofundamento das desigualdades raciais. Portanto, é preciso que retornemos à nossa comunidade, sempre. Para nos convencermos de que nada nos é impossível.

Valdir Macário, “Valdir Cabeleireiro”, assassinado em 2016 na Bahia

157 anos depois da fundação do primeiro jornal ilustrado, pelas mãos de Luiz Gama, hoje temos um avanço significativo de pessoas negras na Comunicação. Se por um lado celebramos a presença da jornalista Maju Coutinho como âncora do jornal com maior duração da emissora mais popular do país, Edson faz questão de frisar que no país dos 56,4% da população negra, segundos dados do IBGE, a TV brasileira se comporta como um selo colonial: “Quando você examina um selo de Angola e Moçambique emitidos por Portugal, que era a matriz colonial, a imagem representada no selo era portuguesa. Angola e Moçambique, invisíveis, eram representados por imagens portuguesas, com despudor e arrogância”, diz o jornalista que ainda cita Muniz Sodré para concluir o pensamento: “Ele disse que a TV brasileira, para o negro, era como o espelho para o vampiro. Não reproduzia sua imagem, tal qual como os selos coloniais”, completa.

Mesmo que a representatividade seja pequena, Edson Cardoso acredita que é importante valorizar todas as conquistas: “Quando falamos em avanço, falamos em pequenas mudanças nesse quadro de violência brutal. Há um longo e tortuoso caminho ainda a ser percorrido, mas todos os passos são importantes. Mesmo os vacilantes e trôpegos, o importante é que a direção é correta”.

Edson ressalta, entretanto, que existem muitos veículos de comunicação e que não podemos ficar limitados apenas à grande imprensa: “Temos que nos debruçar também sobre um rico e diversificado acervo: o frente-e-verso, o panfleto, o informativo, a precária e sofrida edição única, os cartazes. Têm um sentido coletivo, de intervenção política, que nos interessa muito”.

Por fim, Edson, que seguiu a profissão de jornalista tendo como exemplo o pai que era tipógrafo, acredita que o essencial para a juventude negra que quer trilhar no caminho da Comunicação é se engajar no esforço coletivo que atravessa gerações: “Tenho esperanças de que a produção intelectual e o avanço das pesquisas conduzidas por intelectuais comprometidos trarão mais luz para os embates que travamos no campo decisivo da Comunicação”.

10 Anos do Baobá: Após uma década de atuação, Fundo lança olhar para o futuro

Martha Rosa, professora e doutora em História, e Giovanni Harvey, presidente do Conselho Deliberativo do fundo, falam sobre o tema

Por Wagner Prado

A comemoração dos 10 anos de atividades do Fundo Baobá para Equidade Racial coloca, à equipe de governança da instituição, questionamentos. Alguns deles: Como serão os próximos 10 anos? Como expandir? Como ser a melhor opção para os doadores? Como será a atuação política? Internacionalizar-se ou manter-se local? 

Algumas dessas questões foram colocadas para a historiadora e professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Martha Rosa Queiroz, e para o presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, Giovanni Harvey. Para se ter o olhar no futuro é importante se voltar para o passado, talvez a maior fonte de aprendizado visando um bom planejamento. 

O primeiro aspecto abordado por ambos é quanto aos próximos desafios para o Baobá. Para a professora Martha Rosa, ter forte presença nas capitais e cidades do Nordeste é tão fundamental quanto ter voz atuante a partir de estados nordestinos, notadamente alguns dos quais as populações mais sofrem com questões de desigualdade econômica no Brasil. “O mais  importante é se firmar como uma voz política em defesa da equidade racial e do combate ao racismo e efetivar sua inspiração primeira de falar a partir do nordeste.”  Para Giovanni Harvey, o foco está na maior capacidade e independência de atuação do Baobá. “Acho que o desafio que nós temos, nos próximos dez anos, é alcançar a cifra dos R$ 250 milhões de balanço patrimonial para que o Baobá possa ter, de fato, capacidade de incidência maior. Nós podemos dizer isso, sem prejuízo do avanço institucional e sem prejuízo da necessidade de fazer esse debate”, afirma.

Mas mesmo sem ainda ter alcançado a cifra desejada em termos de doações recebidas, que hoje estaria na casa dos R$ 30 milhões, o Baobá já seria, com 10 anos de existência, uma instituição consolidada? Martha Rosa Queiroz afirma que sim: “Do ponto de vista  organizacional, sim. Somos uma instituição bem estruturada e com princípios definidos.  Concebendo a consolidação como um processo constante, o Baobá está  consolidado para perceber, analisar e atender as demandas, que são muitas e atualizadas  cotidianamente”, diz. 

Martha Rosa, historiadora e professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

O presidente do Conselho Deliberativo tem a sua própria visão: “A consolidação ainda não foi alcançada. Nós temos um aspecto institucional, esse aspecto institucional está  ligado ao desenho do Baobá, sua governança, as funções que são necessárias para que o Baobá possa cumprir a sua missão.  Existe o segundo aspecto que é o financeiro, patrimonial, que diz respeito ao quanto esse endowment (balanço patrimonial) dá consistência a que o Baobá possa cumprir as suas atribuições e um terceiro aspecto eu chamaria de mais político-institucional. No institucional, temos um desenho evoluído e estamos próximos da consolidação, com uma assembleia geral, um conselho fiscal, um comitê de investimento. Eu diria que nós avançamos bastante nesses dez anos e que sobre esse ponto de vista o Baobá está mais próximo da consolidação do que nos outros aspectos.”

Analisando o Brasil com o olhar progressista, o que se enxerga é um retrocesso em termos políticos, o que não facilita uma evolução para quem, como o Fundo Baobá, trabalha com ações afirmativas. A partir desse cenário, ambos, Martha Rosa e Giovanni Harvey, pensam em como deverá ser o trabalho do Baobá caso o cenário político brasileiro siga inalterado. “Será necessário ampliar alianças  com diferentes setores, fortalecer o Movimento Negro  e investir em ações de agenda de autossustentação política e econômica”, afirma a professora Martha Rosa. 

Giovanni Harvey acredita que a estratégia futura, mesmo nesse momento em que, administrativamente, a política brasileira está passando por um período de ruptura,  seja continuar com o mesmo foco no trabalho desenvolvido até aqui. E o motivo é simples: “Não quero dar a esse ciclo de quatro anos da história do Brasil a capacidade de desconstruir o que foi construído em mais de trinta anos (desde a Constituição de 1988). Eu não reconheço a condição de se evitar que a sociedade civil e a iniciativa privada, mesmo sob este Governo, tomem iniciativas que nunca tomaram na história e que essas iniciativas tenham o peso superior ao que eles (Governo) deixaram de fazer nesse momento. Mas, sem dúvida alguma, estamos diante de uma tentativa de desconstrução”, afirma. 

Giovanni Harvey, presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá

O caminho da internacionalização do Fundo Baobá é inevitável na estratégia de arregimentar novos e importantes investidores e fortalecer a relação com quem já se tem dialogado ou com quem o fundo já atua em parceria. 

Finalizando a conversa sobre o olhar para o futuro, Martha Rosa e Giovanni Harvey falam sobre as vantagens de apoiar o Baobá, sendo um pequeno ou grande doador. “Milhões de potencialidades são abortadas sistematicamente no Brasil em função da mentalidade escravocrata  que ainda impera no país.  Investir em um Fundo que enfrenta essa mentalidade significa abrir horizontes infinitos”, diz Martha Rosa.  Giovanni Harvey é contundente: “Não se faz combate ao racismo promovendo o racismo. Então, se eu tenho uma instituição fundada e liderada sob a hegemonia de pessoas negras e outra liderada por pessoas brancas, as duas instituições se propõem a fazer o enfrentamento à discriminação étnico-racial no Brasil, eu vou botar dinheiro na instituição de negros. Então, a condição preliminar,  independentemente do ser o Baobá ou não ser o Baobá, é reconhecer o protagonismo das pessoas negras”, conclui Harvey.

Aliança entre Fundos é lançada como estratégia inédita no campo da filantropia social no Brasil

Iniciativa reúne Fundos que trabalham pela equidade racial, direitos humanos e sustentabilidade ambiental para enfrentar os impactos da COVID-19 em comunidades tradicionais

Foi lançada nesta quinta-feira (26/08), em um evento online, a Aliança entre Fundos. Trata-se de uma iniciativa inédita e inovadora de filantropia colaborativa no Brasil. A ação reúne três fundos tradicionais no campo da filantropia social: o Fundo Baobá para Equidade Racial, o Fundo Brasil de Direitos Humanos e o Fundo Casa Socioambiental. O objetivo é ampliar a captação de recursos para fortalecer quilombolas e indígenas no enfrentamento dos impactos da pandemia da COVID-19.

A primeira ação coletiva do grupo será o lançamento de editais, com previsão de abertura das inscrições em setembro. O aporte inicial será de R$ 2,5 milhões distribuídos entre os editais voltados para as comunidades quilombolas e indígenas.

O lançamento da iniciativa foi marcado pela roda de conversa “Impactos da COVID-19 e a filantropia para justiça social no Brasil”. Participaram da Live de lançamento, Selma Moreira, diretora executiva do Fundo Baobá, Allyne Andrade, superintendente adjunta do Fundo Brasil, e Maria Amália Souza, fundadora e diretora de desenvolvimento estratégico do Fundo Casa. O evento também contou com a participação de David Fleischer, representante da Inter-American Foundation (IAF) para o Brasil e Uruguai. A mediação foi de Fernanda Lopes, diretora de programas do Fundo Baobá.

Evento Aliança Entre Fundos – Sentido horário: Fernanda Lopes (Fundo Baobá), Selma Moreira (Fundo Baobá), Maria Amália (Fundo Casa Socioambiental) e Allyne Andrade (Fundo Brasil) 

O encontro abordou questões referentes ao campo da filantropia no Brasil e os desafios para fazer com que os recursos cheguem até às organizações, grupos, coletivos de base e comunitários dos povos indígenas e quilombolas.

 

Escuta ativa

Ao abrir os diálogos, o representante da IAF ressaltou que a necessidade de ampliar o apoio às comunidades de base foi um dos fatores primordiais para o apoio da IAF à Aliança. Segundo ele, o forte vínculo já estabelecido entre os Fundos e as comunidades quilombolas e indígenas é fundamental para a atuação direta nestes grupos.

“A Aliança entre Fundos aumenta a capilaridade das ações. Principalmente em localidades isoladas, que possuem mais dificuldade de acesso a recursos públicos e ao capital estrangeiro. Além disso, são Fundos temáticos, com forte ênfase em justiça social, que estão trabalhando juntos e trazendo experiências em enfoques diferentes para problemas que afetam toda a sociedade. E segundo, estão concentrando esforços e recursos para apoiar iniciativas locais inovadoras no enfrentamento aos impactos da pandemia”, disse Fleischer. “Outros apoiadores nacionais e internacionais devem investir nessas iniciativas”, afirmou.

David Fleischer, representante da Inter-American Foundation (IAF) para o Brasil e Uruguai

Em 2020, os três Fundos já se mobilizaram individualmente para ações emergenciais a fim de reduzir os impactos da pandemia da COVID-19. As ações incentivaram a aproximação entre os Fundos e fortaleceram o diálogo entre pares para aprimorar as estratégias de promoção da justiça social no país. “Quando do início da pandemia da Covid-19, todos os Fundos, e nós três aqui em particular, iniciamos ações emergenciais. O processo de iniciar editais de ação emergencial nos permitiu ficar ainda mais conectados, próximos, com uma escuta ativa para entender qual era a demanda do campo. Trazemos esta expertise. Por isso, nosso desejo é fazer com que a Aliança se torne mais robusta”, disse Selma Moreira, diretora executiva do Fundo Baobá.

Allyne Andrade, superintendente adjunta do Fundo Brasil de Direitos Humanos reforçou este argumento.  “Nossa proximidade com o campo faz com que consigamos dar respostas rápidas. Quanto mais pessoas pudermos contar para fortalecer essas iniciativas, colocar dinheiro no campo para fortalecer e apoiar essas lutas, mais impactos positivos teremos”, afirmou.

Também Maria Amália, do Fundo Casa, enfatizou o convite para que novos investidores e filantropos apoiem a iniciativa e destacou que o envolvimento da sociedade é fundamental para defender a vida dos povos tradicionais. “Não é possível, por exemplo, continuar acreditando que os indígenas e os quilombolas devem defender a Amazônia, ao custo da própria vida, sem receber investimentos do Brasil e, dependendo de recursos, de fora do país. O único jeito de proteger a Amazônia e os biomas vitais para o equilíbrio planetário é investindo nessas populações que são os verdadeiros guardiões da Amazônia, um bioma da maior importância para o equilíbrio da vida do planeta”, disse.

Resiliência

Por meio da Aliança entre Fundos, a expectativa é fortalecer a resiliência das comunidades locais e a promoção da justiça racial, social e ambiental.  Selma Moreira lembrou que o Fundo Baobá enxergou de perto os efeitos do racismo nas comunidades quilombolas.

“A gente entendeu os efeitos latentes do racismo na estrutura da nossa sociedade. Foi este panorama que nos motivou a entrar na Aliança para atender estas demandas urgentes. E para reconhecer a sabedoria dos quilombolas pelo processo de escuta, com recursos para que as organizações locais tenham protagonismo, liderando seus projetos e soluções para melhorar suas demandas para uma vida plena”.

Já Allyne Andrade, do Fundo Brasil de Direitos Humanos, reforçou que os povos indígenas enfrentam neste momento violações a seus direitos constitucionais de forma ainda mais acentuada.

“Neste exato momento, mais de 170 povos indígenas estão em Brasília marcando posição contra a tese do marco temporal, que pode restringir o acesso destes povos às suas terras ancestrais e está sendo apreciada no Supremo Tribunal Federal”, disse, acrescentando que “estamos assistindo a uma tentativa de apoiar a invasão de terras indígenas, a exploração de recursos naturais, a escalada dos conflitos e da violência contra as comunidades e lideranças indígenas. Por estes motivos, apoiar os povos indígenas é apoiar a defesa e ampliação da própria democracia brasileira”, avaliou Allyne.

Maria Amália, do Fundo Casa Sociambiental, por sua vez, salientou que a instituição foi criada por atores do campo socioambiental da América do Sul que perceberam que os recursos não chegavam aos grupos mais vulneráveis. “Entre os pontos em comum com os parceiros da Aliança está o esforço de compartilhar nossa experiência com líderes sociais dos países vizinhos, o que resultou na criação de quatro novos fundos socioambientais que passam a disponibilizar mais recursos, e de forma coordenada, por toda região. Multiplicar esta experiência colaborativa é fundamental. Queremos inspirar, agregar e estimular outras formas de organização no campo da filantropia social. Sozinho, ninguém resolve tudo”, afirmou.

Foi criado o Comitê Gestor da Aliança entre Fundos, responsável pela captação de recursos para esta iniciativa. Os interessados devem entrar em contato com os seguintes endereços:

alianca@baoba.org.br
alianca@fundobrasil.org.br
alianca@casa.org.br

Aliança entre Fundos – Iniciativa inédita e inovadora

A Aliança entre Fundos – surgida a partir da mobilização comunitária pela justiça racial, social e ambiental – propõe um novo modo de atuação no ecossistema da filantropia no Brasil, a filantropia colaborativa para a justiça social.

Composta pelo Fundo Baobá para Equidade Racial, Fundo Brasil de Direitos Humanos e Fundo Casa Socioambiental, a Aliança entre Fundos tem como meta promover maior aporte de recursos diretos para os povos indígenas, comunidades quilombolas e outros povos tradicionais mais vulnerabilizados pela pandemia da COVID-19.

Juntos, os Fundos irão fazer um aporte inicial no total de R$ 2,5 milhões, distribuídos em diferentes editais, com três recortes prioritários: 1) defesa de direitos; 2) resiliência comunitária e sustentabilidade econômica das famílias; e 3) soberania alimentar das populações menos favorecidas no enfrentamento da pandemia causada pela SARS-CoV-2.

Como surgiu

O reconhecimento da atuação e do protagonismo dos povos tradicionais, indígenas e das organizações de base comunitária diante da pandemia da COVID-19 impulsionou os três Fundos, num primeiro momento individualmente, na construção de convocatórias emergenciais de apoio a ações de grupos, organizações e/ou indivíduos em situações de maior vulnerabilidade na pandemia.

A Aliança surge como uma ação estratégica e inovadora no percurso das trocas e diálogos entre os Fundos sobre os obstáculos e aprendizados forjados no fortalecimento da agenda por justiça social durante a pandemia da COVID-19.

Este projeto pioneiro também se estabelece a partir de fortes relações por meio de uma aliança com a base comunitária. E pretende atuar para além deste cenário pandêmico a fim de viabilizar maior resiliência e recuperação de uma autonomia embasada em novos pilares que resultam desta experiência.

Os editais serão lançados conjuntamente pelos Fundos no dia 9 de setembro.

Em breve anunciaremos os detalhes neste site.

Olimpíada de Tóquio 2020: Negras, Negres, Negros de Ouro, Prata e Bronze

Por Wagner Prado

Os recém-encerrados Jogos Olímpicos Tóquio 2020, a 32ª edição da Olimpíada, foram marcados pela diversidade, com 163 atletas LGBTQIA+, a inclusão de cinco novos esportes: surfe, skate, karatê, escalada, beisebol/softbol, ameaça de punição a um protesto político e, no âmbito brasileiro, a conquista de 21 medalhas, superando as 19 dos Jogos Olímpicos Rio 2016, o que deu ao Brasil sua melhor colocação em Jogos Olímpicos, o 12º lugar, uma posição acima do 13º lugar no Rio, há cinco anos. 

Dessas 21 medalhas, oito atletas negras e negros foram responsáveis por 9 medalhas. Rayssa Leal (prata/skate),  Isaquias Queiroz (ouro/canoagem), Rebeca Andrade (ouro e prata/ginástica artística), Hebert Conceição (ouro/boxe), Beatriz Ferreira (prata/boxe), Abner Teixeira (bonze/boxe), Alisson dos Santos (bronze/atletismo) e Thiago Braz (bronze/salto com vara). Isso sem contar esportes coletivos, onde estão Fernanda Garay e Ana Cristina (prata/vôlei feminino) e Lucão, Abner, Daniel Alves, Gabriel Menino, Guilherme Arana, Claudinho, Matheus Cunha, Paulinho, Richarlison e o responsável pelo gol do título, Malcom (ouro/futebol). 

Ouro, prata e bronze: Hebert Conceição (boxe), Rayssa Leal (skate) e Alisson dos Santos (atletismo), foram alguns dos medalhistas negros nas Olimpíadas em Tóquio

A influenciadora digital e desportista Mia Lopes, baiana de Salvador e radicada em São Paulo, faz uma análise do que foi a participação dos atletas negros em Tóquio. Mia é criadora do Afroesporte, que mesmo no momento pré-olímpico passou a fazer postagens sobre os nomes negros que estariam na disputa no Oriente e suas possibilidades.

Mia Lopes experimentou muito mais o sucesso agora com a Olimpíada de Tóquio. O Afroesporte acabou sendo fonte de informação e pesquisa para muita gente que recorreu à página para incrementar seu nível de informação sobre os e as atletas negras e negros. “Por incrível que pareça eu não esperava que o Afroesporte fosse performar tão bem em plataformas como o Linkedin, por exemplo. Daí, com as interações, passei a focar em outras plataformas também. Ainda não conseguimos mensurar tudo, mas assim que nosso business intelligence fechar esses números, vamos divulgar”, disse Mia. 

Mia Lopes, criadora do Afroesporte

Mia é atleta amadora e considera que as atletas  e os atletas do Brasil são, primeiramente, fruto de seu próprio talento nato, que acabou saltando barreiras. “Eu gosto sempre de falar que a Olimpíada surgiu de forma extremamente  excludente. Ela nasceu racista e machista. Sem negros e mulheres, nem nas arquibancadas”, disse. O fato de o Brasil ter entre medalhadas e medalhados essa presença negra é importante. “Tem o pessoal aí que fala: ‘ah, tem gente aí que ganha o Bolsa Atleta (programa de incentivo do Governo Federal que destina salários de acordo com resultados e representatividade de competidores). Mas, e se a gente for botar na ponta da caneta quanto custa a vida de uma ou um atleta? Assessoria esportiva. É preciso treinar, ter orientação de nutricionista, ter suplementação alimentar. R$ 8 mil não são somente para o esporte, acaba sendo pelo conjunto dessas coisas. Aí não dá conta”, afirma.

Para Mia Lopes, o próximo ciclo de preparação olímpica, que será de apenas três anos devido ao adiamento de Tóquio de 2020 para 2021, por conta da Pandemia da Covid-19, será difícil para atletas brasileiros. Talentos como Rebeca Andrade, que alcançou ouro e prata na ginástica artística, podem surpreender. “Quero dar o exemplo da minha avó. Ela fazia uma feijoada todo domingo uma feijoada muito famosa, e ninguém sabia do que era feito essa feijoada. O segredo da feijoada de Dona Santa era a xepa da feira que ela ia no final da tarde com a minha mãe e os outros filhos catar.  Ela pegava os ossos do boi que eram jogados fora. Ela pegava a cabeça do gado. Ela raspava assim embaixo da orelha, onde tem muita carne, pra fazer a feijoada do domingo. O que os nossos atletas estão fazendo é uma feijoada muito boa com a xepa da feira e dando um show de beleza, de garra e determinação”, disse.

Negras vitórias: Um legado de conquistas da população negra

“Existe uma história do Negro sem o Brasil.
O que não existe é uma história do Brasil sem o Negro”
(Januário Garcia)

A cantora norte-americana Beyoncé, ao lançar o álbum visual Black Is King, em 2020, recebeu duras críticas por mostrar uma África glamurosa e afrofuturista. As críticas, fundamentadas por profissionais da comunicação e até mesmo por pessoas do meio acadêmico, mostram um imenso desconhecimento da história dos povos africanos, repletas de conquistas e glamour. Antes da colonização européia, o continente africano teve grandes impérios, grandes reinos, além de organizações tribais que possuíam um patamar tecnológico e desenvolvimento de técnicas autônomas. 

Alguns dos principais legados tecnológicos, presentes até os dias atuais, foram desenvolvidos no continente africano: começou no Egito o estudo de hieróglifos e dos mapas lunares para controlar as cheias dos rios. A matemática tem origem em tribos do reino do Congo, além da metalurgia, que também foi desenvolvida em Gana e o sistema de alfabeto, que desenvolveu a escrita, teve início na Etiópia.

A colonização e a escravidão, durante séculos, geraram o apagamento da história,  das conquistas e do pioneirismo da população negra em diversos setores. Na história do Brasil, Princesa Isabel recebe o título de libertadora de negros escravizados, mas o país desconhece a atuação de negros livres que integraram o movimento abolicionista e ajudaram a libertar muitos escravizados, como José do Patrocínio, Ferreira de Menezes, Ignácio de Araújo Lima, Arthur Carlos, Theophilo Dias de Castro e Luiz Gama a quem, recentemente, foi concedido o título de Doutor Honoris Causa, pela Universidade de São Paulo. Era dia 29 de junho de 2021.

Cultne – 40 anos de conquistas negras em um acervo digital

Manter vivo o legado da cultura e das grandes conquistas negras no Brasil é a principal missão do Cultne – Acervo da Cultura Negra, fundado em 1980 por Asfilófio de Oliveira Filho, mais conhecido como Filó Filho, que é engenheiro civil de formação, mas atua como jornalista, produtor cultural e cine-documentarista com mais de 40 anos de experiência nas áreas de cultura, esporte, marketing e comunicação: “O Cultne vem garantindo, há quatro décadas, a valorização da cultura popular, o fomento à cultura de qualidade, possibilitando a interface com as mais diversas camadas sociais e viabilizando a comunicação entre diferentes comunidades”. 

Asfilófio de Oliveira Filho – Filó Filho – engenheiro civil de formação, jornalista, produtor cultural, cine-documentarista e diretor do Acervo Cultne

A história do Cultne inicia na década de 1980, diante do surgimento do Movimento Negro Unificado, na década anterior, e das movimentações e lutas contra o racismo no país. Destas ações políticas derivou a necessidade de documentar em vídeo o levante negro que ocorria naquele momento, mas que não ganhava espaço na grande mídia. Assim nasce o Cultne, que 40 anos depois reúne um acervo com cerca de 2 mil horas de materiais que incluem shows, documentários, filmes, séries, entrevistas, programas, entre outras linguagens.

Fundadores do Acervo Cultne: Ras Adauto, Vik Birkbeck e Filó Filho

Inclusive, foi no acervo histórico Cultne que o rapper Emicida encontrou imagens das mais diversas conquistas negras brasileiras, e incluiu em seu documentário AmarElo – É Tudo pra Ontem (Netflix). Filó Filho afirma que, ao longo dos anos, o acervo Cultne vem contribuindo com diversas narrativas cinematográficas nacionais e internacionais: “O documentário AmarElo de Emicida veio confirmar a quebra de paradigmas que envolve a negação da história afro-brasileira, principalmente nos meios de comunicação e nos bancos escolares. Podemos afirmar que a oralidade de outrora se faz presente em nossas lentes de forma expressiva e fundamental. A companhia de mentes saudáveis como Emicida nos faz acreditar que estamos numa mesma página em que todos nós ganhamos em qualidade e esperança.”

Para Filó Filho, os arquivos históricos no acervo Cultne documentam marcos da cultura negra e a memória pública, garantindo para as gerações presentes e futuras o universo afroimaginário dos últimos 40 anos. Sobre o público que acessa esse material, Filó traz um panorama: “Os que acessam o acervo são, principalmente, professores, pesquisadores e estudantes de diferentes faixas etárias, além de um público em busca de informação e entretenimento”. Filó Filho ainda revela que segundo as estatísticas do canal do Youtube, nota-se que o portal é acessado em diferentes partes do mundo, independentemente do idioma: “Estamos falando de países das Américas, Europa, África e Ásia. Portanto, é gigantesca a nossa responsabilidade em perpetuar esse imenso arquivo que a cada dia cresce mais”.

É no acervo Cultne que encontramos os registros do “1º Encontro Nacional de Mulheres Negras”, realizado no Rio de Janeiro, em 1988, com a presença de Luiza Bairros – ex-ministra de Estado e uma das fundadoras do Baobá,  e outras mulheres negras cujo legado buscamos honrar; da Marcha do Movimento Negro, realizada em novembro de 1983, dentro das comemorações do Dia da Consciência Negra, com a presença e articulação de Lélia Gonzalez; a visita de Pelé e Gilberto Gil pela África, durante o centenário da abolição da escravidão em 1988; a Missa dos Quilombos, ocorrida em 1989, no Rio de Janeiro, idealizada pelo bispo Dom Pedro Cassaldáliga, com música de Milton Nascimento e com intervenções artísticas de grandes artistas como Zezé Motta, Milton Gonçalves, Grande Otelo, Antônio Pompeo, entre outros.

“É impossível alinhar os mais importantes”, afirma Filó Filho, “mas podemos afirmar que os conteúdos que descrevem a trajetória da luta negra em nosso país são os mais relevantes do ponto de vista histórico, como por exemplo as diversas marchas ao longo das últimas décadas envolvendo as lutas do Movimento Negro, das mulheres negras e de centenas de personalidades que contribuíram e contribuem para o combate ao racismo em nosso país e no mundo”. Na lista de personalidades negras, além das citadas acima, temos os fundadores da Frente Negra Brasileira, Aristides Barbosa, Raul Joviano do Amaral, José Correia Leite, Henrique Cunha e Francisco Lucrécio; as intelectuais Beatriz Nascimento e Tereza Santos; mulheres marcantes como Ruth de Souza e Mãe Beata de Iemanjá; ícones como Abdias Nascimento, Joel Rufino do Santos, Zózimo Bulbul, Januário Garcia e Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul e líder da luta contra o Apartheid, que visitou o Brasil em 1991, e o único registro em vídeo da sua visita está no acervo Cultne.

Hoje o recém criado Instituto Cultne vem trabalhando no sentido de “salvar” todo o conteúdo registrado ao longo de 40 anos: “O foco hoje é digitalizar, catalogar e sistematizar todo o acervo o mais rápido possível, sendo que essa tarefa requer recursos financeiros e mão de obra especializada”, diz Filó, que afirma estar buscando parceiros para atingir esse objetivo, além de ampliar a parceria com o Google, a partir da plataforma Google Arts & Culture, no sentido de potencializar tecnologicamente o acervo Cultne, garantindo sua longevidade e disseminação.

Outro fator importante a ser ressaltado é que o Cultne deixou de ser apenas um acervo para tornar-se uma plataforma streaming Cultne.TV: “que se propõe distribuir, gratuitamente, todo o seu conteúdo exclusivo de temática negra, reafirmando ser o maior conteúdo digital de cultura negra da América Latina”.

O aumento de negros na universidade é uma negra vitória

Filó Filho costuma dizer que ele é um negro que furou a bolha ao ser o primeiro da família com curso superior:  engenharia civil. Hoje, houve um aumento significativo de pessoas negras nas universidades, o que pode se considerar uma grande conquista nos últimos tempos. Para Filó, essa conquista se deve ao movimento negro e, em especial a uma geração de militantes que pavimentaram a estrada que existe hoje, pressionou o governo federal para criação de políticas públicas para inserção do negro no ensino superior: “Fomos nós, negros e negras ilustres e anônimos, que fomos às ruas, marchamos, lutamos e nos organizamos em tempos trevosos, durante e após a ditadura militar em nosso país”.

Ainda falando de conquistas negras, segundo o documentarista, a grande virada da luta antirracista no Brasil ocorreu em 2001: “Foi  decisiva a participação da nossa delegação na 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, promovida pela Organização das Nações Unidas ONU), entre 31 de agosto e 8 de setembro de 2001, na cidade de Durban, África do Sul. Após esse encontro, avançamos firmemente nessa área e,  20 anos depois, o panorama é outro, de mais esperança e de união”, afirma Filó Filho.

Para alcançar a justiça racial é também necessário  reconhecer e difundir lutas e conquistas negras ao longo da história, em todos os setores. Para o Fundo Baobá, o eixo comunicação e memória precisa ser priorizado. Uma das metas para o futuro próximo é prover investimentos nestas áreas como parte de uma estratégia coletiva de  valorização e difusão de conhecimentos, saberes, e outros bens materiais e simbólicos; de construção de novas representações sociais da população negra.

Quilombolas: a arte de viver respeitando a natureza, as pessoas e as tradições

Uma conversa que envolve produção agrícola, agricultura de subsistência, agroecologia, escoamento de produção e venda final poderia muito bem juntar um engenheiro agrícola, um agricultor ecologista, um especialista em logística e um especialista em marketing e vendas. Mas quando a mesma conversa envereda para religiões de matrizes africanas, ancestralidade negra, poder das plantas medicinais, preservação cultural e a relação de tirar da terra o necessário para viver, sem exaurir o solo, aí é bom chamar quem tem alta especialização na área: quilombolas. As comunidades quilombolas são, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 5.972 em todo o país, envolvendo cerca de 16 milhões de pessoas. Para o Fundo Baobá, investir em iniciativas que valorizam a história e promovam os direitos das comunidades quilombolas é prioridade.

Conversamos com duas líderes quilombolas. Luiza Cavalcante Santos Dias, que mora no Sítio Agatha, na Zona da Mata, em Pernambuco. E Selma Dealdina, secretária executiva da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). O Sítio Agatha é uma das organizações apoiadas pelo edital “A Cidade Que Queremos”. Lançado em 2018 pelo Fundo Baobá, em parceria com a OAK Foundation, o edital apoiou iniciativas das regiões metropolitanas do Nordeste do Brasil nas seguintes temáticas: Educação, Meio Ambiente, Segurança, Lazer e Cultura, Trabalho, Transporte, Habitação, Saúde e Serviços. Em 2021, com recursos remanescentes do edital, alguns dos projetos estão recebendo um pequeno aporte financeiro (2a onda de apoio), o Sítio Agatha é um deles.  A Conaq foi concebida em 1996, durante o Encontro de Avaliação do I Encontro Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas, realizado em Bom Jesus da Lapa em maio.  O tema da conversa com elas? Vida Quilombola. Algumas respostas serão compartilhadas por ambas. 

O que é um Quilombo hoje? 

Luiza Cavalcante – Os quilombos hoje,  na nossa concepção,  são comunidades negras que mantêm suas memórias,  tradições e cultura, além de uma forma própria de autogestão. O Sítio Agatha é sim um quilombo

Selma Dealdina – Os quilombos de hoje são continuidade dos quilombos liderados, né? E constituídos por Zumbi, Tereza de Benguela, Dandara e tantas outras Dandara e tantas outras lideranças que nos antecederam. Então nós seguimos o passo da luta coletiva, seguimos o passo de viver em comunidade. A maioria dos quilombos tem uma relação familiar. É quase noventa por cento ou mais.  Tem quilombo que é cem por cento composto por família. Dos troncos familiares, nós somos mais de seis mil trezentos e trinta quilombos no Brasil,  em vinte e quatro estados da federação. Aproximadamente dezesseis milhões de pessoas, isso computado através dos cadastros de programas sociais. 

Luiza Cavalcante Santos Dias, Sítio Agatha, Zona da Mata, em Pernambuco

A administração dos quilombos é feminina? 

Selma Dealdina – O papel das mulheres nos quilombos é fundamental. Primeiro que a luta é constituída por homens e mulheres. Segundo, nós tivemos vários quilombos que foram liderados por mulheres. Como o de Conceição das Crioulas  e o de  Salgueiro, em Pernambuco. Então a luta das mulheres e a presença das mulheres nesse espaço é fundamental,  inclusive para a continuidade dos quilombos.  As mulheres estão lá desempenhando seus vários papéis: estudando na academia, fazendo doutorado, mestrado, agentes de saúde, professoras, pedagogas, agricultoras. Temos também parteiras e  coveiras. Enfim,  o papel das mulheres é fundamental. Eu não consigo imaginar nenhuma organicidade de quilombos sem a presença das mulheres. 

Vocês trabalham com agroecologia. O que é isso? 

Luiza Cavalcante Bom, os conceitos são variados sobre agroecologia,  mas em geral é a maneira como a gente cuida da natureza. Como a gente preserva a biodiversidade. Como a gente estabelece relações, de fato, sustentáveis entre as pessoas e o meio ambiente. Mas para nós do Sítio Agatha,  a gente tem dito que a gente  vive afroecologia,  a agroecologia já não mais nos abarca. 

Selma Dealdina – Os quilombos produzem de tudo.  É como  aquele cântico que diz que a Terra é de todos. Tome, cultive e tire dela o seu pão. Então os quilombos produzem muito. A gente compõe os setenta por cento da produção familiar que vai pra mesa dos brasileiros e das brasileiras. Produzimos banana, cana, mandioca e aipim, abóbora, maxixe, quiabo, pimenta, pimenta do reino, café, criamos  animais de pequeno porte,  como frangos, frangos caipira, porcos caipira e, alguns quilombos, têm também gado. A terra, ela é fértil. Tudo que a gente planta, na terra dá. É isso que a gente tem feito, mesmo sem apoio de projetos e sem apoio de programas do Governo brasileiro, o maior violador das comunidades quilombolas. 

Qual é o ideal da população quilombola no Brasil? 

Selma Dealdina –  Os quilombolas não querem dividir miséria. Nós queremos dividir a riqueza.  Nós queremos ter uma boa moradia, nós queremos ter o mínimo de conforto,  que é algo necessário. Queremos ter carros bons. Nós não queremos viver na miséria, porque nós não somos corpos apartados da sociedade. Então,  a gente produz,  planta, colhe, vende o que é necessário para poder comprar o que a gente não produz. É  importante dizer que a comunidade negra em geral,  e aqui no caso os quilombolas,  não vive apartada do capitalismo. Nós vivemos numa sociedade capitalista. Nós vivemos numa sociedade que comercializa tudo.  Da vida à morte. Do nascer ao morrer. 

Selma Dealdina, secretária executiva da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq)

Como a Pandemia da Covid-19 influenciou o trabalho de vocês? 

Luiza Cavalcante – No Sítio Agatha sempre tem gente. Mesmo nesse tempo de pandemia. Nós promovíamos mutirões, que sempre juntavam muita gente. Decidimos fechar para os mutirões, como uma forma de preservar a saúde de todos. Mas a gente sempre teve alguém que chegou, que chega… Uma pessoa, duas pessoas, sempre vem alguém. Alguns chegam porque precisam de algum tipo de cuidado. E como temos aqui pessoas que trabalham com saúde holística, elas dão esse tipo de cuidado a quem precisa. 

Selma Dealdina –  O nosso trabalho não foi impactado porque a nossa luta continua. Nós não temos o privilégio de sentar para esperar nada em berço esplêndido. Porque a nossa pauta é ainda uma pauta de governo,  não é uma pauta de Estado. O mundo viveu antes e vai viver depois da pandemia. Eu  acho que é impossível qualquer ser humano que esteja vivo que não seja influenciado pelo Covid. Mas nós vamos existir antes e depois. 

A questão da imunização da população quilombola foi bem coordenada? Houve mortes?  

Selma Dealdina – Nós temos o número de 299 quilombolas mortos, mais de cinco mil infectados e cinco mortes que nós até hoje não sabemos a causa, porque não teve autópsia. É importante ressaltar que o racismo do Estado brasileiro, o racismo da sociedade, o racismo estrutural e institucional contribuíram para a morte de quilombolas. O atraso da imunização nos quilombos no Brasil é porque nós vivemos num Estado extremamente racista. 

Como vocês estão preservando as tradições quilombolas, a cultura quilombola? 

Luiza CavalcanteEntão, esse cuidado é uma coisa que a gente costuma passar na base da oralidade. Mas está também no nosso jeito de fazer nossa comida, no jeito de  prestar atenção nos outros, prestar atenção em onde é que está faltando algo. E se está faltando algo, a gente chega junto e quando a gente não pode chegar junto,  a gente acha quem chega para contribuir. Lembro muito dos cafés da manhã. Minha mãe nos levava para a casa de alguém, dava o bom dia e anunciava ter vindo tomar café. Quando a resposta era: “Oh, comadre,  hoje não dá porque hoje eu estou daquele jeito.. Ali minha mãe ia na casa de mais duas ou três comadres e dali a pouco as mulheres se reuniam todas na casa daquela que estava sem condições e traziam o café da manhã pra gente criança. Era uma alegria imensa, porque a gente ia se encontrando logo cedo de manhã. Ali já  começava a farra de brincadeiras!

Atividades de agroecologia e cuidado pessoal realizadas no Sitio Agatha

Selma Dealdina – Nossa forma ancestral de viver é repassada de geração em geração.  Os idosos passam pras crianças, pros jovens, pros adultos e assim a gente faz uma grande rede de transmissão do saber o que a gente sabe e repassa. Nos terreiros, onde existem   os festejos  de santos de devotos, a gente trabalha com a preservação das tradições quilombolas que são heranças passadas de geração em geração. Então,  quando você repassa o saber, quando você é o ensinamento, e esse ensinamento é repassado pra frente, as tradições são mantidas.

10 anos do Baobá: filantropia não é evento, é processo que deve ser estimulado

O olhar de economistas sempre é muito importante para uma análise sobre como vai a saúde financeira do país e o que poderá advir dela. Evidentemente, a economia determina hábitos e costumes. Por outro lado, ela os restringe também. Dois economistas que fazem parte da governança do Fundo Baobá para Equidade Racial falam como o trabalho da instituição vem sendo realizado e quais são as diretrizes que o Brasil deve seguir para alcançar a tão almejada equidade racial, algo que passa por questões políticas, educacionais, culturais, sociais e até religiosas. 

Ana Toni tem graduação em Economia e Estudos Sociais pela Swansea University, no Reino Unido, é mestra em Política Econômica pela London School of Economics and Political Sciences, além de doutorado em Ciências Políticas pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Atualmente,  atua como diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS). Silvio Humberto é graduado em Economia pela Universidade Católica de Salvador, mestre em Economia pela Universidade Federal da Bahia e doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), É professor na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e, atualmente, cumpre seu terceiro mandato como vereador. Silvio Humberto é fundador do Instituto Cultural Steve Biko. 

A primeira questão comentada por ela e ele é o fato de a economia brasileira ter crescido em 1,2% no primeiro trimestre de 2021 e se isso seria benéfico para o trabalho de filantropia no país. Para Ana Toni, o mar da economia, revolto ou calmo, tem pouca relação com o desenvolvimento da filantropia. “Vejo pouca relação entre crescimento econômico e crescimento ou não crescimento da filantropia brasileira. Filantropia é muito mais uma questão de cultura e política pública. É uma questão de experiência: quanto mais a gente a exercita, melhor e mais ampla ela fica. Então, mesmo que o crescimento econômico brasileiro esteja para cima ou para baixo, penso que o dilema aqui é como a gente nutre essa cultura filantrópica, que eu vejo que está se fortalecendo no Brasil”, conclui. 

Ana Toni, economista, doutora em Ciências Políticas e diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS)

Para Silvio Humberto, a questão da doação filantrópica perpassa a questão dos índices econômicos. “Diria que o principal desafio para a filantropia no Brasil é fazer com que os brasileiros que detém recursos, os que são ricos, os que concentram a riqueza, doem. Porque nós sabemos que o Brasil não perde uma copa do mundo das desigualdades.  Então, é preciso um esforço conjunto. Sobretudo da sociedade brasileira. Daqueles que de fato podem doar e são capazes de doar para fora. Mas aqui dentro eu acho que falta empatia. As elites brasileiras sempre encararam o país como um grande negócio.”, comenta o professor de Economia na  Universidade Estadual de Feira de Santana (BA). 

Mas para promover a filantropia, principalmente quando ela busca promover a equidade racial, é necessário quebrar alguns paradigmas. “É preciso entender a filantropia. A filantropia não como um evento, mas sim como um processo. Processo que precisa ser estimulado. A sociedade como um todo tem que entender que, se nós queremos que o Brasil avance, temos que combater e enfrentar as desigualdades. Não as desigualdades vistas de forma monocromática, mas entender também a desigualdade de gênero, racial, geracional. Então, entender o caráter multidimensional  da pobreza é muito importante nesse processo”, afirma Silvio Humberto. 

Ana Toni destaca a necessidade de mudanças na legislação. Isso daria incentivo para que pessoas físicas e jurídicas fossem levadas a doar. O caminho dos incentivos fiscais não pode ser esquecido. “Acho que a gente está dando, nesses últimos anos, alguns passos mais largos do que, pelo menos historicamente, já  foi feito. Mas tenho certeza que se não mudar alguma coisa de legislação, para incentivar doadores a fazer essa doação, a gente não vai jamais conseguir. As igrejas têm incentivos, as entidades privadas não têm. Isso já faz um diferencial imenso para os doadores. Então, sem mudar uma legislação vai ser também muito difícil mudar essa cultura”, afirma. 

Fatos lamentáveis ocorridos no mundo e no Brasil, como os assassinatos de George Floyd e Breonna Taylor, além do assassinato do brasileiro João Alberto, em Porto Alegre, contribuíram para uma retomada de consciência das pessoas e também das empresas. Inclusive o mercado financeiro balançou. Grandes instituições bancárias dos Estados Unidos aconselharam seus investidores a não apostar na estabilidade do dólar no momento em que o país estava convulsionado por manifestações populares. “Esses fatos mais que motivam as pessoas a se engajar como doadores para a filantropia de equidade racial. Acho que é um dever, hoje em dia, de qualquer organização lidar com o tema do racismo. Não dá mais para essas organizações, que estão vendo essa brutalidade há séculos e séculos, considerarem que isso não está mexendo com elas. Esses fatos mostram a necessidade de todos agirem como doadores: os brancos de bem, os brancos progressistas, todos”, diz. 

Silvio Humberto segue a mesma fala de Ana Toni e acrescenta: “Esses casos motivam mais as pessoas a se envolverem nas questões raciais. Sobretudo o que o caso George Floyd fez foi envolver as pessoas brancas. Elas não saíam às ruas. A questão racial era vista como uma questão negra  e dos grupos minorizados.  Com relação ao caso do Carrefour, temos que ter cuidado para que isso não vire monetização da questão racial. Tudo se resume com a empresa pagando uma indenização. Não podemos cair na armadilha do ouro de tolo. As vidas não têm preço”, conclui.

Silvio Humberto, economista, doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professor na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), fundador do Instituto Cultural Steve Biko e atualmente cumpre seu terceiro mandato como vereador

Os dois economistas analisam como muito importante o trabalho que o Fundo Baobá vem fazendo para que a filantropia para a equidade racial tenha apoio e visibilidade no Brasil. “O Baobá simboliza a modernidade da filantropia para equidade racial. Os negros e o movimento negro já tinham organizações filantrópicas na sua história. Mas o Baobá tem feito isso com a  governança que o mundo moderno exige e quer. O tema da filantropia para equidade racial é difícil. As pessoas não sabem como lidar. O Baobá tem influenciado muito o setor filantrópico e mostrado não só como fazer mas também a vantagem de se fazer filantropia para a equidade racial”, afirma Ana Toni. Silvio Humberto compara o trabalho do Baobá à missão de um orixá guerreiro. “O Baobá tem uma missão oguniana (de Ogum, orixá descrito como forte perseguidor de seus objetivos), que é abrir caminhos nunca d´antes navegados. Ele é um divisor de águas nessa relação com essa filantropia que, antes, pouquissimas organizações do movimento negro tinham acesso. Os projetos sociais que são apoiados têm que estar cada vez mais vinculados ao fortalecimento das organizações negras, das nossas organizações”, define.