Pessoas com deficiência, o esporte e as estratégias de afirmação

Por intermédio de suas conquistas no Esporte, as PcDs (Pessoas com Deficiência) mostram para os capacitistas que são capazes de fazer qualquer coisa

Por Wagner Prado

Em 1944, o mundo ainda estava sacudido pelo flagelo da II Guerra Mundial, que terminaria um ano depois. Um neurologista de origem alemã, Ludwig Guttmann, recebeu do governo do Reino Unido o aval para abrir um centro de reabilitação para tratar lesões na coluna. O público eram os soldados feridos em batalha. Ludwig Guttman acreditava na prática esportiva como principal forma de reabilitação. Aquilo foi o embrião para o que havia começado como recreação visando reabilitação,  se transformasse em competitividade entre pessoas com deficiências. 

Como muitas ideias evoluem, Ludwig Guttmann levou seu desejo de promover uma competição entre cadeirantes para a organização dos Jogos Olímpicos de 1948 em Londres. Nascia ali a intenção de promover jogos exclusivos para PcD, chamados então de Jogos Paraolímpicos. A realização dos primeiros Jogos Paraolímpicos ocorreu em Roma, em 1960 e, desde então, acontecem a cada quatro anos após os Jogos Olímpicos.

Competir esportivamente foi e é uma grande conquista das pessoas com deficiência. Porém, algumas conquistas acabam por esconder tantas outras batalhas que estão sendo travadas por este segmento da população e a sociedade, em sua quase totalidade, não tem conhecimento. 

Uma dessas batalhas é contra o que se denomina Capacitismo, que é a atitude de discriminar, tratar com preconceito e opressão qualquer pessoa com deficiência física e motora, visual, auditiva, intelectual e de aprendizado. Criou-se o conceito de que pessoas com deficiência são inferiores. Dar a elas tratamento de comiseração é, também, uma forma de capacitismo.

O Brasil tem 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para combater o capacitismo, foi instituída a Lei Federal 13.146, em 6 de julho de 2015, que é o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Em seu artigo 4º, a Lei diz que  “toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação”.

Ainda no terreno das leis federais, a Lei 8.213 de 1991, batizada como Lei de Cotas, determina que empresas que tenham de 100 a 200 funcionários reservem 2% das vagas para PcD. Essa porcentagem vai crescendo de acordo com o número de empregados/as e chega ao máximo de 5% para empresas que tenham mais de 1001 colaboradores/as. 

A fuga da invisibilidade, a ocupação de espaços que movam a  opinião pública, a busca pela conscientização sobre os direitos das pessoas com deficiência,  têm sido uma missão para muites. O movimento Vidas Negras com Deficiência Importam (VNDI) foi criado por negros para combater os impactos das intersecções entre racismo, capacitismo e a discriminação a pessoas negras com deficiência. O grupo está bem ativo nas redes sociais e fora delas também.

A prática esportiva tem sido uma forma de afirmação encontrada por PcDs para trazer o olhar da sociedade sobre suas conquistas e também  reivindicações. Na última edição da Paraolimpíada de Tóquio, realizada em agosto de 2021, o Brasil levou 253 atletas, sua maior delegação. Um deles, o nadador estreante Gabriel Geraldo Araújo, o Gabrielzinho, de 19 anos. Competindo na categoria S2 (o “S” é de Swimming/Natação e o 2 classifica nadadores com limitações físico motoras). Gabrielzinho nasceu com Focomelia, um tipo de anomalia que provoca a má formação de braços, mãos, pernas e pés. A mãe de Gabriel, Eneida Magna dos Santos,  descobriu o problema quando estava em seu quinto mês de gravidez. 

Gabriel Geraldo Araújo, o Gabrielzinho

A vida não foi fácil e ninguém disse que seria. Gabriel desde muito cedo, antes de completar um ano, já estava em um centro de reabilitação para aprender a dar os primeiros passos e, com o crescimento, ganhar autonomia. A natação competitiva veio aos 13 anos, quando foi inscrito nos Jogos de Minas Gerais para Deficientes por um professor de Educação Física. De lá até Tóquio o caminho foi de muitas vitórias, mas, acima de tudo, muito esforço visando o próprio aperfeiçoamento. Gabriel Araujo alcançou três medalhas na  Paralimpíada japonesa: dois ouros e uma prata. Pela competência de atleta e pelo carisma, ganhou fama e aproveitou para levantar bandeiras: “Na minha vida sempre foi assim, ‘vai lá e faz’. As pessoas, todas, têm que entender que nós somos deficientes, mas nós somos capazes de fazer tudo”, afirmou o campeão paralímpico em entrevista ao site ge.com .

Fundo Baobá e Conaq lançam o edital Quilombolas em Defesa: Vidas, Direitos e Justiça

O Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) lançam o edital Quilombolas em Defesa: Vidas, Direitos e Justiça.  O objetivo do  edital é apoiar iniciativas de organizações quilombolas para promover a sustentabilidade econômica nas comunidades, a geração de renda, promover a soberania e a segurança alimentar, além de defender os direitos quilombolas nas comunidades. 

Fundo Baobá, Fundo Brasil de Direitos Humanos e Fundo Casa Socioambiental que, juntos, constituem a Aliança entre Fundos, atuam em prol da justiça racial, justiça social e justiça ambiental. As ações da Aliança são financiadas pela Fundação Interamericana (IAF).  Os três, com editais independentes, pretendem contribuir na redução dos impactos que as crises sanitária e econômica vêm ocasionando nos povos indígenas, comunidades quilombolas e outros povos tradicionais mais vulnerabilizados pela pandemia da COVID-19.

De acordo com a Conaq e o IBGE,  o Brasil conta com cerca de 6 mil comunidades quilombolas. Dessas, apenas 2.819 já foram certificadas, estando 1.727 localizadas no Nordeste, 450 no Sudeste, 300 no Norte, 191 no Sul e 151 no Centro-Oeste.. Mais de 70% das comunidades quilombolas certificadas, que têm direito à terra coletiva, estão em quatro estados: Maranhão, Minas Gerais, Bahia e Pará.   Segundo a Fundação Cultural Palmares, responsável pela emissão das certidões para as comunidades quilombolas e inclusão das mesmas em um cadastro geral, 3.475 comunidades quilombolas foram reconhecidas, porém ainda aguardam certificação (2196 no Nordeste, 547 no Sudeste, 369 no Norte, 193 no Sul e 169 no Centro-Oeste). Os quilombolas têm, em sua maioria, a agricultura e a pecuária como principais atividades econômicas. A preservação de sua cultura vem da oralidade ancestral e da resistência que têm exercido ao longo de suas existências. 

“Para nós do Fundo Baobá este edital é um marco. Estamos celebrando 10 anos e será a primeira vez que teremos um edital exclusivo para quilombolas. O edital foi todo desenhado em parceria com a Conaq e se apresenta como uma grande oportunidade para fortalecer as estratégias de ativismo, resistência e resiliência das comunidades quilombolas no contexto da pandemia da covid-19.  Sabemos que as organizações de base comunitária nem sempre conseguem acessar recursos, em especial organizações comunitárias lideradas e constituídas por povos tradicionais, por isso o edital também é uma oportunidade para contribuir no aprimoramento da filantropia para justiça social”, afirmou a diretora de Programa do Fundo Baobá, Fernanda Lopes.  

Entidades e valor do apoio

Apenas organizações  lideradas e constituídas por quilombolas poderão se inscrever.  Essa é a principal premissa do edital. Os recursos financeiros e o apoio técnico irão para a base comunitária.  Serão apoiadas  até 35 (trinta e cinco) iniciativas. Para cada uma caberá um montante de  R$ 30.000 (trinta mil reais), perfazendo R$ 1.050.000 (Um milhão e cinquenta mil reais). As organizações selecionadas também irão receber investimentos indiretos por meio de assessoria e apoio técnico visando seu fortalecimento institucional. O edital completo poderá ser lido neste link.

Inscrições

As inscrições para o edital Quilombolas em Defesa: Vidas, Direitos e Justiça começam no dia 23 de setembro e vão até as 23h59 do dia 25 de outubro (horário de Brasília).  As demais fases do processo seletivo estão descritas no edital. 

Para se inscrever basta acessar o site oficial do edital.

Eixos Temáticos

Cada organização deve apresentar apenas uma proposta que verse sobre um dos eixos temáticos propostos: 

  1. Recuperação e sustentabilidade econômica nas comunidades quilombolas; 
  2. Promoção da soberania e segurança alimentar nas comunidades quilombolas; 
  3. Resiliência comunitária e defesa dos direitos quilombolas. 

Setembro Amarelo e a saúde mental dos adolescentes e jovens negros

Por Vinícius Vieira

Desde 1996 o Brasil celebra o Dia de Adolescentes (21). Setembro também é o mês em que se celebra o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio (10). Em alusão a esta data, desde 2014 acontece a campanha nacional Setembro Amarelo, por iniciativa da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e do Conselho Federal de Medicina (CFM) e sendo aderida em 2015 pelo Centro de Valorização da Vida (CVV).

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), no Brasil, todos os anos, cerca de 12 mil pessoas tiram a própria vida. Isso representa quase 6% da população. A OMS também informa que o suicídio é a terceira causa de morte de jovens brasileiros entre 15 e 29 anos. 

Dados do Ministério da Saúde, revelam que, em 2019, a taxa de jovens negros entre 10 e 29 anos de idade que cometeram suicídio foi 45% maior que a observada entre jovens brancos na mesma faixa etária. A pergunta que fica é: Qual são os possíveis motivos que levam o adolescente/jovem negro brasileiro a experimentar este risco acrescido de suicídio?

Para a psicóloga, mestre em Saúde Comunitária, doutora em Saúde Pública, docente na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e idealizadora da página Saúde Mental da População Negra, Jeanne Saskya Campos Tavares, é preciso voltar no tempo e analisar que o suicídio funciona como estratégia política da população negra no Brasil desde a colonização: “No passado, por diferentes meios, pessoas negras davam fim a sua própria vida e de seus filhos para que não mais fossem submetidos aos horrores da escravização”.

Nos tempos atuais, Jeanne afirma que o racismo continua diretamente ligado à ideação e comportamento suicida, uma vez que este não é um problema individual, mas um processo coletivo: “Ele se relaciona com a necessidade do jovem negro de cessar um intenso sofrimento através da morte e à percepção de que não há esperança de que, em algum momento, terá uma vida que valha a pena viver. Neste sentido, o racismo está diretamente relacionado às questões sociais, de baixa auto-estima e de violência no ambiente escolar desde a infância”.

Jeanne faz questão de salientar que o racismo é um importante fator que vulnerabiliza os adolescentes e jovens negros brasileiros e pode ser entendido como um fator predisponente para o suicídio: “Pois ele impede o acesso aos direitos de cidadania, expõe as pessoas negras a múltiplas violências cotidianas  que envolvem  desde situações continuadas de humilhação pública, até a possibilidade de sua própria morte e encarceramento ou encarceramento de conhecidos e familiares. Essas experiências comprometem  significativamente a saúde mental da maioria das pessoas negras,  pois relacionam-se com a  baixa qualidade de vida e impossibilidade de receber apoio social em diferentes contextos”.

Jeanne Saskya Campos Tavares, psicóloga, mestre em Saúde Comunitária, doutora em Saúde Pública, docente na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e idealizadora da página Saúde Mental da População Negra

Em 2020 e 2021, tivemos que lidar (e estamos lidando) com um fato que afetou diretamente a vida e a saúde mental das pessoas do mundo inteiro: a pandemia da Covid-19. Durante este período, Jeanne Tavares realizou uma série de lives intituladas Saúde mental da  população negra em tempos de pandemia, que dialogavam diretamente com os mais afetados nesta crise sanitária. Jeanne diz que o novo coronavírus impactou diretamente na saúde mental dos adolescentes e jovens negros: “A saúde mental foi afetada porque foram expostos à maior insegurança do que já viviam. Não era apenas o risco de contaminação pelo vírus, pois muitos continuaram desenvolvendo atividades laborais, geralmente informais, junto com suas famílias, mas tiveram que lidar com a morte e adoecimento dos seus familiares e conhecidos que, em sua  maioria, não puderam estar em trabalho remoto”. Jeanne frisa que, em um ano de pandemia, os jovens experienciaram todas as dificuldades relacionadas à perda de emprego entre os seus e ao empobrecimento coletivo, além da paralisação de suas atividades escolares com comprometimento do apoio que a comunidade escolar pode oferecer, “ainda que tendo muitas limitações, é um contexto reconhecido como protetor e  de acesso à alimentação e contatos sociais diários”.

Diante de todo esse cenário, fica evidente que o cuidado com a saúde mental de adolescentes e jovens negros é essencial. Políticas, programas, iniciativas para enfrentar o racismo no ambiente escolar, dialogar sobre orientação sexual, identidade de gênero, entre outras intersecções que contribuem para a vulnerabilidade e podem levar ao suicídio de jovens negres. Trabalho de base realizado em um ambiente escolar, educação básica de qualidade, manutenção de jovens negres na escola, todos estes pontos estão em jogo quando falamos sobre saúde integral e saúde mental, em especial. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em  2018 um terço dos brasileiros entre 19 e 24 anos não havia conseguido concluir o ensino médio. Entre os que não conluíram esta etapa, 44,2% eram homens jovens negros. Um dos motivos da evasão escolar entre  negros do sexo masculino, com menos de 18 anos,  é o ingresso no mercado de trabalho. O relatório  Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, divulgado em 2019 pelo IBGE, mostra que as pessoas negras representam 75% entre os mais pobres. A educação de má qualidade, o ambiente que segrega e a carência econômica contribuem para a busca por emprego em detrimento à formação escolar. 

Sobre esta conexão entre situação  socioeconomica e educacional, Jeanne acredita que as políticas de redistribuição de renda e as políticas afirmativas, não apenas as cotas como também as que garantam a permanência de crianças, adolescentes e jovens do ensino fundamental ao superior, podem ser interpretadas também como políticas promotoras de saúde mental: “É importante salientar que a saúde mental da população negra está diretamente associada à nossa qualidade de vida, por isso todas as políticas que nos permitam viver numa sociedade equânime, com acesso à alimentação, água, justiça, paz, trabalho, moradia, liberdade de trânsito nas cidades, saúde, educação, descanso, dentre  tantos outros direitos humanos, são também produtoras de saúde mental e nos protegem  em relação ao suicídio”. Finaliza.

 

Já É: Promovendo educação, equidade racial e qualidade de vida

Compreendendo as conexões entre educação de adolescentes e jovens, qualidade de vida, saúde mental e  justiça racial, o Fundo Baobá lançou em 2020 o Programa Já É: Educação e Equidade Racial. Em parceria com a Citi Foundation, Demarest Advogados e Amadi Technology, o Programa Já É foi criado pelo Baobá com a premissa de impulsionar o ingresso de jovens negros e periféricos nas universidades, através do custeamento dos gastos em um curso pré-vestibular e também transporte e alimentação.

Jakeline Souza Lima, 22 anos, é uma das jovens apoiadas pelo Já É e uma das defensoras da promoção de uma educação de qualidade para o fim do racismo estrutural: “A educação é a ferramenta mais potente para transformar as estruturas, para sanar os problemas que estão enraizados há tanto tempo na nossa sociedade”. Apesar desta certeza, Jakeline também acredita que a educação precisa ser crítica e empoderadora, principalmente no que diz respeito a história negra: “É preciso que nossa história seja passada como realmente foi: cheia de lutas, com muita potência, inventividade, riqueza e orgulho, e não como tem sido desde sempre, quase nos ensinando a termos vergonha e aceitar tudo que nos dizem”.

Jakeline Lima, apoiada no “Programa Já É: Educação e Equidade Racial”

Foi a falta dessa educação crítica e empoderadora, que fez Jakeline sofrer racismo dos 7 aos 14 anos no ambiente escolar: “Os alunos zoavam tudo em mim: o meu cabelo, a cor da minha pele, o meu nariz e o meu peso. Essas ofensas afetaram demais minha autoestima, passei a me sentir feia, achar que eu nunca seria amada; passei a não ter mais vontade de sair e ter medo de ser vista demais, queria ficar escondida e chamar o mínimo de atenção possível”.

Mesmo com a saúde mental abalada pelos ataques racistas na adolescência, durante o ensino médio, Jakeline Lima teve contato com o movimento dos estudantes secundaristas, com o teatro e também com o grêmio estudantil. Montou uma chapa com alguns amigos e realizou  um trabalho de conscientização, enfrentamento  ao racismo, e outras formas de discriminação: “Realizamos a Semana da Alteridade, levando os alunos mais novos para a biblioteca para contarmos as nossas experiências e explicar o porquê não era bom ofender o amigo, além de várias outras questões”, 

Hoje no Programa Já É, Jakeline quer cursar artes cênicas e credita ao teatro um divisor em sua vida: “No teatro eu lidei, e sigo lidando, com as questões mais pessoais, passei a trabalhar minha relação com a imagem e transformar minhas dores em criações, juntar minhas dores com as de muitas pessoas e lutar, criar um coro, forte e potente”.

Jakeline Lima: “No teatro eu transformo minhas dores em criações”

 

Assim, Jakeline Lima faz questão de reforçar a importância da educação como sendo caminho de potencialização e transformação: “Através da educação a gente se enxerga na história e tem orgulho dela, tanto da que escreveram antes de nós, mas também da que estamos escrevendo”, afirma a estudante, também frisando que o Fundo Baobá, através do Programa Já É, tem permitido que outros adolescentes e jovens escrevam a sua própria história: “O Programa Já É, é um desses caminhos que usa a educação para nos devolver, para nos dar perspectiva, para nos fazer acreditar que somos capazes e também para nos mostrar que, quase cem jovens estão juntos e, se apenas um passar na universidade, todos passam, porque representamos a nós mesmos, mas também toda nossa família que muitas vezes não tiveram a mesma oportunidade que nós”.

Edital Vidas Negras e a potencialização da dignidade e justiça

Por Vinícius Vieira

No dia 9 de setembro, o Fundo Baobá para Equidade Racial divulgou a lista das organizações selecionadas no edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça, iniciativa lançada no dia 5 de maio, com apoio do Google.Org, braço filantrópico do Google, e que tem a premissa de apoiar entidades negras que atuam no enfrentamento do racismo e incorreções que ocorrem dentro do sistema de Justiça Criminal no Brasil.

Ao todo foram selecionadas 12 iniciativas, divididas pelos seguintes eixos: 

I – Enfrentamento à violência racial sistêmica
II – Proteção comunitária e promoção da equidade racial
III – Enfrentamento ao encarceramento em massa entre adultos e jovens negros e redução da idade penal para adolescentes
IV – Reparação para vítimas e sobreviventes de injustiças criminais com viés racial

Entre as organizações selecionadas temos organizações de mulheres negras e que atuam no enfrentamento à violência racial contra as mulheres, aquelas que atuam no enfrentamento ao racismo religioso, outras que dão visibilidade à situação de encarceramento de mulheres negras, organizações quilombolas que atuam na defesa dos direitos quilombolas, sobretudo o direito à terra. Organizações antiproibicionistas, outras que atuam na defesa do direito à moradia  para famílias sem teto de baixa; aquelas que congregam familiares e vítimas de violência do Estado e outras que prestam assistência biopsicossocial e jurídica a familiares de pessoas privadas de liberdade.

As organizações selecionadas estão localizadas nas regiões Sudeste, Norte e Nordeste do país, oriundas dos estados de Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Amapá, Pernambuco e Ceará.

O edital contou com três etapas de seleção sendo que, na última fase, as organizações  participaram de um painel de entrevistas conduzido por especialistas e membros da governança do Fundo Baobá. As entrevistas foram realizadas considerando o eixo temático escolhido pela organização no momento da inscrição e cada eixo contava com 2 ou 3 entrevistadores(as).

Para a graduanda em direito, monitora das disciplinas de Sociologia Geral e Assessoria Jurídica Popular na FND/UFRJ, também monitora no curso de extensão Promotoras Legais Populares e liderança comunitária na Baixada Fluminense, Thuane Nascimento, ter atuado no comitê de seleção entrevistando as e os representantes de organizações que inscreveram seus projetos no eixo III Proteção Comunitária e Promoção da Equidade Racial, dialoga perfeitamente com a sua área de atuação, desde quando ela entrou na universidade: “Essa lógica da proteção comunitária junto com a promoção da equidade racial tem tudo a ver com o trabalho que eu desenvolvo. Nós sabemos que quando um território está seguro, a pessoa que mora lá se sente segura naquele território. Entendemos que é a comunidade que consegue dar uma segurança e um aporte para a pessoa que está morando ali”.

Segundo Thuane, essa proteção que a comunidade oferece aos seus moradores, de maioria negra e pobre, faz parte do senso coletivo que está enraizado desde a construção desse local: “As favelas, os assentamentos e as ocupações são construídos numa lógica de coletividade. Isso é muito importante, porque na coletividade as pessoas aprendem a respeitar um ao outro e aprendem a proteger um ao outro”.

Thuane Nascimento, graduanda em direito, monitora das disciplinas de Sociologia Geral e Assessoria Jurídica Popular na FND/UFRJ, também monitora no curso de extensão Promotoras Legais Populares e liderança comunitária na Baixada Fluminense

Thuane atuou em um projeto chamado Circuito Favela por Direito, onde ela pôde vivenciar de perto o senso de coletividade existente nas comunidades do Rio de Janeiro: “Em muitas comunidades existe um grupo de WhatsApp para poder falar onde estava acontecendo um tiroteio, para avisar qual lugar que estava perigoso, além dos grupos de WhatsApp entre as mães. Proteção comunitária tem tudo a ver com o território”, afirma.

Quem também atuou no comitê de seleção do edital Vidas Negras, em diálogo com organizações que apresentaram suas propostas no eixo IV: Reparação para vítimas e sobreviventes de injustiças criminais com viés racial, foi a doutora e mestra em Direito Constitucional e Teoria do Estado; Professora do Departamento de Direito da PUC-Rio; Coordenadora Geral do NIREMA – Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente – e professora visitante Jr. no African Gender Institute, University of Cape Town, Thula Pires, que também vê ligação entre a sua área de atuação e o eixo em que realizou entrevistas: “O eixo de Reparação é aquele que mais evidencia a necessidade do Estado se responsabilizar pelas violências que (re)produz e, nesse sentido, dialoga muito intrinsecamente com o campo do Direito Constitucional e da Teoria do Estado”.

No eixo IV foram selecionadas três organizações, todas da região Sudeste. Thula analisou e traçou o perfil característico de cada uma: “As organizações selecionadas no eixo IV nos oferecem a possibilidade de incidir em diferentes dimensões na reparação às vítimas de injustiças raciais. Do direito à moradia, em toda sua complexidade, aos desafios da política de drogas e da política prisional, passando pelo racismo religioso, temos distintas e estratégicas áreas de enfrentamento às violências promovidas, sobretudo, pelo Estado brasileiro”.

Thula Pires, doutora e mestra em Direito Constitucional e Teoria do Estado; Professora do Departamento de Direito da PUC-Rio; Coordenadora Geral do NIREMA – Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente – e professora visitante Jr. no African Gender Institute, University of Cape Town

Ao relembrar a sua atuação no eixo II, Thuane fala dos diferentes perfis das quatro organizações selecionadas que, segundo a própria, deixou a escolha dos projetos ainda mais interessante. Entretanto, ela fez questão de destacar um dos projetos selecionados: “Uma organização da Região Norte que está situada em uma  comunidade quilombola e eles queriam expandir o trabalho para dezenas de comunidades, em um lugar que o principal meio de transporte é o fluvial. Eu fico imaginando a dificuldade: já trabalhavam com algumas comunidades e querem expandir ainda mais o trabalho. Isso é de uma importância imensa”. No caso, Thuane se refere à organização selecionada Associação de Jovens Moradores e Produtores Rurais de Santa Luzia do Maranum I (Ajomprom), localizada em Macapá, no Amapá.

Ao lembrar dessa organização, Thuane Nascimento fala sobre as potencialidades dos projetos e das organizações selecionadas;  as expectativas em relação às mudanças que poderão ser geradas na sociedade, além da importância da realização do edital Vidas Negras: “Se as organizações conseguem fazer um trabalho tão bom e chegar até aqui, mesmo sem tanto apoio financeiro e sem um apoio de rede, imagina onde que elas vão conseguir chegar com esse apoio do Fundo Baobá? Eu acredito que teremos muitas mudanças, talvez não seja uma mudança como a gente pensa, que vai abranger a todos, porque nem é essa a proposta, mas vai mudar a comunidade local, vai avançar no sentido dela se sentir protegida, se sentir conscientizada e conseguir avançar nas pautas e demandas que elas precisam para poder se manter e produzir em seu território”.

Para Thula Pires, os projetos selecionados têm a potencialidade de produzir impactos importantes na sociedade brasileira: “Não apenas na redefinição e monitoramento de políticas já existentes, como também na possibilidade de ampliarmos as ações de organizações negras em comunidades e grupos historicamente negligenciados pelas políticas públicas. Em tempos de acirramento da violência e da produção da morte em escala, medidas de enfrentamento às injustiças raciais são não apenas bem-vindas, mas efetivamente necessárias”. Ela também faz questão de ressaltar a importância da realização do edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça: “através deste edital, o Fundo Baobá cumpre um papel fundamental na viabilização de ações promovidas por pessoas negras no enfrentamento concreto às injustiças raciais. O apoio financeiro para o desenvolvimento das ações, ao ser acompanhado pelo suporte técnico para o fortalecimento institucional, é capaz de preparar as organizações para intervenções futuras e para ampliar o acesso a outros editais e programas. Nesse sentido, atua tanto no fortalecimento das comunidades, vítimas e sobreviventes das injustiças raciais, como na ampliação da capacidade de incidência das organizações negras de promoção da justiça racial”, finaliza.

10 Anos do Baobá: Trabalho em Busca da Sustentabilidade Social

Rosana Fernandes e Helio Santos lançam um olhar sobre a sociedade brasileira diante do segmento da filantropia para justiça social

Por Wagner Prado

Dois profundos analistas da sociedade brasileira. Ambos com trabalhos que envolvem a observação das movimentações sociais e a influência dos diferentes fatores econômicos no dia a dia das pessoas. O passado de ambos está ligado à formação do Fundo Baobá para Equidade Racial. A historiadora Rosana Fernandes e o administrador e professor Helio Santos falam sobre doações, consciência social, futuro e a atuação do Baobá dentro desses contextos. 

Rosana Fernandes é formada em História pela Universidade Católica de Salvador e faz parte da CESE (Coordenadoria Ecumênica de Serviço), onde atua no Setor de Projetos e Formação. A CESE foi criada há 48 anos e sua atuação está voltada para a defesa e garantia de direitos das pessoas no Brasil. Essa defesa de direitos é motivada por questões de injustiças e desigualdades tão presentes no cotidiano dos brasileiros. A CESE foi criada pela união de várias igrejas cristãs. 

Helio Santos é doutor em Administração e  mestre em Finanças. O doutorado foi obtido na  Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Atuou como professor na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e Universidade São Marcos. Atualmente é professor convidado na Universidade do Estado da Bahia (Uneb). 

O ano de 2022 será de transformações políticas no Brasil. A eleição poderá mudar o ocupante do cargo de presidente da República, além de 27 governadores de Estado. Com certeza, novas diretrizes serão adotadas, e elas sempre impactam todos, principalmente os cidadãos e cidadãs comuns. O país encontra-se entre as 19 maiores economias do planeta, mas isso não é visto como positivo em relação à política por equidade racial e o incentivo a doações. “Por mais de uma década o Brasil esteve entre as dez maiores economias do mundo. Então, até um dia desses estávamos junto com China, Japão, Alemanha, Estados Unidos e Canadá. Ao mesmo tempo, estivemos também no banco dos mais desiguais. Se quando estávamos entre os dez  mais ricos, sempre houve uma escassez de recursos, o que dará uma vantagem para nós não é essa colocação do Brasil em 19º lugar, esqueça dela,  e sim  a mudança da sociedade”, disse Helio Santos.  

Helio Santos, doutor em Administração, mestre em Finanças e professor convidado na Universidade do Estado da Bahia (Uneb)

Rosana Fernandes é ainda mais reticente ao analisar a tão propalada posição brasileira no ranking da economia mundial. “ Eu questiono muito os índices de crescimento econômico,  quando analiso o desemprego e o subemprego. A Pandemia trouxe um número muito grande de pessoas em situação de rua. Está havendo uma migração para cidades menores para se ter uma garantia de vida. Mas não há políticas públicas para a garantia de um lugar de qualidade de vida e de melhoria de vida para essa população. E a fome aumentou. E quem está passando fome?  A gente sabe que a fome tem cor”, falou a historiadora. 

Mudanças de consciência e engajamento das pessoas em causas que favoreçam populações em situação de vulnerabilidade não acontecem de uma hora para a outra. Mas uma cultura que leve a isso deve ser apoiada, mesmo que a mudança venha de forma lenta. “Se a pessoa acredita e pensa numa sociedade justa,  colocar recursos financeiros no Baobá, que luta pelo enfrentamento ao racismo,   significa você querer um outro Brasil, uma sociedade melhor. O apoio ao Baobá é fundamental para equilibrar a balança um pouco mais a favor da maioria nesse país. E a maioria é negra. Quem quer fazer a diferença deve colocar recursos no Baobá”, disse Rosana Fernandes. 

Iniciativas como as que o Fundo Baobá empreende no ecossistema filantrópico com seus editais voltados para o apoio a comunidades quilombolas, para o acesso de jovens negres à universidade e incentivo ao empreendedorismo estão modificando o pensar sobre engajamento social. “A filantropia racial hoje é o tema da sociedade brasileira. O Fundo Baobá tem muito a ver com isso, porque ele é o primeiro fundo criado com essa vertente e organização. A missão dele é exatamente transferir e fomentar recursos para as organizações negras. O Fundo Baobá tem uma responsabilidade direta nessa mudança. Isso é resultado do esforço  da sociedade civil, da qual o Baobá faz parte. E hoje se entende o investimento social como uma mola para o desenvolvimento com sustentabilidade. Então, a vantagem de se doar para o Fundo Baobá é você investir no segmento da equidade racial”, define Helio Santos. 

A fidelização, palavra muito usada no segmento corporativo, é o grande desafio para o Fundo Baobá e para o segmento da filantropia para equidade racial, no entender de Rosana Fernandes: “Precisamos ter um discurso direto e respostas objetivas. Mas este é o grande desafio. Como atrair voluntários doadores? Acho que a capacidade de dialogar com a sociedade é que talvez nos dê a independência e a autonomia necessárias. Se a gente trouxer a sociedade para o enfrentamento ao racismo, a gente pode estar trazendo a fidelização para uma estrutura”, afirmou. 

Rosana Fernandes, historiadora e integrante da CESE (Coordenadoria Ecumênica de Serviço)

O Baobá trabalha com a empatia. Analisa os movimentos da sociedade brasileira e faz a escuta sobre as necessidades das populações menos favorecidas. Neste período de  Pandemia da Covid-19, essas carências ficaram muito evidenciadas.  Hélio Santos analisa: “Solidariedade e generosidade. São elas que permitem sentir a qualidade de uma sociedade. Às vezes,  a solidariedade e a generosidade estão acima da própria ética. É arriscado dizer isso, mas muitas vezes tenta-se estruturar ética  onde não há nem solidariedade nem generosidade.  Essas duas características são eminentemente humanas.  Elas são o resultado da empatia e da capacidade que se  tem de  estar no lugar do outro.  Eu hoje meço a qualidade de uma sociedade não só pela renda per capta, não só por parâmetros econométricos. Eu meço pela capacidade que ela tem de produzir empatia. Pela capacidade de estar no lugar do outro. O homem pode,  a partir do seu corpo masculino,  entender o que significa para uma mulher o estupro. Uma pessoa branca pode muito bem entender o que é a pessoa ser discriminada pelo exclusivo motivo de ser negra, da mesma forma que uma pessoa que tem posses  pode muito bem se posicionar e se colocar na situação desses 19 milhões de brasileiros que acordam pela manhã sabendo que não terão ao longo do dia como se alimentar.  Então eu acho que radicalizar na empatia é fundamental, é uma forma de demonstrar a qualidade de uma sociedade. Mas que qualidade? A qualidade moral”, declarou.

Fundo Baobá na imprensa em agosto

O lançamento da Aliança Entre Fundos, iniciativa composta pelo Fundo Baobá para Equidade Racial, Fundo Brasil de Direitos Humanos e Fundo Casa Socioambiental, que tem como meta promover o maior aporte de recursos diretos para os povos indígenas, comunidades quilombolas e outros povos tradicionais mais vulnerabilizados pela pandemia da COVID-19, foi destaque na imprensa no mês de agosto.

A iniciativa ganhou uma matéria especial no jornal Valor Econômico, no portal Brasil de Fato e na coluna diária “Café com ESG” do portal Expert XP.

O Pacto de Promoção da Equidade Racial, lançado em julho, é outra iniciativa que conta com a participação do Fundo Baobá, com contribuições importantes de membros do Conselho Deliberativo e Assembleia Geral, além da diretora executiva. Assim como no mês anterior, o Pacto segue reverberando na mídia, sendo tema da coluna da sócia-fundadora da Wright Capital Wealth Management, Fernanda Camargo, no eInvestidor, dentro portal do Estadão e também destaque no site do Grupo de Institutos Fundações e Empresas GIFE.

Falando no GIFE, o evento online Black Philanthropy Month (Mês da Filantropia Negra) organizado pelo Grupo e que contou com a participação da diretora-executiva do Fundo Baobá, Selma Moreira, como principal expositora, foi destaque no portal do Observatório do Terceiro Setor.  O portal publicou uma matéria completa, no dia 5 de agosto, registrando os principais acontecimentos do evento.

Duas matérias produzidas pelo Fundo Baobá e publicadas originalmente no site oficial da organização foram compartilhadas em outros portais. O texto “A contribuição negra para a comunicação no Brasil”, que traz uma entrevista com o jornalista, mestre em Comunicação Social, doutor em Educação e membro do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, Edson Cardoso, foi compartilhado no portal Nação Z. Enquanto a matéria “Por que celebramos hoje o Dia Internacional das Pessoas Afrodescendentes?”, referente a data celebrada no dia 31 de agosto, contando com a entrevista do doutorando em Saúde Coletiva (PPGSCM/IFF/Fiocruz), mestre em Políticas Públicas em Direitos Humanos (UFRJ), psicólogo, pesquisador da Fiocruz e coordenador do Plano Fiocruz de Enfrentamento à Covid-19 nas Favelas do Rio de Janeiro, Richarlls Martins, foi publicada também no portal Neo Mundo.   

 

Apoiadas do Fundo Baobá

Sobre organizações, grupos, coletivos e lideranças apoiadas pelo Fundo Baobá, no dia 8 de agosto, tivemos uma entrevista com Dandara Rudsan Sousa de Oliveira, formada em Direito e com especialização em Diálogos e Mediação de Conflitos, atuante na Rede de Mulheres Negras Amazônicas e no Núcleo de Mobilização de Recursos dos Movimentos Negros e LGBTQI+ unificados em Altamira, no Pará. Dandara, que é uma das apoiadas no edital 1 do Programa de Aceleração e Desenvolvimento de Lideranças Femininas: Marielle Franco, conversou com a revista Trincheira Democrática, falando sobre os direitos das pessoas LGBQIA+.

Outra apoiada do Programa de Aceleração, a advogada, responsável pelo projeto Justiça Juvenil do programa Prioridade Absoluta do Instituto Alana e criadora da página “Sonhe alto, Pretinha”, Mayara Silva de Souza, escreveu o artigo “Esporte na infância é direito, liberdade e diversão”, dentro da coluna no portal UOL Ecoa, falando da importância da prática esportiva na infância, citando a adolescente Rayssa Leal, que aos 13 anos de idade foi medalha de prata no skate nas olimpíadas de Tóquio.

O projeto Rodas de Conversa, que abordou questões sobre racismo e povos indígenas do Acre, aconteceu nos dias 17, 19, 24 e 26 de agosto e contou com a participação da pedagoga, mestra em Educação pela UFAC e fundadora da Rede Mulher Ações Neabi-UFAC, Sulamita Rosa, que esteve no último dia de evento virtual palestrando sobre o tema “A importância das ações afirmativas na superação de racismo estrutural”. Sulamita também é uma das apoiadas no Programa de Aceleração de Lideranças Femininas Negras. O evento foi divulgado no portal da Defensoria Pública do Estado do Acre.

Outras apoiadas deste Programa ganharam destaques na imprensa. O Grupo de Mulheres Lésbicas e Bissexuais Maria Quitéria, de João Pessoa (PB), apoiado no edital coletivos, foi matéria no portal Brasil de Fato, sobre a divulgação do I Encontro Municipal de Mulheres Lésbicas e Bissexuais, realizado entre os dias 27 a 29 de agosto, no Centro de Atividades e Lazer Padre Juarez Benício (Cejube), em João Pessoa.

Grupo de Mulheres Lésbicas e Bissexuais Maria Quitéria, de João Pessoa (PB)

E, por fim, o portal Meio e Mensagem fez a reportagem “Com coletivo 100% preto, Janga chega ao mercado”, abordando a produtora de áudio que quer impulsionar a equidade racial nas trilhas de publicidade e entretenimento. Fundada pelos sócios Tatiana Nascimento e Antonio Pinto, a Janga conta com a produtora musical, ativista afro-indígena, LGBTQIA+ e nossa apoiada, Dessa Ferreira.

Apoiados no edital “A Cidade que Queremos”, o Grupo Nóis de Teatro, que atua no Grande Bom Jardim, periferia de Fortaleza, celebra seus 19 anos de atividades ininterruptas em 2021. Para comemorar realizou no mês de agosto uma programação especial com apresentação, seminário, sarau e a defesa da tese de doutorado do coordenador geral do grupo, Altemar Di Monteiro. A agenda de atividades do grupo foi divulgada no portal Papo Cult.

Grupo Nóis de Teatro – Grande Bom Jardim, Fortaleza

 

Coletiva Negras que Movem – Portal Geledés

A já tradicional coluna “Coletiva Negras que Movem”, no portal do Instituto da Mulher Negra Geledés, com as apoiadas do Programa de Aceleração e Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, trouxe no dia 7 de agosto o texto “O que aprendemos com as pretinhas da ginástica artística nessas olimpíadas”, de autoria da pós-graduanda em História e Cultura Afro-brasileira, MBA em produção de conteúdo para mídias digitais, Bacharel em Arte e Mídia, Artvista, produtora cultural e empreendedora, Carolina Brito.

No dia 23, foi a vez do artigo “Não seja tão dura com você! Um texto de amor em tempos tão difíceis”, de autoria da escritora, jornalista e autora do livro-reportagem “Negra Sou: a ascensão da mulher negra no mercado de trabalho”, finalista do Prêmio Jabuti 2020, Jaqueline Fraga.

No Dia de Adolescentes, é essencial reconhecer a importância da promoção da educação em nosso país

Por Marcos Furtado e Mônica Moreira, do Perifa Connection,  em parceria com Vinícius Vieira 

Hoje é celebrado no Brasil o “Dia de Adolescentes”, uma data instituída no país no ano de 1996.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui uma população de 211 milhões de pessoas, dos quais 69,8 milhões são crianças e adolescentes entre zero e 19 anos de idade, o que representa 33% da população total do país.

Mais da metade de todas as crianças e adolescentes brasileiros são afrodescendentes e um terço dos cerca de 820 mil indígenas do país é criança. A região onde se concentra a maior população nessa faixa etária é a Sudeste, com mais de 89 milhões de crianças e adolescentes.

Entretanto, mesmo com esse número elevado no país, há adolescentes vivendo em situação domiciliar de extrema pobreza. Um levantamento realizado pela Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), em 2019, relacionado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), mostra que 9,1 milhões de adolescentes vivem em lares com uma renda per capita mensal inferior ou igual a um quarto de salário mínimo.

Outro dado alarmante envolvendo os adolescentes, é relacionado ao aumento da taxa de homicídos entre adolescentes e jovens no país. Segundo os dados do Atlas da Violência 2020, feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), mostra que 30.873 jovens na faixa etária entre 15 e 29 anos foram mortos em 2018 no Brasil, quantidade que equivale a 53,3% dos registros da pesquisa.

Quando o assunto é educação, trazendo para o recorte racial, uma pesquisa do IBGE, de 2018, mostrou que um terço dos brasileiros entre 19 e 24 anos não havia conseguido concluir o ensino médio naquele ano. Entre os que não conluíram esta etapa, 44,2% são homens jovens negros. Muitos dos motivos que mostram a evasão escolar corresponde ao fato de o adolescente negro, com menos de 18 anos, ingressar mais cedo no mercado de trabalho.

Pensando nisso, que o Fundo Baobá para Equidade Racial lançou em 2020 o Programa Já É: Educação e Equidade Racial, em parceria com a Fundação Citi, com a premissa de potencializar a educação dos jovens negros de regiões vulneráveis, impulsionando para ajudá-los a ultrapassar o estreito gargalo que impede seu acesso a boas universidades e, posteriormente, a postos de trabalho mais altos na hierarquia das empresas.

Quem faz parte do Programa Já É é a adolescente Mayara Maria Malta, de 17 anos, moradora do bairro de Itaquera, na Zona Leste de São Paulo. Antes mesmo de ela terminar o ensino médio, ela ingressou em um curso técnico em administração. No entanto, após alguns cortes, a instituição em que a jovem estuda teve sua carga horária reduzida e concentrou as matérias da formação geral nos dois primeiros anos, deixando para o terceiro apenas a profissional. “A gente aprendeu tudo (do ensino médio) no primeiro e no segundo ano. Foi tudo muito rápido e puxado”, explica. 

Além das alterações na estrutura do ensino de sua escola, a vestibulanda também teve que lidar com os impactos do isolamento social que a pandemia da Covid-19 trouxe para o sistema de ensino. Com a mãe desempregada, o pai afastado do trabalho por questões de saúde, as irmãs com seus filhos em casa e a instabilidade do sinal da internet em alguns cômodos, a vestibulanda precisou se reinventar para estudar. “Eu cheguei a estudar na cozinha e é aquele vai e vem de criança correndo e gritando. Foi bem complicado”, conta.

Mayara Maria Malta, 17 anos

E mesmo diante de todas as adversidades, Mayara encontrou na produção de conteúdo para as redes sociais uma maneira de melhorar o seu estado de saúde emocional. “Eu consegui controlar toda essa ansiedade na internet. Acredito que muitos jovens entraram na internet por conta disso. Então eu consegui sair dessa situação não me distraindo, mas produzindo conteúdo para alcançar outras pessoas.” O que começou como uma forma de driblar toda a pressão dos estudos no ano pandêmico se converteu na identificação de uma carreira: o marketing digital. “No curso técnico de administração, eu tive contato com marketing. E sabe quando você se apaixona? E aí no ano passado eu fui buscar mais sobre isso. Foi quando eu comecei a falar sobre o assunto no meu perfil no Instagram.”

Caminhando para se tornar uma influenciadora digital, Mayara tem consciência da importância do que é produzido na internet. Tanto é que outras temáticas presentes em suas publicações são os cuidados com a aparência e autoestima. “Eu já me autosabotei muito, principalmente no mundo em que a estética é muito importante. Comecei a ir para frente nesse assunto quando comecei a me aceitar, a cuidar de mim e conhecer a Mayara de verdade”, conta.

Do outro lado da capital, mais precisamente em Interlagos, bairro localizado no extremo da zona sul da cidade de São Paulo, vive Luiz Felipe Motta da Silva, junto com os pais e seus quatro irmãos. Com 18 anos de idade, Luiz teve a experiência do ensino médio integrado ao técnico de nutrição, que foi importante para que o jovem descobrisse o gosto que tinha pela área da saúde. Mas, durante a pandemia, o amor pela Medicina falou mais alto e Luiz decidiu que não queria ser nutricionista. “Eu já pensei em vários cursos, Biomedicina, Enfermagem, Biologia. Mas aceitei que Medicina é algo que eu quero muito e estou disposto a tentar passar, mesmo que eu fique alguns anos tentando”.

Por amar praticar esportes, como vôlei, Felipe gostaria de seguir uma especialização que trabalhe diretamente com atletas. Porém, ele diz estar aberto a conhecer outras áreas da Medicina até definir o que seguir.

Luiz Felipe Motta da Silva, 18 anos

Luiz também conta que tinha o plano de fazer intercâmbio no exterior, mas por alguns problemas, não deu certo. Agora ele pretende realizar esse sonho antigo durante a faculdade. “Fico triste até hoje por não ter ido para os Estados Unidos, mas quero tentar fazer um semestre da faculdade fora do país. Eu quero muito viajar e conhecer outros lugares. Meu destino dos sonhos é ir pra Cidade do Cabo, na África do Sul, eu vi que eles falam vários dialetos e quero aprender mais inglês com eles”, afirma o jovem.

O Brasil ainda tem muito o que avançar na proteção dos adolescentes e na promoção dos seus direitos. Acompanhando a trajetória de adolescentes negros como a de Mayara e de Luiz Felipe, além dos outros 82 jovens selecionados no Programa Já É, fica evidente o quanto a educação é essencial para construção de uma sociedade equânime.

Aliança entre Fundos doa R$ 1,5 milhão para projetos com foco em quilombolas e indígenas

Recursos serão disponibilizados pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos e Fundo Casa Socioambiental. Fundo Baobá anuncia aporte de mais R$ 1 milhão para quilombolas até o final de setembro

A Aliança entre Fundos – que reúne os Fundos Baobá para Equidade Racial, Fundo Brasil de Direitos Humanos e Fundo Casa Socioambiental – realiza nesta quinta-feira, 9 de setembro, a primeira ação conjunta: o lançamento simultâneo de editais exclusivos para as comunidades quilombolas e indígenas em contexto de vulnerabilidade agravada pela COVID-19. A ação é uma iniciativa inédita e inovadora de filantropia colaborativa no Brasil.

Os Fundos Brasil de Direitos Humanos e o Fundo Casa Socioambiental lançam, respectivamente, o Edital Em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas e a Chamada de Projetos para Apoio às Comunidades Quilombolas no Enfrentamento aos Impactos causados pela COVID. O Fundo Baobá lançará, até o final de setembro, o edital Quilombolas em defesa: vida, direitos e justiça, no valor de R$ 1 milhão.

Direito à terra e ao território

O Edital Em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, do Fundo Brasil, vai selecionar pelo menos 10 projetos no valor de até R$ 50 mil cada, para apoio no período máximo de 12 meses. O valor disponível para este edital é de R$ 500 mil. A meta é apoiar comunidades e organizações indígenas que apresentem como foco o direito à terra e ao território com usufruto exclusivo dos recursos naturais em terras indígenas; defesa de direitos e fortalecimento de comunidades, organizações e lideranças indígenas. O objetivo é fortalecer a capacidade de comunidades e organizações indígenas diante dos impactos decorrentes da pandemia. As inscrições estão abertas a partir do dia 09/09 e os interessados podem enviar os projetos até o dia 7/10. Para ler o edital completo clique aqui.

Resiliência comunitária e soberania alimentar

Já a Chamada de Projetos para Apoio às Comunidades Quilombolas no Enfrentamento aos Impactos causados pela COVID, do Fundo Casa Socioambiental, vai eleger até 33 projetos de até R$ 30 mil cada. O valor total disponível para esta chamada é de R$ 1 milhão. O objetivo é apoiar organizações, grupos e coletivos de pessoas negras e quilombolas, localizados nas regiões Norte e Nordeste do país, por meio de  iniciativas que contribuam com a recuperação e sustentabilidade econômica, promoção da soberania e segurança alimentar, resiliência comunitária e defesa dos direitos nas comunidades quilombolas. Os projetos deverão atender aos seguintes recortes específicos:  recuperação da renda dos grupos que atuam com economia solidária e negócios coletivos e na fomentação de estratégias de resiliência comunitária e ações e metodologias para o fortalecimento da soberania alimentar dessas comunidades. As inscrições estão abertas a partir do dia 09/09 e os interessados podem enviar os projetos até o dia 9/10. Para ler o edital completo clique aqui.

Sobre a Aliança

A Aliança entre Fundos é uma iniciativa inédita lançada recentemente no Brasil. Pela primeira vez, três Fundos –  Fundo Baobá para Equidade Racial, Fundo Brasil de Direitos Humanos e Fundo Casa Socioambiental – se reúnem para promover maior aporte de recursos diretos para os povos indígenas, comunidades quilombolas mais vulnerabilizados pela pandemia. O aporte inicial é de R$ 2,5 milhões, distribuídos em diferentes editais.

Além de ampliar o apoio a projetos inovadores no enfrentamento aos impactos à pandemia, a Aliança entre Fundos aumenta a capilaridade das ações, especialmente nas localidades mais isoladas.

Sobre o Fundo Baobá para Equidade Racial

Criado em 2011, o Fundo Baobá para Equidade Racial é o primeiro e único fundo dedicado, exclusivamente, para a promoção da equidade racial para a população negra no Brasil. Orientado pelos princípios de ética, transparência e gestão, mobiliza recursos financeiros e humanos, dentro e fora do país, e investe em iniciativas da sociedade civil negra para o enfrentamento ao racismo e promoção da justiça social.

Sobre o Fundo Brasil

O Fundo Brasil de Direitos Humanos é uma fundação independente e sem fins lucrativos, instituída em 2006. Tem como missão promover o respeito aos direitos humanos no país, criando mecanismos sustentáveis, inovadores e efetivos para fortalecer organizações da sociedade civil e para desenvolver a filantropia de justiça social.

Sobre o Fundo Casa Socioambiental

​O Fundo Casa Socioambiental é uma organização que busca promover a conservação e a sustentabilidade ambiental, a democracia, o respeito aos direitos socioambientais e a justiça social por meio do apoio financeiro e fortalecimento de capacidades de iniciativas da sociedade civil na América do Sul.

Fundo Baobá divulga lista de organizações selecionadas no edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça

O Fundo Baobá para Equidade Racial, com o apoio do Google.Org, braço filantrópico do Google, lançou, no dia 5 de maio, o edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça. O intuito do edital é apoiar entidades negras que atuam no enfrentamento do racismo e incorreções que ocorrem dentro do sistema de Justiça Criminal no Brasil.

O edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça, apresenta-se como uma oportunidade para a população negra fortalecer estratégias de ativismo, resistência e resiliência frente às injustiças raciais recorrentes, envolvendo e engajando comunidades, vítimas, sobreviventes e aliados. “O Vidas Negras integra o Programa Equidade Racial e Justiça do Fundo Baobá e surge inserido neste contexto de garantia à vida e promoção do direito à dignidade para a população negra. Sua implementação reitera a urgência da pauta e uma oportunidade de fortalecimento das organizações em suas ações de resistência e resiliência ao racismo sistêmico”, afirma Fernanda Lopes, diretora de programa do Fundo Baobá.

O Vidas Negras: Dignidade e Justiça contou com três fases. Na primeira etapa,  inscreveram-se 124 organizações. Das propostas apresentadas, 84 respondiam a todos os critérios  de inclusão  e foram para a segunda etapa.  

Na segunda etapa da seleção, as propostas  foram analisadas  por especialistas, com base nos critérios de relevância, coerência, consistência e sustentabilidade, entre outros descritos no edital. Como parte da estratégia de fortalecimento de capacidades, todas as organizações cuja proposta foi analisada por especialistas receberam uma devolutiva, por meio de parecer técnico e recomendações. Os pareceres técnicos foram ainda encaminhados para o  comitê selecionador, responsável pela etapa final de seleção.  

Foram indicadas para a terceira etapa 24 propostas das cinco regiões do país. Nesta fase as organizações  participaram de um painel de entrevistas conduzido por especialistas e membros da governança do Fundo Baobá para Equidade Racial. Cada organização selecionada preparou uma apresentação, com até 10 minutos de duração, falando sobre a sua iniciativa e, em seguida, seus representantes responderam a um conjunto de perguntas. Todas as entrevistas ocorreram de forma virtual, com duração de 50 minutos.

As entrevistas foram realizadas considerando o eixo temático escolhido pela organização e cada eixo contava com 2 ou 3 entrevistadores(as). A coordenadora de Políticas de Promoção de Igualdade de Gênero e Raça do Instituto Geledés da Mulher Negra, Maria Sylvia Aparecida Oliveira, integrou o comitê selecionador do eixo Enfrentamento à violência racial sistêmica: “Foi uma tarefa árdua e sofrida, fazer parte deste comitê, pois todos os projetos que chegaram para nós avaliadoras e avaliadores são extremamente consistentes, extremamente relevantes para o combate ao racismo estrutural, institucional e para formação nas comunidades onde foram pensados”.

Quem também relatou ser desafiador participar do comitê, pelo grande número de excelentes iniciativas, foi a mestra em Ciências Sociais, advogada e atriz, Dina Alves, que integrou a equipe do eixo Enfrentamento ao encarceramento em massa entre adultos e jovens negros e redução da idade penal para adolescentes: “Torna-se cada vez mais urgente e essencial, políticas públicas efetivas aliadas a ações que fortaleçam organizações negras que trabalham para garantir acesso a direitos historicamente interditados da população negra privada da liberdade”. Dina aproveita para salientar o atual contexto pandêmico, no qual a situação das mulheres chama a atenção para suas especificidades nos horrores das prisões: “O apagamento estratégico da condição de gênero é ainda mais devastador e catastrófico neste cenário. Isso porque a subnotificação e ausência de dados sobre as mulheres encarceradas já é um dado importante para diagnosticar a insidiosa persistência do sistema racista e patriarcal”. No fim, Dina Alves frisa que houve muitos projetos com propostas inovadoras sobre a emergência do debate sobre o fim das prisões a alternativas de resistências subterrâneas elaboradas no cotidiano do cárcere por mulheres que já atuam no sistema prisional: “Apoiar essas organizações negras, protagonizadas por mulheres, sobreviventes do sistema prisional, familiares, com aporte financeiro, suporte técnico e fortalecimento institucional são condicionantes que fortalecem suas ações no enfrentamento ao racismo, à violência sistêmica e às injustiças que o sistema de justiça produz”.

Quem também participou do mesmo eixo foi a advogada, especialista em mediação de conflitos e facilitadora de justiça restaurativa, Marina Dias, que fez questão de ressaltar a importância da realização de um edital como o Vidas Negras: Dignidade e Justiça, para o enfrentamento da violência racial sistêmica, assim como a atuação fundamental das organizações: “Me foram trazidas propostas muito consistentes e que estão dialogando de maneira bastante interessante e profunda com relação ao tema do encarceramento em massa. São organizações que estão diretamente trabalhando no território para enfrentar essa realidade e também são organizações que já possuem uma trajetória nesse campo. Então foi muito importante a realização deste edital para transformação dessa realidade e eu me senti muito feliz de poder colaborar com esse processo”.

A graduanda em direito, monitora das disciplinas de Sociologia Geral e Assessoria Jurídica Popular na FND/UFRJ e do curso de extensão Promotoras Legais Populares, liderança comunitária na Baixada Fluminense, Thuane Nascimento atuou no comitê através do eixo Proteção Comunitária e Promoção da Equidade Racial e reconhece o alcance que o Fundo Baobá teve com o seu edital: “Uma coisa que o Baobá conseguiu fazer com este edital, foi chegar ao Brasil inteiro, em projetos diversos e diferentes, todos com muita potencialidade, com temáticas muito interessantes e que partem a partir da territorialidade, justamente o eixo que eu fiquei”. Outro ponto que Thuane destaca sobre o Vidas Negras, é a rede que foi construída entre os participantes: “Para além do apoio financeiro, uma coisa muito interessante que a organização vai fornecer é essa rede de contato entre os movimentos. Trata-se de um incentivo muito interessante e eu acredito que esse apoio vai ser essencial para enfrentamento da violência racial”, finaliza.

Integraram também o comitê selecionador, membros da governança do Fundo Baobá: Lindivaldo Júnior (historiador com pós-graduação em Política e Gestão Cultural), Trícia Calmon (cientista social e mestranda em Gestão Social e Desenvolvimento) e Felipe Freitas (doutor em Direito, Estado e Constituição), todos do estado da Bahia.

Além de membros externos: Monica Oliveira (assessora parlamentar na Juntas Codeputadas), do Pernanbuco e Thula Pires (doutora e mestra em Direito Constitucional e Teoria do Estado; Professora do Departamento de Direito da PUC-Rio; Coordenadora Geral do NIREMA – Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente – e professora visitante Jr. no African Gender Institute, University of Cape Town), do Rio de Janeiro.

Embora no edital estivessem previstos 10 apoios, em consenso com a instituição financiadora, optou-se por ampliar o número de organizações. Ao todo foram selecionadas 12 iniciativas, divididas pelos seguintes eixos:

a) Enfrentamento à violência racial sistêmica: 2 

b) Proteção comunitária e promoção da equidade racial: 4

c) Enfrentamento ao encarceramento em massa entre adultos e jovens negros e redução da idade penal para adolescentes: 3

d) Reparação para vítimas e sobreviventes de injustiças criminais com viés racial: 3

Todas as organizações selecionadas vão receber um aporte financeiro de R$100.000 (cem mil reais), além de assessoria e suporte técnico para o fortalecimento institucional. Elas terão 12 meses para execução dos projetos propostos, incluindo prestação de contas final.

Os próximos passos são: 

16 de setembro, das 15h às 17h – encontro virtual de orientação para todas aa organizações selecionadas

23 de setembro a 8 de outubro –  jornada formativa 1 (aulas virtuais assíncronas, com certificação)

1 a 8 de outubro –  assinatura de contrato (por meio eletrônico) 

15 de outubro – pagamento da 1ª parcela do contrato (após conclusão e apresentação de certificado da jornada formativa 1)

Agora acesse o link que leva à lista das organizações negras selecionadas no edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça.

Dia da Mulher Negra: a potencialização do poder negro e feminino

No dia 25 de julho é celebrado no país o Dia da Mulher Negra. A data foi instituída no ano de 2014, juntamente com o Dia Nacional de Tereza de Benguela, líder do Quilombo do Quariterê em Mato Grosso no século 18. A história conta que, sob a sua liderança, a comunidade do Quariterê, que abrigava mais de 100 pessoas, com destacada presença de negros e indígenas,  resistiu à escravidão por duas décadas.

Tereza de Benguela, líder do Quilombo do Quariterê em Mato Grosso no século 18

Para a doutora em História, professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), escritora e liderança apoiada do Programa de Aceleração e Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, Giovana Xavier, o dia 25 de julho é uma data muito importante porque oficializa o direito humano e o dever patriótico de celebrar a história de mulheres negras, além de suas ideias, emoções e projetos políticos: “Aprendi com a professora Ida Mara Freire um saber precioso: ‘ao celebrar saímos do automático’. Assim, o 25 de julho é o desvio de um olhar automático de inferioridade e objetificação para um olhar vivo, essencial para a missão de restituir a humanidade negada a mulheres negras pelo Estado brasileiro”.

Giovana acredita que este novo olhar impacta todos os grupos raciais: “Pois ao enxergar mulheres negras pelas vias do brilho, criatividade e protagonismo, transformamos positivamente as relações de ensino-aprendizagem, pesquisa científica, relações pessoais e política institucional”.

Giovana Xavier, historiadora, doutora em História, professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), escritora e liderança apoiada do Programa de Aceleração e Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco

Entretanto, em um país com 56,4% da população autodeclarada negra (preta e parda) e onde as mulheres negras representam 27,8% da população brasileira (IBGE), ainda há um longo caminho para inserção deste grupo em espaços de poder e tomada de decisões. Giovana acredita que a figura e a história de Tereza de Benguela seja inspiração para outras mulheres negras: “Quando pensamos que, apesar dos indiscutíveis avanços, mulheres negras permanecem sub-representadas em espaços estratégicos de decisão como a ciência e a política institucional, a sua história é inspiradora, pois alude literalmente ao fato de que nossos passos vêm de longe.”

Para explicar a grandeza de Tereza de Benguela, Giovana faz questão de recorrer à reflexão feita pela assistente social e coordenadora geral da Ong Criola, Lúcia Xavier, sobre “sujeito político, mulher negra”: “Tereza é a materialização deste sujeito político, pois definiu nos próprios termos os sentidos de ser mulher e negra. Sentidos estes ligados à autonomia, coragem, governança, que foram combustíveis para colocar em prática o sonho da liberdade para a comunidade negra no Quilombo do Quariterê em Mato Grosso no século 18”.

História não contada

No ano de 2003, foi instituída a lei 10.639, que inclui no currículo oficial da rede de ensino do país a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. Porém, mesmo com essa lei, histórias de mulheres negras como Tereza de Benguela, Maria Felipa, Dandara dos Palmares, Luísa Mahin, entre outras, seguem desconhecidas. Para a historiadora Giovana Xavier, existe uma grande diferença entre história desconhecida e história não contada: “As histórias destas mulheres podem até não ser contadas associadas aos seus nomes nos espaços formais de educação, o que, sem dúvida, é uma grande injustiça. Mas para expandir os horizontes, também é importante considerar que seus legados fazem-se presentes na maioria das famílias das classes trabalhadoras brasileiras, chefiadas por mulheres negras que mantêm viva a tradição de liderança em casa, ativismo político em comunidades, criação de definições de cuidado e maternidade, alinhados às suas experiências de vida e leituras de mundo.”, finaliza.

O nascimento do Dia da Mulher Negra no Brasil e a concretização da Marcha das Mulheres Negras

É importante ressaltar que o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, instituído e celebrado no Brasil desde 2014, é inspirado no Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha. O reconhecimento desta data surgiu após o 1º Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas realizado entre os dias 19 a 25 de julho de 1992, em Santo Domingo, na República Dominicana, no qual levaram ao evento discussões sobre os diversos problemas e alternativas de como resolvê-los. A partir desse encontro nasceu a Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-Caribenhas.

Quem participou deste encontro em Santo Domingo foi a historiadora, mestre em Educação, coordenadora executiva do Odara Instituto da Mulher Negra e do Fórum de Promoção de Igualdade Racial (FOPIR), também secretária-executiva da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras, Valdecir dos Santos Nascimento, que faz questão de frisar a principal motivação da sua participação e de outras mulheres negras brasileiras neste encontro: “Nós nos organizamos em 1992 e fomos à Santo Domingo para protestar contra as celebrações dos 500 anos do Descobrimento da América. Nós somos um movimento em ressonância ou consonância com toda a conjuntura local, nacional e internacional. Portanto, a nossa participação não foi apenas por uma incidência contra a violência doméstica ou até mesmo contra o racismo, mas sim uma incidência contra um modelo que escravizou e colonizou os povos da América e os povos africanos que foram trazidos para cá”.

Valdecir dos Santos Nascimento, historiadora, mestre em Educação, coordenadora executiva do Odara Instituto da Mulher Negra e do Fórum de Promoção de Igualdade Racial (FOPIR) e secretária-executiva da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) – Photo: UN Women/Ryan Brown

A Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) começou a dar os primeiros passos nos anos 1990, mas ela se consolidou em 2000, para fortalecer a participação das mulheres negras na 3ª Conferência Mundial Contra o Racismo, organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e realizada em Durban, na África do Sul, em 2001. “Nós sempre atuamos no Brasil, no entanto não estávamos atuando de forma tão organizada, com uma articulação nacional. A partir deste momento, nós começamos a não apenas pautar questões prioritárias, mas como também a mobilizar esses debates em torno das organizações de mulheres negras no Brasil”, afirma Valdecir.

Para a secretária executiva, o marco histórico da AMNB e um importante acontecimento para potencialização das organizações de mulheres negras, foi a 1ª Marcha das Mulheres Negras, que teve toda a sua articulação em 2013, mas foi realizada no dia 18 de novembro de 2015, reunindo cerca de 100 mil mulheres em Brasília. “A Marcha com sua organicidade e com a sua clareza de quais são os próximos passos que ela vai demarcar, tornou-se um espaço político de qualidade de incidência política e de visibilidade do movimento de mulheres negras.”

1ª Marcha das Mulheres Negras em 2015

Hoje, olhando para trás, vendo a sua participação na 1º Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas em Santo Domingo, que gerou o Dia da Mulher Negra, além da sua atuação na AMNB que anos depois consolida na Marcha das Mulheres Negras, Valdecir enxerga avanços significativos: “Depois de todas essas ações, nós vimos aumentar o número de mulheres negras candidatas a cargos eletivos, o que nos mostra uma crescente. Mesmo que a eleição de 2020 não tenha expressado o número de concorrentes, de uma forma ou de outra você vai perceber que o número de mulheres trans e cis negras eleitas, começa a fazer pressão na sociedade brasileira”. A fala de Valdecir afirma a informação do Tribunal Superior Eleitoral, a respeito das eleições municipais de 2020. Em números totais, 84.418 mulheres negras foram candidatas a vereadoras em 2020, mas apenas 3.634 foram eleitas, representando 6% nas câmaras municipais.

A força da mulher negra

A ativista Angela Davis tem uma famosa frase que diz “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se move com ela”, Valdecir faz coro à frase da norte-americana, ressaltando que não existiria movimento negro no Brasil sem a articulação das mulheres negras: “O movimento negro brasileiro é conduzido pelas mulheres negras, não tem como solapar o nosso protagonismo. É o movimento mais organizado no país, porque você tem quase todos os segmentos de mulheres negras organizadas, você tem jovens negras feministas, você tem ialorixás organizadas, mulher trans, além de mídia negra com o protagonismo de mulheres negras, produção literária, entre outras. Então, olhando o Brasil e essa mobilização de sujeitas políticas da nossa própria história, ela ganha cada vez mais força”.

A própria criação do Dia da Mulher Negra no Brasil, no dia 25 de julho, em 2014, Valdecir, atribui a essa força: “O Dia de Tereza de Benguela foi instituído porque o nosso movimento se apresenta como uma força política que precisa ser reconhecida, então essa data é evidência de que nós mulheres negras estamos atuando de forma qualitativa para mudança dessa nação”.

Justamente neste contexto, que a historiadora Giovana Xavier escreveu o livro Você pode substituir mulheres negras como objeto de estudo por mulheres negras contando sua própria história que, segundo a própria autora, tem a premissa de fazer as mulheres negras pensarem e refletirem sobre suas experiências e organizarem as suas ideias: “Lendo isso, parece óbvio, mas no dia a dia costuma ser desconsiderado uma vez que vivemos em um país no qual vigora uma história única da intelectualidade. Gosto de associar o livro, e todo o meu trabalho científico, à oferta de uma alternativa epistemológica na qual mulheres negras ocupam o centro e conduzem a análise”.

Livro de autoria de Giovana Xavier

Isso faz Valdecir Nascimento relembrar a carta escrita pela organização da Marcha das Mulheres Negras, em 2015, apresentando o evento e mostrando a força da mulher negra: “Na carta nós escrevemos ‘nós não queremos reivindicar, nós estamos generosamente apresentando para vocês as possibilidades de fazer um outro Brasil’. Nós, mulheres negras, apresentamos para o Brasil uma estratégia e uma perspectiva de um outro projeto de nação onde a igualdade e a equidade sejam os pontos que estruturem as relações neste país”, finaliza.

Por que celebramos hoje o Dia Internacional das Pessoas Afrodescendentes?

Por Vinícius Vieira

Hoje, dia 31 de agosto de 2021, celebramos pela primeira vez o Dia Internacional das Pessoas Afrodescendentes. A data é uma iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU), como forma de relembrar a célebre 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, organizada por ela entre os dias 31 de agosto e 8 de setembro de 2001, na cidade de Durban, na África do Sul.

Celebrando 20 anos na presente data, a Conferência de Durban teve a participação de 173 países e 4 mil ONGs. No final do encontro, dois documentos foram gerados como forma de aplicar políticas públicas de combate ao racismo em todo o mundo: a Declaração de Durban e o Programa de Ação.

3ª Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, organizada, em 2001, na cidade de Durban, na África do Sul

O Brasil esteve presente na Conferência. A sociedade civil negra organizada, em especial as mulheres negras, tiveram papel fundamental. O país não só é signatário de suas resoluções, como compôs a relatoria oficial do evento. Para o doutorando em Saúde Coletiva (PPGSCM/IFF/Fiocruz), mestre em Políticas Públicas em Direitos Humanos (UFRJ), psicólogo, pesquisador da Fiocruz e coordenador do Plano Fiocruz de Enfrentamento à Covid-19 nas Favelas do Rio de Janeiro, Richarlls Martins, a participação do país na Conferência trouxe avanços significativos: “A Conferência de Durban é um marcador histórico no âmbito global e especialmente aqui no Brasil, trazendo pautas relacionadas à promoção da equidade racial e de enfrentamento ao racismo”. 

Richarlls Martins, doutorando em Saúde Coletiva (PPGSCM/IFF/Fiocruz), mestre em Políticas Públicas em Direitos Humanos (UFRJ), psicólogo e professor do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Algumas das pautas defendidas pelo movimento negro no final dos anos 80 e na década de 90 foram reforçadas em Durban e convertidas em políticas públicas: a utilização do critério de autodeclaração de cor/raça nos censos demográficos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e as políticas afirmativas para inclusão de pessoas negras no ensino superior, como o sistema de cotas em instituições públicas e o Programa Universidade para Todos (ProUni). Com a visibilidade estatística, cuja importância foi tão ressaltada na Conferência Mundial, sabemos hoje que a maioria da população brasileira é negra, representando 54,6% e que, em 2018 negros  passaram a representar 50,3% dos estudantes do ensino superior da rede pública.

Entretanto, 20 anos depois, mesmo com todas estas conquistas simbólicas, a realidade da população afrodescendente ainda está longe do ideal. As desigualdades seguem pujantes e fazendo vítimas. Em junho, a mesma ONU da Conferência de Durban divulgou um relatório especial de Promoção e proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais das pessoas africanas e afrodescendentes contra o uso excessivo da força e outras violações dos direitos humanos por agentes policiais. O documento foi apresentado à Assembleia Geral pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos e aprovado após o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos, que deflagrou uma série de protestos no mundo e popularizou um brado: “Vidas Negras Importam”.

A premissa do documento é desconstruir culturas de negação, desmantelar o racismo sistêmico e acabar com a impunidade para as violações dos direitos humanos por parte de agentes policiais. O Brasil é um dos países que mais tem mortes de pessoas negras por policiais, o próprio relatório cita um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública no qual a taxa de mortalidade em 2019, devido a intervenções policiais, foi 183,2% maior para pessoas afrodescendentes do que para pessoas brancas. O mesmo estudo foi realizado em  2020 e mostrou que 78% dos mortos pela polícia eram negros. 

O relatório da ONU ainda cita os assassinatos de Luana Barbosa dos Reis Santos, que foi morta na frente do seu filho de 14 anos, na cidade de Ribeirão Preto (SP), e do jovem João Pedro Mattos Pinto, que foi assassinado dentro de casa em uma ação policial no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (SP).

Luana Barbosa dos Reis Santos e João Pedro Mattos Pinto

Segundo Richarlls, tudo se trata de um processo histórico de violação de direitos: “Tivemos avanços significativos em algumas áreas setoriais, mas a grande dificuldade desse processo se dá na temática de garantia de direito à vida da população negra. Tudo isso está enraizado no processo histórico de violação dos direitos da população negra, a partir de um processo secular de escravização, que ainda quer permitir o flagelo sobre o corpo negro”. Inclusive, Richarlls faz questão de mencionar que o momento político e econômico atual, além da grande crise sanitária, derivada da pandemia do novo coronavírus, impactou diretamente na vida da população afrodescendente brasileira: “Nos últimos três anos nós tivemos um retrocesso, começando pela perda do ministério da igualdade racial, havendo uma defasagem no âmbito da governança das políticas públicas. Hoje nós temos uma ampliação da extrema pobreza na população negra, além do aumento de desemprego e da violência letal contra afrodescendentes”.

Por reconhecer os impactos do racismo na vida e no desenvolvimento de afrodescendentes, a ONU instituiu de 2015 até 2024 a Década Internacional de Afrodescendentes, sendo uma ocasião para promover maior conhecimento, valor e respeito às conquistas da população afrodescendente e às suas contribuições para a humanidade, além de promover o respeito, proteção e a concretização de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, conforme reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Década Internacional dos Afrodescendentes: 2015-2024

Richarlls diz que é preciso aproveitar essas ocasiões para trazer visibilidade para a luta afrodescendente: “O nosso país precisa ser alvo de solidariedade global. Especialmente no que diz respeito à pauta de ampliação e defesa dos direitos da população negra”.

Aliança entre Fundos: Conheça a iniciativa inédita no campo da filantropia do sul global

Por Vinícius Vieira

No dia 26 de agosto, aconteceu o evento virtual que discutiu os “Impactos da COVID-19 e a filantropia para a justiça social no Brasil”, que também marcou o lançamento da Aliança Entre Fundos, uma iniciativa surgida a partir da mobilização comunitária pela justiça racial, social e ambiental, propondo um novo modo de atuação no ecossistema da filantropia no Brasil: a filantropia colaborativa para a justiça social.

Integram esta iniciativa inédita o Fundo Baobá para Equidade Racial, o Fundo Brasil Direitos Humanos e o Fundo Casa Socioambiental. Juntos, os três Fundos irão fazer um aporte inicial de R$ 2,5 milhões, distribuídos em diferentes editais. A grande novidade é o modo de atuação no ecossistema da filantropia no Brasil. Esta é a primeira vez que três Fundos se reúnem para promover o maior aporte de recursos diretos para os povos indígenas e as comunidades quilombolas mais vulnerabilizadas pela pandemia.

O Fundo Baobá, que celebra dez anos de atividades em 2021, é o primeiro e único Fundo no país dedicado à promoção da equidade racial. A organização realizou no ano de 2020, cinco editais inseridos no contexto da Covid-19, entre eles o “Apoio Emergencial para Ações de Prevenção ao Coronavírus”, que apoiou 350 projetos (215 de indivíduos e 135 de organizações) de comunidades vulneráveis, mulheres, população negra, idosos, povos originários e comunidades tradicionais. Acerca das comunidades quilombolas, este edital apoiou 17 iniciativas de organizações quilombolas e 16 projetos de pessoas que moram em quilombos. 

O Fundo Brasil Direitos Humanos é uma fundação independente e sem fins lucrativos, formada no ano de 2006 e que atua promovendo o respeito aos direitos humanos no país, criando mecanismos sustentáveis, inovadores e efetivos para fortalecer organizações da sociedade civil e para desenvolver a filantropia de justiça social. No dia 8 de abril, a organização lançou o edital “Fundo de Apoio Emergencial: Covid-19”, que atendeu 271 pedidos de organizações, grupos e coletivos que atuaram no enfrentamento às consequências da pandemia junto às suas comunidades.

O Fundo Casa Socioambiental é uma organização que atua desde 2005 e busca promover a conservação e a sustentabilidade ambiental, a democracia, o respeito aos direitos socioambientais e a justiça social por meio do apoio financeiro e fortalecimento de capacidades de iniciativas da sociedade civil na América do Sul. As suas ações voltadas para o combate da Covid-19 resultou em uma série de parcerias, principalmente em defesa dos povos indígenas, diante do contexto pandêmico, como a campanha do “Fundo de Emergência da Amazônia”, que foi criada justamente para canalizar fundos diretamente para as comunidades indígenas que enfrentam o novo coronavírus na floresta amazônica.

A Iniciativa da Aliança entre Fundos foi impulsionada pelo reconhecimento da atuação e do protagonismo dos povos indígenas, da população quilombola e das organizações de base comunitária diante da pandemia da COVID-19. Antes individualmente e agora unidos, os Fundos atuam na construção de convocatórias para o apoio a ações de grupos, organizações e/ou indivíduos que visem enfrentar os impactos da pandemia.

Selma Moreira, diretora-executiva do Fundo Baobá para Equidade Racial, salienta a importância da aliança inédita entre os três Fundos, ao atender diretamente as comunidades mais vulneráveis: “Decidimos nos voltar para essas comunidades de povos tradicionais, que têm mais dificuldade para acessar esse tipo de recurso. E também resolvemos trabalhar juntos nessa operação por causa da pandemia. Há muitos recursos, mas também muita disputa por eles”.

Selma Moreira, diretora-executiva do Fundo Baobá para Equidade Racial

“A luta por direitos é coletiva e, portanto, incentivar e viabilizar o trabalho em rede no campo dos direitos humanos é uma estratégia central na atuação do Fundo Brasil”, diz Allyne Andrade, superintendente adjunta do Fundo Brasil de Direitos Humanos. “Por isso, faz muito sentido para nós que as fundações criem metodologias de apoio conjunto às organizações e grupos ativistas. Essa é uma parceria que fortalece todas e todos nós.”

Allyne Andrade, superintendente adjunta do Fundo Brasil de Direitos Humanos

Já a fundadora e diretora de desenvolvimento estratégico do Fundo Casa Socioambiental Maria Amália Souza, afirma que a organização nasceu e sempre funcionou a partir de alianças, parcerias e uma enorme rede de confiança. “Para atuar em territórios complexos e levar recursos para as mãos dos verdadeiros guardiões planetários, é preciso trabalhar junto. Portanto, a Aliança entre Fundos é uma realização importantíssima, pois viabiliza uma coordenação ímpar no campo da filantropia para a justiça social, onde trabalharemos de forma coordenada para ampliar nosso impacto coletivo na sociedade como um todo”.

Maria Amália Souza, fundadora e diretora de desenvolvimento estratégico do Fundo Casa Socioambiental

Os editais de cada uma das instituições que compõem a Aliança Entre Fundos, serão lançados em Setembro.

 

Vida Quilombola – Respeitar, reivindicar e se impor para ter respeito

Por Wagner Prado

No mês de julho entrevistamos duas líderes quilombolas: Selma Dealdina, secretária executiva da Coordenação Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e Luiza Cavalcante Santos Dias, do Sitio Agatha, na Zona da Mata, em Pernambuco. Uma conversa rica, de muito aprendizado sobre a vida nos quilombos. Nesta edição, a conversa será com o Jhonny Martins de Jesus, quilombola com origem na comunidade de Furnas do Dionísio em Jaraguari/MS e que atualmente reside no Quilombo Salinas, em Campinas do Piauí (PI), estudioso da vida nos quilombos, outra importante figura entre essa rica comunidade 

Quais as principais reivindicações da comunidade quilombola hoje?
Acesso à terra (titulação), educação, saúde com o enfrentamento ao COVID e vacina para todos/as quilombolas. Apoios com projetos que gerem renda e emprego nos quilombos. 

Que barreiras impedem chegar a essas reivindicações?
O racismo estrutural e institucional e o sucateamento das políticas públicas são algumas das barreiras impostas aos quilombolas.  O Estado brasileiro, com suas estruturas e posturas racistas, é um entrave, uma vez que a política quilombola é vista como uma política de governo e não de Estado. Para atender a algumas poucas reivindicações exigidas pelo movimento quilombola, precisamos recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), como foi o caso recente do COVID em territórios quilombolas. 

Jhonny Martins de Jesus, liderança quilombola no Quilombo Salinas, em Campinas do Piauí (PI)

Como está a questão do não reconhecimento das terras quilombolas?
Nossa maior reivindicação é a titulação dos territórios quilombolas. São 1.767 processos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). São 2.819 quilombos certificados e 3.475 quilombos identificados no Brasil. A CONAQ estima que existam no país 6.300 quilombos. São 134 territórios quilombolas titulados; 47 territórios quilombolas parcialmente titulados. Sem a garantia definitiva dos nossos territórios, continuaremos a sofrer com as violações do Estado brasileiro.

Você se considera um estudioso da vida e da cultura quilombola?
Sou um estudioso da vida e da cultura quilombola e também sou um agricultor quilombola.

Que ensinamentos o modo de vida quilombola pode trazer para homens e mulheres neste quase ¼ do século 21?
Aprendemos com nossos ancestrais a lutar pela garantia dos nossos territórios, a viver em coletividade, cuidando da terra, da água, das pessoas que no quilombo vivem, guardando os conhecimentos ancestrais. A prendemos a lidar com as plantas medicinais, a produzir e manter a cultura e a tradição quilombola, mas também a fazer o enfrentamento ao racismo,  que em pleno Século 21 precisamos denunciar, numa sociedade que viola os corpos negros, que não titula os territórios quilombolas. Vivemos numa reflexão mútua em aprender e ensinar sobre nosso modo de viver e fazendo com que a sociedade conheça a história do Brasil. Para isso, precisam saber que ainda existem sim, quilombos neste país.    

Quilombo Salinas, em Campinas do Piauí (PI)

No contexto da Pandemia, os quilombolas deixaram de ser priorizados?
No dia 9 de setembro de 2020, a CONAQ, juntamente com entidades que apoiam a luta quilombola, e partidos políticos, protocolou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 742 (ADPF), que reconheceu o direito à implementação de medidas específicas para combate à COVID, diante da vulnerabilidade social das comunidades, agravada pela pandemia. Isso não se restringiu à vacinação, mas também a materiais de higiene; promoção de testagens; logística para acesso a leitos hospitalares; garantia do acesso à alimentação; à água potável e falta de efetivação do direito à terra. Esses foram alguns dos elementos abordados pela ADPF.

Saiba mais sobre a ADPF

A contribuição negra para a Comunicação no Brasil

Por Vinícius Vieira

No dia 5 de agosto, estreou nos principais cinemas do país o filme Doutor Gama, que narra a trajetória de Luiz Gama, líder abolicionista. A vida de Luiz Gama já foi abordada pelo Fundo Baobá em uma matéria especial, mas é importante salientar que Gama foi uma figura importantíssima para a modernização da Comunicação no país. No ano de 1864, o advogado e jornalista fundou o primeiro jornal ilustrado humorístico da capital paulista, o Diabo Coxo, considerado algo inovador para a época.

Diabo Coxo – Jornal ilustrado idealizado por Luiz Gama

Para Edson Cardoso, jornalista, mestre em Comunicação Social, doutor em Educação e membro do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, há um grande apagamento da história de pessoas negras que contribuíram para o avanço da Comunicação no país, assim como foi Luiz Gama: “José do Patrocínio, outro grande nome do século XIX, é considerado um dos maiores jornalistas que o país conheceu”, relembra Edson. “Mas, além dos indivíduos que se destacaram por seus méritos numa realidade adversa e hostil, há uma imprensa negra vinculada ao coletivo de associações e entidades, que diz respeito aos esforços de organização política”, completa.

José do Patrocínio, jornalista e abolicionista

Foi justamente com a premissa de valorizar e preservar a memória negra brasileira, que nasceu das mãos de Edson Cardoso o Irohin, que surgiu no ano de 1996, como um jornal impresso e hoje é um centro de memória e documentação da história negra, além do projeto de uma biblioteca. O nome Irohin é uma palavra de origem Iorubá que significa notícia. O seu criador considera o Irohin um projeto de maturidade: “Antes do Irohin, eu editei o Raça & Classe e o Jornal do MNU (Movimento Negro Unificado), ambos tabloides. Na revista da UnB (Universidade de Bahia), Humanidades, eu era um faz-de-tudo, com o nome três vezes no expediente, e sou também o editor convidado em 1988 para o número do Centenário da Abolição”, sendo que neste último, Edson contou com a colaboração de Lélia Gonzales, Luíza Bairros, Helena Teodoro, entre outras personalidades negras. “No Irohin, tive oportunidade, finalmente, de coordenar um projeto que envolveu muita gente jovem talentosa, num momento de enfrentamento decisivo como foi a luta pela legitimidade das ações afirmativas. Eu já tinha o mestrado em Comunicação, mas a minha aprendizagem foi lenta e acidentada, fora da escola. O projeto de valorização da memória era, em princípio, valorização da memória do Irohin”, conta Edson, que também afirma que aos poucos vai incorporando outras dimensões no projeto.

Edson Cardoso, jornalista, mestre em Comunicação Social, doutor em Educação e membro do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá

Quando se fala em resgate de memória, automaticamente pensamos em personalidades renomadas, porém Edson salienta a importância de registrar e contar memórias de pessoas comuns: “é justamente no cotidiano das nossas comunidades que vamos encontrar o rico patrimônio de uma cultura de resistência e continuidade que enfrenta os obstáculos a nossa participação econômica, social e política”. Edson usa como exemplo a história do Valdir Macário, um cabeleireiro que foi brutalmente assassinado em 2016, em seu local de trabalho, em Salvador: “Valdir era referência comunitária importante, uma perda inestimável. Exatamente por isso que eu tenho insistido, em várias intervenções, de que nós devemos valorizar mais as estratégias de sobrevivência utilizadas pela população negra. Sempre estivemos por nossa própria conta, sobrevivemos por nossa própria conta. Os recursos públicos, as políticas públicas, seletivas e orientadas pelo racismo, foram responsáveis pelo aprofundamento das desigualdades raciais. Portanto, é preciso que retornemos à nossa comunidade, sempre. Para nos convencermos de que nada nos é impossível.

Valdir Macário, “Valdir Cabeleireiro”, assassinado em 2016 na Bahia

157 anos depois da fundação do primeiro jornal ilustrado, pelas mãos de Luiz Gama, hoje temos um avanço significativo de pessoas negras na Comunicação. Se por um lado celebramos a presença da jornalista Maju Coutinho como âncora do jornal com maior duração da emissora mais popular do país, Edson faz questão de frisar que no país dos 56,4% da população negra, segundos dados do IBGE, a TV brasileira se comporta como um selo colonial: “Quando você examina um selo de Angola e Moçambique emitidos por Portugal, que era a matriz colonial, a imagem representada no selo era portuguesa. Angola e Moçambique, invisíveis, eram representados por imagens portuguesas, com despudor e arrogância”, diz o jornalista que ainda cita Muniz Sodré para concluir o pensamento: “Ele disse que a TV brasileira, para o negro, era como o espelho para o vampiro. Não reproduzia sua imagem, tal qual como os selos coloniais”, completa.

Mesmo que a representatividade seja pequena, Edson Cardoso acredita que é importante valorizar todas as conquistas: “Quando falamos em avanço, falamos em pequenas mudanças nesse quadro de violência brutal. Há um longo e tortuoso caminho ainda a ser percorrido, mas todos os passos são importantes. Mesmo os vacilantes e trôpegos, o importante é que a direção é correta”.

Edson ressalta, entretanto, que existem muitos veículos de comunicação e que não podemos ficar limitados apenas à grande imprensa: “Temos que nos debruçar também sobre um rico e diversificado acervo: o frente-e-verso, o panfleto, o informativo, a precária e sofrida edição única, os cartazes. Têm um sentido coletivo, de intervenção política, que nos interessa muito”.

Por fim, Edson, que seguiu a profissão de jornalista tendo como exemplo o pai que era tipógrafo, acredita que o essencial para a juventude negra que quer trilhar no caminho da Comunicação é se engajar no esforço coletivo que atravessa gerações: “Tenho esperanças de que a produção intelectual e o avanço das pesquisas conduzidas por intelectuais comprometidos trarão mais luz para os embates que travamos no campo decisivo da Comunicação”.

10 Anos do Baobá: Após uma década de atuação, Fundo lança olhar para o futuro

Martha Rosa, professora e doutora em História, e Giovanni Harvey, presidente do Conselho Deliberativo do fundo, falam sobre o tema

Por Wagner Prado

A comemoração dos 10 anos de atividades do Fundo Baobá para Equidade Racial coloca, à equipe de governança da instituição, questionamentos. Alguns deles: Como serão os próximos 10 anos? Como expandir? Como ser a melhor opção para os doadores? Como será a atuação política? Internacionalizar-se ou manter-se local? 

Algumas dessas questões foram colocadas para a historiadora e professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Martha Rosa Queiroz, e para o presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, Giovanni Harvey. Para se ter o olhar no futuro é importante se voltar para o passado, talvez a maior fonte de aprendizado visando um bom planejamento. 

O primeiro aspecto abordado por ambos é quanto aos próximos desafios para o Baobá. Para a professora Martha Rosa, ter forte presença nas capitais e cidades do Nordeste é tão fundamental quanto ter voz atuante a partir de estados nordestinos, notadamente alguns dos quais as populações mais sofrem com questões de desigualdade econômica no Brasil. “O mais  importante é se firmar como uma voz política em defesa da equidade racial e do combate ao racismo e efetivar sua inspiração primeira de falar a partir do nordeste.”  Para Giovanni Harvey, o foco está na maior capacidade e independência de atuação do Baobá. “Acho que o desafio que nós temos, nos próximos dez anos, é alcançar a cifra dos R$ 250 milhões de balanço patrimonial para que o Baobá possa ter, de fato, capacidade de incidência maior. Nós podemos dizer isso, sem prejuízo do avanço institucional e sem prejuízo da necessidade de fazer esse debate”, afirma.

Mas mesmo sem ainda ter alcançado a cifra desejada em termos de doações recebidas, que hoje estaria na casa dos R$ 30 milhões, o Baobá já seria, com 10 anos de existência, uma instituição consolidada? Martha Rosa Queiroz afirma que sim: “Do ponto de vista  organizacional, sim. Somos uma instituição bem estruturada e com princípios definidos.  Concebendo a consolidação como um processo constante, o Baobá está  consolidado para perceber, analisar e atender as demandas, que são muitas e atualizadas  cotidianamente”, diz. 

Martha Rosa, historiadora e professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

O presidente do Conselho Deliberativo tem a sua própria visão: “A consolidação ainda não foi alcançada. Nós temos um aspecto institucional, esse aspecto institucional está  ligado ao desenho do Baobá, sua governança, as funções que são necessárias para que o Baobá possa cumprir a sua missão.  Existe o segundo aspecto que é o financeiro, patrimonial, que diz respeito ao quanto esse endowment (balanço patrimonial) dá consistência a que o Baobá possa cumprir as suas atribuições e um terceiro aspecto eu chamaria de mais político-institucional. No institucional, temos um desenho evoluído e estamos próximos da consolidação, com uma assembleia geral, um conselho fiscal, um comitê de investimento. Eu diria que nós avançamos bastante nesses dez anos e que sobre esse ponto de vista o Baobá está mais próximo da consolidação do que nos outros aspectos.”

Analisando o Brasil com o olhar progressista, o que se enxerga é um retrocesso em termos políticos, o que não facilita uma evolução para quem, como o Fundo Baobá, trabalha com ações afirmativas. A partir desse cenário, ambos, Martha Rosa e Giovanni Harvey, pensam em como deverá ser o trabalho do Baobá caso o cenário político brasileiro siga inalterado. “Será necessário ampliar alianças  com diferentes setores, fortalecer o Movimento Negro  e investir em ações de agenda de autossustentação política e econômica”, afirma a professora Martha Rosa. 

Giovanni Harvey acredita que a estratégia futura, mesmo nesse momento em que, administrativamente, a política brasileira está passando por um período de ruptura,  seja continuar com o mesmo foco no trabalho desenvolvido até aqui. E o motivo é simples: “Não quero dar a esse ciclo de quatro anos da história do Brasil a capacidade de desconstruir o que foi construído em mais de trinta anos (desde a Constituição de 1988). Eu não reconheço a condição de se evitar que a sociedade civil e a iniciativa privada, mesmo sob este Governo, tomem iniciativas que nunca tomaram na história e que essas iniciativas tenham o peso superior ao que eles (Governo) deixaram de fazer nesse momento. Mas, sem dúvida alguma, estamos diante de uma tentativa de desconstrução”, afirma. 

Giovanni Harvey, presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá

O caminho da internacionalização do Fundo Baobá é inevitável na estratégia de arregimentar novos e importantes investidores e fortalecer a relação com quem já se tem dialogado ou com quem o fundo já atua em parceria. 

Finalizando a conversa sobre o olhar para o futuro, Martha Rosa e Giovanni Harvey falam sobre as vantagens de apoiar o Baobá, sendo um pequeno ou grande doador. “Milhões de potencialidades são abortadas sistematicamente no Brasil em função da mentalidade escravocrata  que ainda impera no país.  Investir em um Fundo que enfrenta essa mentalidade significa abrir horizontes infinitos”, diz Martha Rosa.  Giovanni Harvey é contundente: “Não se faz combate ao racismo promovendo o racismo. Então, se eu tenho uma instituição fundada e liderada sob a hegemonia de pessoas negras e outra liderada por pessoas brancas, as duas instituições se propõem a fazer o enfrentamento à discriminação étnico-racial no Brasil, eu vou botar dinheiro na instituição de negros. Então, a condição preliminar,  independentemente do ser o Baobá ou não ser o Baobá, é reconhecer o protagonismo das pessoas negras”, conclui Harvey.

Fundo Baobá na imprensa em Julho

Por Vinícius Vieira

No mês de julho, membros da diretoria do Fundo Baobá foram destaque na imprensa, falando da importância da promoção da equidade racial em nosso país. 

O economista e membro do conselho deliberativo da organização, Elias Sampaio, foi entrevistado na matéria Exclusão racial no topo da pirâmide de renda do Brasil deve aumentar, publicada na Folha de São Paulo, no dia 3, e também compartilhada no portal O Tempo. A reportagem abordou a desigualdade entre negros e brancos mais ricos do país. O IFER (Índice Folha de Equilíbrio Racial) indicou que, em 2019, a população negra representava 54% da população brasileira com 30 anos ou mais, mas apenas 30,4% se encontravam no topo da pirâmide de renda. As projeções mostram que se não houver nenhuma alteração no componente econômico ao longo dos anos, essa fatia de negros no topo da pirâmide pode, ao invés de aumentar,  encolher, chegando a 24% em 2046.

Em sua fala, Elias Sampaio salientou a importância de incluir a questão racial na centralidade das políticas econômicas do Brasil: “A questão racial é o elemento mais importante para se discutir o desenvolvimento brasileiro. É um problema estruturante”.

A diretora de programa do Fundo Baobá, Fernanda Lopes, foi entrevistada na matéria especial Como suas ancestrais, empreendedoras negras driblam dificuldades e criam as próprias oportunidades, publicada no portal Alma Preta. O centro da reportagem é o empreendedorismo de mulheres negras, que têm usado a internet como a principal ferramenta de difusão do seu trabalho. Fernanda falou de estratégias que as afroempreendedoras podem utilizar para criar a própria oportunidade de crescimento: “Buscar informações sobre o seu campo de atuação, e o que as pessoas que atuam no mesmo setor têm realizado para divulgar o trabalho, seus produtos, e o que eles trazem de diferencial. Ou seja: é preciso ter uma visão geral do que estão fazendo, para poder fazer diferente, ou fazer semelhante a ponto de ser percebido”.

Também foi destaque na imprensa no mês de julho o Pacto de Promoção da Equidade Racial, uma iniciativa desenvolvida por um grupo de 140 apoiadores, entre eles, investidores institucionais, empresários, CEOs, representantes do movimento negro, ONGs, pesquisadores, entre outros, que têm a ambição de conseguir, no tempo do crescimento de uma geração, melhorar a educação pública para conseguir obter uma representação mais justa dos profissionais negros no mercado de trabalho. O Fundo Baobá participou da concepção da iniciativa, com contribuições importantes de membros do Conselho Deliberativo e Assembleia Geral. A diretora-executiva do Fundo Baobá, Selma Moreira, foi entrevistada pelo jornal Valor Econômico e falou da importância do Pacto: “É obrigação da geração atual, a fim de reparar as injustiças acumuladas no passado, equilibrar o presente e promover um futuro mais justo e inclusivo”.

O Pacto de Promoção da Equidade Racial foi destaque também no Estadão, Idis e no Bonde

 

Julho das Pretas

O mês de julho é conhecido como o “Julho das Pretas”, em virtude da comemoração do Dia da Mulher Negra e Dia Nacional de Tereza de Benguela, duas organizações apoiadas pelo Fundo Baobá, foram destaque na mídia com a realização de eventos para celebrar o Julho das Pretas. A Rede de Mulheres Negras do Piauí organizou o 3º Encontro Estadual de Mulheres Negras, nos dias 14, 16 e 17 de julho, contando com palestras e discussões sobre intolerância religiosa, feminismo negro, entre outras questões que perpassam a vida de mulheres negras. O evento virtual foi destaque no portal G1 do Piauí e também no portal Pensar Piauí.

Rede de Mulheres Negras do Piauí

O Coletivo Filhas do Vento, de Recife (PE), apoiado no Programa de Aceleração e Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, foi destaque no portal SOS Corpo, com o lançamento do projeto audiovisual sobre pautas feministas negras, contando a trajetória de cinco anos do coletivo. Todo o material disponibilizado pode ser acessado no site oficial das Filhas do Vento.

Coletivo Filhas do Vento – PE

Fechando o mês de julho, no dia 30, aconteceu o lançamento do Dossiê Temático: Mulheres Negras da Paraíba no Contexto da Pandemia da Covid 19, escrito e organizado pela Coletiva de Mulheres Negras na Paraíba – Abayomi. O documento lançado tem como premissa produzir e difundir informações sobre as condições das mulheres negras na Paraíba, no contexto pandêmico, além de estimular os principais setores do Estado a se comprometer com a pauta racial. O evento virtual contou com as autoras colaboradoras, além das participantes do comitê científico do dossiê e da diretora de programa do Fundo Baobá, Fernanda Lopes. O mesmo foi divulgado no G1 Paraíba, no Brasil de Fato, no Jornal Floripa e no portal da Edna Soares.

 

Apoiadas

No campo das apoiadas do Fundo Baobá, em especial do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, a advogada, atriz, doutora em Ciências Sociais pela PUC/SP e liderança apoiada do Programa, Enedina do Amparo Alves, participou da live de abertura do Seminário Estadual Segurança Pública e violência policial: quais corpos são alvos?. A jornalista, co-fundadora da Plataforma Conexão Malunga e pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisa em Análise do Discurso da UFBA, Mariana Gomes, participou do podcast do LeMonde Diplomatique, que falou sobre os resultados do Relatório Direito à Comunicação 2020, produzido pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. Enquanto a mestra em Cultura e Sociedade (UFBA) e fundadora do Commbne, Midiã Noelle, escreveu para o Correio (BA) a coluna Desistir pra continuar seguindo: uma reflexão sobre a pausa de Simone Biles, falando sobre a ginasta norte-americana, que desistiu de competir no jogos olímpicos em Tóquio, para cuidar da saúde mental.

Ainda sobre o Programa Marielle Franco, o Instituto Ibirapitanga, um dos financiadores do edital, ao lado da Fundação Ford, Fundação Kellogg e Open Society Foundations, fez uma matéria especial com quatro lideranças apoiadas pelo programa: Dandara Rudsan, Jenair Alves, Monalyza Alves e o Grupo de Mulheres Lésbicas e Bissexuais Maria Quitéria.

Monalyza Alves e outras três lideranças negras, apoiadas no Programa Marielle Franco, no portal do Instituto Ibirapitanga 

Coluna “Negras que Movem” – Portal Geledés 

Enquanto isso, na coluna Negras Que Movem, publicada no portal do Instituto Geledés da Mulher Negra, com textos e reflexões feitas pelas mulheres negras apoiadas no Programa Marielle Franco, a jornalista e autora do livro-reportagem “Negra Sou: a ascensão da mulher negra no mercado de trabalho”, Jaqueline Fraga escreveu o artigo Precisamos falar sobre as personagens negras em “Salve-se quem puder”.

Enquanto o artigo Resistências! foi escrito em parceria pela assistente social e especialista em gestão pública, Brígida Rocha dos Santos; com a bacharel em Direito, coach de desenvolvimento pessoal afrocentrado, defensora popular, coordenadora cultural e de eventos e integrante do coletivo Juventude de Terreiro Cenarab (MG), Lorena Borges, na companhia das lideranças quilombolas: Emília Carla Costa (Quilombo Santo Antônio dos Pretos – São Luís Gonzaga/MA), Lucimar Sousa Silva Pinto, (Sitio Raízes – Pirapemas/MA) e Tânia Heloísa de Moraes (Quilombo Ostra – Eldorado no Vale do Ribeira/SP).

Aliança entre Fundos é lançada como estratégia inédita no campo da filantropia social no Brasil

Iniciativa reúne Fundos que trabalham pela equidade racial, direitos humanos e sustentabilidade ambiental para enfrentar os impactos da COVID-19 em comunidades tradicionais

Foi lançada nesta quinta-feira (26/08), em um evento online, a Aliança entre Fundos. Trata-se de uma iniciativa inédita e inovadora de filantropia colaborativa no Brasil. A ação reúne três fundos tradicionais no campo da filantropia social: o Fundo Baobá para Equidade Racial, o Fundo Brasil de Direitos Humanos e o Fundo Casa Socioambiental. O objetivo é ampliar a captação de recursos para fortalecer quilombolas e indígenas no enfrentamento dos impactos da pandemia da COVID-19.

A primeira ação coletiva do grupo será o lançamento de editais, com previsão de abertura das inscrições em setembro. O aporte inicial será de R$ 2,5 milhões distribuídos entre os editais voltados para as comunidades quilombolas e indígenas.

O lançamento da iniciativa foi marcado pela roda de conversa “Impactos da COVID-19 e a filantropia para justiça social no Brasil”. Participaram da Live de lançamento, Selma Moreira, diretora executiva do Fundo Baobá, Allyne Andrade, superintendente adjunta do Fundo Brasil, e Maria Amália Souza, fundadora e diretora de desenvolvimento estratégico do Fundo Casa. O evento também contou com a participação de David Fleischer, representante da Inter-American Foundation (IAF) para o Brasil e Uruguai. A mediação foi de Fernanda Lopes, diretora de programas do Fundo Baobá.

Evento Aliança Entre Fundos – Sentido horário: Fernanda Lopes (Fundo Baobá), Selma Moreira (Fundo Baobá), Maria Amália (Fundo Casa Socioambiental) e Allyne Andrade (Fundo Brasil) 

O encontro abordou questões referentes ao campo da filantropia no Brasil e os desafios para fazer com que os recursos cheguem até às organizações, grupos, coletivos de base e comunitários dos povos indígenas e quilombolas.

 

Escuta ativa

Ao abrir os diálogos, o representante da IAF ressaltou que a necessidade de ampliar o apoio às comunidades de base foi um dos fatores primordiais para o apoio da IAF à Aliança. Segundo ele, o forte vínculo já estabelecido entre os Fundos e as comunidades quilombolas e indígenas é fundamental para a atuação direta nestes grupos.

“A Aliança entre Fundos aumenta a capilaridade das ações. Principalmente em localidades isoladas, que possuem mais dificuldade de acesso a recursos públicos e ao capital estrangeiro. Além disso, são Fundos temáticos, com forte ênfase em justiça social, que estão trabalhando juntos e trazendo experiências em enfoques diferentes para problemas que afetam toda a sociedade. E segundo, estão concentrando esforços e recursos para apoiar iniciativas locais inovadoras no enfrentamento aos impactos da pandemia”, disse Fleischer. “Outros apoiadores nacionais e internacionais devem investir nessas iniciativas”, afirmou.

David Fleischer, representante da Inter-American Foundation (IAF) para o Brasil e Uruguai

Em 2020, os três Fundos já se mobilizaram individualmente para ações emergenciais a fim de reduzir os impactos da pandemia da COVID-19. As ações incentivaram a aproximação entre os Fundos e fortaleceram o diálogo entre pares para aprimorar as estratégias de promoção da justiça social no país. “Quando do início da pandemia da Covid-19, todos os Fundos, e nós três aqui em particular, iniciamos ações emergenciais. O processo de iniciar editais de ação emergencial nos permitiu ficar ainda mais conectados, próximos, com uma escuta ativa para entender qual era a demanda do campo. Trazemos esta expertise. Por isso, nosso desejo é fazer com que a Aliança se torne mais robusta”, disse Selma Moreira, diretora executiva do Fundo Baobá.

Allyne Andrade, superintendente adjunta do Fundo Brasil de Direitos Humanos reforçou este argumento.  “Nossa proximidade com o campo faz com que consigamos dar respostas rápidas. Quanto mais pessoas pudermos contar para fortalecer essas iniciativas, colocar dinheiro no campo para fortalecer e apoiar essas lutas, mais impactos positivos teremos”, afirmou.

Também Maria Amália, do Fundo Casa, enfatizou o convite para que novos investidores e filantropos apoiem a iniciativa e destacou que o envolvimento da sociedade é fundamental para defender a vida dos povos tradicionais. “Não é possível, por exemplo, continuar acreditando que os indígenas e os quilombolas devem defender a Amazônia, ao custo da própria vida, sem receber investimentos do Brasil e, dependendo de recursos, de fora do país. O único jeito de proteger a Amazônia e os biomas vitais para o equilíbrio planetário é investindo nessas populações que são os verdadeiros guardiões da Amazônia, um bioma da maior importância para o equilíbrio da vida do planeta”, disse.

Resiliência

Por meio da Aliança entre Fundos, a expectativa é fortalecer a resiliência das comunidades locais e a promoção da justiça racial, social e ambiental.  Selma Moreira lembrou que o Fundo Baobá enxergou de perto os efeitos do racismo nas comunidades quilombolas.

“A gente entendeu os efeitos latentes do racismo na estrutura da nossa sociedade. Foi este panorama que nos motivou a entrar na Aliança para atender estas demandas urgentes. E para reconhecer a sabedoria dos quilombolas pelo processo de escuta, com recursos para que as organizações locais tenham protagonismo, liderando seus projetos e soluções para melhorar suas demandas para uma vida plena”.

Já Allyne Andrade, do Fundo Brasil de Direitos Humanos, reforçou que os povos indígenas enfrentam neste momento violações a seus direitos constitucionais de forma ainda mais acentuada.

“Neste exato momento, mais de 170 povos indígenas estão em Brasília marcando posição contra a tese do marco temporal, que pode restringir o acesso destes povos às suas terras ancestrais e está sendo apreciada no Supremo Tribunal Federal”, disse, acrescentando que “estamos assistindo a uma tentativa de apoiar a invasão de terras indígenas, a exploração de recursos naturais, a escalada dos conflitos e da violência contra as comunidades e lideranças indígenas. Por estes motivos, apoiar os povos indígenas é apoiar a defesa e ampliação da própria democracia brasileira”, avaliou Allyne.

Maria Amália, do Fundo Casa Sociambiental, por sua vez, salientou que a instituição foi criada por atores do campo socioambiental da América do Sul que perceberam que os recursos não chegavam aos grupos mais vulneráveis. “Entre os pontos em comum com os parceiros da Aliança está o esforço de compartilhar nossa experiência com líderes sociais dos países vizinhos, o que resultou na criação de quatro novos fundos socioambientais que passam a disponibilizar mais recursos, e de forma coordenada, por toda região. Multiplicar esta experiência colaborativa é fundamental. Queremos inspirar, agregar e estimular outras formas de organização no campo da filantropia social. Sozinho, ninguém resolve tudo”, afirmou.

Foi criado o Comitê Gestor da Aliança entre Fundos, responsável pela captação de recursos para esta iniciativa. Os interessados devem entrar em contato com os seguintes endereços:

alianca@baoba.org.br
alianca@fundobrasil.org.br
alianca@casa.org.br

Aliança entre Fundos – Iniciativa inédita e inovadora

A Aliança entre Fundos – surgida a partir da mobilização comunitária pela justiça racial, social e ambiental – propõe um novo modo de atuação no ecossistema da filantropia no Brasil, a filantropia colaborativa para a justiça social.

Composta pelo Fundo Baobá para Equidade Racial, Fundo Brasil de Direitos Humanos e Fundo Casa Socioambiental, a Aliança entre Fundos tem como meta promover maior aporte de recursos diretos para os povos indígenas, comunidades quilombolas e outros povos tradicionais mais vulnerabilizados pela pandemia da COVID-19.

Juntos, os Fundos irão fazer um aporte inicial no total de R$ 2,5 milhões, distribuídos em diferentes editais, com três recortes prioritários: 1) defesa de direitos; 2) resiliência comunitária e sustentabilidade econômica das famílias; e 3) soberania alimentar das populações menos favorecidas no enfrentamento da pandemia causada pela SARS-CoV-2.

Como surgiu

O reconhecimento da atuação e do protagonismo dos povos tradicionais, indígenas e das organizações de base comunitária diante da pandemia da COVID-19 impulsionou os três Fundos, num primeiro momento individualmente, na construção de convocatórias emergenciais de apoio a ações de grupos, organizações e/ou indivíduos em situações de maior vulnerabilidade na pandemia.

A Aliança surge como uma ação estratégica e inovadora no percurso das trocas e diálogos entre os Fundos sobre os obstáculos e aprendizados forjados no fortalecimento da agenda por justiça social durante a pandemia da COVID-19.

Este projeto pioneiro também se estabelece a partir de fortes relações por meio de uma aliança com a base comunitária. E pretende atuar para além deste cenário pandêmico a fim de viabilizar maior resiliência e recuperação de uma autonomia embasada em novos pilares que resultam desta experiência.

Os editais serão lançados conjuntamente pelos Fundos no dia 9 de setembro.

Em breve anunciaremos os detalhes neste site.

Olimpíada de Tóquio 2020: Negras, Negres, Negros de Ouro, Prata e Bronze

Por Wagner Prado

Os recém-encerrados Jogos Olímpicos Tóquio 2020, a 32ª edição da Olimpíada, foram marcados pela diversidade, com 163 atletas LGBTQIA+, a inclusão de cinco novos esportes: surfe, skate, karatê, escalada, beisebol/softbol, ameaça de punição a um protesto político e, no âmbito brasileiro, a conquista de 21 medalhas, superando as 19 dos Jogos Olímpicos Rio 2016, o que deu ao Brasil sua melhor colocação em Jogos Olímpicos, o 12º lugar, uma posição acima do 13º lugar no Rio, há cinco anos. 

Dessas 21 medalhas, oito atletas negras e negros foram responsáveis por 9 medalhas. Rayssa Leal (prata/skate),  Isaquias Queiroz (ouro/canoagem), Rebeca Andrade (ouro e prata/ginástica artística), Hebert Conceição (ouro/boxe), Beatriz Ferreira (prata/boxe), Abner Teixeira (bonze/boxe), Alisson dos Santos (bronze/atletismo) e Thiago Braz (bronze/salto com vara). Isso sem contar esportes coletivos, onde estão Fernanda Garay e Ana Cristina (prata/vôlei feminino) e Lucão, Abner, Daniel Alves, Gabriel Menino, Guilherme Arana, Claudinho, Matheus Cunha, Paulinho, Richarlison e o responsável pelo gol do título, Malcom (ouro/futebol). 

Ouro, prata e bronze: Hebert Conceição (boxe), Rayssa Leal (skate) e Alisson dos Santos (atletismo), foram alguns dos medalhistas negros nas Olimpíadas em Tóquio

A influenciadora digital e desportista Mia Lopes, baiana de Salvador e radicada em São Paulo, faz uma análise do que foi a participação dos atletas negros em Tóquio. Mia é criadora do Afroesporte, que mesmo no momento pré-olímpico passou a fazer postagens sobre os nomes negros que estariam na disputa no Oriente e suas possibilidades.

Mia Lopes experimentou muito mais o sucesso agora com a Olimpíada de Tóquio. O Afroesporte acabou sendo fonte de informação e pesquisa para muita gente que recorreu à página para incrementar seu nível de informação sobre os e as atletas negras e negros. “Por incrível que pareça eu não esperava que o Afroesporte fosse performar tão bem em plataformas como o Linkedin, por exemplo. Daí, com as interações, passei a focar em outras plataformas também. Ainda não conseguimos mensurar tudo, mas assim que nosso business intelligence fechar esses números, vamos divulgar”, disse Mia. 

Mia Lopes, criadora do Afroesporte

Mia é atleta amadora e considera que as atletas  e os atletas do Brasil são, primeiramente, fruto de seu próprio talento nato, que acabou saltando barreiras. “Eu gosto sempre de falar que a Olimpíada surgiu de forma extremamente  excludente. Ela nasceu racista e machista. Sem negros e mulheres, nem nas arquibancadas”, disse. O fato de o Brasil ter entre medalhadas e medalhados essa presença negra é importante. “Tem o pessoal aí que fala: ‘ah, tem gente aí que ganha o Bolsa Atleta (programa de incentivo do Governo Federal que destina salários de acordo com resultados e representatividade de competidores). Mas, e se a gente for botar na ponta da caneta quanto custa a vida de uma ou um atleta? Assessoria esportiva. É preciso treinar, ter orientação de nutricionista, ter suplementação alimentar. R$ 8 mil não são somente para o esporte, acaba sendo pelo conjunto dessas coisas. Aí não dá conta”, afirma.

Para Mia Lopes, o próximo ciclo de preparação olímpica, que será de apenas três anos devido ao adiamento de Tóquio de 2020 para 2021, por conta da Pandemia da Covid-19, será difícil para atletas brasileiros. Talentos como Rebeca Andrade, que alcançou ouro e prata na ginástica artística, podem surpreender. “Quero dar o exemplo da minha avó. Ela fazia uma feijoada todo domingo uma feijoada muito famosa, e ninguém sabia do que era feito essa feijoada. O segredo da feijoada de Dona Santa era a xepa da feira que ela ia no final da tarde com a minha mãe e os outros filhos catar.  Ela pegava os ossos do boi que eram jogados fora. Ela pegava a cabeça do gado. Ela raspava assim embaixo da orelha, onde tem muita carne, pra fazer a feijoada do domingo. O que os nossos atletas estão fazendo é uma feijoada muito boa com a xepa da feira e dando um show de beleza, de garra e determinação”, disse.

Negras vitórias: Um legado de conquistas da população negra

“Existe uma história do Negro sem o Brasil.
O que não existe é uma história do Brasil sem o Negro”
(Januário Garcia)

A cantora norte-americana Beyoncé, ao lançar o álbum visual Black Is King, em 2020, recebeu duras críticas por mostrar uma África glamurosa e afrofuturista. As críticas, fundamentadas por profissionais da comunicação e até mesmo por pessoas do meio acadêmico, mostram um imenso desconhecimento da história dos povos africanos, repletas de conquistas e glamour. Antes da colonização européia, o continente africano teve grandes impérios, grandes reinos, além de organizações tribais que possuíam um patamar tecnológico e desenvolvimento de técnicas autônomas. 

Alguns dos principais legados tecnológicos, presentes até os dias atuais, foram desenvolvidos no continente africano: começou no Egito o estudo de hieróglifos e dos mapas lunares para controlar as cheias dos rios. A matemática tem origem em tribos do reino do Congo, além da metalurgia, que também foi desenvolvida em Gana e o sistema de alfabeto, que desenvolveu a escrita, teve início na Etiópia.

A colonização e a escravidão, durante séculos, geraram o apagamento da história,  das conquistas e do pioneirismo da população negra em diversos setores. Na história do Brasil, Princesa Isabel recebe o título de libertadora de negros escravizados, mas o país desconhece a atuação de negros livres que integraram o movimento abolicionista e ajudaram a libertar muitos escravizados, como José do Patrocínio, Ferreira de Menezes, Ignácio de Araújo Lima, Arthur Carlos, Theophilo Dias de Castro e Luiz Gama a quem, recentemente, foi concedido o título de Doutor Honoris Causa, pela Universidade de São Paulo. Era dia 29 de junho de 2021.

Cultne – 40 anos de conquistas negras em um acervo digital

Manter vivo o legado da cultura e das grandes conquistas negras no Brasil é a principal missão do Cultne – Acervo da Cultura Negra, fundado em 1980 por Asfilófio de Oliveira Filho, mais conhecido como Filó Filho, que é engenheiro civil de formação, mas atua como jornalista, produtor cultural e cine-documentarista com mais de 40 anos de experiência nas áreas de cultura, esporte, marketing e comunicação: “O Cultne vem garantindo, há quatro décadas, a valorização da cultura popular, o fomento à cultura de qualidade, possibilitando a interface com as mais diversas camadas sociais e viabilizando a comunicação entre diferentes comunidades”. 

Asfilófio de Oliveira Filho – Filó Filho – engenheiro civil de formação, jornalista, produtor cultural, cine-documentarista e diretor do Acervo Cultne

A história do Cultne inicia na década de 1980, diante do surgimento do Movimento Negro Unificado, na década anterior, e das movimentações e lutas contra o racismo no país. Destas ações políticas derivou a necessidade de documentar em vídeo o levante negro que ocorria naquele momento, mas que não ganhava espaço na grande mídia. Assim nasce o Cultne, que 40 anos depois reúne um acervo com cerca de 2 mil horas de materiais que incluem shows, documentários, filmes, séries, entrevistas, programas, entre outras linguagens.

Fundadores do Acervo Cultne: Ras Adauto, Vik Birkbeck e Filó Filho

Inclusive, foi no acervo histórico Cultne que o rapper Emicida encontrou imagens das mais diversas conquistas negras brasileiras, e incluiu em seu documentário AmarElo – É Tudo pra Ontem (Netflix). Filó Filho afirma que, ao longo dos anos, o acervo Cultne vem contribuindo com diversas narrativas cinematográficas nacionais e internacionais: “O documentário AmarElo de Emicida veio confirmar a quebra de paradigmas que envolve a negação da história afro-brasileira, principalmente nos meios de comunicação e nos bancos escolares. Podemos afirmar que a oralidade de outrora se faz presente em nossas lentes de forma expressiva e fundamental. A companhia de mentes saudáveis como Emicida nos faz acreditar que estamos numa mesma página em que todos nós ganhamos em qualidade e esperança.”

Para Filó Filho, os arquivos históricos no acervo Cultne documentam marcos da cultura negra e a memória pública, garantindo para as gerações presentes e futuras o universo afroimaginário dos últimos 40 anos. Sobre o público que acessa esse material, Filó traz um panorama: “Os que acessam o acervo são, principalmente, professores, pesquisadores e estudantes de diferentes faixas etárias, além de um público em busca de informação e entretenimento”. Filó Filho ainda revela que segundo as estatísticas do canal do Youtube, nota-se que o portal é acessado em diferentes partes do mundo, independentemente do idioma: “Estamos falando de países das Américas, Europa, África e Ásia. Portanto, é gigantesca a nossa responsabilidade em perpetuar esse imenso arquivo que a cada dia cresce mais”.

É no acervo Cultne que encontramos os registros do “1º Encontro Nacional de Mulheres Negras”, realizado no Rio de Janeiro, em 1988, com a presença de Luiza Bairros – ex-ministra de Estado e uma das fundadoras do Baobá,  e outras mulheres negras cujo legado buscamos honrar; da Marcha do Movimento Negro, realizada em novembro de 1983, dentro das comemorações do Dia da Consciência Negra, com a presença e articulação de Lélia Gonzalez; a visita de Pelé e Gilberto Gil pela África, durante o centenário da abolição da escravidão em 1988; a Missa dos Quilombos, ocorrida em 1989, no Rio de Janeiro, idealizada pelo bispo Dom Pedro Cassaldáliga, com música de Milton Nascimento e com intervenções artísticas de grandes artistas como Zezé Motta, Milton Gonçalves, Grande Otelo, Antônio Pompeo, entre outros.

“É impossível alinhar os mais importantes”, afirma Filó Filho, “mas podemos afirmar que os conteúdos que descrevem a trajetória da luta negra em nosso país são os mais relevantes do ponto de vista histórico, como por exemplo as diversas marchas ao longo das últimas décadas envolvendo as lutas do Movimento Negro, das mulheres negras e de centenas de personalidades que contribuíram e contribuem para o combate ao racismo em nosso país e no mundo”. Na lista de personalidades negras, além das citadas acima, temos os fundadores da Frente Negra Brasileira, Aristides Barbosa, Raul Joviano do Amaral, José Correia Leite, Henrique Cunha e Francisco Lucrécio; as intelectuais Beatriz Nascimento e Tereza Santos; mulheres marcantes como Ruth de Souza e Mãe Beata de Iemanjá; ícones como Abdias Nascimento, Joel Rufino do Santos, Zózimo Bulbul, Januário Garcia e Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul e líder da luta contra o Apartheid, que visitou o Brasil em 1991, e o único registro em vídeo da sua visita está no acervo Cultne.

Hoje o recém criado Instituto Cultne vem trabalhando no sentido de “salvar” todo o conteúdo registrado ao longo de 40 anos: “O foco hoje é digitalizar, catalogar e sistematizar todo o acervo o mais rápido possível, sendo que essa tarefa requer recursos financeiros e mão de obra especializada”, diz Filó, que afirma estar buscando parceiros para atingir esse objetivo, além de ampliar a parceria com o Google, a partir da plataforma Google Arts & Culture, no sentido de potencializar tecnologicamente o acervo Cultne, garantindo sua longevidade e disseminação.

Outro fator importante a ser ressaltado é que o Cultne deixou de ser apenas um acervo para tornar-se uma plataforma streaming Cultne.TV: “que se propõe distribuir, gratuitamente, todo o seu conteúdo exclusivo de temática negra, reafirmando ser o maior conteúdo digital de cultura negra da América Latina”.

O aumento de negros na universidade é uma negra vitória

Filó Filho costuma dizer que ele é um negro que furou a bolha ao ser o primeiro da família com curso superior:  engenharia civil. Hoje, houve um aumento significativo de pessoas negras nas universidades, o que pode se considerar uma grande conquista nos últimos tempos. Para Filó, essa conquista se deve ao movimento negro e, em especial a uma geração de militantes que pavimentaram a estrada que existe hoje, pressionou o governo federal para criação de políticas públicas para inserção do negro no ensino superior: “Fomos nós, negros e negras ilustres e anônimos, que fomos às ruas, marchamos, lutamos e nos organizamos em tempos trevosos, durante e após a ditadura militar em nosso país”.

Ainda falando de conquistas negras, segundo o documentarista, a grande virada da luta antirracista no Brasil ocorreu em 2001: “Foi  decisiva a participação da nossa delegação na 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, promovida pela Organização das Nações Unidas ONU), entre 31 de agosto e 8 de setembro de 2001, na cidade de Durban, África do Sul. Após esse encontro, avançamos firmemente nessa área e,  20 anos depois, o panorama é outro, de mais esperança e de união”, afirma Filó Filho.

Para alcançar a justiça racial é também necessário  reconhecer e difundir lutas e conquistas negras ao longo da história, em todos os setores. Para o Fundo Baobá, o eixo comunicação e memória precisa ser priorizado. Uma das metas para o futuro próximo é prover investimentos nestas áreas como parte de uma estratégia coletiva de  valorização e difusão de conhecimentos, saberes, e outros bens materiais e simbólicos; de construção de novas representações sociais da população negra.