Mulheres negras se reinventam a partir de apoio no enfrentamento ao racismo religioso

Ana Bartira e Mãe Jaciara encontraram no apoio do Fundo Baobá um respiro para seguir na luta contra o racismo religioso e se fortalecerem como lideranças

Por Jamile Araújo*

É no contexto de enfrentamento ao racismo religioso e intolerância religiosa que as histórias de Jaciara Ribeiro dos Santos, Iyalorixá do Axé Abassá de Ogum em Salvador (BA), e Ana Bartira da Penha Silva, assistente social, membro da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro)  e do Centro de Estudos Afro-Brasileiro Ironides Ribeiro (CEABIR), de Niterói (RJ), se interseccionam. As lideranças negras que atuam no segmento de enfrentamento ao racismo religioso foram contempladas pela 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations.

Apesar da laicidade do Estado brasileiro, e da garantia na Constituição de 1988 da liberdade religiosa, na prática essa liberdade está longe de ser plena. Nos últimos anos no Brasil houve aumento das denúncias de intolerância religiosa no Disque 100, canal de denúncias de violação de direitos humanos. Até outubro de 2021 foram realizadas 462 denúncias, um aumento de 90,9% em relação ao ano de 2020, onde 243 denúncias foram realizadas. Os números são da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), ligada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH)

Manifestado de diversas maneiras, desde depredações, incêndio de terreiros e violência física, ou assédio e perseguição em ambiente de trabalho e escolar, o racismo religioso está presente na vida dos povos e comunidades de axé. “O racismo religioso condena a origem, a existência, a relação entre uma crença e uma origem preta”, afirma Sidnei Nogueira, professor e Babalorixá, em seu livro “Intolerância Religiosa”, da coleção Feminismos Plurais. Ele defende que não se trata apenas do eixo religioso, que o racismo não incide apenas entre as pessoas pretas que praticam as religiões de matriz africana, mas sobre as origens, práticas e crenças da religião.  “É provável que o termo ‘intolerância religiosa’ seja mais aceito por conta dos mitos da democracia racial e da democracia religiosa (laicidade)”, acrescenta. Em seu livro, Sidnei também analisa os dados do disque 100 dos últimos anos, e confirma que as denúncias de intolerância contra pessoas das religiões de matriz africana correspondem à maioria das realizadas.

“Nossos passos vêm de longe”

Mãe Jaciara explica que desde os três anos de idade está dentro do candomblé, mas que se tornou ativista da luta contra a intolerância religiosa a partir da morte de sua mãe, a Iyalorixá Gilda de Ogum. Fundadora do Axé Abassá de Ogum, Mãe Gilda sofreu um infarto fulminante e faleceu, em decorrência do racismo religioso, em 21 de janeiro de 2000. “A Igreja Universal do Reino de Deus pegou uma imagem dela, que saiu na revista ‘Isto é’,  e colocou na Folha Universal com a tarja preta no rosto escrito ‘macumbeiros, charlatões lesam o bolso e a vida de clientes’”, relata.

Ela  também cita um ataque ao terreiro de candomblé e a sua mãe. “A Igreja Assembleia de Deus aqui na comunidade, invadiu o terreiro e tentou bater com a Bíblia na cabeça de minha mãe. Então são 21 anos da morte dela, e 21 anos que eu assumi esse papel de filha biológica, e que entendi que precisava denunciar esse racismo religioso”. Mãe Jaciara ressalta que foi um processo muito difícil,  porque teve que assumir o terreiro enquanto religiosa da comunidade e também se tornar uma mulher política ativista, sem nenhuma formação acadêmica ou preparação. “Mãe Jaciara é esta mulher que se reinventou a partir da dor da morte da mãe biológica”, diz.

Em sua trajetória no enfrentamento ao racismo religioso, Mãe Jaciara destaca a importância do diálogo inter-religioso bem como a necessidade de fortalecer a auto estima dos membros do candomblé. “Você não pode falar da sua dor só para o povo de candomblé, a gente deve levar isso para os espaços onde acomete essa dor para nós. Faço parceria com espíritas, com evangélicos, com pastores e padres. Tenho um trabalho de fazer roda de diálogo dentro do terreiro de candomblé, para orientar os nossos jovens a saber denunciar”, declara.

Ana Bartira Silva, conta que cresceu e se tornou adulta acompanhando a atuação de sua mãe, que foi militante do movimento negro na década de 80. “Ela participou do Centro de Estudos Brasil África (CEBA) e do Agbara Dudu, considerado o primeiro bloco afro do Rio de Janeiro. Além disso, fundou o CEABIR, organização que tem o combate ao racismo, machismo, sexismo, homofobia, violências e todas as formas de intolerâncias, como missão”. Ela explica que o CEABIR (Centro de Estudos Afro Brasileiro Ironides Rodrigues) é uma organização não governamental coordenada por mulheres negras, criada a partir da indignação e revolta após a chacina que vitimou sete moradores na favela da Coreia, no bairro da Engenhoca, em Niterói (RJ), no ano de 1989. “Fui me inserindo e influenciada desde a infância por minha mãe. E, atualmente, ainda continuo com ela à frente do CEABIR”, afirma. 

De acordo com Ana Bartira, sua participação na militância com os jovens de terreiros se iniciou por meio do Ogã José Marmo (in memoriam), que fundou a Renafro, motivado pela necessidade de criar um espaço público, político e democrático para jovens. O objetivo era proporcionar que estes jovens ocupassem o seu lugar de fala no que diz respeito à promoção da saúde, no seu sentido ampliado, no espaço de terreiro. “Em agosto de 2006 realizamos o primeiro Encontro Estadual da Juventude de Terreiros – RJ. Participei deste encontro como convidada, por ser uma jovem de terreiro. A partir desta data comecei desenvolver atividades e ações com esse público”.  

 

“Ajuda mágica para seguir”

Mãe Jaciara compartilha a sua felicidade em ter tido um projeto apoiado pelo Fundo Baobá e afirma que esse apoio é algo mágico, que vai muito além do apoio financeiro. “Ele vem como uma ajuda mágica que me deixou contaminada positivamente para seguir. Dá uma sustentabilidade, uma ferradura e arma na mão para eu seguir”, ressalta.

Ela relata que, após 21 anos de luta, percebeu que precisava sair do espaço do terreiro e ir para o mundo. “O projeto me deu essa possibilidade ao ser acolhida e escolhida em uma seleção que teve muitas mulheres inscritas. Já dá uma grande emoção ter sido escolhida para poder contar minha história e empoderar outras mulheres”. A Iyalorixá acredita que o apoio possibilitou como consequência, enquanto uma mulher de candomblé negra, o fortalecimento de outras mulheres em outros espaços.

Entre as ações realizadas durante a execução do projeto “Iyá Omi: O legado ancestral da Iyalorixá Jaciara Ribeiro na luta contra o racismo e a intolerância religiosa”, escrito por Mãe Jaciara, estão: o lançamento do coletivo nacional Iya Akobiodé – mulheres que transformam; lives do programa Candomblé e seus Caminhos; Campanha Mãe Gilda de Ogum 21 anos de Memória Ancestral, realizada todo dia 21 de cada mês; construção, diagramação e impressão da cartilha “Akoberê Aiyê – Racismo Ambiental e religião de matriz africana”; realização do II Festival de Oxum; reuniões de articulação política; articulação com Quilombo Caipora; entre outras atividades. 

Ana Bartira conta que, para ela, uma das etapas mais desafiadoras foi fazer o Plano de Desenvolvimento Individual, pois sua experiência sempre foi coletiva quando se trata de editais e apoios. “Então pensar um plano a partir da minha necessidade como mulher negra militante, ter a leitura do que o Programa tem para me oferecer, a partir da liderança, foi muito importante, desafiador e necessário”, diz.

Ana escreveu o plano no contexto das suas necessidade profissionais, e antes da pandemia seu objetivo era centrado na qualificação para ampliar a sua atuação política junto ao seu coletivo. A assistente social conta que uma das lições aprendidas é que “dentro de um todo é preciso nos colocar como prioridade também, pois ajuda muito na nossa saúde física e mental”.

Ao longo do Programa, Ana Bartira participou de diversas atividades: formações, oficinas, lives, rodas de conversa, cursos, podcast, atos e manifestações. “Nesses encontros tivemos a oportunidade de dialogar com expressivas intelectuais negras, dentre algumas delas: Sueli Carneiro, Érika Malunguinho, Lúcia Xavier, Magali da Silva Almeida, a jornalista Flávia Oliveira, Márcia Lima, Jurema Werneck”. A partir de sua participação no programa, um importante fruto foi conseguir transformar o CEABIR num Ponto de Cultura. Hoje o coletivo tem realizado palestras sobre cidadania, ancestralidade, identidade cultural, racismo e história afro-brasileira, oficinas de percussão, dança afro-brasileira para jovens, adultos, crianças e idosos.

 

“Sou como a haste fina que qualquer brisa verga, mas nenhuma espada corta”

A pandemia de Covid-19 gerou consequências no desenvolvimento das ações previstas nos planos das lideranças. Ana Bartira diz que mesmo com as mudanças na programação, o suporte dado pelo apoio do Baobá foi importante para que ela enfrentasse o período. “A bolsa foi fundamental para atravessar este período de desemprego, fome, morte e adoecimento de pessoas por sequelas da covid-19. Pois apesar disso tudo, consegui manter minha saúde mental, física, emocional”, reforça.

Entre as dificuldades encontradas por Ana estavam o acesso a internet e a falta de domínio da informática. “Me reinventei em meio a pandemia, a fim de manter as atividades dos coletivos nos quais estou à frente. Apesar dos desafios encontrados, consegui boas articulações com outras lideranças negras, com jovens de terreiros e alcancei outros públicos nas redes sociais”, relata.

“Foi frustrante para mim a pandemia ter chegado, porque eu tive que reestruturar totalmente o projeto”, destaca Mãe Jaciara. Ela diz que, como a proposta era ir presencialmente em locais de vulnerabilidade, em comunidades quilombolas, comunidades de terreiro, o isolamento social impossibilitou essa interação. “Foi muito ruim porque tivemos que estar silenciadas, foi através desta plataforma, do notebook, do celular, dessas redes sociais que a gente conseguiu fazer alguma coisa. E também  ter de lidar com essa nova ferramenta, acho que não atingi muitas mulheres que eu queria, porque muitas comunidades não tinham acesso à internet”, comenta. 

A Iyalorixá diz ainda que mesmo assim foi interessante, porque não se deixou abalar psicologicamente com a frustração e a interação virtual com outras mulheres contempladas no edital a fortaleceu. “Achei que o Baobá foi muito feliz nos temas que foram trazidos para gente dialogar. O racismo, a intolerância religiosa, a violência contra mulher, e outros assuntos que deixou as pessoas mais conectadas umas com a outras”. 

Ambas destacam que a pandemia despertou o olhar para algumas necessidades como o resgate do autocuidado, construção e fortalecimento de espaços coletivos, acolhimento, escuta, fortalecimento de laços. Sobretudo, a percepção de que quando cuidam de si, estão cuidando também de outras. 

 

“Aprender a ler pra ensinar meus camaradas”

“O Baobá ficou tatuado em minha mente como algo projetor, como uma flecha para eu voar longe”, diz Mãe Jaciara sobre a sua participação no Programa. Ela conta que esta foi a primeira vez que teve apoio de um edital desse tamanho.

Mãe Jaciara está dando continuidade aos projetos. Em setembro foi inaugurado o primeiro terreiro de candomblé dentro do Quilombo Caipora, onde também serão construídas 16 casas para 16 mulheres que transformam a vida de outras mulheres. “A minha vontade é que essas 16 mulheres que transformam o mundo, possam realmente ser essa força de união para uma estar cuidando da outra”. 

Ana compartilha que se sente orgulhosa e emocionada por ter participado do Programa, considera que agregou muito conhecimento, oportunidade, experiência e troca. “A participação no Programa potencializou meu processo de desenvolvimento de habilidades de liderança. Fortaleceu minha capacidade de produzir ideias, conhecimentos, leitura política e inovações, que dão sentido ao verdadeiro ‘aquilombar-se’”.

Outro ponto levantado por ela é o de reconhecer que o trabalho que realiza enquanto militante deve ser valorizado. “Entender que é um trabalho profissional e que toma, de forma expressiva, grande parte dos meus dias, fortalece em mim a necessidade de reconhecer quem eu sou, o que eu desenvolvo, minha responsabilidade e capacidade no processo de formação da juventude negra”, pontua.

Ana escreveu  seu trabalho de conclusão de curso da Especialização de Direitos Humanos, Saúde e Racismo: Questão Negra, do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural da Escola Nacional de Saúde Pública (DIHS/ENSP) sobre o programa do Fundo Baobá. “No trabalho intitulado ‘O Programa de Aceleração de lideranças Femininass Negras Marielle Franco: potencialização do processo de empoderamento das mulheres negras’ analisei como este Programa contribuiu no processo de empoderamento das ativistas negras contempladas no período de 2020 a 2021”. Ela mapeou as atividades das ativistas negras inscritas, buscando compreender como elas contribuíram para o os processos de continuidade de militância e liderança negra. 

Mãe Jaciara e Ana afirmam terem saído fortalecidas do Programa, qualificadas e impulsionadas a ir além e construir novos projetos. “Até hoje esqueço e acho que ainda estou sendo apoiada pelo Baobá e pelo edital Marielle Franco, mas não no financeiro, e sim nessa contaminação, dessa vitamina, que ficou em mim. Parece que eu tomei uma injeção e está no meu DNA, que é acreditar que nós mulheres pretas, especialmente de candomblé, somos mágicas, somos capazes de transformar as nossas vidas e de outras mulheres”, finaliza Mãe Jaciara.

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

Emoção marca aula inaugural do programa educacional Já É, lançado pelo Fundo Baobá para Equidade Racial

A emoção esteve presente o tempo todo na noite de quinta-feira (18 de março) quando o Fundo Baobá realizou a aula inaugural do programa Já É – Educação e Equidade Racial. O Já É tem como objetivo dar apoio a estudantes negros da periferia da cidade de São Paulo e de municípios da região metropolitana de São Paulo no que se refere ao acesso ao ensino superior, um dos grandes gargalos que afetam a juventude negra em seu desenvolvimento social. A aula inaugural do programa aconteceu no formato virtual por conta das medidas de distanciamento social adotadas durante o período da pandemia da Covid-19, que perdura desde março de 2020.

O programa Já É tem apoio de Citi Foundation, Demarest Advogados e Amadi Technology. As inscrições para fazer parte do programa aconteceram entre julho e agosto de 2020. As etapas classificatórias aconteceram entre setembro e novembro de 2020. O Já É selecionou 100 jovens entre 17 e 25 anos que vão receber bolsa para estudarem, durante 1 ano, no Cursinho da Poli. O programa foi todo planejado para que as aulas acontecessem em caráter presencial. Porém, com as medidas restritivas da pandemia, por enquanto, elas terão que ocorrer virtualmente. Para que as aulas possam acontecer dessa forma, cada aluna, aluno, alune recebeu um computador e um chip de acesso à internet, pois a maioria  não possui acesso a internet de banda larga em casa ou pacote de dados que permita acessar a plataforma de aulas, fazer pesquisas e outros detalhes que envolvam aprendizado. Quando as aulas voltarem  a acontecer presencialmente, os alunos selecionados vão receber auxílio alimentação e vale transporte. 

A aula inaugural teve participação de representantes das instituições apoiadoras do Já É, além de membros de órgãos de governança do Fundo Baobá e outros parceiros estratégicos. Pelos apoiadores estiveram presentes Fernando Granziera e Patricia Salles (Citi Brasil), Paulo Rocha e Karina Miranda (Demarest Advogados) e Agnes Karoline de Farias Castro (Amadi Technology). Pelo Fundo Baobá, estiveram presentes Giovanni Harvey (presidente do Conselho Deliberativo), Sueli Carneiro e Rebecca Reichmann Tavares (membros do Conselho Deliberativo), Maria do Socorro Guterres e  Lindivaldo Oliveira Leite Junior (membros da Assembleia Geral), Marco Antonio Fujihara (membro do Conselho Fiscal), além dos membros da equipe executiva. 

Fernando Granziera, líder de Produtos e Co Chair do grupo Blacks at Citi no Brasil, disse que a organização está focando nos projetos sociais. “O empoderamento da juventude negra é prioridade para o Citi. Acreditamos em vocês. Estamos investindo pesado em projetos sociais e esperamos que vocês possam, no futuro, ser nossos colaboradores. Parabéns”, comemorou Granziera.

Fernando Granziera, líder de Produtos e Co Chair do grupo Blacks at Citi no Brasil

Patricia Salles, analista sênior de documentação do Citi, comentou a importância de o Citi Brasil estar presente nesse projeto. “Abraçar a diversidade de pessoas e ideias é atuar com ética. Essa é nossa responsabilidade. Essa é a forma de nos aproximarmos de nossos funcionários, da comunidade e dos nossos clientes”, concluiu Salles que é a madrinha do Ja É no Citi Brasil.

Patricia Salles, analista sênior de documentação do Citi

Já Paulo Coelho da Rocha, do Demarest Advogados, pediu aos alunos muita força de propósito: “Todos acreditamos nos sonhos e ninguém, ninguém, deve desistir de nada. Eu sou um homem branco e isso implica em ter privilégios em nossa sociedade. Então, aproveitem muito essa oportunidade. Aproveitem muito as aulas”, disse.

Paulo Coelho da Rocha, Demarest Advogados

A personificação desse sonho no Demarest está na figura da advogada Karina Miranda, que trabalha com Contencioso Cível. A história dela é semelhante à dos alunos do Já É. “Há 10 anos eu estava no lugar de cada um de vocês. Meu sonho era estudar Direito na USP. Deu certo. Eu me formei na USP. Alcancei meu sonho. Então, dediquem-se! Entreguem-se!”, disse.

Karina Miranda, Demarest Advogados

Com Coelho da Rocha concorda Agnes Karoline, CEO da Amadi Technology. “Por conta de nossa sociedade desigual, o uso da tecnologia também é desigual entre as pessoas. Somos uma empresa, mas temos uma responsabilidade social grande. Vamos trazer um pouco do debate da tecnopolítica. A tecnologia não é neutra. Ela está nos campos da transformação social”, definiu Agnes Karoline. 

Agnes Karoline, CEO da Amadi Technology

O lançamento do Já É também marca o ano de comemoração dos 10 anos do Fundo Baobá. A diretora de programa, Fernanda Lopes, falou da importância do que aconteceu na noite de quinta (18). “Estamos plantando sementes. Transformando vidas. Mudando a história.  Somos parte dessa massa que conspira e provoca mudanças. E nem o distanciamento vai impedir a nossa força. Quando menos esperarem estaremos em mais lugares, seremos muitos e mais fortes. Muitas sementes de Baobá!”, disse. 

Fernanda Lopes, diretora de programa do Fundo Baobá para Equidade Racial

Giovanni Harvey, presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, enalteceu a iniciativa. “Quero expressar o nosso agradecimento. Porque as iniciativas que o Baobá tem só são viáveis na medida em que possamos trazer parceiros que se tornem viáveis e qualifiquem essas iniciativas. Agradeço por terem se somado a essa iniciativa que busca atender um público prioritário para o Baobá, que é a juventude negra”, afirmou. 

Socorro Guterres, uma das fundadoras do Fundo Baobá e que faz parte da Assembleia Geral, falou da origem da organização. “É com prazer enorme que faço parte desse momento. Porque vejo nesse mosaico de tantas caras de jovens negros e negras, inúmeras perspectivas. Isso é extremamente significativo. Isso mostra que podemos apresentar aos jovens novos caminhos. Caminhos para construir a própria história. Já é possível sonhar. Já é possível esperançar. Já É!”, afirmou Socorro Guterres.

Socorro Guterres, fundadora e membro da assembleia geral do Fundo Baobá 

Thuane Nascimento, diretora executiva do Perifa Connection, destacou a importância do projeto e o histórico que a luta por acesso ao estudo têm no Brasil. “Essa iniciativa é um sopro de esperança. Porque, como diz a professora  de Direito Thula Pires, “vivemos em um mundo meritocrático. Então, vocês precisam estudar; Persistam! Façam o que tem que ser feito, que é estudar. Tenham em mente a luta que foi travada para que vocês estivessem aqui hoje. A luta pelas cotas, travada por pessoas como a Sueli Carneiro, que está aqui entre nós. Não fossem as cotas, eu não estaria aqui hoje”, disse. Thuane é aluna de Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).  

Thuane Nascimento, diretora executiva do Perifa Connection

As falas dos estudantes foram pautadas pela emoção devido à busca por uma oportunidade como essa, que não estava acontecendo. Uma das falas mais simbólicas foi a da aluna Rubyanne Yasmine, que mostrando a sua filha, ainda um bebê, disse: “Estou aqui porque este é o símbolo da minha luta”.  Para a aluna Isabella Amaro,  o programa é uma espécie de reparo a algumas formas de opressão impostas ao povo negro.

Rubyanne Yasmine, aluna

“O processo escravocrata, o processo de eugenia e o processo de racialização que o Brasil sofre é muito forte na questão da coisificação dos negros. Nós fomos coisificados. Acabamos nos afastando um dos outros e de nós mesmos. Esse projeto é uma forma de reparação. Uma forma de fazer com que andemos juntos. É importante ter um irmão de luta ao lado, que vai saber o que sentimos e vai se identificar com a gente. As palavras para o Já É são humanidade e democratização”, afirmou Isabella Amaro.

Isabella Amaro, aluna

Para Selma Moreira, diretora-executiva do Fundo Baobá, a parte mais importante está na confiança que esses jovens tiveram no Baobá. “Olhando tudo o que a gente dialogou aqui, eu me sinto mais impelida a buscar novas oportunidades como essa. Ainda alcançamos pouco de tudo o que nos é devido. Queremos construir um mundo que seja mais equânime, um mundo mais justo. E é por isso que acordamos todos os dias. O dia de hoje foi lindo e deu mais sentido ao nosso trabalho”, disse.

Fundo Baobá divulga selecionados do Edital de Recuperação Econômica para Empreendedores/as Negros e Negras

Diante da pandemia do novo coronavírus, o Fundo Baobá, em parceria com a Coca-Cola Foundation, o Instituto Coca-Cola Brasil, o BV e o Instituto Votorantim, lançou o edital Recuperação Econômica para Micro e Pequenos Empreendedores/as Negros e Negras em 11 de novembro de 2020. No curto espaço de tempo de lá até o dia 25 de fevereiro deste ano transcorreu um rigoroso processo seletivo, que incluiu  entrevistas virtuais e resultou em uma lista de 47 iniciativas que receberão R$30 mil, sendo R$10 mil para cada empreendedor (a). As iniciativas selecionadas podem ser conferidas aqui.

O processo de seleção abarcou 700 propostas recebidas nos 39 dias em que as inscrições estiveram abertas.  A primeira triagem era quanto à sua adequação ao que o edital estabelecia.  A principal premissa do edital de Recuperação Econômica era o suporte necessário para iniciativas lideradas por empreendedores negros e negras que foram afetadas financeiramente dentro do contexto da pandemia. As iniciativas que poderiam se inscrever no edital deveriam atender as com as seguintes características: Ser compostas por 3 empreendedores(as) negros(as) que atuem no mesmo território; que tenham 18 anos ou mais; disponibilidade real para participar das ações propostas pelo edital; que não tenham sido eleitos para cargos no legislativo ou executivo; que não tenham projetos com objetivos políticos/partidários; que não sejam funcionários, cônjuges ou parentes até segundo grau de colaboradores das empresas que apoiam essa iniciativa (Sistema Coca-Cola e Grupo Votorantim) ou mesmo de membros dos órgãos de governança do Fundo Baobá para Equidade Racial; pessoas que não tenham sido apoiadas pelo Fundo Baobá em 2020 por edital próprio (Doações Emergenciais) ou da Coalizão Editodos.

Ao fim desse processo, 595 inscrições foram validadas, passando para a fase de avaliação das propostas em si. Dessas, 278 seguiram para a etapa de entrevistas virtuais. Elas foram realizadas pela organização FA.VELA, parceira operadora do Fundo Baobá para este projeto. Segundo Ludmila Correa, representante da FA.VELA, as conversas foram fundamentais para seleção de iniciativas empreendedoras para o programa. “Durante as entrevistas pudemos conhecer diversas realidades, ramos e formas de empreender desenvolvidas nas diferentes regiões do Brasil, variando de entrevistas com empreendedores quilombolas, ribeirinhos, da zona rural e do meio urbano. Acreditamos que muitas iniciativas têm perspectiva de expansão, promovendo impacto territorial por meio da geração de renda, desenvolvimento sócio econômico, fortalecimento da atuação em rede, entre outros benefícios. O processo de entrevistas foi fundamental para o diálogo e entendimento da realidade de cada empreendedor, possibilitando verificar a adequação da iniciativa proposta para o programa, selecionando assim participantes de forma mais assertiva e coerente”. 

Com esse cuidadoso processo, 141 projetos foram recomendados ao comitê selecionador, que elegeu as 47 iniciativas que serão contempladas com os recursos financeiros e de formação. 

Os próximos passos para os empreendedores selecionados é a assinatura do contrato com o Fundo Baobá, que acontecerá em março, além das atividades formativas, nas quais é obrigatória a participação. Planejamento e gestão de negócios, comunicação e marketing, finanças, marco jurídico – regulamentação dos negócios e direitos, estratégias de sustentabilidade, relação com território, ação em rede e parcerias, serão os temas abordados e discutidos nas formações, que acontecerão de março a julho de 2021. Todos estes passos, além do cronograma completo, serão detalhados por e-mail, na próxima semana.

Programa Já É leva a 100 jovens negros pobres da periferia o direito de ser protagonistas de suas próprias histórias através do acesso à universidade

O direito de poder sonhar com uma vida digna. Nem toda a população brasileira tem isso. A falta dele se manifesta das mais diferentes formas. Aqui, vamos tratar do direito de ter acesso ao ensino superior. No Brasil, país de mais de 220 milhões de pessoas, nem todos têm acesso ao estudo. Os exagerados índices de pobreza, a falta de infraestrutura que gere trabalho decente e rendas compatíveis determinam que muita gente, principalmente a gente negra,  não terá acesso aos bancos escolares na tenra idade, na adolescência e na idade adulta. Essas pessoas,  de  diferentes identidades de gênero, poderão não ter gabaritação estudantil.  

O Fundo Baobá para Equidade Racial está, nesses seus quase 10 anos de existência, apontando formas de contribuir para que o Brasil alcance níveis de sociedade justa. Uma das bases de trabalho do Baobá é a Educação. Permitir o amplo acesso a ela é a meta, buscando os seguintes aspectos:    

  • Enfrentamento ao racismo institucional no ambiente escolar, tanto na educação infantil, no ensino fundamental e no ensino médio;  
  • Projetos de vida e ampliação de capacidades socioemocionais entre adolescentes e jovens 
  • Entrada e permanência no ensino superior (investimentos em alunos e alunas do ensino médio e de cursos preparatórios)
  • Formação de lideranças políticas
  • Formação de novos quadros 

Com base nisso e com apoio da Citi Foundation,  Demarest Advogados e Amadi Technology, o Fundo Baobá para Equidade Racial criou o programa Já É, que vai proporcionar a 100 jovens negros e negras da periferia de São Paulo e da Grande São Paulo fazer um curso preparatório para o vestibular durante um ano. Esses jovens, de idade entre 17 e 25 anos, que já tenham terminado o ensino médio ou  estejam cursando o último ano  em escola  pública,  terão um computador com acesso à Internet para que possam ter aulas não presenciais durante o período da pandemia; auxílio transporte e auxílio alimentação em caso de as aulas voltarem a ser presenciais. O custo das despesas com as aulas também será bancado pelo Baobá. 

Esse acesso vai proporcionar a esses 100 jovens negros e negras a possibilidade de poderem ser os artífices de suas próprias vidas ao se formar. Embora pesquisas como a realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2020 indiquem que o número de negros em cursos superiores tenha aumentado, isso em muito se deve à adoção das ações afirmativas, como a política de cotas, que reserva aos negros uma porcentagem de vagas em cursos superiores em faculdades e universidades. Mas o caminho de chegada às faculdades tem trajeto difícil e um gargalo entre a saída do Ensino Médio para o Superior. Sem a preparação adequada, cruzar essa barreira é algo bem difícil, principalmente para quem tem histórico de carências de vida nas mais diversas ordens. O programa Já É tem foco sobre jovens de sexo masculino, jovens transsexuais, jovens mães, jovens que residem em bairros, territórios ou comunidades periféricas.

O fato de terem essa importante oportunidade de acesso ao curso superior é comemorado por importantes educadores que foram convidados pelo Fundo Baobá para Equidade Racial para fazer a seleção dos estudantes. O processo incluiu três etapas seletivas: 1) Análise de Formulário de Inscrição; 2) Entrevista Individual e 3) Análise pelo Comitê de Seleção.

Um dos avaliadores convidados foi o geógrafo e Mestre em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP) Billy Malachias.  “A perspectiva mais direta para esses jovens é a de poder sonhar com o acesso  à universidade. Isso que é feito pelo Baobá, que é o investimento naquilo que antecede a chegada à faculdade, o acesso, é de suma importância.Já a política de cotas  é da própria instituição pública e garantida por lei. Essas duas ações (cotas e investimento) são convergentes entre si e colaboram para uma mudança do acesso de jovens negras e negros para o ensino superior”, disse. 

Billy Malachias, geógrafo e mestre em Geografia Humana – Foto: Rosana Barbosa

A pedagoga e doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense Mônica Sacramento comemora a iniciativa do Baobá. Mônica é coordenadora de projetos do Criola,  organização da sociedade civil que promove a defesa e direitos das mulheres negras. “Acho de extrema importância iniciativas que possibilitem suporte para a construção de trajetórias de jovens para mitigação dos efeitos das instituições e mecanismos de socialização e a forma como os indivíduos e grupos racializados se posicionam e são posicionados em relação a eles”, afirmou.

Mônica Sacramento, pedagoga, doutora em Educação e coordenadora de projetos do Criola

Bacharel pela USP em Matemática Aplicada a Negócios e pedagoga com especialização em Matemática, Francielle Santos é coordenadora pedagógica do Instituto Canoa, organização criada com a missão de viabilizar a formação de professores de excelência no Brasil. Como uma das avaliadoras, ela elogiou a iniciativa do Fundo Baobá. “Essa iniciativa é fundamental pela oportunidade que oferece aos jovens de aumentar as chances de acesso ao ensino superior e, portanto, de assumir posições de lideranças posteriormente. Além disso, a forma como essa proposta foi desenhada pode trazer mais informação sobre o quanto é importante contemplar de uma forma mais integral as necessidades desses jovens, por exemplo,  no que diz respeito ao acompanhamento e permanência ao longo dessa preparação”, disse. 

Francielle Santos, bacharel em Matemática Aplicada a Negócios, pedagoga com especialização em Matemática e coordenadora pedagógica do Instituto Canoa

Selma Moreira, diretora executiva do Fundo Baobá, em recente live realizada pelo Women in Science and Engineering (Wise), falou sobre a importância do Já É para esses 100 jovens negros e negras. “Todos esses cuidados que tomamos no edital ajudam a entender os desafios da educação para a equidade racial, que são proporcionais à sua importância. Sem acesso à educação, um povo é condenado a repetir os mesmos padrões. Mas quando pensamos em educação para a promoção da equidade racial, precisamos levar em conta inúmeros níveis de desigualdade: Diferença de acesso; Diferença de qualidade; Diferença no conteúdo educacional; Diferença no tratamento.” 

O programa Já É, com certeza, é uma grande contribuição para que esses jovens se tornem protagonistas de seus futuros. Além do que, também é transformador na vida dos avaliadores do processo de seleção. “Eu me sinto bastante feliz em ter participado. Sempre me vejo como um agente que precisa apoiar iniciativas como essa do Fundo Baobá. Eu me vejo como alguém que colabora para transformações de vida por meio da qualidade de minha formação docente. Que é algo que contribui para que pessoas se inspirem a trilhar um caminho universitário,  acadêmico, ativista. Não é possível ser um educador sem que  a gente pense em possibilidades melhores de vida, indiscriminadamente, para todos os espaços”, afirmou o geógrafo Billy Malachias. “O convite para compor o comitê de seleção do edital, além de uma satisfação pessoal por integrar um grupo qualificado e de trajetórias profissionais tão expressivas, transforma, em alguma medida, minha trajetória individual e profissional”, afirma  Monica Sacramento, cujo pensamento é seguido por Francielle Santos: “Toda e qualquer oportunidade de conhecer os anseios, desafios, necessidades e potencialidades de jovens negros é uma experiência transformadora para mim. Essa experiência me fez renovar e ampliar as minhas razões para esperançar”, afirmou. 

Além de Billy Malachias, Mônica Sacramento e Francielle Santos, também fizeram parte do comitê selecionador do Já É, a pedagoga com habilitação em Orientação Educacional pela Universidade Federal do Maranhão, Socorro Guterres, membro da Assembleia Geral do Fundo Baobá para Equidade Racial e Milton Alves dos Santos, pedagogo formado pela USP, com atuação nas temáticas da juventude e da infância.

Milton Alves dos Santos (pedagogo e membro da Assembleia Geral do Fundo Baobá para Equidade Racial) e Socorro Guterres (pedagoga)

Quem legitima a liderança de uma mulher negra evangélica?

Conheça a trajetória de Vanessa Maria, liderança da Rede de Mulheres Negras Evangélicas

Por Brenda Gomes*

Vanessa Maria Barboza, 32, desde muito nova teve contato com a religiosidade praticada pela sua família. Foi dentro da igreja evangélica que aprendeu valores cristãos que a acompanham até hoje. Foi lá também que começou a sentir a necessidade de questionar as estruturas que ajudaram a formar as suas experiências, não somente com a espiritualidade, mas também como mulher negra.

“A igreja me ajudou a pensar sobre minha existência neste plano. A religiosidade sempre fez parte da minha vida. Mas, tem uma hora que você para e pensa: ‘será que está tudo certo, mesmo?’ Foi quando eu comecei a perceber que tinham coisas ótimas, dentro do contexto religioso, mas que a minha formação neste espaço, foi construída a partir da lógica da branquitude.”

Assim como Vanessa, a história de muitas mulheres negras brasileiras é marcada por vivências em igrejas evangélicas. Segundo pesquisa divulgada pelo Datafolha, no final de 2019, cerca de 31% dos brasileiros são evangélicos, dentre estes 58% são mulheres, entre as quais 43% se identificam como pardas e 16% como pretas, totalizando 59% de mulheres negras. Levando em conta dados como esses e as vivências de mulheres negras dentro das igrejas, que em 2018, Vanessa fundou a Rede de Mulheres Negras Evangélicas – RMNE, um movimento que começou em Recife (PE), mas que se estendeu por todo o país. O grupo, formado por 110 participantes e 35 lideranças ativas, se propõe a fazer releituras das experiências espirituais a partir de uma perspectiva que leve em conta as perspectivas de raça e gênero, além de discutir políticas públicas e de bem viver para mulheres negras. 

Apesar de ocupar um espaço de liderança no grupo, o lugar de “líder” sempre foi questionado por Vanessa. Questionamentos que foram aprofundados durante a jornada de autoconhecimento proporcionada através do incentivo ao participar da 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. Uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations.

“Eu me perguntava sempre que tipo de liderança eu era, e quem legitimava a minha liderança. Porque o racismo está em todas as áreas; na vida da gente, nos meios sociais, nas discussões e também no meio evangélico”, conta Vanessa, que é também assistente social. Ela diz que o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) foi muito importante para saber que o trabalho que desenvolve com o movimento progressista evangélico não está desfocado da luta antirracista, “e nem da luta coletiva das mulheres negras, essas percepções eu fui amadurecendo ao longo do Programa”, completa. 

O edital foi visto por Vanessa como uma possibilidade de dar alguns passos em sua trajetória profissional. Por isso, utilizou o recurso para subsidiar realização de cursos de aprimoramento e aquisição de equipamentos para auxiliar sua pesquisa acadêmica, que tinha como foco os grupos de mulheres evangélicas, em especial a RMNE. Para a assistente social foi também a possibilidade de pensar em sua trajetória individual.

“Eu sempre pensei em coletivo nos espaços que eu estava inserida, mas com o apoio do Baobá eu consegui pensar em mim enquanto sujeito que tem suas individualidades e histórias. Esse recurso foi uma virada de chave para Vanessa”, relata. 

Dentre as atividades que foram desenvolvidas para as mulheres apoiadas pelo Fundo Baobá, estava o encontro das lideranças. Momento que inicialmente foi utilizado para trocar experiências sobre os trabalhos desenvolvidos, mas que por conta do cenário pandêmico, se transformou em uma rede de apoio e acolhimento. 

“Quando eu me aprofundo e vou trocando experiências com outras mulheres, eu consigo ter uma visão mais amadurecida da minha trajetória. Percebo que, como talvez a única liderança que traga esse recorte religioso evangélico, dentro do grupo, eu preciso ser mais estratégica e generosa comigo e com minhas ancestrais. Ouvir outras companheiras me fez perceber que meu trajeto não deixou de ser marcado pelo racismo e machismo apenas porque sou de uma religião que é aceita pela sociedade, meu corpo ainda é de uma mulher e negra”.

 

Cidadania, fé e política

Entre os resultados apresentados por ela está o Relatório Cidadã de Fé, que teve como objetivo conhecer as noções de cidadania e acesso a direitos de mulheres evangélicas. “Eu já havia iniciado uma pequena pesquisa exploratória sobre cidadania, com algumas mulheres evangélicas. E com o apoio do Fundo Baobá eu consegui fazer o relatório final dessa análise, que ainda que pequena, demonstra um pouco desse universo”, conta. 

A pesquisa foi realizada através de entrevistas com mulheres dos estados de Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraíba, Alagoas e uma participante brasileira nos Estados Unidos. Todas com idades entre 18 e 63 anos. Apesar de demonstrar que a maior parte das entrevistadas possuem nível superior, 64% destas nunca fizeram uma formação específica sobre cidadania, 43% de todas respondentes consideram saber pouco sobre o assunto.

Em um cenário de eleições municipais (2020), a pesquisa ainda provoca reflexões em torno da influência que a organização religiosa tem sob o eleitorado, o chamado “voto de cajado”, que configura o uso do poder clerical para impor o voto da comunidade religiosa. “As representações evangélicas têm crescido nos espaços políticos, mas quem são essas pessoas? Elas de fato representam os evangélicos? Os representantes políticos evangélicos não representam esse grupo [negras evangélicas] nem nos seus corpos e nem do princípio do ponto de vista democrático. Se questionar sobre esses pontos também é pensar sobre cidadania”, explica Vanessa. 

Os primeiros relatos do movimento evangélico na política brasileira foram na década de 60, mas só tiveram uma presença mais efetiva no sistema político do país a partir da década de 80, quando as igrejas tiveram a inclusão de mais parlamentares cristãos. Nos últimos anos, a atuação da Bancada Evangélica, na Câmara dos Deputados, tem se mostrado com bastante força, o avanço na aprovação de pautas mais conservadoras que barram direitos conquistados pela comunidade LGBTQIA+ e das mulheres é um exemplo disso.

Como mestra em educação e culturas, Vanessa atribui que o poder desses grupos é estruturado em ações que, apesar de se demonstrarem como uma forma de incentivo à educação, apresentam uma “perspectiva colonizadora da mente”.

“Existem muitas pessoas que foram alfabetizadas a partir de projetos de igrejas cristãs, imagine o que essas pessoas aprenderam além da língua portuguesa? Algumas aprenderam uma interpretação fundamentalista da bíblia. Esse é um fenômeno social que vem acontecendo há anos, que muitas vezes encontram solos férteis em determinadas denominações que têm um projeto de poder político, que cooperam com a estrutura racista da sociedade.”

Sankofa e saúde mental

Quando resolveu submeter um projeto de mestrado na Universidade Federal Rural de Pernambuco, em 2017, Vanessa não imaginava que durante o processo de pesquisa ela passaria por um cenário de crise pandêmica. No final da especialização, os desgastes físicos e emocionais atravessaram a jornada acadêmica. Com esse contexto, os recursos do Fundo foram redirecionados também para cuidados com a saúde mental e próprio sustento. 

“Quando começou o lockdown eu tive uma crise de pânico, justamente pelas incertezas e instabilidade daquele momento. Eu estava desempregada, estava bem mal financeiramente. O recurso ajudou a cuidar da minha saúde mental e da minha subsistência naquele momento”, conta. 

Distanciamento social, perda de parentes e amigos, incertezas sobre o futuro e a rotina reconfigurada pela crise sanitária mundial afetou o estado emocional dos brasileiros. Segundo uma pesquisa divulgada pelo Fórum Econômico Mundial, em abril de 2021, os brasileiros ocupam a quinta posição entre os que mais sentiram uma piora na saúde mental durante o último ano, 53% das pessoas entrevistadas apontaram que a saúde mental piorou desde março de 2020.  

Para Vanessa a psicoterapia mostrou que, além dos efeitos do contexto de pandemia, os traumas adquiridos durante a vida, por conta do racismo, também influenciaram no adoecimento mental. “Na terapia eu pude entender mais como os impactos racistas, que eu sofri durante toda a minha vida, impactam a minha existência. Como o contexto, tantas vezes, fundamentalista e conservador, serviu para o apagamento da minha negritude”. 

Nessa trajetória de aceitação do seu lugar de liderança, a pernambucana também sentiu necessidade de refazer e de construir alguns caminhos para entender melhor a sua identidade. O PDI possibilitou que Vanessa realizasse um curso na área de gestão de projetos na cidade de São Paulo, onde reside a sua família paterna. Ela não tinha proximidade e essa mudança possibilitou-a se conectar com a sua ancestralidade.

“Com essa reconexão com eles, percebi o quando o racismo afeta nossas vidas em uma perspectiva intergeracional. Eu leio isso em artigos e textos, mas quando vejo que isso trouxe para mim traumas e danos emocionais que afetam na minha construção de ser menina e mulher negra, eu venho tentando reconstruir esse processo”, conta. 

Para as pessoas negras a recuperação dessa ancestralidade é o ponto de partida para a luta antirracista. Para as mulheres negras evangélicas, que sofrem a intersecção das opressões racial e de gênero, esse caminho de reconexão permite que o racismo e o machismo não sejam naturalizados dentro da sua espiritualidade.

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

“Saúde mental é uma questão política”, defende a psicóloga e ativista Joice dos Santos

Joice Silva dos Santos, liderança apoiada pelo Programa Marielle Franco, fala sobre sua trajetória e seus processos durante a pandemia

Por Giovane Alcântara*

Nascida em Jacobina (BA), Joice dos Santos reside há oito anos no estado do Piauí. Migrou para o estado com o objetivo de cursar Psicologia e hoje é mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Conversamos com Joice Silva sobre seu caminho dentro do ativismo; pandemia e os impactos para a saúde mental da população negra. Joice é uma das liderança apoiadas na 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations.

Na vida de Joice dos Santos, a pauta da psicologia chega muito tempo depois do ativismo. “Enquanto pessoa negra, enquanto mulher negra, não-heterossexual, a pauta do ativismo é uma pauta que se encontra aliada à pauta da sobrevivência”, comenta. “Eu escolhi fazer psicologia porque eu entendia, e entendo, que o racismo produz um modo de adoecimento muito característico em pessoas negras. Meu interesse era entender como isso acontece, para desenvolver técnicas de cuidado para pessoas negras em meio a um mundo racista que os adoece frequentemente.” completa. 

Além de ser psicóloga, Joice também é especialista em cabelos naturais e atua como cabeleireira afro. Ela nos contou como o processo pandêmico a atingiu e como o Baobá contribuiu positivamente para passar por esse processo.

 

  • Como o processo pandêmico te atingiu enquanto mulher negra e liderança? E como o Fundo Baobá contribuiu para o seu processo?

A pandemia me atingiu em termos financeiros, que é o impacto de modo inicial que qualquer pessoa sente, se não tiver renda. Então, por exemplo no meu mestrado, devido aos cortes do desgoverno, não tem bolsa para nenhum estudante de nenhuma categoria. Se naquele momento eu não tivesse o apoio do Baobá, o mínimo teria faltado porque eu não poderia trabalhar, o salão estaria fechado devido a pandemia. Foi muito importante ser uma das escolhidas para ser financiada porque garantiu que, minimamente, eu tivesse onde morar, o que comer, pra que eu me mantivesse no mestrado. Porque se eu tivesse que escolher entre sobreviver e mestrado, óbvio que eu iria escolher sobreviver. Fora isso, estrutura. Eu pude investir numa mesa de trabalho; numa cadeira confortável para produzir; investir em curso de inglês, que estava previsto no meu projeto; pude investir e adaptar coisas que parecem pequenas, mas que são importantes. E o mais importante: pude investir em acompanhamento psiquiátrico e psicológico.

  • Quais os efeitos da pandemia para pessoas negras, e o que fazer para que a saúde mental desse grupo seja preservada?

A pandemia não é o problema que causa o racismo, a gente precisa entender que ela é um catalisador que age sobre um problema que já existia. E, como esse problema já existia de forma crônica e grave, ele só piora. Não é na pandemia que surge o racismo, nós sempre estivemos em pandemia. A população negra sempre esteve em toque de recolher, sempre esteve em pânico, sempre esteve sem saber se vai sair pro trabalho e vai voltar ou não. A primeira parte é entender isso, a gente não resolve a pandemia, a gente cria práticas de emergências. 

Pensando nessa perspectiva não é nem solucionar, mas criar outra forma de existência. É a gente voltar pra questão que gera o cenário pandêmico atravessado completamente pelo racismo. Não somos nós, pessoas negras, que racializamos o mundo, são as pessoas brancas que racializam o mundo. As coisas sempre estiveram acontecendo, a diferença é que a pandemia catalisou e aumentou a divulgação. 

  • Existe algum caminho de fortalecimento para que esse momento seja menos denso e tenso para a população negra? E você pode se incluir nesse processo… O que você fez para que esse momento fosse um pouco menos tenso para você? Se é que ele foi um pouco menos tenso para você, pensando a pandemia como catalisador de emoções  e de outras problemáticas sociais que atingem o mundo.

Alguns momentos e algumas coisas são impossíveis de torná-las menos horríveis. A gente vive num momento social de muita positividade tóxica, as invenções das fórmulas perfeitas para felicidade, para você passar no concurso, para ficar magra, para ter um desempenho sexual incrível. E isso, lógico, acontece também no campo da saúde mental. Algumas coisas são horríveis e a gente não pode fazer nada sobre isso.  A gente faz o que então? Acolhe a demanda de sofrimento. A gente não consegue mais acolher as demandas de sofrimento, então quando alguém está sofrendo, nós nos resolvemos em soluções temporárias, que é pra tapar o sofrimento dela. Para ela parar de sofrer, porque não suportamos mais escutar aquele sofrimento. Nas últimas décadas temos perdido a habilidade de sustentar o sofrimento dos outros, ouvir… então a primeira pauta é que a gente consiga sustentar. 

Resolveria grande parte do meu estresse em meio ao meu surto psicológico (psicólogos também surtam porque são pessoas) se eu soubesse que meu aluguel seria pago. Que o auxílio emergencial fosse calculado com base minimamente no que seria necessário para uma pessoa comer, morar, beber água e viver num cenário pandêmico. Saúde mental é uma questão política, assim só é possível garantir saúde mental para as pessoas se elas tiverem o mínimo. E o mínimo não foi dado, esse mínimo não está sendo dado.

  • Na sua trajetória enquanto mulher negra e enquanto pessoa articulada politicamente, ativista da raça, do gênero e da sexualidade, quando você percebeu que era necessário você se cuidar? Se autopreservar?

Essa é a parte mais difícil, mulheres são criadas para ser cuidadoras, e mulheres negras são criadas para ser cuidadoras e servas dos outros. Nós somos fortes e aguentamos muitas coisas, dentro dessa lógica, nós acreditamos que precisamos aguentar. Então, praticamente no meu caso, e de outras mulheres negras, a gente não percebe e adoece. Estamos falando de um estado mental de sobrecarga. De que essas mulheres negras têm várias funções: são mães, são trabalhadoras, são esposas, são ativistas. E o ativismo demanda muito, porque a gente tá lutando por uma questão que nos afeta diretamente, e a outras pessoas como nós. Eu fiz um artigo na pós-graduação onde questiono a maneira como a militância se organiza né?! A gente tem que parar de ter uma militância messiânica. A gente precisa entender que a militância precisa ser uma coisa co-construída, com poder, destaque, democraticamente distribuído, ou sempre vão haver pessoas sobrecarregadas.

  • Nesse processo, a articulação com outras pessoas, instituições, organizações é muito importante. Durante esse período de financiamento do Baobá você conseguiu se articular com outras mulheres que estavam participando do Programa Marielle Franco, ou fora do programa?

Sim, uma das minhas propostas era fazer um mapeamento das lideranças do meu território e transmitir para elas o conhecimento que eu estava adquirindo. A primeira fase era o mapeamento e depois o compartilhamento dos conhecimentos. A ideia era que fosse presencial, mas como a pandemia chegou, isso foi feito de maneira online. Foram várias lives, grupos, várias rodas de conversa online em que lideranças de diversas áreas eram convidadas a participar e contribuir. Eu sempre digo isso, o ativismo me manteve saudável, apesar da sobrecarga. Porque esses encontros serviam como momento catártico. É muito difícil você ficar em casa se organizando sozinha, quando você vai pros encontros, aquele encontro ressignifica sua caminhada. Ele faz com que você entenda que você não está caminhando sozinha para aquele lugar, que existe motivo real para você continuar caminhando, e que existe outras pessoas caminhando com você, mesmo que em outros lugares. Essa é a principal potência dos encontros. 

  • Você conseguiu cumprir todos os seus objetivos estabelecidos no projeto?

Acho que acabei alterando os objetivos. Um dos meus objetivos era um intercâmbio. Eu queria ir pra África do Sul, fazer uma capacitação de inglês lá, mas foi alterado devido a pandemia. Então foi adequado para o curso de inglês. Em relação ao que era meu principal foco, o mestrado, está em processo de conclusão. Vamos ver se eu consigo concluir porque meu quadro psicológico se agravou bastante e eu não conseguia produzir. Graças ao Baobá eu pude pagar psiquiatra e psicólogo pra me acompanhar nesse processo. Agora que eu colhendo os frutos de conseguir voltar a produzir, porque a escrita não é uma coisa automática, você se implica naquilo ali. Para “me ajudar” – porque já não bastava os problemas que eu tinha como ativista – minha dissertação pauta diretamente o racismo na pandemia, isso gerou um estado muito pesado, eu não conseguia abrir meu documento word porque eu não aguentava mais tanto sofrimento. Isso dificultou meu processo de produção, então, atualmente eu estou recorrendo a ter mais tempo para concluir esse mestrado, no caso, apresentar a última fase e defender, se tudo der certo nesse semestre.

  • Qual a importância de iniciativas como esta do Programa de Aceleração? 

Sobre a importância é muito louco, né?! Nas primeiras reuniões das mulheres escolhidas existia uma grande dificuldade, teve umas lives explicativas e eu entendi. Mas no começo era difícil entender o que o projeto era pra nós. Então, todas as mulheres apresentaram dificuldade para entender que esse dinheiro não era pra fazer uma feira, fazer mil cursos para outras pessoas. Esse dinheiro era pro auto investimento único e exclusivo em si mesma, enquanto liderança. Esse foi meu primeiro choque. Eu não consegui compreender. É difícil para uma mulher negra entender que esse dinheiro é todo pra ela, pro investimento na nossa capacitação, isso foi muito marcante.

O dinheiro que é investido nas lideranças, não impacta unicamente na vida dessas mulheres. Como elas são lideranças, esse dinheiro vai reverberar nas ações que elas vão produzir dali pra frente para com outras mulheres negras, pra crianças negras, pra sociedade de maneira geral. Então, o pacto para equidade racial que o Baobá se propõe e a gente compreende, é uma estratégia. Eu preciso de pessoas negras ocupando cargos de liderança, para que nesses cargos, elas consigam fazer mudanças necessárias para que o mundo exploda e a gente crie outro mundo. Para mudar o mundo, para que o mundo tenha equidade racial e que a gente consiga viver de forma justa, digna, enquanto pessoas negras. Essa é a importância do Programa Marielle Franco.

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

A ativista pernambucana Jéssica dos Santos aponta os desafios da construção de políticas públicas para as juventudes

Apoiada pelo Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, do Fundo Baobá, Jéssica Vanessa dos Santos desenvolve projetos de fomento à formação política de jovens

Por Jamile Novaes*

Jéssica Vanessa dos Santos é natural da cidade de Buíque, em Pernambuco. Aos 26 anos, atua em prol da construção de políticas para a juventude na região metropolitana de Recife. É ativista pelos direitos humanos e tem trajetória como mobilizadora e educadora popular. Durante quatro anos fez parte do Conselho Municipal de Políticas Públicas de Juventude do Recife (CMPPJ). Tem participado e ajudado a construir diversas iniciativas que impulsionam a atuação política de jovens e mulheres negras, como o projeto Juventude Negra e Participação Política, o Movimento Mulheres Negras Decidem e o projeto Emergências Políticas Jovens, do Instituto Update. 

Jessica é uma das contempladas da 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations. A militante de políticas para as juventudes conta como foi o processo de ser bolsista do Baobá, e como os desafios impostos pela pandemia afetaram o percurso de seu projeto. 

 

Reprodução: Instagram

 

  • Qual foi o start da sua trajetória política? Como você despertou para essa necessidade?

Eu participei de um curso que era do CCJ Recife, o Centro de Comunicação e Juventude. Eles ofereciam curso de fotografia, audiovisual, design gráfico, cinema… Abriu um leque, porque o CCJ além de oferecer o curso de fotografia, a gente tinha uma formação sobre direitos humanos e educação popular. Também através da Ong Diaconia, que apoiava esse projeto do CCJ e tem uma trajetória de formação e diálogo com jovens, tanto da igreja quanto de fora. Então fui convidada para participar de seminários. Tinha temas ligados à juventude, direitos humanos, e eu fui me apropriando um pouco mais desse espaço. Até porque, pelo que eu conseguia ter de informações da televisão, “direitos humanos eram para bandido”, então eu fiquei um pouco curiosa para entender. Eu pensava “o que eu vou fazer lá?”. Então teve uma inquietação minha e pra mim era tudo muito novo, eu era muito nova. Foi diante desse espaço que eu consegui me entender e me observar.

Depois de acabar o curso a gente teve algumas viagens para participar de seminários e foi onde eu consegui compreender as temáticas e participar. Foi aí que eu entrei no Movimento Negro Unificado, o MNU, onde eu tive uma educação racial participativa que me ensinou muita coisa, sabe? Eu fui conhecendo outras redes, outras ações e eu não parei mais.

  • Quem são as suas principais referências políticas?

Antonieta de Barros, Benedita da Silva, Vilma Reis, Taliria Petrone, Marielle Franco, Renata Souza, Mônica Francisco, Dani Monteiro, Erica Malunguinho, Erika Hilton, Robeyoncé Lima. Eu acho que pesa mais Marielle, pelo fato de eu ter conhecido ela, ter tido a oportunidade de participar de uma atividade, estar junto.

  • Assim como todas essas mulheres, eu imagino que a sua trajetória enquanto ativista política também já vem causando impactos sobre outras jovens e mulheres negras. Você consegue perceber isso?

Eu dei uma oficina dentro da Funase (Fundação de Atendimento Socioeducativo / Pernambuco) e teve um jovem que ficou muito agarrado comigo durante a oficina inteira. Ele era curioso e queria saber sobre o tema que a gente tava falando, sobre direitos da juventude, direitos humanos. Ele também entendia que direitos humanos era só para bandido e coisa e tal.  Depois que saiu, ele me achou nas redes sociais e mandou uma mensagem falando: “Obrigado por ter ido fazer aquela palestra. Hoje eu estou trabalhando e tudo mudou totalmente depois que vocês foram lá. Hoje eu saí da Funase e tenho outra perspectiva de vida. Voltei para a escola e quero fazer enfermagem. Quero ir para a universidade”. Marcou muito o fato de eu ter ido falar da minha trajetória e vivência, levar um pouco do conhecimento que eu tenho, um pouco da bagagem, e poder transformar. Para mim é muito importante essa construção, essa troca. 

Semana passada eu recebi uma mensagem de uma jovem parlamentar me dando os parabéns pela minha trajetória. Isso porque eu estou enquanto pesquisadora do Update (Instituição da sociedade civil que atua na pesquisa e fomento de iniciativas de inovação política da América Latina), fazendo muito conteúdo de texto, card, live. Eu escrevi um texto falando sobre a radical imaginação política da juventude brasileira e ela me mandou um feedback muito massa sobre como é difícil a gente, enquanto jovem, colocar para fora o que a gente pensa, o que a gente entende, o que a gente quer. Ela falou que vai começar a fazer esse exercício de colocar também a narrativa que ela entende, que ela quer.

  • Quais são as principais demandas de juventudes no Brasil atualmente?

Eu acho que é a questão do trabalho. Não dá pra pensar em outra coisa que não seja a relação trabalhista. A gente tem 92% de jovens que estão trabalhando informalmente, seja entregando alimentos, trabalhando em comércio de feiras ou em plataformas de metrô e ônibus. Quando você pega o metrô você vê claramente o jovem vendendo água, pipoca… Então no momento a questão é o trabalho que está faltando. Quando se coloca uma oportunidade pedem tanta formação que o jovem que acabou de sair da universidade não consegue nem o estágio, porque estão pedindo muita coisa. As pessoas precisam se sustentar, pagar contas e o desemprego está enorme.

  • Quais os principais desafios para se pensar em políticas públicas de juventude e para a juventude?

A construção da política em si já é um pouco distante da nossa realidade. Quando se coloca jovem, participação política e ativa, a gente falando de impossibilidade de um jovem dentro da periferia ter esse entendimento. Foi o que aconteceu comigo: durante quatro anos eu  fui conselheira municipal de juventude aqui no Recife e eu consegui perceber o distanciamento do poder público com a sociedade civil. A gente tinha que sempre cobrando a prefeitura, o município, o secretário: “cadê o tal orçamento?”. Precisava ter um plano para que a gente pudesse ter pelo menos um recurso mínimo para construir e debater a política  do município junto com a juventude, e a grande discussão era o orçamento público. Para você ter ideia, a secretaria tem só R$5 mil para fazer as atividades anuais. Como a gente faz para que outros jovens possam participar do conselho? Porque é através do conselho que você faz a construção com a secretaria, é através do conselho que os jovens podem levar as demandas da sua comunidade, sabe? Há um distanciamento muito grande. Não dá pra gente falando de juventude sem ter jovem no meio.

  • Como foi o seu processo de inscrição no Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco?

O Programa Marielle Franco veio pra minha vida de forma relâmpago. Eu tinha acabado de participar do Ocupa Política aqui em Recife, mais ou menos em agosto de 2019, e eu pude conhecer várias iniciativas, várias parlamentares. E depois disso eu pensei “poxa, tem tanta gente massa fazendo tanta coisa bacana. Por que as pessoas dizem que política não presta? Quando a Talíria (Petrone) no Congresso fazendo um mandato muito bom, a Áurea Carolina também . O Ivan está fazendo um mandato participativo aqui em Recife, fazendo prestação de contas do próprio mandato”. Daí eu conheci Daiane Dultra, que é uma pessoa maravilhosa, e foi ela quem me mandou o edital. Só estava faltando 5 dias para fechar o edital. A escrita do projeto não foi solo, foi coletiva. Teve outras pessoas envolvidas: o Bruno (Vieira), a Débora (Brito), a Mayara (Santana), [ativistas e amigos pessoais de Jéssica, que colaboraram com a elaboração e execução do projeto]. Essas pessoas ajudaram tanto na escrita, quanto na produção do vídeo, no envio do projeto. Eu fiquei muito receosa pensando que eu não tinha essa capacidade toda. Eu não sou acadêmica ainda, mas tenho um grande currículo de experiência e trajetória e Daiane me disse que não é isso que vale, que o importante era eu escrever a minha história e a minha proposta.  Durante os cinco dias a gente se falava de madrugada e foi daí que a gente foi pensando coletivamente em fazer uma caravana dentro das comunidades aqui em Recife, dialogar com as juventudes sobre as problemáticas em relação ao território, à participação social ativa. Essa seria a primeira parte e depois eu faria um tour para conhecer os mandatos, ir para Brasília conversar com a Áurea e a Talíria. Ir para São Paulo dialogar com a Érica Malunguinho (que é a primeira mulher negra trans a ocupar a assembleia legislativa de SP), ir no Rio de Janeiro conversar com a Dani Monteiro (a primeira jovem negra eleita deputada estadual pelo PSOL), ir para Salvador conversar com outras mulheres, ir para Minas Gerais… Então, a gente ia fazer uma pesquisa e depois lançar uma plataforma com todas as narrativas que a gente obteve durante o processo de viagem.

  • Você disse que a ideia inicial do seu projeto era fazer uma caravana. De que forma isso foi adaptado para a realidade da pandemia?

Eu não consegui produzir durante a pandemia toda. Eu não tive condições psicológicas. Eu não tinha algo que pudesse me levar para a frente. Eu acho que as únicas coisas positivas foram as formações do Baobá que a gente tinha e eu fui fazendo tudo muito aos poucos. Então as caravanas a gente colocou para o final, porque a gente entendia que não ia conseguir realizar online, já que tava todo mundo com muita coisa. A gente entendeu também que cada deputado ou deputada teria uma rotina muito grande, então as agendas não estavam batendo para pelo menos fazer um bate-papo online. [Dada a impossibilidade de realização das caravanas, foi realizado um ciclo de formações online sobre juventude e participação política]. Foi quando decidi que isso ficaria para o final do projeto, na expectativa de poder sair para fazer isso, mas me bateu uma tristeza muito grande de pensar que sempre que conseguimos algo tem que ter alguma coisa que faça voltar dois passos atrás. Também tive muitas perdas, mortes, o que pesou muito. Eu fiquei mal psicologicamente, então não foi uma produção da forma que eu queria que fosse. Eu fui fazendo aos poucos o meu projeto. O processo de a gente sair para os territórios também não aconteceu. A gente colocou para o final do ano, mas não aconteceu. Então pra mim foi muito ruim.

O meu projeto que seria uma plataforma incrível que estávamos imaginando e sonhando, não obteve o que a gente queria. Então eu fui fazendo leituras políticas, fui estudando aos poucos. Teve o Mulheres Negras Decidem que ajudou bastante. A gente fez várias formações e eu estava sempre participando. Ver tantas mulheres negras unidas no mesmo propósito era essencial e importante. 

  • E as atividades que aconteceram no formato online atingiram o público esperado? Ou foi necessário também alterar sua expectativa de público? Como ficou essa configuração?

Já que a gente não ia conseguir sair para os territórios, eu resolvi fazer uma formação online. Quando estava na construção dessa formação eu pensei em fazer algo fechado só para jovens aqui em Recife, mas depois eu pensando bem resolvi abrir para quem quisesse participar. Eu queria que fosse presencial porque tem outra energia, outra perspectiva e você acaba obtendo até mais que esperava, mas tudo bem. Quando fechei as inscrições, tínhamos pessoas de São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Rio de Janeiro e Paraíba. Aqui em Pernambuco tinha gente de todos os municípios: Recife, Jaboatão, Camaragibe, Paulista, Igarassu, Itamaracá, todos. Querendo ou não, a gente ultrapassou a expectativa do que imaginávamos. Fiquei surpresa, mas foi muito importante ter uma galera de fora participando.

  • Qual foi a principal contribuição do Programa Marielle Franco na sua formação política? Quais são as suas perspectivas e projetos para o futuro?

Para mim foi o aprendizado com mulheres negras, todas as histórias que escutamos, as contribuições e as formações que o Fundo Baobá deu – principalmente com a (ONG) Criola. O Programa trouxe muitas mulheres acadêmicas e eu quero muito entrar na universidade e fazer gestão pública. Também pretendo lançar um projeto que possa formar jovens dentro dos seus territórios e comunidades. Tem outro projeto que é um sonho meu: um grande festival aqui na minha periferia. Ele já está guardado há 3 anos e eu estou mexendo novamente porque quero muito que isso aconteça. Eu penso também em criar um espaço no qual eu possa fomentar e estudar a imaginação política com as juventudes. Trazer essa ajuda para que o jovem que está dentro da periferia sem perspectiva de vida, possa mudar através do conhecimento e das oportunidades. Da mesma forma que eu tive a oportunidade de fazer um curso de graça, eu quero que outros jovens possam ter esse caminho. O sistema é cruel, o racismo, a sociedade em si. Construir, caminhar e ser um ativista requer muito tempo da gente, requer um espaço. Eu consegui obter isso, mas não foi sozinha. Eu consegui me tornar essa pessoa que eu sou hoje através da minha tia, porque quando eu tava na rua (brincando), ela tava trabalhando.

  • Se você pudesse mandar um recado para toda a juventude brasileira, o que diria?

Eu diria que a gente não pode deixar de sonhar. Sonhar é extremamente importante pra gente se manter vivo e manter as nossas ideias. É isso que eu faço.

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

Liderança multipotencial, Brígida Rocha dos Santos, atua na luta contra o trabalho escravo no Maranhão e em outros estados do país

Assistente Social de formação, a liderança maranhense atua em diversas áreas dos Direitos Humanos

Por Juliana Dias*

Quando a maranhense e assistente social Brígida Rocha dos Santos se inscreveu para ser uma das bolsistas da 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, ela não esperava que os números fossem impactar de maneira tão significativa na continuidade e fortalecimento de sua trajetória enquanto liderança negra com atuação no combate ao trabalho escravo.

O Programa, que é uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations, proporcionou a Brígida, em dois anos: fazer 13 cursos, 3 mentorias e 4 imersões; escrever 6 artigos; ampliar sua participação nas redes sociais; e integrar uma plataforma para visibilidade de assistentes sociais.

Brígida Rocha recebeu em 2015 um Prêmio de Direitos Humanos na categoria Combate e Erradicação do Trabalho Escravo. Em entrevista, a maranhense da cidade de Açailândia, nos conta como as trocas com outras mulheres negras potencializou sua atuação e contribuiu para sua autoestima e autonomia financeira dentro do campo profissional, pessoal e do ativismo.

  • Como começou sua trajetória enquanto liderança negra?

Iniciou na igreja enquanto catequista, e aí logo vem o convite, ainda adolescente, para trabalhar numa rádio comunitária em um programa infantil. Assim, eu fiz o percurso de aprender tudo sobre comunicação na rádio comunitária e aí ficava acompanhando as crianças, apresentando o programa, mas me envolvendo já com as pautas de direitos humanos, principalmente do tema trabalho escravo e trabalho infantil. E aí estudava, fazia cursos, fui até para experiência de estágio como professora, mas recebi esse convite para passar a atender pessoas vítimas de trabalho escravo. Era a possibilidade de um projeto que havia surgido na ONG Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos. É uma ONG que tinha criado essa rádio comunitária, então já trabalhava com essa temática desde sua fundação. E no período de 2005, eles com um projeto tiveram a possibilidade de contratar alguém, aí me deram esse desafio para em três meses aprender as técnicas do atendimento às vítimas de trabalho escravo. A partir disso eu fui me desenvolvendo, até mesmo em conhecer a realidade do trabalho escravo contemporâneo, pois o que eu tinha era mais a partir do que eu lia, visões muito fechadas sobre aquilo que a gente aprende nas escolas.

Foi um divisor de muitas mudanças pra mim, de ideias, de compreensões. Assim fui me destacando nessa temática, estudando bastante, sempre nessa parte de atendimentos, mas fui recebendo outras funções, outras missões, como coordenar equipes de atendimentos, fazer palestras, participar de atividades específicas, organizar eventos. E a gente nesse processo de acolher trabalhadores foi conseguindo também atender pessoas de outros estados.

Eu sempre tive esse contato com o tema da Campanha de Combate ao Trabalho Escravo e é uma campanha nacional da Comissão da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Então, em um período eles se juntaram (o Centro de Defesa e a CPT) e fizeram uma indicação para eu receber um prêmio de direitos humanos na categoria de combate ao trabalho escravo, por entender dessa contribuição que eu vinha tendo diretamente.

  • Quando foi esse prêmio?

Foi em 2015. É um prêmio nacional, que foi entregue pela presidenta Dilma na época. Foi em Brasília e foi um grande momento quando esse prêmio apareceu. Uma gratidão muito grande permanece, pela confiança dos trabalhadores. Eu vejo que esse destaque todo foi devido a qualidade do atendimento, mas principalmente da aceitação, da recepção, da força dos trabalhadores que possibilitaram isso. Na minha trajetória toda eu sou conhecida como alguém que atende vítimas de trabalho escravo, que orienta, que faz encaminhamentos, articulações e trata dessa pauta. Mas, eu faço outras coisas. Também atendo mulheres vítimas de violência e também atuo nessa pauta do trabalho infantil.

Minha profissão é Serviço Social, sou assistente social, me formei em 2013. Eu tinha muito sonho de me formar em direito e por questões econômicas e por não conseguir a vaga na faculdade pública, eu não cursei. Então, depois eu consegui entrar no Serviço Social que era um curso de valor menor, com parcelas econômicas. Tão logo fui contemplada pelo PROUNI, fui bolsista integral. Fiz a graduação em Serviço Social e uma pós em gestão pública por outra faculdade estadual. É esse o meu nível de escolaridade, mas antes eu já tinha feito magistério. Sempre fiz muitos cursos nessa área de direitos humanos, participei de vários eventos nacionais e internacionais (dentro do Brasil) nesta pauta da migração forçada, do trabalho escravo. Em relação às mulheres, em especial, eu estive participando de algumas atividades de encontros de mulheres. Mas, nessa pauta da mulher negra, da raça, isso foi uma vivência que eu consegui através do projeto financiado pelo Baobá, do Programa Marielle Franco. 

  • E como é a Brígida Rocha dos Santos fora desses espaços de militância?

Eu sou mãe, tenho duas crianças de 11 e 13 anos. Eu resido no município de Açailândia, no estado do Maranhão. Eu sou natural desse município, mas trabalho em municípios diferentes pela minha relação com essa pauta do trabalho escravo e minha integração na Comissão Pastoral da Terra. Eu fico aqui no Maranhão, mas contribuo com os demais estados nessa discussão da pauta de trabalho escravo e a gente vem trazendo essa contribuição da visibilidade das mulheres vítimas do trabalho escravo, que é um contexto antes não muito discutido, era sempre tratado pela situação dos homens. Então, eu percebo que eu venho me desenvolvendo, aprendendo, conhecendo mais a partir do acompanhamento que eu tenho com comunidades quilombolas, comunidades tradicionais aqui no estado. Isso permite eu me desenvolver pessoalmente e também profissionalmente, e contribuir para o movimento quilombola do Maranhão. É um movimento que eu apoio e acompanho desde 2013. Aprendo muito com eles e também com a CPT.  Eu me vejo como alguém que é assistente social, comunicadora, mãe e faz várias coisas. Eu também crio outras estratégias empreendedoras, como vendas de roupas íntimas e assim eu vou seguindo a vida. Eu estudo bastante, mas sempre em relação a esses temas das quais eu já trabalho. Minha pós, meu TCC, por exemplo, foram com tema sobre trabalho escravo. 

  • Isso tudo que você é, representa e faz, significa ser uma liderança multipotencial, como você nomeia no seu projeto?

Eu me vejo como liderança multipotencial por eu estar em vários espaços, tanto com mulheres, com movimentos e com diversas temáticas. Eu tenho esse foco do trabalho escravo, porém eu participo de outras, tanto devido a minha profissão quanto às afinidades que eu tenho. Eu contribuo também nessa parte de formação de comunicadores; enquanto assistente social contribuo tanto em atividades técnicas, como na formação de alunos, de discussões do curso em si, como professora, facilitadora, convidada para atividades específicas, mas principalmente pelos atendimentos com as comunidades quilombolas. É uma trajetória complicada, mas muito gostosa. Quando precisei ficar algum tempo parada nesse período da pandemia, o início foi um pouco complicado, eu estava me sentindo bloqueada. Eu dizia: “Eu tenho que acordar. Essa não é a Brígida. Eu tenho que me envolver”. O Programa, por exemplo, me ajudou muito. Esse período da pandemia foi difícil, mas abriu muito essa possibilidade de estudo, de interação com outros grupos. Essa visão de estar nos espaços virtuais, que foi um desafio, mas que foi necessário e importante e que abriu grandes oportunidades. 

  • Como tem sido atuar em uma rede de assistentes sociais (a Ikesocial)?

A Ikesocial é um espaço mais para dar visibilidade às assistentes sociais, inclusive a gente vem passando por formações, discussões tanto em grupo de Instagram quanto de WhatsApp. A gente troca experiências e isso tem sido muito importante, como também é uma das bases para eu poder entrar no processo de melhor fazer minha avaliação profissional, de estabelecer preços. É uma revisão de, enquanto assistente social, eu posso fazer os trabalhos de forma autônoma sem ter que estar com vínculo trabalhista diretamente. A pessoa que faz a gestão, que é quem fundou, é também uma assistente social negra, que passou por esses desafios que a gente passa. Eu vejo como um espaço interessante que também serve para eu poder divulgar, apresentar meus trabalhos. E essa visibilidade é acompanhada de muitas formações. Para mim tem sido um grande desafio, eu me formei em 2013, porém vim ter alguns conhecimentos mais específicos desse grande leque de oportunidades já a partir desse envolvimento com a Ikesocial. Até melhorei meu Instagram, mas ainda tem coisas que eu preciso pôr em prática. 

  • Essa presença no Instagram foi algo novo dentro dessa sua experiência com a Ikesocial e com o Programa Marielle Franco? 

A orientação deles é que a gente crie um Instagram específico enquanto assistente social para dar essa visibilidade profissional, porém o meu Instagram que eu já tinha a muito tempo vivia parado. Eu não movimentava. Aí quando eu comecei a movimentar foi quando eu entrei no Programa Marielle Franco. Então, eu comecei a postar coisas no Instagram já a partir da entrada dentro do Programa, só que ainda não tinha essa grande visibilidade, eu não tinha muitos seguidores. Depois eu entro com a Ikesocial e eles vem incentivando essa melhoria do Instagram e também para melhorar a visibilidade profissional, o que eu fiz foi: não vou criar um outro Instagram como eles orientam, porque o meu também não tem muita coisa, eu só vou adequar mais para esses temas específicos e é isso que eu venho fazendo. Então assim, eu tinha um número tão baixo, acho que era menos de 300 pessoas. Esses dias eu não olhei ainda, mas suponho que está em 900 e poucas pessoas. Como também a visibilidade nos temas, nas matérias que consegui desenvolver, textos junto ao [Portal] Geledés. Então, assim essa parte de dar visibilidade a profissional Brígida, enquanto assistente social, enquanto liderança feminina negra, enquanto mulher que trabalha dentro dessa temática do trabalho escravo, pra mim é um grande resultado. Foi um grande desafio e eu vejo como resultado isso: eu consegui pensar mais em mim, me ver mais e passar isso para os outros. 

  • De que maneira a pandemia impactou nas metas que você traçou como liderança do Programa Marielle?

Eu sempre fui muito comunicativa, mas teve um período que eu me bloqueei. Eu não sei exatamente o ocorrido, mas teve um período que eu corria de lives. Alguém convidava, eu inventava desculpa, eu não queria participar desses espaços virtuais, por alguma insegurança da qual eu não sei exatamente o porquê, já que eu não tinha medo de falar. Esse foi um dos impactos que, pra mim, foi muito estranho quando eu me percebi naquele processo de não querer me comunicar. Até porque, antes eu participava bastante, mas não nos meios digitais, era sempre eventos presenciais. Creio que talvez esse tenha sido um dos motivos. Essa área virtual, de estar aparecendo nas lives, eu fiquei preocupada com várias coisas, questões de julgamento. Me perdi aí num período, mas eu reanimei depois e voltei a ativa.

A pandemia me prejudicou de concreto dentro do que eu havia planejado, na proximidade com as mulheres. Meu projeto visa dar visibilidade às mulheres vítimas de trabalho escravo, pra isso eu precisaria estar também próxima, estar em contato direto com essas mulheres. Mulheres que já haviam sido resgatadas, em períodos anteriores, mulheres que conseguiram sobreviver, sair do trabalho escravo. A pandemia me impediu no sentido de não encontrá-las, elas são do estado, mas não ficam em localidades tão fáceis, algumas eu busquei fazer agendamentos, mas não foi possível. A situação de não encontrar essas mulheres e a partir dali identificar como elas conseguiram sobreviver, quais estratégias elas utilizaram para poder resistir, sair do que elas vivenciaram, é um impacto que vejo como o mais difícil dentro do meu projeto. As outras coisas eu avalio que eu consegui ter um bom êxito, nessa coisa da partilha de saberes, porque eu participei de muitas atividades. Também de integração com outras líderes do Programa, trocamos ideias, construímos coisas juntas, fizemos artigos, participamos de lives.

Eu aprendi muito com as formações que a Baobá promoveu com os parceiros, com a Coach, com o pessoal da Criola, entre outros. De todos eu aprendi bastante. Uma coisa assim que eu vejo também que foi um grande desafio foi colocar as despesas dentro do projeto, nessa coisa pró-labore, porque é algo que, no início, eu não tinha pensado quando eu fiz o meu projeto. Ele era focado em produções, em organizar o meu registro profissional, que estava pendente.

Eu consegui me atualizar com taxas, eu consegui comprar materiais que eu não tinha, como notebook, impressora, itens de escritório, para eu poder trabalhar com tranquilidade, estudar também, poder atender as pessoas. Consegui quitar as mensalidades da internet. Pra mim essa coisa do salário de pró-labore era algo que eu não tinha pensado, nas formações e nos encontros com a Baobá fui percebendo essa possibilidade e foi o que me ajudou muito. As minhas despesas fixas, de alimentação e coisas diversas, saíram desse projeto. Antes eu nem tinha pensado, porque eu estava numa condição melhor, mas tudo mudou devido ao encerramento do projeto na organização que eu estava. Eu trabalhava com o projeto chamado Raice (Rede de Ação Integrada para Combater a Escravidão) e as vivências é direto nos quilombos, nas comunidades, aí como não podia ir mais devido aos protocolos de saúde, foram rompidas. 

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

Líderes Negras: O sul audiovisual da cineasta e intelectual Éthel Ramos

Por Juliana Dias*

O interesse por uma memória positiva e profunda da população negra brasileira é o Sul de Éthel Ramos. Sim, o Sul. A cineasta e intelectual carioca de 44 anos diz que cansou de ser norteada. “É o Sul que está para o mundo. A América Latina, o continente africano”. Ela foi uma das líderes negras contempladas na 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations.

Com mais de vinte anos atuando no campo audiovisual brasileiro, especificamente no gênero documental, Éthel Ramos nos conta como a bolsa oferecida pelo Baobá foi fundamental para a construção da própria autonomia na produção cinematográfica. Éthel assina a co-direção do filme “Sementes – Mulheres Pretas no Poder” (2020). 

Por meio dos recursos disponibilizados pelo Programa, ela adquiriu uma série de equipamentos, aperfeiçoou o aprendizado de idioma estrangeiro e rompeu barreiras dentro da área audiovisual. Isso fez com que ela enxergasse na linguagem da ficção um dos novos caminhos para a inclusão de sua narrativa em prol da valorização da imagem criativa do povo preto. Além disso, a líder negra relata como foram os dois anos como bolsista frente à pandemia do coronavírus, que impossibilitou os encontros presenciais, mas que possibilitou a formação de uma rede de mulheres negras que contribuíram para a sustentação do próprio autocuidado e da autoestima.

Reprodução: Site Embaúba Filmes

 

  • Quais as diferenças entre a Éthel Ramos antes e depois do Programa?

Ser bolsista do Fundo Baobá foi uma das experiências mais bonitas que eu pude participar da minha vida. Tenho 44 anos, então eu já vivi bastante experiências legais, bons encontros. Foi uma grande infelicidade nós não podermos ter tido a oportunidade de um encontro presencial, você imagina todas essas mulheres incríveis juntas. Já era bastante emocionante os encontros online de formação, isso absolutamente foi fundamental, esse processo de ajuntamento das bolsistas. Eu percebo de diferença essa certeza, de que quando as mulheres negras se reúnem, não há nada mais potente do que isso. Isso me atualiza na minha fé, na minha esperança, no meu compromisso com meu trabalho e no meu compromisso em viver bem. Encontrei com Ialorixás, que é um rolê que eu faço muito – sou uma mulher de axé – mas também, encontrei com mulheres muito jovens. E essa intergeracionalidade me fortalece muito. Foram momentos muito especiais. Tanto que, esse encontro entre nós, teve impacto no filme que eu estava realizando nesse momento. 

  • Nos conte sobre esse impacto…

Eu estou co-diretora do “Sementes – Mulheres Pretas no Poder”, que é um filme independente, com pouquíssimos recursos. Começamos a fazer com recursos próprios, depois fizemos vaquinha. Apenas na reta final que conseguimos financiamento para fazer a finalização do filme. É um filme de grande êxito na sua trajetória cinematográfica. Sementes estreou no dia 7 de setembro de 2020 e teve quase mil pessoas na live de estreia. 

Nesse momento (do apoio) eu estava montando Sementes, que é uma etapa fílmica onde o filme realmente nasce. Um dos encontros foi conduzido por Jurema Werneck e ela fez uma fala muito linda sobre a Marcha das Mulheres Negras de 2018. Nós havíamos filmado essa marcha, mas não sabia bem como encaixar. Porque o Sementes também foi um filme que foi feito no sentido de ser uma escola. Primeiro porque não tínhamos dinheiro, então não podíamos pagar as profissionais. Por isso, convocamos as mulheres pretas do audiovisual pra colar com a gente. Sementes teve momentos de grande produção para filmes sem dinheiro. Um desses momentos foi a Marcha das Mulheres Negras. A gente fazia seis equipes de fotografia, som direto e produção. Minimamente 18 pessoas na rua pra poder acompanhar cada uma das personagens. Então, na Marcha das Mulheres Negras, no #EleNão e no dia da eleição [de 2018] foi essa superprodução.

A gente não tinha condições de pagar 18 pessoas, convocamos as mulheres negras do audiovisual pra colar nesses momentos. Quem colou primeiro foram as meninas mais jovens, com pouca experiência no rolê do audiovisual. Eu fiquei um pouco ali na função de formação pra elas, então é um material irregular um pouco. Tem coisas que estão legais, outras que não estão tão legais. A gente não sabia bem como encaixar, era uma montagem difícil. Depois dessa fala de Jurema, eu falei pra Julia [Mariano, também co-diretora do filme] que tínhamos que incluir essa Marcha, porque foi um calendário fundamental na direção da reorganização política das mulheres negras. 

Esse é um caso especial, a partir da importante relevância que Jurema trouxe em um dos encontros do Programa. Mas, especificamente o que mudou para mim foi isso, uma atualização muito profunda da centralidade das mulheres negras na condução de novos horizontes.

  • Como o Programa contribuiu para sua trajetória e fortalecimento enquanto mulher negra dentro do audiovisual?

Contribuiu de forma material pra mim. Isso foi fundamental. Eu estou nesse rolê do audiovisual tem quase vinte anos e nunca conseguia ter uma câmera. É muito oneroso equipamentos audiovisuais, e pagando aluguel, fazendo filmes com o próprio dinheiro, nunca priorizei ter meu próprio equipamento. Sempre contei com o apoio dos meus colegas para poder realizar os filmes que realizei. São coisas muito concretas, os equipamentos e acessórios. Porque era sempre um corre, pega uma câmera emprestada, um microfone e agora tenho o kit completo. 

Eu estudei também, estudei na Escola de Cinema Darcy Ribeiro, fui bolsista nessa escola e só assim como bolsista pude fazer as formações que fiz. Agora eu pude escolher os cursos que eu poderia investir, curso de roteiro, curso de câmera, me atualizar na montagem. Então, eu pude pagar e isso colabora materialmente, colabora na minha formação enquanto intelectual também, de poder desenvolver uma segunda língua, porque o meu projeto é também de aperfeiçoamento da língua inglesa. Eu tive aulas duas vezes na semana de inglês e só não fui fazer o intercâmbio na África do Sul – seria a primeira vez que eu faria uma viagem internacional. Minha viagem estava marcada para junho e se instaurou a pandemia e eu não pude ir, mas essa viagem está marcada. Eu nunca pensei em fazer um intercâmbio, nem quando eu escrevi o projeto, porque era algo tão fora da minha realidade. Mas, trocando com o grupo de WhatsApp do Programa, as meninas começaram a falar do intercâmbio na África do Sul, que era possível. Então vou me jogar nessa coisa do intercâmbio. Estou um pouco melhor do que antes do programa e eu aguardo esse aperfeiçoamento rebuscado a partir do intercâmbio.

  • O que te motivou a se interessar pela linguagem de ficção?

Documentário é uma linguagem que eu domino, estou fazendo isso há vinte anos. Eu dou aulas sobre isso, tenho dado muitas aulas, sempre me dediquei à formação audiovisual, de compartilhar minha formação com pessoas de periferia, do terreiro, do sertão. O documentário é realmente minha zona de conforto, mas sei que a ficção vai poder me levar a maiores elaborações estéticas acerca da nossa cultura preta. A gente tem inúmeras histórias ainda não contadas a partir do nosso ponto de vista. Por exemplo, a Jurema tem um artigo chamado “Macacas de Auditório” – isso está na redação do meu projeto – falando dessas mulheres pretas que foram conhecidas como as macacas de auditórios dessa época da era do rádio. O que era essa época? Um momento de profunda internacionalização da cultura brasileira a partir da musicalidade. A bossa nova, por exemplo, que é um grande marco, no mundo inteiro conhecida. E a cara da bossa nova é Vinicius de Moraes, bastante Baden Powell. Só que qual é o disco fundamental da bossa nova? “Canção do amor demais”. E quem é a cara e a voz de “Canção do amor demais”? Elizete Cardoso. E onde está a minissérie sobre Elizete Cardoso, os grandes filmes de ficção sobre ela? Obstante tenhamos muitos filmes sobre Elis Regina, Maysa, essas grandes cantoras maravilhosas, fundamentais, esplêndidas cantoras brancas. Não tem nenhum filme sobre a Elizete, sobre a Dona Ivone Lara. Outro dia estava vendo uma história super interessante sobre a vinda da Josephine Baker ao Rio de Janeiro e ela indo a Madureira. É um roteiro pronto. 

  • Você pode adiantar que tipo de filme de ficção você pretende realizar?

Eu tenho muito desejo de fazer sobre Elizete Cardoso, sobre a musicalidade preta a partir de Elizete Cardoso. Na linguagem da ficção isso dá muito pano pra manga para entender o que é que é o Brasil de hoje. Se tivéssemos tido um letramento audiovisual a partir das imagens pretas, das experiências pretas, o Brasil não era o que é hoje. Quantos filmes nós temos sobre a maior experiência – não sei se cabe esse termo de experiência democrática horizontal de política de auto-organização no Brasil – que foi o Quilombo dos Palmares, e que durou 96 anos? São essas histórias que quero contar, e o documentário tem um grande poder, mas sei que a ficção é um universo de elaboração que talvez comunique melhor, porque nós temos um letramento audiovisual que vem das novelas. Eu acho que nós temos que nos apropriar dessa linguagem televisiva, novelesca para gente fazer a nossa história. Acho que nossa educação cultural, política, filosófica, vai avançar muito quando a gente tiver essas obras audiovisuais da ficção pela perspectiva preta, pela perspectiva travesti, lésbica… Eu sempre digo isso, que se as novelas investissem naquilo que a gente chama dentro do universo das mulheres lésbicas de rebuceteio – namora amiga, que namora a inimiga – as novelas seriam muito mais divertidas. A lesbofobia seria bastante menos alastrada, porque a gente tem um universo de narrativas e de humor dentro da comunidade lésbica muito grande, um universo de trama muito sofisticada, romances que só acontecem no universo lésbico. São essas histórias que quero contar, pra colaborar pra ampliação dos horizontes, não somente das pessoas negras, mas ampliação dos horizontes de todo telespectador brasileiro.

  • De que maneira a pandemia impactou nas metas que você traçou como líder do Programa Marielle Franco?

É um momento muito duro esse que a gente está vivendo. Você imagine o que seria a gente fazer formação presencial com Vilma Reis, Erica Malunguinho, Jurema Werneck. Nos encontrarmos, nos aliançarmos de maneira quase íntima, isso teria sido algo… O Programa já é de vanguarda, eu acho que se tivesse tido essa oportunidade presencial seria revolucionário, seria uma centelha revolucionária. 

O Fundo Baobá nos oportunizou fazer momentos de encontros que cuidávamos da nossa parte emocional também. Isso é um negócio inédito, isso só podia vir a partir da cabeça de uma mulher preta. Esse cuidado com a parte emocional, com a parte psíquica, momentos de relaxamento. Isso foi fundamental para passarmos por esse momento, esse carinho, essa atenção, esse ajuste das nossas frustações durante a pandemia, em face do nosso projeto. 

O ano passado eu estava toda envolvida com Sementes. Fazendo montagem, depois estreando, depois foi a carreira de fazer lives. Tinha dias que eu fazia três lives por dia. A gente fez um projeto de distribuição de impacto com a Taturana, que tem uma rede muito grande de pontos de distribuição. A gente teve essa estratégia de impacto, que eu coordenei, então eram muitas demandas. Fiquei todo o ano muito envolvida com isso.

Quando chegou janeiro e fevereiro eu caí numa depressão que eu só consegui levantar em julho. Esses encontros do cuidado foram fundamentais para a minha sobrevivência. E digo mais, nesse período, refletindo sobre pandemia, cheguei a conclusão que esse não é um período inédito para as pessoas pretas, nós já passamos por isso quando nossos ancestrais vieram sequestrados de África. Na privação do encontro, do encontro familiar, do distanciamento social. Nós viemos nessa situação e nós sobrevivemos a isso.  Então, está guardado, como diz a música de Virginia Rodrigues, “Está esculpido na mente muito além da minha consciência”. E isso me ajudou muito a entender que isso não era um momento inédito para nós pessoas pretas, que nós já havíamos passado por isso e nós sobrevivemos. E eu sou prova disso no sentido de que se eu sobrevivi a isso, meus ancestrais também sobreviveram e hoje sou uma mulher liberta, cineasta, intelectual, bolsista do Fundo Baobá. Então, toda essa energia preta que estava circulando na minha vida de uma maneira muito íntima todos os dias, era a palavra das mulheres pretas. Eu não estava falando por mim, eu estava falando pelo coletivo. Essa força que tem me salvado a vida toda.

  • Quais são seus planos para o futuro dentro desse campo do audiovisual após todas essas metas atingidas?

O mais importante de todos os meus planos é o desenvolvimento de roteiros de ficção e produção desses roteiros. Isso é mais importante. Já estou desenvolvendo, só não posso contar pra você, porque é um negócio tão bom (risos)… Deixa eu estar mais adiantada que você vai ouvir falar desses filmes e vai dizer: a Ethel vai fazer um bom caminho.

Por exemplo, eu estou no estado de Pernambuco, tenho grande paixão pelo Maestro Moacir Santos. Um homem que foi fundamental na musicalidade brasileira. Grande exemplo disso é que é ele quem ensina os acordes dos afrosambas para o Baden e para o Vinicius. Fez grandes trilhas em Los Angeles, um homem fundamental. Quantos filmes existem sobre esse homem que vai fazer 100 anos em 2026? Quantos? Isso é gravíssimo. Quando eu mostro as músicas do Maestro Moacir, as pessoas se ressentem de não conhecê-lo. Maestro Moacir está na lista desses filmes de ficção que eu quero fazer, e os filmes das mulheres lésbicas também. 

  • Quais as suas referências de cinema negro?

Everlane Moraes, Milena Manfredini, Clementina de Ouro e Ava DuVernay. São as mais importantes para mim. 

  • Quais foram os principais desafios e aprendizados que você teve durante essa jornada enquanto líder do Programa Marielle Franco?

O aprendizado foi principalmente esse de ter a certeza do respeito das mulheres negras. É algo muito radical, me informa, me forma, me ensina e me dá sul. Eu tenho dito isso que não quero mais ser norteada, mas sim suleada. É o Sul que está para o mundo. A América Latina, o continente africano. Então, o Programa me dá esse farol ao sul. Foi meu farol ao Sul.

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

Professora pernambucana, Maria da Piedade Marques de Souza, propõe mergulho na memória ancestral para fortalecer grupos de mulheres nordestinas

Redes de apoio e incentivo às mulheres negras são fundamentais para “erguer-nos enquanto subimos”

Por Julia de Miranda*

A filósofa estadunidense Angela Davis escreveu um texto em 1987 sobre o empoderamento das mulheres negras norte-americanas e propôs que devemos subir, unidas e nos apoiando, todas juntas. Ela sinalizou que precisamos nos esforçar para erguer-nos enquanto subimos. “Essa deve ser a dinâmica essencial da nossa busca por poder – um princípio que deve não apenas determinar nossas lutas enquanto mulheres afro-americanas, mas também governar todas as lutas autênticas das pessoas despossuídas”, pontuou Davis.

Estar de pé e seguir resistentes na caminhada implica em cuidar umas das outras (sem esquecer de si) e criar a possibilidade de novos espaços que trabalhem, politicamente, em prol da proteção e defesa de meninas e mulheres. 

É justamente partindo desse pensamento que a professora pernambucana Maria da Piedade Marques, do Recife (PE), entendeu que, ao se erguer, poderia levar outras mulheres.  Ela foi uma das contempladas na 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations. 

Com o projeto “Mulheres Negras e Irmandade: Construindo redes de solidariedade”, a professora está construindo uma rede de irmandade de mulheres negras, através de vivências e oficinas de memórias entre mulheres de Pernambuco, do Nordeste brasileiro e do exterior. Coordenadora da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e da Rede de Mulheres Negras do Nordeste, ela acredita que a educação, não apenas a formal, mas também os saberes orais, são a base fundamental e humana para o nosso crescimento pessoal e coletivo. “Durante o desenvolvimento do projeto tivemos encontros virtuais fantásticos, mesmo com tantas dores, a alegria sobressaiu e conseguimos nos conectar com mulheres de quase todos os estados do Nordeste”, comemora Piedade.

Confira na entrevista como foi a experiência dela no Programa, os desafios e anseios, e conheça um pouco mais do seu projeto. 

  • Como surgiu a ideia do projeto Mulheres Negras e Irmandade: Construindo redes de solidariedade?

Quando saiu o edital do Fundo Baobá eu estava como pesquisadora visitante na Universidade do Texas, nos Estados Unidos, em 2019, e de lá é que eu escrevi a proposta. Algumas questões me inquietaram ao longo da minha trajetória e surpresas da vida vieram reforçar isso. Refletia sobre a dificuldade que nós, mulheres negras da minha faixa de idade (40 a 50 anos), temos de descobrir a necessidade da língua inglesa para ampliar o diálogo. Essa era uma das minhas preocupações iniciais e a motivação para aprender o idioma nos 4 meses que eu residi no país.

Nos Estados Unidos eu tive uma grata surpresa, consegui encontrar um grupo de mulheres negras da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), elas foram as responsáveis pela vinda da Angela Davis em 2017 para a Bahia. Esse era um curso com pessoas vinculadas às organizações sociais e pude então entrar em contato com esse pessoal e acabei recebendo convites para somar nas ações.

O campo fértil que foi estar em contato com ativistas de outros países me motivou a preparar, para o edital do Fundo, uma metodologia envolvendo a solidariedade de mulheres negras de Pernambuco para apresentar no exterior. Nesse meio tempo, por questões pessoais, precisei voltar para o Brasil e não pude retornar ao intercâmbio devido a pandemia. Ser acolhida nos Estados Unidos foi algo que me tocou profundamente e me fez querer colaborar ainda mais. Ser solidária é algo de quem sabe se colocar no lugar do outro.

  • E como foi o desenvolvimento e os desdobramentos do projeto?

Com a mentoria do coaching proporcionada pelo Baobá, eu tive o auxílio na escolha por um novo caminho diante das circunstâncias. Continuo em contato com várias pessoas nos Estados Unidos, mesmo que a proposta não seja vinculada só lá, mas é onde hoje eu posso dizer que existe um  vínculo um pouco maior. O grande desejo da metodologia era poder juntar mulheres negras para conversar sobre memória, epistêmica e oral, que incluísse nossas mães, avós e tantas mulheres negras ‘anônimas’ do núcleo familiar que não são lembradas na academia. 

Com a adaptação do projeto eu consegui realizar durante esse período oficinas on-line. Iniciei construindo um percurso com a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco: de forma tranquila e leve os encontros foram acontecendo no formato virtual, nada presencial e esse foi um pedido do Baobá. Outra inquietação que a prática me trouxe foi que nós passamos toda a nossa militância escrevendo ou dizendo que “as mulheres negras das nossas vidas vieram de muito longe”. Porém, é essa questão do tempo e da memória que trazem isso à tona, todavia a gente termina se afundando somente nos referenciais teóricos e esquecendo de resgatar quem realmente são as mulheres importantes, além das ativistas e intelectuais. 

Quem são essas outras mulheres que estão mais perto de nós, e algumas a gente nem sequer conhece? Eu posso não tê-la conhecido fisicamente, contudo ela tem um papel importante na nossa memória coletiva, isso não pode ser desconsiderado. As nossas rodas de conversa foram fantásticas, mesmo com dores no compartilhamento das memórias (reunimos algumas mulheres mais velhas), existiu muita alegria e força  em todos os encontros com as mulheres nordestinas, tanto das capitais como do interior. A carga emocional acessada nas trocas foi positiva e relevante para todas nós nesse momento de pandemia. Ao todo, fizemos encontros e oficinas de resgate a memórias das nossas ancestrais em seis estados da região Nordeste (Pernambuco, Paraíba, Ceará, Maranhão, Piauí e Rio Grande do Norte), os que faltaram foi por falta de tempo. Nem tudo proposto foi alcançado, mas ressignificar e mudar a rota do projeto foram essenciais para o aprendizado. 

  • No decorrer do processo, quais foram os aprendizados e conquistas?

Uma das coisas que eu inclusive levo como anseio para o futuro é que eu percebi o quanto essa experiência nos trouxe alegria. Apesar das memórias nem sempre apresentarem conteúdos lindos, muita dor emergiu e a gente conseguiu conectar as pessoas através dessa experiência sublime e luminosa.  As memórias compartilhadas nos alimentavam através da identificação com as histórias. Memórias desde o tempo que a gente era criança, e hoje, como adultas, acolhemos com gentileza e cuidado. 

Eu optei em investir no idioma, pois pretendo voltar para os Estados Unidos. Quero organizar uma grande rede e conectar as mulheres norte-americanas com as brasileiras para instigar e encontrar soluções de apoio para as nossas vivências, dessa maneira a gente avança. Como conquista, além do curso de inglês, foi conhecer outro universo, diferentes realidades e culturas durante a minha imersão. 

Pretendo voltar em breve e mostrar a nossa realidade e o que fazemos aqui no Brasil com a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e a Rede de Mulheres Negras do Nordeste. 

A experiência com as outras lideranças que estão vinculadas a organizações comunitárias nos Estados Unidos, a recepção, o apoio e a percepção de que é possível construir pontes, diálogos e relações de acolhimento lá e cá, é algo latente e inspirador para mim.

  • Quais são seus planos para o futuro? 

Enquanto a pandemia não acaba, eu sigo a caminhada no Brasil no passinho de tartaruga. Pretendo em breve me reunir presencialmente com os grupos e voltar às oficinas e encontros. Quero trabalhar com as imagens dessas memórias de cada uma de nós e fazer uma exposição fotográfica em todas as cidades visitadas nas reuniões. É importante que a sociedade veja e reconheça as nossas “mulheres anônimas”. Em 2023 o plano é voltar para os Estados Unidos.

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

O conhecimento que se adquire e distribui de Girlian Silva

Liderança Negra que atua na Amazônia, Girlian acredita no poder da coletividade para transformar a realidade das mulheres negras

Por Juliana Dias*

A Sumaúma é uma das árvores mais extraordinárias da Amazônia e sua grandiosidade não está apenas na altura que ela pode chegar (70 metros), mas também por ser um portal de comunicação para os povos da floresta, nos âmbitos real e espiritual. É  enraizada na sagacidade da gigante da Amazônia que Girlian Silva de Sousa, integrante da 1ª turma do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, nomeou o seu projeto: “Sumaúma Literária”. O Programa é uma ação do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Fundação Kellogg, o Instituto Ibirapitanga, a Fundação Ford e a Open Society Foundations.

A iniciativa de Girlian tem como foco principal a publicação de um e-book escrito por mulheres negras (cis e trans) do Baixo Amazonas, principalmente da cidade Santarém (Pará). Aliando o ativismo feminismo negro com os saberes do meio digital, a baiana de Itabuna movimentou diversas mulheres negras da região da Amazônia para potencializar a transmissão de conhecimentos. Embora tenha sido ela a contemplada pelo Programa, o projeto aprovado foi realizado em coletividade com o grupo Mulheres Negras de Santarém, da qual ela faz parte. O resultado dessa movimentação em rede vai gerar a publicação do livro “Vozes Afroamazônidas: entre rios, terras e afetos” e do blog “Vozes Negras”. Nessa entrevista exclusiva, a economista Girlian Silva, que tem mestrado e é doutoranda em Desenvolvimento Socioambiental (UFPA), comenta como a especialização em Influência Digital (PUC-RS) vem contribuindo para ampliação de seus horizontes dentro do ativismo feminista negro.

  • Como é a atuação de uma liderança consciente do pluralismo do feminismo negro?

Desde o início eu me coloquei enquanto uma liderança em formação, porque realmente eu sou uma liderança em formação, eu ainda estou naquele processo de aprendizado e de descobrir um pouco mais sobre o feminismo negro. Toda vez que começo acreditar que eu já sei muito, eu descubro que não é bem assim; quanto mais você lê, escuta outras mulheres falando sobre, você descobre que ainda tem muita coisa que ainda não percebeu. Um dos aprendizados mais importantes que eu tive ao longo desse Programa, foi justamente esse relacionado a pluralidade do feminismo negro. Porque a gente costuma falar em mulher negra e acaba muitas vezes caindo no mesmo equívoco do feminismo tradicional, do feminismo não negro, que é você colocar todas as mulheres dentro de uma categoria só, esquecendo as particularidades de cada uma, as demandas de cada uma. É como se não habitássemos em territórios diferentes e sofrêssemos formas de opressão diferentes. Eu gostaria de sair de todo esse processo, que ainda tem muita coisa pela frente, com essa capacidade, essa consciência muito mais entranhada, mais trabalhada, mais desenvolvida. De que as mulheres negras são plurais, são diferentes e você precisa enxergar até mesmo quando elas não conseguem se enxergar, não conseguem enxergar sua própria particularidade. Então, eu acho que para se colocar no lugar de liderança você precisa ter essa expertise e se você não tiver, tá faltando muita coisa ainda para você desenvolver. Antes de participar do Programa, por exemplo, eu não tinha uma visão um pouco mais elaborada sobre as mulheres trans. Eu estava naquela pegada de “Olha, somos todas negras e tal”. E aí depois de conviver ao longo desses dois anos com uma mulher trans, de ter a oportunidade de ouvi-la, eu fui perceber a importância. 

  • Quais outras contribuições do Programa Marielle Franco para sua formação enquanto liderança negra?

Uma ideia muito mais clara sobre coletividade, que eu acho que é fundamental. Veja, eu sou baiana de Itabuna, moro na Amazônia há quase dez anos. Eu vim para cá em 2013, para fazer um mestrado, fiquei, iniciei um doutorado e estou vivendo aqui. Mesmo sendo economista e sabendo do quanto o capitalismo acaba formatando a nossa visão de mundo, o jeito de conviver, interagir, formando uma sociedade totalmente individualista, nem sempre eu estive ciente desse individualismo entranhado. E nem sempre eu tive essa consciência de que, naquele momento, minha visão era uma visão individualista, mesmo sendo uma pessoa que trabalhava dentro do movimento.

Eu só fui me associar a um grupo de mulheres em 2017, o Movimento de Mulheres Negras de Santarém, no Pará. Até então, eu achava que eu sozinha, estava tudo ótimo. Aquela história de que você não precisa estar no coletivo para poder atuar. Somente a partir de 2017 eu fui ter esse convívio, e com o Programa fui tendo essa visão melhor sobre coletividade. No coletivo somos mais fortes. Ao longo desses dois anos também, eu acho que adquiri um pouco mais de compreensão sobre os problemas que esse comportamento individualista acaba causando dentro do próprio movimento de mulheres. Eu acho que consegui construir esse objeto de observação, de começar prestar mais atenção nas outras, tentar diminuir o julgamento e prestar mais atenção nas ações. E hoje eu saio desse projeto entendendo que precisamos trabalhar bastante dentro do movimento essa coisa do individualismo, que cria concorrência. E esse sentimento de concorrência é algo que nunca faz sentido, mas que muitas vezes tá ali velado e enfraquecendo as coisas. 

  • Você conseguiu atingir os objetivos e as metas que você esperava com o programa?

Todos ainda não. Estou atrasada nisso. A pandemia me pegou de jeito. Pra mim, o Programa começou junto com a pandemia, porque as bolsas foram implementadas em março/abril de 2020 e eu já estava sofrendo as consequências da pandemia. Eu não sei o que poderia ter acontecido se eu não tivesse sido agraciada pelo Programa. Ele foi fundamental pra mim. E mesmo tendo esse suporte, a coisa foi feia, muito difícil. Uma das minhas metas era concluir o curso de especialização em Influência Digital e na sequência colocar um blog no ar. Outra meta importante que eu tinha no meu PDI (Plano de Desenvolvimento Individual) era a publicação do livro. Na minha cabeça quando tudo foi estruturado, o livro era para ser publicado em 31 de julho. Não foi bem assim que aconteceu, o livro está sendo encaminhado para editora ainda essa semana [novembro de 2021]. O livro se mostrou um grande desafio porque me coloquei na obrigação de organizá-lo de forma coletiva. Primeiro tivemos que mobilizar a mulherada para comprar a ideia do livro, fazer as pessoas acreditarem que seria possível ter a publicação desse livro aqui na Amazônia. Se a mulher negra já é invisibilizada, aqui na Amazônia é muito mais. Ainda mais na região que será o foco do livro. A ideia inicial era que a gente ficasse com as mulheres do baixo Amazonas, principalmente da cidade de Santarém, uma cidade que é extremamente elitista, racista, machista e homofóbica. Tivemos todos esses desafios.  

  • Esse processo de elaboração do livro foi coletivo?

Peguei o recurso do Baobá e fui para as mulheres do movimento, do grupo e convoquei aquelas que se interessassem para formar uma comissão organizadora para pensar o livro. Tudo foi pensado de forma coletiva. Quando vimos que havia a necessidade de provocar uma mobilização mais forte para que as mulheres conhecessem o edital, já estava na época da COVID. Então, usamos as mídias digitais. Abrimos um edital para que as mulheres negras cis e trans do baixo Amazonas se inscrevessem. Com a chamada, as mulheres diziam que não se sentiam seguras, achavam que não tinha condições de escrever um artigo. Então, pensamos em fazer aulas online falando sobre temas relacionados ao livro e trazer as pessoas, para ouvir os debates, as aulas e depois isso poderia ser um material para usarmos mais lá na frente, para incentivar.

  • Quais os temas que vocês estão trabalhando no livro?

São diversos eixos temáticos que colocamos lá: mulheres negras e acesso à saúde; mulheres negras e acesso a saneamento básico; empreendedorismo; mulheres negras e direito; mulheres negras e educação, entre outros. Eram eixos pensados para que pudéssemos adequar ao que as mulheres quisessem escrever pra não ficar uma coisa muito engessada. Fizemos parcerias com professoras, professores, profissionais de outras áreas, inclusive pessoas não negras também, que se disponibilizaram a gravar essas vídeos-aulas e convocar a galera para isso. Fizemos toda essa movimentação, mas ainda assim quando o prazo de submissão chegou, tivemos dois artigos submetidos. A previsão era de que publicássemos 16 artigos. Reabrimos o edital e nada. Tivemos que pensar alternativas, porque se a gente não publica o livro, reforça a ideia de que mulheres negras não conseguem escrever. Na época, o edital foi muito visto, o projeto foi bem midiatizado e depois dizer que não ia rolar, seria um tiro no pé. Aí pensamos em abrir para a Amazônia inteira. Deixamos de abrir somente para o baixo Amazônia, ainda assim não rolou. Por último, decidimos chamar mulheres que já tinham o hábito de publicar artigos. Uma preocupação que tínhamos também era que não queríamos só doutoras, em nenhum momento pensamos em um livro formado somente por doutoras ou por mulheres que já eram reconhecidas no meio acadêmico. A gente queria mulheres anônimas.  Colocamos em prática essa ideia e ainda assim – e eu digo que foi por conta da pandemia -, a gente acabou não conseguindo os 16 artigos, a muito custo conseguimos 09 e para isso as mulheres que estavam na organização tiveram que participar também.

Uma coisa que nós diagnosticamos é que existe muita insegurança, as pessoas não acreditam que elas são capazes de escrever, mesmo pegando mulheres que já estão na academia. Daí, pensamos o seguinte: vamos juntar e escrever esses artigos não de forma individual, mas vamos fazer duplas, trios, quartetos, o que for, mas vamos escrever. E daí conseguimos que os 09 artigos saíssem dessa forma. Eu acho que a partir daí já conseguimos atingir alguma coisa, não era a meta que a gente tinha colocado antes, mas o projeto não morreu.

Eu acho que conseguimos homenagear mulheres da região, mulheres anônimas. Queríamos dar visibilidade a essas pautas do território, falar sobre as demandas daqui, mesmo porque temos um problemão quando falamos sobre negritude aqui. Houve todo um processo histórico de apagamento do negro na Amazônia, como se a Amazônia não tivesse participação do negro e teve! Cada vez que as pessoas veem um negro de pele retinta pergunta logo se é do Maranhão, nunca se é do Pará, por exemplo. Então, as pessoas não entendem que o processo de formação social aqui se deu de uma forma, que as pessoas negras daqui vão ter características diferentes das pessoas negras da Bahia, por exemplo. Eu acho que o livro acaba atingindo pelo menos essa meta. 

  • Qual a avaliação positiva desses desafios?

O aprendizado, porque a partir dessa dificuldade toda, tanto pra mim quanto para as outras colegas que estão participando, ficou claro: trabalhar um edital para mulher negra não é o mesmo que trabalhar para mulheres não-negras. Temos gargalos que precisam ser vistos. Saímos desse processo todo com a certeza de que é possível e de que é um eixo que precisa, pode e deve ser trabalhado. O meu grupo acha que a gente vai ter que correr atrás, depois do livro, vamos ter que sentar, reavaliar tudo, ver onde nós erramos, o que pode ser melhorado e gostaríamos de continuar com esse tipo de iniciativa, em outro formato. Eu acho que tem muita história que a gente precisa contar, tem muita coisa para ser visibilizada, discutida. Então, eu acho que o livro de positivo tem isso e sei que vai ser muito legal quando ele for impresso, acreditamos que em novembro já estaremos com ele em mãos. Eu sei que vai ser muito bom para a autoestima das mulheres que participaram desse processo. 

  • Sua proposta de projeto estava relacionada com o âmbito digital, com a chegada da pandemia esse foi o principal ambiente de atuação das líderes negras e de outras atrizes sociais. Como foi essa experiência para você? 

Foi novamente uma outra oportunidade que o Programa me deu, porque no final das contas essa especialização que estou concluindo foi fundamental não somente no campo profissional, do ativismo, porque isso vai se desenvolvendo em novos projetos, em novas ações, vai ser uma forma de eu atuar através da mídias digitais, através do blog Vozes Negras. O que ficou muito claro que é uma ferramenta do futuro, uma forma de trabalho do futuro e ela agregou não somente nesse campo ativista, mas na minha formação profissional enquanto economista. Por exemplo, eu vejo oportunidade da gente tentar fomentar negócios de outras mulheres negras que estão no afroempreendedorismo. Foi uma experiência que confirmou inclusive a hipótese que eu tinha quando escrevi o projeto: de que esse meio digital seria muito mais eficiente do ponto de vista de larga escala do que o presencial. Porque a gente para montar uma ação presencial às vezes os custos são muito maiores, temos que mobilizar carro de som, contar com a boa vontade da polícia, mobilizar uma série de atores que muitas vezes não estão interessados que aquele ato saia. E no meio digital eu pego uma câmera e pronto. Sou eu e minha câmera, claro que tem os outros cuidados e conhecimentos, mas assim é muito mais fácil e consegue atingir um público muito maior. A pandemia foi uma oportunidade de comprovar isso, foi uma confirmação de que eu estava correta. É um curso que realmente vai me render muito. 

  • De que maneira as metas que você atingiu com o programa vão impactar nos grupos sociais/ instituições de mulheres negras que você faz parte?

Eu acho que já começou a impactar. Quando a gente começou a articular o livro, a gente conseguiu, através da mídia, chamar a atenção de outras mulheres do território. Uma coisa que eu acho muito legal porque hoje temos uma demanda maior de mulheres pelo menos com mais curiosidade, principalmente em cidades menores do interior. Outro impacto é a questão trans, essa discussão sobre as demandas LBT, que a gente ainda não estava nessa pegada, ainda não estávamos falando com as mulheres trans. Temos muito o que aprender com elas. É um dos impactos positivos que nós tivemos coletivamente.

  • Quais são seus planos e interesses para o futuro?

Então, finalizar a publicação do livro e colocar logo esse blog no ar. Eu estou saindo dessa experiência toda com a ideia de coletividade muito bem assentada na minha cabeça. Temos planos de começar a garimpar editais para publicar novos livros. Durante o tempo que estávamos rodando a organização do livro, surgiram outras ideias, outras demandas. Por exemplo, tivemos participação de outras mulheres que nesse formato do livro em artigo não seria possível, que são mulheres mais da zona rural. Então, temos de pensar como a gente poderia fazer, pensar que tipo de narrativas e escritas a gente pode passar a aproveitar para que essas mulheres também tenham visibilidade. Pensamos em fazer uma espécie de documentário com mulheres quilombolas, temos até o título: “Meu Quilombo Por Elas”. Seria um documentário em que as mulheres quilombolas falariam sobre os quilombos, a vivência do quilombo a partir das mulheres. Chegamos a submeter em alguns editais, mas ainda não conseguimos aprovação, talvez não tenha sido o momento mesmo. Mas, ideias a gente tem.  

 

*Esta entrevista foi realizada pelo Fundo Baobá, em parceria com a Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra.

Fundo Baobá divulga lista de aprovados para a segunda fase de seleção para o edital de Recuperação Econômica para empreendedores/as negros e negras

O Fundo Baobá, primeiro e único fundo dedicado exclusivamente para a promoção da equidade racial para a população negra no Brasil, encerra o ano de 2020 com um importante anúncio: a lista de selecionados para a segunda etapa do processo seletivo do seu edital de Recuperação Econômica para Micro e Pequenos Empreendedores/as Negros e Negras. O edital foi lançado no dia 11 de novembro e as inscrições foram encerradas em 20 de dezembro. Houve 700 (setecentas) inscrições que passaram por criteriosa primeira avaliação para que 595 fossem consideradas válidas. Dessas, 273 passam à segunda fase. 

O edital de Recuperação Econômica leva em conta o suporte necessário para iniciativas lideradas por empreendedores negros e negras, que foram afetadas financeiramente dentro do contexto da pandemia. Os apoiadores da iniciativa do Fundo Baobá são a  Coca-Cola Foundation, o Instituto Coca-Cola Brasil, o BV e o Instituto Votorantim. O segmento do empreendedorismo estima que 14 milhões de afro-brasileiros desenvolvem atividades como autônomos. Destes, 29% são empregadores. Já o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) indica em pesquisa de 2018 que 40,2% dos micro e pequenos empreendimentos brasileiros são comandados por negros e negras. 

Quando a pandemia da Covid-19 chegou ao Brasil, as medidas de isolamento adotadas impactou vários setores. Os pequenos e micros que trabalham na formalidade e na informalidade também foram severamente impactados, pois tiveram que parar, a lucratividade cessou e o desespero da falta de recursos foi se instaurando.   Daí a ação do Fundo Baobá para  Equidade Racial em pensar o edital de Recuperação Econômica e buscar essas importantes empresas parceiras que, somadas, destinaram R$ 1,8 milhão para o socorro aos empreendedores negros e negras. 

A lista divulgada agora considerou como aptas a participar da segunda etapa do processo de seleção as iniciativas que cumpriram com as seguintes características: Ser compostos por 3 empreendedores(as) negros(as) que atuem no mesmo território; que tenham 18 anos ou mais; disponibilidade real para participar das ações propostas pelo edital; que não tenham sido eleitos para cargos no legislativo ou executivo; que não tenham projetos com objetivos políticos/partidários; que não sejam funcionários, cônjuges ou parentes até segundo grau de colaboradores das empresas que patrocinam essa iniciativa (Sistema Coca-Cola e Grupo Votorantim) ou mesmo de membros dos órgãos de governança do Fundo Baobá para Equidade Racial; pessoas que não tenham sido apoiadas pelo Fundo Baobá em 2020 por edital próprio (Doações Emergenciais) ou da Coalizão Editodos. Cada um deles receberá R$ 10 mil, perfazendo R$ 30 mil para cada iniciativa.

Os selecionados desta fase serão convocados para a segunda etapa, a entrevista virtual, a partir do dia 5 de janeiro de 2021. As entrevistas estarão sob responsabilidade da organização FA.vela, parceira operadora do Fundo Baobá para este projeto. Os organizadores esperam que cada um dos três sócios inscritos por iniciativa participem da entrevista, que será agendada com antecedência e realizada pelo sistema de videochamada. Caso os empreendedores/as não possuam acesso à internet, a mesma ocorrerá por chamada telefônica. A entrevista agendada não poderá ser remarcada. 

O resultado final da seleção será divulgado em  fevereiro de 2021

Aqui, o link que leva à lista de selecionados.  

 

Recuperação econômica e fortalecimento de territórios negros é um dos caminhos para a justiça social

No dia 20 de dezembro, encerram-se as inscrições do Programa de Recuperação Econômica de Pequenos Negócios de Empreendedores(as) Negros(as), iniciativa do Fundo Baobá para Equidade Racial, que tem apoio do Instituto Coca-Cola Brasil, Instituto Votorantim e Banco BV, com a premissa de dar suporte financeiro a pequenos empreendimentos, liderados por pessoas negras, em comunidades periféricas ou territórios em contexto de vulnerabilidade socieconômica no país. 

A pandemia do novo coronavírus acentuou as desigualdades em nosso país, o que gera discussões sobre o que significa desenvolvimento econômico. Para o mestre em sociologia e professor na FGV (Faculdade Getúlio Vargas), Márcio Macedo, há controvérsias nas definições e formas de se medir o desenvolvimento econômico: “Para os economistas mais ortodoxos, o desenvolvimento econômico pode ser medido a partir de parâmetros como PIB (Produto Interno Bruto), renda per capita e níveis de consumo da população. O que é considerado nessa forma de se medir desenvolvimento econômico é o tamanho da economia e do mercado consumidor. Hoje somos a nona economia mundial, nosso PIB gira em torno de US$ 1,8 trilhão. Com essa definição, o Brasil se encontra à frente de países como o Canadá. Contudo, se olharmos os índices de competitividade da nossa economia, o Brasil vai para uma posição 34º na lista das economias mundiais. Além disso, se levarmos em consideração o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano – unidade de medida utilizada para aferir o grau de desenvolvimento de uma determinada sociedade nos quesitos de educação, saúde e renda), o Brasil, atualmente, encontra-se na 79º posição no ranking do IDH mundial (uma lista com mais de 180 países), como divulgado pelo PNUD, em 2018”, afirma Márcio. 

Márcio Macedo, mestre em sociologia, professor e coordenador de diversidade da FGV EAESP

Curiosamente, o Brasil encontra-se há três anos nessa posição, o que pode ser considerado uma estagnação. “De forma geral, podemos dizer que o Brasil é um país com grandes desigualdades e paradoxos. Assim, eu diria que não podemos nos considerar desenvolvidos economicamente porque temos uma desigualdade social e econômica enorme”, finaliza.

Para a empreendedora na Ceilândia (DF), formada em serviço social e pós-graduanda em Gestão, Empreendedorismo e Inovação Empresarial, Wemmia Santos, o que dificulta o desenvolvimento econômico e a redução das desigualdades é a manutenção de privilégios das classes favorecidas: “Vale dizer que somos cada vez mais afetados para perder as dimensões que desvinculam o consumo do exercício da cidadania, haja vista que o modelo de inclusão adotado para o desenvolvimento econômico se deu via políticas públicas de estímulo ao consumo de bens e serviços. Ao olhar com mais cuidado para essa estrutura, fica exposta a não opção pela dissolução/diminuição das desigualdades, e também fica evidente que quanto menor seu poder de renda,  menor seu exercício de acesso ao direito de ter direitos. A face dessa realidade desafia a temática de desenvolvimento econômico, bem como denuncia outras restrições no que se refere a questões ambientais e socioespaciais”.

É aprendizado básico de economia que os recursos são escassos e que não é possível dividir com todos, mas para Wemmia Santos é preciso romper com esse mito: “As ‘crises’ e a suposta escassez de recursos são os pretextos utilizados pelo Estado para justificar sua retirada da responsabilidade social, especialmente no campo das políticas sociais. Desse modo, o desenvolvimento econômico que deveria beneficiar toda população, fomentando o acesso à cultura, esporte e lazer com garantia de mobilidade que atenda a todos, é desfavorecido em favor do capital que tenciona a construção de instrumentos baseados unicamente no planejamento público tecnicista que limita a equidade e distribuição justa de bens e serviços, favorecendo apenas os estratos privilegiados”.

Wemmia Santos, pós-graduanda em Gestão, Empreendedorismo e Inovação Empresarial e empreendedora na empresa RAIX

Para muitos, a principal forma de se emergir economicamente é empreendendo, ou,  como dizem, se tornando o seu próprio patrão e dono do próprio negócio. Muito tem se discutido sobre o empreendedorismo, muito se tem estudado sobre os melhores formatos de se investir, empreender e obter lucro, mas, considerando a deficiência no desenvolvimento economico do nosso país, pouco se dialoga sobre a formalização do empreendedorismo negro. Wemmia recorre à história para demonstrar que o debate sobre empreendedorismo, mesmo com a proliferação da internet, está longe de ser algo recente. Ela cita inclusive, a Irmandade da Boa Morte, que teve a sua fundação no século XIX, em Salvador, vindo posteriormente a se estabelecer na cidade de Cachoeira, na Bahia: “As mulheres da Irmandade vendiam quitutes e com o lucro das vendas ajudavam seus afiliados e outros negros, fugidos da escravidão, pagando suas alforrias. Ainda hoje, elas preservam essa motivação inicial, em memória ao sofrimento dos escravizados pela busca da liberdade e, dessa forma, se mantêm um exemplo notório de luta e resistência contra a escravidão. São, portanto, revolucionárias desde aquela época. Transformaram a falha de mercado do sistema escravocrata em oportunidade de viabilizar a liberdade de seu povo. Encontraram e encontram meios para solucionar questões relacionadas à redução da pobreza e desigualdade, em um cenário nada propício à participação ativa da mulher, com ênfase nas mulheres negras”.

Para Wemmia, é importante conhecer a história, justamente para compreender os territórios negros: “Quando resgatamos a história do Brasil, antes mesmo do sistema capitalista, fica evidente a manutenção do racismo estrutural nos territórios que a população negra se concentra e nas faixas de rendimento entre negros e não negros. Para nós é necessário conhecer e preservar a história para, só assim, consolidar ações mais igualitárias”.

É dentro deste contexto histórico que Marcio Macedo acredita que, quando falamos em empreendedorismo negro ou afro empreendedorismo, há uma perspectiva política envolvida.  Ou seja, são negócios de pessoas negras, que podem envolver algum tipo de relação com elementos das culturas negras e ainda ser voltados, de forma prioritária, para o consumo de pessoas negras: “Apesar de isso não ser algo novo, ele tomou um novo significado em um contexto que o mercado consumidor e a economia como um todo passam a ser vistos como  espaços de questionamento da desigualdade racial. Falar que a invisibilidade do empreendedorismo negro é efeito do racismo estrutural e empresarial é simplificar o problema. Entender o fenômeno do empreendedorismo é olhar para as relações entre raça, classes, desigualdades das mais variadas entre negros e brancos,  além da reconfiguração do mercado de trabalho dentro de uma economia neoliberal”.

Pesquisa realizada pelo Sebrae em 2018, a Global Entrepreneurship Monitor (GEM) revela que 40,2% das micro e pequenas empresas no Brasil são comandadas por negros. A mesma pesquisa, também nos mostra que apesar dos empreendedores negros liderarem o número de micro e pequenas empresas no Brasil, quando olhamos para o faturamento é maior a proporção de empreendedores negros que possuem renda familiar mais baixa do que empreendedores brancos e – ao contrário – é maior a proporção de empreendedores brancos que possuem rendas maiores: “Esses números discrepantes seguem a mesma linha ou dimensão da desigualdade vista entre negros e brancos no Brasil. Há diferenças nas formas, modos e tipos de negócios ou empreendimentos de negros e brancos. É preciso abrir os números para verificar com mais acuidade essas diferenças e desigualdades, mas diria que estamos comparando universos bastante distintos”, afirma Márcio.

Outra grande dificuldade da pessoa negra que empreende diz respeito à obtenção de créditos. Um estudo realizado pela PretaHub, em parceria com o instituto de pesquisas Plano CDE e o banco JP Morgan, mostrou que 32% dos empreendedores negros tiveram crédito negado, sem explicação. Márcio Macedo diz que ter acesso a crédito no Brasil é, em geral,  algo bastante difícil e caro e mais ainda para quem é pobre: “Há uma mistura de desinformação, desconfiança e seleção prévia realizada por bancos. O ponto central é: não há linhas de crédito com taxas de juros que não sejam exorbitantes para serem oferecidas para empreendedores e microempreendedores negros, porque a maior parte deles está alocada nas faixas de classe menos abastadas, que sofrem com problemas de formalização ou com questões às vezes bastante simples de serem resolvidas, mas que impedem o acesso ao crédito”.

A Pandemia de Covid-19 acentuou ainda mais as desigualdades sociais e raciais. E, no caso do empreendedorismo negro, um estudo do Sebrae mostrou que durante esse período 46% dos empreendedores estavam com dívidas em atraso. Sessenta e um por cento dos que buscaram empréstimo não conseguiram, mesmo tendo pedido valores mais baixos do que os brancos: “A pandemia afetou todos os negócios, tanto de brancos como os de negros. Contudo, a pandemia também se orientou pelas desigualdades na maneira como afetou de forma desproporcional a população. Ou seja, houve uma socialização desigual dos impactos negativos da pandemia, com um número maior de mortes e perdas de pobres e negros”, ressalta Márcio Macedo. “No caso dos empreendimentos negros, a forma de resiliência tem se dado através de apoio de redes familiares e de amigos. Muitas vezes não necessariamente na manutenção do negócio, mas na tentativa de dar conta das despesas de manutenção pessoal e familiar. Muitos empreendedores negros dependem dos seus negócios para pagar suas contas mensais, ou seja, sua subsistência está vinculada ao negócio. Na impossibilidade do negócio/empreendimento funcionar, algo que ocorreu no período mais crítico da quarentena, boa parte deles ficou sem renda e teve que recorrer à ajuda do Estado, dinheiro vindo do auxílio emergencial liberado pelo governo federal, ou buscou ajuda, como já disse, com familiares ou redes de amigos”, completa.

Com as dificuldades, no contexto da Covid-19, o empreendedorismo negro precisou pautar estrategias de resiliência negra para se manter vivo. Sendo empreendedora desde 2017 à frente da marca RAIX, atuando no ramo do vestuário com a valorização da cultura periférica,  e atuando também na Feira da Quebrada em Brasília e na Loja Colaborativa, Wemmia acredita que uma rede de parcerias com outros empreendedores negros pode ser eficaz na forma de aceleração e apoio de pequenos negócios. Márcio Macedo também vê de forma positiva a rede de parceria entre empreendedores negros: “Essa é uma estratégia que já vem sendo colocada por organizações como a Coalizão Éditodos, que visa captar recursos e apoiar negócios de empreendedores/as negros/as. A aceleração é algo que deve ser feita, contudo, é necessário experiência no universo do empreendedorismo. O processo de aceleração deve ser capitaneado por alguma organização que tem um papel importante e “know-how” no ecossistema empreendedor”.

Pensando nessa experiência no universo do empreendedorismo, Márcio Macedo está à frente do projeto “Raça & Mercado”, uma iniciativa conjunta da FGV EAESP – via FGVCenn e Coordenadoria de Diversidade – Feira Preta, AfroBusiness e Diaspora.Black. O projeto tem como premissa estimular a reflexão sobre o empreendedorismo negro e o fortalecimento do ecossistema: “Entre maio de 2019 e dezembro de 2020 realizamos onze fóruns de discussão nos quais foram convidados pesquisadores, empreendedores/as, empresas, organizações da sociedade civil e setores do Estado para discutir o tema do empreendedorismo negro a partir de diversas perspectivas. Publicaremos um relatório de atividades no início de 2021 com as principais conclusões”.

Atuando em seu território, Wemmia Santos é coordenadora do Programa LECria, (Laboratório de Empreendimentos Criativos) um edital de fomentos para empreendedores periféricos que, a cada ano, doa R $10 mil para 10 empreendimentos. Essa iniciativa surgiu após um estudo territorial: “Estudo realizado pela Codeplan (Companhia de Planejamento do Distrito Federal) aponta que Ceilândia, Águas Claras e Taguatinga são as três Regiões Administrativas com o maior número de microempreendedores individuais (MEI) no setor da cultura, nas atividades artísticas como espetáculos, fotografia e música”, segundo a empreendedora, são empresas criativas que estimulam o mercado e são responsáveis pelo aumento da qualidade de vida na região. “O LECria, tem como objetivo instigar ainda mais o empreendedorismo criativo na construção e ampliação da economia solidária entre a juventude, oportunizando a inclusão de novas formas de empreender nas artes, danças, música, comunicação entre outros nichos”. Completa.

Dessa forma, além de fomentar a criação a Feira da Quebrada, Wemmia traz o conceito de loja colaborativa, como forma de ligar o empreendedor com o cliente: “A loja colaborativa RAIX, na Praça do Cidadão, em Ceilândia, foi criada com o objetivo de fomentar o empreendedorismo entre jovens periféricos trazendo um formato colaborativo, que já é tendência validada, segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). A ideia é sermos um veículo que conecta o vendedor ao cliente, cedendo o espaço por um valor justo e acessível, espaços compartilhados tem sido uma ótima solução para empreendedores iniciais e de pequena escala que buscam otimização de custos e escoamento de estoque, tendo em vista a impossibilidade de arcar sozinhos valores fixos, como aluguel, manutenção, funcionários, divulgação, dentre outros, fazendo assim que permaneçam por mais tempo na informalidade”, completa.

Márcio acredita que programas de recuperação econômica, como proposto pelo Fundo Baobá, são iniciativas louváveis e importantes para o desenvolvimento e fortalecimento do empreendedorismo negro no Brasil: “É necessário que outras organizações, públicas e privadas, sigam o exemplo do Fundo Baobá com vistas a possibilitar que inovações econômicas e sociais sejam conquistadas através do empreendedorismo de pessoas negras, que beneficia a todos/as, negros/as e não negros/as”. 

Wemmia Santos, que é uma das mulheres apoiadas pelo Fundo Baobá no Programa de Aceleração de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, também reforça o coro: “Se eu não tivesse participado de um edital de fomento, com certeza boa parte das ações que executamos hoje não seriam possíveis. Fico feliz em ver cada vez mais iniciativas que incentivam pessoas negras a buscarem seus sonhos de forma ampliada”.

Fundo Baobá divulga a lista de selecionados para Programa Já É: Educação para Equidade Racial

Hoje, 10 de dezembro, celebramos o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Foi também em um dia 10 de dezembro, no ano de  1948, durante a assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU), em Paris (França), que foi instituída a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Composta por 30 artigos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos traz os direitos que todo ser humano tem ao nascer e ao longo de toda vida, entre eles, está a educação. No 26ª artigo diz que “Todo ser humano tem direito à educação”, e ainda reforça que “A educação será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais”.

Acreditando na importância da educação para a promoção da justiça social, que o Fundo Baobá para Equidade Racial, com o apoio da Citi Foundation, lançou o Programa Já É: Educação para Equidade Racial.

Lançado no dia 10 de julho de 2020, para apoiar 100 jovens negros, residentes em bairros periféricos de São Paulo e outros municípios da região metropolitana, a acessarem o ensino de nível superior. O programa inclui não só os custos dos estudos em cursinho preparatório para o vestibular e as despesas com transporte e alimentação ao longo do programa.

Ele prevê também atividades voltadas para o enfrentamento dos efeitos psicossociais do racismo e para a ampliação das habilidades socioemocionais e vocacionais e ainda mentoria com profissionais de diferentes formações acadêmicas, experiências profissionais e de vida.

O Programa Já É, teve 245 pessoas inscritas, até o encerramento das inscrições no dia 9 de agosto de 2020. A segunda etapa de seleção do edital foi classificatória e aconteceu dentro do período de 05 de outubro a 10 de novembro. Foram convidados para a entrevista 211 candidatos, no qual 120 participaram da entrevista.

Hoje anunciamos as 100 pessoas selecionadas para participar do Programa Já É: Educação para Equidade Racial. Confira abaixo a lista em ordem alfabética:

1 – Alan David Vieira Hildebrando
2 – Aline Castro
3 – Ana Claudia Rocha de Souza
4 – Ana Júlia Melo de Lucas
5 – Ana Maria Silva Oliveira
6 – Ângela Ferreira da Silva
7 – Antonio Gustavo Ribeiro Da Silva
8 – Aretha Victoria Ramos dos Santos
9 – Barbara Oliveira Guimaraes dos Santos
10 – Beatriz Moreira Passos da Silva
11 – Beatriz Sampaio do Nascimento
12 – Bianca Paixao Silva
13 – Bruna Cypriano da Silva Pacheco
14 – Camila Carvalho Santos
15 – Carlos Eduardo de Castro Cerqueira
16 – Caroline Cristina Santos Gino
17 – Cherisch Dantas Invangelho
18 – Clarissa Beatriz Da Costa Bulling
19 – Eduardo Silva de Souza
20 – Emily Tauany Souza Andrade Pereira
21 – Erick dos Santos Rodrigues
22 – Fernanda Ferreira dos Santos
23 – Flavia Martins de Santana
24 – Gabriel Lima Viana Silva
25 – Gabriella Beltrão Martins Mota
26 – Gabrielly Maria Silva
27 – Geovana de Carvalho Teles de Amorim
28 – Geovanna da Silva Melo
29 – Giovanna Oliveira Correia da Silva
30 – Giovanna Vitória Dos Santos Xavier
31 – Gustavo de Jesus Oliveira
32 – Gustavo de Jesus Soares
33 – Ikaro Ricardo Sampaio Cruz Vieira
34 – Ione Vitor Mendes
35 – Isabella Alcantara dos Santos
36 – Isabella Amaro da Costa Oliveira
37 – Isaque Rodrigues de Oliveira
38 – Izabel dos Santos Neimeir
39 – Jaini Da Silva Macedo
40 – Jakeline Souza Lima
41 – Jefferson Luis Ramos do Nascimento
42 – Jessica Santos Paixão
43 – João Gabriel Ribeiro dos Santos
44 – João Pedro Araújo da Silva
45 – João Victor dos Santos Bezerra
46 – Joyce Cristina Nogueira
47 – Julia Camile Da Silva Santos
48 – Julia Firmino Gabriel
49 – Karine Lopes dos Santos
50 – Kerollyn Silva Alves
51 – Ketlen Leandra Carvalho
52 – Laiza Catarine Ferreira Diniz
53 – Larissa Araujo Aniceto
54 – Laryssa Lorrany Gonçalves de Oliveira/ Leonardo
55 – Laura Tatiana Alves Mendonça Prates
56 – Laysa Stefani de Almeida Brito
57 – Leandro Gomes de Oliveira
58 – Livia Ferreira Estanislau
59 – Luana Silva Santos
60 – Lucca Catherine Ferreira dos Santos
61 – Luiz Benedito Ferreira de Oliveira
62 – Luiz Fernando Muniz Oliveira
63 – Luiz Vinicius Reis Silva
64 – Luíza Firmino Gabriel
65 – Maria Eduarda Da Silva Souza
66 – Mateus Gomes dos Santos
67 – Maura Maria de Araujo Ramos
68 – Max Juan Oliveira Santos
69 – Mayara Maria Malta
70 – Maysa Silva Dias
71 – Melissa de Jesus Calixto Costa
72 – Micheli Karoline da Silva Santos
73 – Murilo Alves de Oliveira
74 – Naomi Brito
75 – Natália dos Anjos Oliveira
76 – Natalini Santos de Jesus
77 – Natan Conceição da Silva Santos
78 – Natanael Teodoro dos Santos
79 – Nayara Silva de Oliveira
80 – Nicholas Welington Crisologo Gonçalves
81 – Paulo Vicco
82 – Raphaela Dos Santos Moura
83 – Raquel Pinheiro De Carvalho
84 – Rayane Jesus Santos
85 – Rayanne Caetano da Silva
86 – Rhasna Neves Ferreira
87 – Rubianne Yasmini de Paula Araujo
88 – Tallita Soares de Andrade
89 – Taluma Gabriely Sousa Ferreira
90 – Taynara Silva Santos
91 – Thais Vieira Costa
92 – Thauany Christina Gabriel Aniceto
93 – Thereza Eliete Oliveira Ribeiro/ Breno Oliveira Ribeiro
94 – Vanessa da Silva Souza
95 – Victor dos Passos Moreira
96 – Vinicios Gabriel Salatiel
97 – Vinicius Ribeiro
98 – Vitoria de Jesus Damasceno
99 – Vitoria Nunes
100 – Wellington Marcelino

Parabéns a todas as pessoas selecionadas. O Fundo Baobá para Equidade Racial entrará em contato por e-mail com todos vocês. As aulas começam em março de 2021, mas em fevereiro haverá encontro virtual para orientações gerais. Também nesse mês acontece a assinatura do contrato de bolsa e benefícios.

As e os jovens selecionadas(os) pelo Programa JÁ É serão periodicamente avaliadas por profissionais especializados em relação ao seu desempenho e performance no processo preparatório para o vestibular e, além disso deverão frequentar as atividades obrigatórias e apresentar relatórios periódicos de progresso, seguindo as orientações e formulários disponibilizados pelo Fundo Baobá.

Caso haja desistência, as pessoas que estiverem na lista de espera serão convocadas. A convocação irá acontecer no início de março de 2021.

Confira a lista de espera em ordem de classificação

LISTA DE ESPERA EM ORDEM DE CLASSIFICACAO
1 – Alice Silva Gomes
2 – Anna Beatriz da Silva Garcia
3 – Caroline Vitória Rocha Dos Santos
4 – Kenya Cristina S. Pereira
5 – Karina Leal de Souza
6 – Joselaine Romão Soares
7 – Malcolm Da Silva Barreto
8 – Thiago Nery da Silva
9 – Thaís Lopes de Souza
10 – Thais Sousa Silva
11 – Luiz Felipe Motta da Silva
12 – Heloisa Cristina
13 – Marcos Agostinho da Silva Filho
14 – Ewerton de Jesus Lima
15 – Pietra Isabelle dos Reis

 

Fundo Baobá lança edital para apoiar empreendedores negros e empreendedoras negras no contexto pós-pandemia

O Fundo Baobá para Equidade Racial apresentou, no dia 11 de novembro, uma grande oportunidade para micro e pequenos empreendedores. É o Programa de Recuperação Econômica de Pequenos Negócios de Empreendedores(as) Negros(as), que vai apoiar 47 negócios que precisem de um aporte financeiro para melhor se desenvolver. Esses negócios têm que ser comandados por pessoas (homens e mulheres) negras que toquem os seus negócios em comunidades periféricas ou territórios em contexto de vulnerabilidade socioeconômica. O investimento é de R$ 1,6 milhão, com inscrições no site do Baobá até o dia 20 de dezembro. Coca-Cola Brasil, Banco BV e Instituto Votantim apoiam a iniciativa do Fundo Baobá.

As pessoas negras que empreendem sofreram mais com a recessão econômica provocada pela pandemia. “Fomentar o empreendedorismo negro, contribuindo para o desenvolvimento e ampliação das habilidades das lideranças e aceleração de seus  negócios, é um dos instrumentos necessários para que o pleno potencial da população negra seja alcançado e para que se construa uma sociedade justa”, explica Selma Moreira, diretora-executiva do Fundo Baobá.

“O Instituto Coca-Cola Brasil tem como objetivo passar de milhares para milhões de jovens impactados através de programas, parcerias e ecossistema no qual atua. Impulsionar o fortalecimento dos principais afetados pela pandemia é fundamental para alcançarmos este objetivo”, afirma Daniela Redondo, diretora do Instituto.

Para assegurar um impacto mais profundo, o edital estabelece que as propostas devem ser inscritas, em conjunto, por três pequenos empreendedores(as) negros(as) que já atuem em parceria ou queiram trabalhar de maneira complementar. Não é necessário possuir CNPJ – um detalhe que favorece a adesão de pessoas de comunidades periféricas ou territórios em contexto de vulnerabilidade socioeconômica. Não há restrições a identidade de gênero e a faixa etária para inscrição é de 18 anos ou mais. Propostas das regiões Nordeste e Norte ou que envolvam negócios liderados por mulheres serão priorizadas.

O edital é exclusivo para empreendedoras e empreendedores negros que tenham pequenos negócios com faturamento de até R$ 6.750,00 (seis mil, setecentos e cinquenta reais) por mês. Os(as)  selecionados(as) vão receber R$ 10 mil cada um (totalizando R$ 30 mil por iniciativa). O programa  inclui ainda mentoria: assistência técnica, formação, troca de experiência entre participantes e empreendedores(as) de sucesso.

As inscrições podem ser feitas de 11 de novembro a 20 de dezembro no site do Fundo Baobá. O programa terá início em 1 de março de 2021, após as três fases de seleção.

O apoio à iniciativa do Fundo Baobá reforça o compromisso das corporações com o combate ao racismo e promoção da equidade racial no contexto econômico brasileiro. O Fundo Baobá – primeiro e único fundo dedicado exclusivamente à equidade racial no País – agrega seu profundo entendimento do tema, de forma que o edital não seja apenas transferência de recursos, mas sim uma iniciativa transformadora nas comunidades onde estão localizados os negócios apoiados.

Fundo Baobá encerra em 12 de outubro a Chamada para Artigos Sobre Ações de Filantropia para Equidade Racial Pós-Pandemia

O prazo está acabando: vão até 12 de outubro as inscrições no edital de artigos sobre ações de filantropia para equidade racial no contexto pós-pandemia.  Serão selecionados até 20 artigos e seus autores vão receber verba de apoio no valor de R$ 2,5 mil cada. Para 2021, ano em que o Fundo Baobá para Equidade Racial completa 10 anos de fundação, uma edição eletrônica bilíngue (português-inglês) de um livro com os artigos será publicada. 

O edital é aberto a toda a comunidade acadêmica. Para figurar como primeiro(a) autor(a) do artigo esperamos contar com especialistas, mestres ou doutores com produção acadêmica concernentes às áreas priorizadas pelo Fundo Baobá para os seus investimentos programáticos: educação para equidade racial, do ciclo básico à pós-graduação; população quilombola; juventude negra; racismo religioso; saúde da população negra e ciclo de vida; masculinidades negras; violência de gênero contra mulheres negras; violência de gênero contra lésbicas, gays, travestis, transsexuais, queers, intersex negrxs; violência racial: segurança cidadã; racismo ambiental;   população negra, ciência e tecnologia; população negra e desenvolvimento econômico; população negra, comunicação e arte; população negra e memória.

 

O objetivo do edital, que é parte do projeto Consolidando Capacidades e Ampliando Fronteiras e integra uma parceria com a Fundação Ford, é a produção de conhecimento que possa fortalecer a atuação do Fundo Baobá no apoio a organizações e lideranças negras. Por isso, a participação da comunidade acadêmica é muito importante. 

A primeira etapa da seleção será de 26 de outubro a 10 de dezembro de 2020 e contará com o apoio de um grupo de pesquisadores com experiência comprovada na área e com título de doutor há pelo menos cinco anos para realizar análise crítica dos artigos.  A lista final dos textos que irão compor a publicação será divulgada no site do Fundo Baobá até o dia 22 de fevereiro de 2021. 

Clique aqui e inscreva seu artigo. 

Selecionados para receber doações emergenciais de apoio à primeira infância no contexto da Covid-19

O Fundo Baobá Para a Equidade Racial divulgou no dia 25 de setembro, a lista de selecionados do edital de doações emergenciais de apoio à primeira infância no contexto da Covid-19.

A iniciativa do Fundo Baobá, em parceria com a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, a Porticus América Latina e a Imaginable Futures foi concebida para apoiar famílias com mulheres e adolescentes em estado de gravidez, mulheres em situação de parto recente, além de homens responsáveis ou corresponsáveis pelo cuidado de crianças de 0 a 6 anos no contexto da pandemia Covid-19.

Lançado no mês de julho, o edital teve mais de 200 pleiteantes entre os dias 6 de julho e 9 de agosto de 2020.  As inscrições vieram de vários estados do Brasil. Por regiões, o número de projetos contemplados é o seguinte: Nordeste – 24; Sudeste – 23; Norte – 4; Centro Oeste – 4; e Sul – 1.

Como o edital indicava, os critérios de seleção levaram em conta a coerência da proposta frente aos objetivos do edital, sua adequação e factibilidade frente às condições de vida e saúde e às singularidades dos sujeitos para os quais as ações seriam dirigidas  (por exemplo ações dirigidas a povos indígenas, quilombolas, migrantes ou refugiados, foram avaliadas em relação à sensibilidade cultural).

O processo de escolha também levou em consideração a adequação e factibilidade da proposta frente ao contexto de isolamento social imposto pela pandemia da COVID19 e buscou priorizar propostas voltadas para o apoio no campo da saúde, educação e assistência social à famílias que vivem em contextos de desigualdades sociais, violência urbana, violência intrafamiliar, desemprego, fome e outras adversidades agravadas no contexto da pandemia de COVID19.

O cruzamento desses critérios permitiu identificar 56 iniciativas que irão receber apoio no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).  A divulgação dos vencedores, como previsto no edital, é feita 45 dias após o término do período de inscrições. Os valores serão depositados para os vencedores dentro de 10 dias úteis e a prestação de contas deve ocorrer em até 90 dias após recebimento da doação.

O Fundo Baobá convida todas as pessoas selecionadas para uma reunião virtual no dia 1º de outubro, via plataforma zoom. Mais detalhes serão enviados por e-mail.

Confira a lista completa:

Nome da Pessoa Proponente Área de Atuação Estado Cidade Bairro Comunidade ou Território
1 – Ágata Parentes Ferreira Educação DF Brasília Ceilândia Sol Nascente
2 – Alessandra Danielly Cruz Educação PE Orocó Zona Rural Território Quilombola Águas do Velho Chico
3 – Aline Brauna Dos Santos Saúde CE Paracuru Freixeiras
4 – Aline Cardoso Côrtes Saúde DF Brasília Ceilândia Sol Nascente
5 – Aline Pedro De Moura Assistência Social RN Macaíba Zona Rural Comunidade Quilombola de Capoeiras
6 – Amanda Cristina Queiroz De Moraes Educação PA Ananindeua Curuçambá
7 – Ana Elisa Barbosa De Andrade Melo Assistência Social PE Recife Ibura Comunidade do Candeeiro
8 – Anny Waleska Saldanha Torres Educação BA Feira de Santana Santo Antonio dos Prazeres Território X
9 – Aristanan Pinto Nery Da Silva Saúde BA Água Fria Distrito de Pataiba Pataiba
10 – Ayodele Floriano Silva Assistência Social SP Itirapina Nova Itirapina Nova Itirapina
11 – Beatriz Raquel Silva Souza Saúde RJ Armação dos Búzios Cem Braças e Capão Cem Braças e Capão
12 – Bruna Rafaelly Cavalcanti Da Cruz Educação MA Centro Novo do Maranhão Sede e Povoados
13 – Caena Rodrigues Conceição Saúde BA Salvador Bairros Periféricos Comunidades em situação de vulnerabilidade
14 – Camila Britto Da Silva Educação SP Arujá Parque Rodrigo Barreto, Jd Mirante
15 – Carla Hemanuela Bezerra Assistência Social CE Crato Pimenta Casa do Imigrante
16 – Caroline Dias Gomes Padilha Educação RJ Rio de Janeiro Penha Penha
17 – Christiane Teixeira Mendes Assistência Social MA São Luis Coroadinho Polo Coroadinho
18 – Claudia Arantes Da Silva Mathias Educação SP São Paulo Região Central Região Central de São Paulo
19 – Cora Carolina De Paula Souza Assistência Social SP São Paulo Parque de Taipas Quilombo da Parada
20 – Daiane Da Fonseca Pereira Assistência Social BA Feira de Santana Matinha Comunidade Quilombola Candeal II
21 – Deyse Andrade Oliveira Educação SP Santo André Borda do Campo e Grande Vila Luzita Borda do Campo e Grande Vila Luzita
22 – Domingos Lemos Silva Saúde BA Vitória da Conquista Zona Rural Comunidade Quilombola São Joaquim do Sertão
23 – Edaildes Aparecida Rocha Saúde SP São Paulo Rio Pequeno Comunidades do Rio Pequeno e de Embu das Artes.
24 – Elisene Lemes De Oliveira Santos Educação AM Manaus Jorge Teixeira Comunidade Santa Ines
25 – Ester Oliveira Bayerl Educação RJ Rio de Janeiro Jacarepaguá Cidade de Deus
26 – Fernanda De Sá Sampaio Educação SP São Paulo Jardim Sydney Comunidade do Cantagalo
27 – Fernanda Flávia Cockell Silva Assistência Social SP Santos Nova Cintra Território dos Morros
28 – Helena Maria Tenderini Ferreira Da Silva Saúde PE Tracunhaém Bairro Novo
29 – Heloisa  Ferreira Da Silva Assistência Social BA Salvador Engenho Velho de Brotas Brotas
30 – Itamara Luiza Da Silva Assistência Social RN Assu Conjunto São Cristóvão e Conjunto Irmã Lindalva Bairro Frutilândia e Comunidade Baviera
31 – Jacqueline Leite Serafim Assistência Social PE Olinda Rio Doce Comunidade Beira Mangue
32 – Jaqueline Barbosa Dos Santos Heldt Assistência Social SP Pompéia Bairros Periféricos
33 – Jonatas Aparecido Silva Educação SP Campinas Oziel, Campo Grande, Campo Belo e Ouro Verde. Regiões Sul e Sudoeste.
34 – Kelly De Souza Prado Saúde SP Francisco Morato
35 – Lara De Paula Eduardo Saúde SP Embu das Artes Itatuba Região de Itatuba
36 – Layla Daniele Pedreira De Carvalho Assistência Social BA São Francisco do Conde e Santo Amaro
37 – Leandro Vilas Verde Cunha Assistência Social BA Salvador e Lauro de Freitas Comunidade do Ilê Axé Odé Yeyê Ibomin
38 – Lela Queiroz Assistência Social BA Salvador
39 – Liliane Santos Pereira Silva Saúde AL Batalha Zona Rural Comunidade Quilombola do Cajá dos Negros
40 – Marcy Maria Ferreira Gomes Educação RJ Duque de Caxias Centenário Mangueirinha
41 – Maria Carolina Ortiz Whitaker Saúde BA Salvador Ilha de Maré Praia Grande
42 – Maria Das Dores Faustino Saúde MG Belo Horizonte e Betim
43 – Maria Lúcia Dos Santos Rodrigues Assistência Social PA Região Metropolitana de Belém Águas Lindas Comunidade Moara e Área Adjacente
44 – Marlise Silva Lemos Educação RS Porto Alegre Cavalhada Sul e Extremo/ Restinga/ Cavalhada
45 – Meire Pereira De Oliveira Assistência Social BA Salvador Federação Comunidade de São Lazaro
46 – Minéia Miranda Santos De Oliveira Assistência Social SP São Paulo Ermelino Matarazzo Vila Santa Inês e Vila Godoy
47 – Natália Sevilha Stofel Assistência Social SP São Carlos Cidade Aracy
48 – Patricia Maria Barros Thomas Saúde RJ Rio de Janeiro Rocinha
49 – Paulo Henrique Do Nascimento Saúde RN Assu João Paulo II Favela Parati 2000
50 – Priscila Costa Saúde SP São Paulo Jabaquara Favela Alba
51 – Roberta Fernandes De Souza – Beth Fernandes Saúde GO Goiânia Região Noroeste
52 – Samily Maria Moreira Silva E Silva Assistência Social PA Belém Icoaraci, Terra Firme e Cotijuba. IBAMCA e Africanos de Icoaraci
53 – Silvia Aparecida Do Carmo Rangel Educação SP Suzano Miguel Badra Urbana
54 – Thays Fernanda Da Silva Saúde PE Recife Prado/ Zumbi/Cordeiro e Madalena Sítio do Berardo, Rua da lama e Sítio do Cardoso
55 – Tobias Pereira Soares Filho Assistência Social DF Brasília Ceilândia Sol Nascente
56 – Viviane Zerlotini Da Silva Assistência Social MG Belo Horizonte Baronesa Ocupações urbanas da região de Izidora

 

Open Society Foundation: a força da filantropia na luta antirracista

Fundada na década de 1980, a fundação atua mundialmente com foco em combater desigualdades e o preconceito. Atualmente, os países que mais recebem investimentos são o Brasil e a Colômbia, fortalecendo as lideranças e organizações negras. Conheça parte dessa história que é contada por Lígia Batista, assessora especial do Programa para América Latina. 

Boletim –  Quando a Open Society Foundations trouxe para o centro a questão da equidade racial nos  Estados Unidos e no Brasil?

Lígia Batista – O trabalho da Open Society nos Estados Unidos começou na década de 1980, com foco em melhorar a qualidade dos cuidados paliativos e reformar a política de drogas, dotada de práticas severamente punitivas que recaíam especialmente sobre os negros. Na década de 1990, o trabalho foi ampliado para combater o preconceito nas escolas, no policiamento, nos processos eleitorais e no sistema judiciário, bem como foi intensificado o apoio àqueles que defendiam mais  níveis de prestação de contas pelos governos e a proteção dos direitos civis e políticos. Em 2020, a fundação investiu $220 milhões de dólares para fortalecer o poder de atuação e disputa política das comunidades negras norte-americanas, em resposta às ondas de protestos que ainda tomam as ruas do país em reação aos assassinatos de afro-americanos pela polícia. No Brasil, a fundação tem aumentado sua atuação no fortalecimento de lideranças e organizações negras. Apoiamos cada vez mais grupos que se posicionam na vanguarda das disputas políticas e no enfrentamento ao racismo, seja no campo da inovação democrática, da construção de contranarrativas ou do reposicionamento do debate sobre direitos humanos neste país, no qual raça e etnia devem ser entendidas como eixos centrais. Além disso, buscamos contribuir para alavancar o debate sobre o papel que a filantropia deve ter na luta antirracista.

Boletim –  E a atuação com o Fundo Baobá?

Lígia Batista – Um dos maiores apoios já realizados pela fundação no Brasil foi para a consolidação do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. A parceria com o Fundo Baobá, iniciada em 2018, visou a consolidação desse projeto que é fundamental. O assassinato de Marielle diz muito a respeito do medo que as elites brancas cisheteronormativas carregam diante do levante de mulheres negras que desafiam as estruturas de poder. E nada é mais vigoroso do que responder a essa tentativa de silenciamento com o fortalecimento de outras vozes negras femininas em todo o país que dedicam sua energia à luta por equidade racial no Brasil sem perder de vista as dimensões de gênero, classe, sexualidades e território, dentre outras. A existência desse Programa, feito por e para mulheres negras, só reforça o senso de que não avançamos sozinhas, mas de forma coletiva.

Boletim – Por que a Open Society Foundations considera relevante apoiar iniciativas, programas e projetos que promovam a equidade racial?

Lígia Batista – Mais da metade da população brasileira é autodeclarada negra. Essa é uma dinâmica única que nos torna o país com a maior população negra fora do continente africano. Apesar disso, ainda que sejamos maioria, há uma clara distorção nas relações de poder. Negros e negras ainda são minoria em direitos, representação e participação política, além de alvos preferenciais da violência armada, da desigualdade econômica, do encarceramento, da intolerância religiosa e da violência de gênero. Assim, em um país majoritariamente negro, no qual uma minoria branca sempre controlou os sistemas de poder, apoiar ações que promovam a equidade racial deve ser uma prioridade. Lutar contra o racismo é lutar por uma sociedade que busque reparar o legado de dor e violência deixado pelo colonialismo e pela escravidão, combatendo as expressões contemporâneas de exclusão que até hoje ainda derivam desses processos históricos.

Lígia Batista é assessora especial do Programa para América Latina da Open Society Foundations

Boletim – Qual é o papel das fundações na busca por um mundo mais justo e igualitário?

Lígia Batista – O papel da filantropia no Brasil pode ser decisivo para a consolidação de um projeto diferente de presente e de futuro. Ainda que sem dominar os poderes econômicos e políticos que sustentam essa sociedade desigual, os movimentos negros têm dado conta de tocar múltiplas estratégias de ação, já tendo alcançado vitórias históricas. Grandes lideranças do setor filantrópico devem tomar partido nessa discussão, se posicionar do lado certo da história e promover ações concretas, para dentro e para fora de suas instituições. O setor precisa compreender que a neutralidade não existe e que todas as escolhas estratégicas de ação adotadas pelo investimento social privado partem de alguma perspectiva – e elas nunca foram racialmente ‘neutras’. Dessa forma, destaco que o compromisso com a equidade racial no setor deve se refletir na missão, visão e valores das instituições. É preciso incorporar a equidade racial ‘portas para dentro’, a partir, por exemplo, da definição de critérios objetivos e políticas internas para fortalecer a diversidade e equidade nos processos de contratação das equipes, com a garantia de que as vozes negras tenham espaço real de escuta e participação ativa na tomada de decisão. Essa diversidade deve se aplicar também aos conselhos. E pensando em ‘portas para fora’, é urgente investir e fortalecer cada vez mais lideranças e organizações negras da sociedade civil, incorporando o enfrentamento ao racismo de forma clara nos planos de ação.

Boletim – Além do apoio que oferece ao Fundo Baobá, no Brasil, que outros países têm iniciativas apoiadas?

Lígia Batista – A Open Society tem atuação em mais de 120 países ao redor do mundo. A fundação apoia o fortalecimento de sociedades abertas e vibrantes em todos os continentes e tem presença já consolidada e crescente na América Latina. Considerando especificamente o trabalho para equidade racial e as relações raciais na região, os países que hoje concentram a maior parte dos investimentos são Brasil e Colômbia, visando o fortalecimento de grupos afro-latinos e indígenas.

Boletim – Gostaria de fazer algum comentário adicional ou deixar um recado para as pessoas?

Lígia Batista – O recado que eu gostaria de deixar é que é preciso agir agora. Que não tenhamos que esperar por mais casos como os de Ágatha Felix, João Pedro, Rafael Braga, Preta Ferreira, Valéria Santos e tantos outros que escancaram o racismo cotidiano para nos lembrarmos que essa causa é real e urgente. Além disso, destaco que a luta por equidade racial não deve ser travada apenas por pessoas negras: o enfrentamento ao racismo deve ser uma agenda de todos e todas. Cada um de nós tem um papel fundamental para tornar realidade  a utopia de justiça, dignidade e direitos para todos e todas.

Selecionados para a segunda etapa do processo seletivo do Programa Já É: Educação para Equidade Racial

Resultado Já É - Fundo Baobá para Equidade Racial

Lançado no dia 10 de julho, o edital teve 245 pessoas inscritas, até o encerramento das inscrições no dia 9 de agosto de 2020. O Programa Já é inclui uma bolsa de estudos em um cursinho preparatório para o vestibular, atividades voltadas para o enfrentamento dos efeitos psicossociais do racismo e para a ampliação das habilidades socioemocionais e acadêmicas, incluindo programa de mentoria. Além dos itens citados, as despesas de transporte e alimentação também serão custeadas ao longo do Programa, que deve ter duração de 12 meses a partir de março de 2021.

O Programa Já É: Educação para Equidade Racial, é para jovens de ambos os sexos, mas priorizam jovens de sexo masculino, jovens transsexuais, jovens mães, jovens que tenham cumprido medidas socioeducativas, e jovens que residem em bairros, territórios ou comunidades periféricas.

Como descrito no edital, a segunda etapa de seleção será classificatória e acontecerá no período de 05 de outubro a 10 de novembro (entrevista individual, realizada em ambiente virtual, por profissionais especializados). Todas as pessoas serão contactadas por e-mail para o agendamento das entrevistas individuais. Fiquem de olho em seus e-mails.

Confira as 211 pessoas selecionadas para próxima etapa do processo seletivo do programa.

Nome Completo Cidade/Município
1 – Adrian Silva de Jesus  São Paulo
2 – Agatha Endy Mendes do Rosario Taboão da Serra
3 – Alan David Vieira Hildebrando  São Paulo
4 – Alice Silva Gomes São Paulo
5 – Alline Castro Caieiras
6 – Ana Aparecida Rodrigues da Silva Osasco
7 – Ana Beatriz da Cruz Santos Souza  Taboão da Serra 
8 – Ana Claudia Rocha de Souza São Paulo
9 – Ana Júlia Melo de Lucas  São Paulo
10 – Ana Maria Silva Oliveira São Paulo
11 – Anderson Costa da Silva São Paulo
12 – Andressa Ferreira da Silva São Paulo
13 – Andressa Furtado da Silva  São Paulo
14 – Ângela Ferreira da Silva São Paulo
15 – Anna Beatriz da Silva Garcia São Paulo
16 – Antônio Gustavo Ribeiro da Silva São Paulo
17 – Any Elisa Peixoto Cirino dos Santos São Paulo
18 – Aretha Victoria Ramos dos Santos  São Paulo
19 – Ariane Pereira da Silva Juquitiba 
20 – Barbara Oliveira Guimaraes dos Santos São Paulo
21 – Barbara Thayna de Castro Barboza Silva São Paulo
22 – Beatriz Moreira Passos da Silva São Paulo
23 – Beatriz Oliveira Mendes Taboão da Serra
24 – Beatriz Pereira de Souza São Paulo
25 – Beatriz Sampaio do Nascimento São Caetano do Sul
26 – Bianca Braz de Lima Taboão da Serra
27 – Bianca Paixao Silva  São Paulo
28 – Bianca Silva Alves  São Paulo
29 – Breno Oliveira Ribeiro São Paulo
30 – Bruna Afonso de Oliveira  São Bernardo do Campo
31 – Bruna Cypriano da Silva Pacheco São Paulo
32 – Bruno Aparecido Justino Conceição São Paulo
33 – Camila Carvalho Santos São Paulo
34 – Carlos Eduardo de Castro Cerqueira  São Paulo
35 – Caroline Cristina Santos Gino São Paulo
36 – Caroline Vitória Rocha dos Santos São Paulo
37 – Celine Alves dos Santos  Embu das Artes 
38 – César Augusto da Silva Rocha São Paulo
39 – Cherisch Dantas Invangelho São Paulo
40 – Clarissa Beatriz Da Costa Bulling São Paulo
41 – Daniel da Rosa Tandu  São Paulo
42 – Deáwilla Oliveira de Souza São Paulo
43 – Eduardo Silva de Souza São Paulo
44 – Elen Felix dos Santos  São Paulo
45 – Eloí Gabriela Carvalho Mello Firmiano  São Paulo
46 – Emily Tauany Souza Andrade Pereira São Paulo
47 – Érica Martins Marques São Paulo
48 – Erick dos Santos Rodrigues São Paulo
49 – Eva Mayra Vulcão Dantas de Feitosa  São Paulo
50 – Ewerton de Jesus Lima São Paulo
51 – Exaucee Cathy Kalambay São Paulo
52 – Felipe Marinho de Jesus Souza São Paulo
53 – Felipe Marino de Souza São Paulo
54 – Fernanda Ferreira dos Santos São Paulo
55 – Flávia Martins de Santana São Paulo
56 – Flávio Luiz Ferreira Pedroso  São Paulo
57 – Gabriel Lima Viana Silva São Paulo
58 – Gabriel Tavares de Melo da Cruz  São Paulo
59 – Gabriela da Silva Santana  São Paulo
60 – Gabriela de Sousa Monteiro  Santo André
61 – Gabriella Beltrão Martins Motta  São Paulo
62 – Gabriella Santos Sampaio Silva São Paulo
63 – Gabrielly Maria Silva São Paulo
64 – Geovana de Carvalho Teles de Anorim São Paulo
65 – Geovanna da Silva Melo Osasco
66 – Giovana clemente da Silva São Paulo
67 – Giovanna Caroline Alves Ferreira  Embu das Artes 
68 – Giovanna Oliveira Correia da Silva Franco da Rocha
69 – Giovanna Vitória Dos Santos Xavier São Paulo
70 – Gizele Lucas  São Paulo
71 – Guilherme Augusto da Silva São Paulo
72 – Guilherme Dias da Silva  São Paulo
73 – Guilherme Henrique de Andrade Leme Diadema
74 – Gustavo de Jesus Oliveira São Paulo
75 – Gustavo de Jesus Soares São Paulo
76 – Gustavo Ferreira da Costa  São Paulo
77 – Gustavo Moraes da Silva  Diadema
78 – Heloísa Cristina Rosendo Cardoso São Paulo
79 – Heloísa de Sena Muniz Campos São Paulo
80 – Henrique Araújo de Oliveira  São Paulo
81 – Ikaro ricardo sampaio Cruz Vieira  Francisco Morato 
82 – Ione Vitor Mendes São Paulo
83 – Isabela Queiroz da Silva  São Paulo
84 – Isabella Alacantara dos Santos São Paulo
85 – Isabella Amaro da Costa Oliveira São Paulo
86 – Isaque Rodrigues de Oliveira São Paulo
87 – Izabel dos Santos Neimeir Osasco
88 – Jaini Da Silva Macedo  São Paulo
89 – Jakeline Souza Lima Itapevi
90 – Janaina Santana Silva  São Paulo
91 – Jaqueline Aparecida Becca São Paulo
92 – Jefferson Gervaes Barbosa São Paulo
93 – Jefferson Luis Ramos do Nascimento Barueri
94 – Jeniffer Vitor Rodrigues da silva  São Paulo
95 – Jenyfer Aparecida Nunes Ferreira São Paulo
96 – Jessica Santos Paixao  São Paulo
97 – João Gabriel Ribeiro dos Santos  São Paulo
98 – João Pedro Araújo da Silva  São Paulo
99 – João Victor dos Santos Bezerra São Paulo
100 – Joselaine Romão Soares Carapicuíba
101 – Joyce Cristina Nogueira São Paulo
102 – Juan Estelino do Nascimento Francisco Morato
103 – Júlia Amorim Souto Osasco 
104 – Julia Camile da Silva Santos São Paulo
105 – Julia Firmino Gabriel  Barueri 
106 – Julia Gomes Mauá 
107 – Juliana Daniela Barbosa São Paulo
108 – Juliana Martins Barbosa  Cotia
109 – Kairo Ilace Gonçalves Taboão da Serra
110 – Karina Leal de Souza São Paulo
111 – Karine Lopes dos Santos São Paulo
112 – Katheryn Firme de Souza  São Paulo
113 – Kathleen Cristina Furtado do Amaral  São Paulo
114 – Kauan Michael Soares Amancio São Paulo
115 – Kenya Cristina Santana Pereira  São Paulo
116 – Kerollyn Silva Alves  São Paulo
117 – Ketlen Leandra Carvalho São Paulo
118 – Lais Alexandra Urbano Xavier São Paulo
119 – Laiza Catarine Ferreira Diniz São Paulo
120 – Larissa Araujo Aniceto  São Paulo
121 – Larissa Bento da Silva São Paulo
122 – Larissa de Lima Gonçalves São Paulo
123 – Larissa Lima Ferreira São Paulo
124 – Larissa Vitória de Moura Jacinto  São Paulo
125 – Laryssa Lorrany Gonçalves de Oliveira Ferraz de Vasconcelos
126 – Laura Tatiana Alves Mendonça Prates São Paulo
127 – Laysa Stefani de Almeida Brito Diadema
128 – Lázaro Pereira Almeida  Ferraz de Vasconcelos
129 – Leandro Gomes de Oliveira  São Paulo
130 – Leticia Raquel Leme de Jesus São Paulo
131 – Leticia Santana Costa Taboão da Serra
132 – Livia Ferreira Estanislau São Paulo
133 – Luana Santana Moreira São Paulo
134 – Luana Silva Santos São Paulo
135 – Lucas Dantas dos Santos São Paulo
136 – Lucca Catherine Ferreira dos Santos São Paulo
137 – Luiz Benedito Ferreira de Oliveira Mogi das Cruzes
138 – Luiz Felipe Motta da Silva São Paulo
139 – Luiz Fernando Muniz Oliveira  São Paulo
140 – Luiz Leonardo Barbosa Junior Ribeirão Pires
141 – Luiz Vinicius Reis Silva São Paulo
142 – Luíza Firmino Gabriel Barueri
143 – Malcolm da Silva Barreto São Paulo
144 – Marcos Agostinho da Silva Filho Jandira
145 – Maria Eduarda da Silva Souza São Paulo
146 – Maria Taís Borges   São Paulo
147 – Mariana Soares Santos de Souza São Paulo
148 – Mateus Gomes dos Santos São Paulo
149 – Matheus Monteiro de Almeida Rodrigues dos Santos São Paulo
150 – Maura Maria de Araujo Ramos São Paulo
151 – Max Juan Oliveira Santos São Paulo
152 – Mayara Maria Malta São Paulo
153 – Mayza Silva Dias Carapicuíba
154 – Melissa de Jesus Calixto Costa São Paulo
155 – Micheli Karoline da Silva Santos  São Paulo
156 – Michelle Vitoria Ramos de Jesus São Paulo
157 – Murilo Alves de Oliveira São Paulo
158 – Namybia Ayara Oliveira Goes São Paulo
159 – Naomi Brito  São Paulo
160 – Naomi Rosa de Moraes Joaquim São Paulo
161 – Natália de Oliveira Costa São Paulo
162 – Natalia dos Anjos Oliveira  São Paulo
163 – Natalini santos de Jesus  São Paulo
164 – Natan Conceição da Silva Santos  São Paulo
165 – Natanael Teodoro dos Santos  São Paulo
166 – Nayara Silva de Oliveira Osasco 
167 – Nicholas Welington Crisologo Gonçalves São Paulo
168 – Nicoly Tomé de Freitas São Paulo
169 – Paulo dos Santos Sousa  São Paulo
170 – Paulo Vico Tavares de Oliveira Taboão da Serra
171 – Pedro Coriolano São Paulo
172 – Pedro Henrique Santos de Oliveira  São Paulo
173 – Pedro Lucas Sabino Marcello Mauá
174 – Pedro Pires Soares São Paulo
175 – Pietra Aparecida Ferreira de Oliveira  São Paulo
176 – Pietra Isabelle dos Reis  São Paulo
177 – Rafaela dos Santos  São Paulo
178 – Rafaela Gonsalez Campos São Paulo
179 – Raphaela dos Santos Moura  São Paulo
180 – Raquel Pinheiro de Carvalho São Paulo
181 – Rayane Jesus Santos Embu das Artes
182 – Rayanne Caetano da Silva São Paulo
183 – Rebeca Borges de Lima Silva São Paulo
184 – Rhasna Neves Ferreira  São Paulo
185 – Rubianne Yasmini de Paula Araujo São Paulo
186 – Samirat Silva Balogun Diadema
187 – Susana Joyce de Souza  São Paulo
188 – Tallita Soares de Andrade Diadema
189 – Taluma Gabriely Sousa Ferreira São Paulo
190 – Taynara Silva Santos São Paulo
191 – Thaina Pereira Souza São Paulo
192 – Thaís Lopes de Souza Embu das Artes
193 – Thais Santina Paulino Magalhaes  Santo André 
194 – Thais Sousa Silva São Paulo
195 – Thaís Vieira Costa São Paulo
196 – Thatyany Mayse Nunes de Jesus São Paulo
197 – Thauany Christina Gabriel Aniceto de Souza São Paulo
198 – Thiago Nery da Silva São Paulo
199 – Valdeir Elias Theodoro São Paulo
200 – Vanessa da Silva Souza  São Paulo
201 – Victor dos Passos Moreira Taboão da Serra
202 – Vinicios Gabriel Salatiel São Paulo
203 – Vinicius  Marques Carneiro Perus 
204 – Vinicius Ribeiro da Silva São Paulo
205 – Vinicius Rodrigues Muniz  São Paulo
206 – Vitória de Jesus Damasceno. Taboão da Serra 
207 – Vitoria Nunes Martins São Paulo
208 – Wellington Marcelino Piropo Jandira 
209 – Wendel Coelho de Aquino São Paulo
210 – Yakini Liberto Alves de Souza  São Paulo
211 – Yasmim Fernandes Marciano São Paulo

 

Chamada para artigos, lançada pelo Fundo Baobá, tem como foco ações de filantropia pós-pandemia

O Fundo Baobá para Equidade Racial lançou, no início de agosto, uma chamada para artigos inéditos que contribuam para aprimorar a ação de filantropia para equidade racial no Brasil pós-pandemia da Covid-19. A iniciativa integra o projeto “Consolidando Capacidades e Ampliando Fronteiras”, em parceria com a Fundação Ford, e tem como objetivo orientar as doações que serão realizadas pelo Fundo Baobá para fortalecer a atuação de organizações e lideranças negras e, ao mesmo tempo, direcionar a captação de recursos.

As inscrições prosseguem até o dia 12 de outubro, às 23h59, aqui no site. O edital é aberto à comunidade acadêmica. O/a autor/a principal precisa ser especialista, ter título de mestrado ou doutorado com produção acadêmica concernentes às áreas priorizadas pela instituição. Serão selecionados até 20 artigos, que receberão apoio de R$ 2,5 mil cada, e farão parte de uma publicação bilíngue a ser lançada em 2021 ano em que o Fundo Baobá completa uma década de atuação.

Rebecca Reichmann Tavares, Presidente & CEO da Brazil Foundation e membro do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, explica que iniciativas assim são importantes porque vão ajudar a entender os efeitos da pandemia e, assim, apoiar as comunidades nessa nova fase ou no novo normal, como está sendo designada a fase posterior à emergência sanitária da Covid-19.

Além das mortes, que não foram poucas, a pandemia imprimiu nova ordem econômica e social. “Temos visto famílias  devastadas, sofrendo com a perda de vidas, desemprego e fome”, disse.  “Empresas que suspenderam atividades,  crianças sem oportunidades educacionais, e a exclusão racial e a discriminação agravando os impactos nesses locais.”

Rebecca Reichmann Tavares é presidente & CEO da Brazil Foundation e membro do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá

Ela explica que, diante desse quadro, quem atua na filantropia deve basear decisões em evidências. “Temos que entender que, além da estratificação socioeconômica, os negros, mesmo em níveis semelhantes de renda e educação com suas contrapartidas de pele mais clara, sofrem os piores efeitos da pandemia. Em parte, é porque cuidam dos outros, usam transporte público e mantêm a cadeia de produção”, afirma.

Como se não bastasse, a população negra, com mais frequência vive em espaços que estão superlotados e sem saneamento básico, o que não apenas fere a dignidade humana, mas prejudica sua segurança física em tempos de pandemia. “As evidências trazidas pelos artigos, as diferentes leituras sobre realidades, necessidades e possíveis soluções, aliadas à escuta ativa que temos realizado junto aos grupos, coletivos e organizações negras que apoiamos, serão cruciais para aprimorar nossa atuação no campo da filantropia por justiça social e também para iluminar o ecossistema filantrópico em geral. Queremos engajar outros atores, trazer mais gente para  apoiar com recursos, a causa da equidade racial para a população negra”, explica Fernanda Lopes, diretora de programa do Fundo Baobá para Equidade Racial.