Baobá faz jornadas ao Pará em prol da saúde mental do povo quilombola

O estado do Pará figura entre os que possuem o maior número de comunidades quilombolas do Brasil. Com o objetivo de abrandar os impactos psicossociais agravados pela pandemia da Covid 19 nessas populações, o Baobá – Fundo para Equidade Racial, com apoio da Johnson & Johnson, realiza o projeto Saúde Mental Quilombola: Direitos, 

Resistência e Resiliência. Com foco na saúde mental e nas estratégias de resiliência das comunidades quilombolas em territórios paraenses, o Baobá reafirma seu papel em aportar recursos para áreas estratégicas. Hoje, 39% das iniciativas apoiadas pelo Fundo são projetos apresentados por associações quilombolas localizadas em diferentes estados do país. 

Uma equipe multidisciplinar composta por profissionais de enfermagem, psicologia, jornalismo, publicidade, história, administração e direito está atuando no sentido de promover a saúde mental da população quilombola, criando pontes com os serviços de saúde e reiterando o fato de que o bem estar e o bem viver também são resultado do protagonismo e da soberania dos quilombolas em defesa de sua cultura, tradição e saberes. 

As ações são realizadas em parceria com a Malungu – Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará e com a ARQIB – Associação dos Remanescentes Quilombolas de Igarapé Preto e Baixinha. A expectativa é que, ao alcançar 12 comunidades que estão no mesmo território, mais de 5 mil pessoas sejam impactadas indiretamente pela ação. 

Já foram realizadas quatro missões, com duração de 1 semana cada. Em 5 das 12 comunidades foram realizadas atividades com participação de homens, mulheres, adolescentes, jovens e crianças; profissionais de saúde, educação e lideranças comunitárias. Além das rodas de conversa sobre saúde mental, saúde das mulheres, direitos da população quilombola, também aconteceram oficinas de produção audiovisual. 

O Coletivo Negritar, um dos parceiros implementadores do Fundo Baobá, ministrou oficinas para que, a partir de seus aparelhos celulares, fosse possível roteirizar, captar e editar imagens. “Conseguimos registrar e entender como a comunidade cada vez mais se comunica, se fortalece, se potencializa, se movimenta e funciona. O objetivo foi mostrar como usar essa ferramenta, o vídeo, em prol da transformação, de educação e de arte”, conta Tamara Mesquita, do Negritar. 

As diversas ações, com foco em promover a saúde mental da comunidade, reúnem diferentes agentes e possibilitam que haja interação entre eles. “Ficamos muito felizes, porque tinha gente de 12 a 64 anos que estava interagindo e trocando dentro da equipe. Outro momento marcante foi uma roda de conversa que tivemos falando sobre infecções sexualmente transmissíveis, métodos contraceptivos, uso de camisinha, menstruação, uso de coletor e identidade de gênero”, diz Tamara.

A saúde é determinada por fatores culturais, políticos, ambientais e econômicos que são levados em consideração. Sem a valorização da identidade, defesa e garantia dos direitos quilombola, não será possível alcançar um bom nível de saúde mental.

Além de contar com ações de educomunicação, o projeto também conta com profissionais da psicologia que compõem a equipe multidisciplinar. ”Percebo que meu corpo de mulher negra tem facilitado para que algumas mulheres me procurem para falar sobre vivências de violências que já passaram ou estão passando”, revela a psicóloga paraense Bianca Mycaella Tsubaki. 

Liderando o time de saúde mental da equipe multidisciplinar está o psicólogo, também paraense, Álvaro Palha. Ele traça um rápido perfil do trabalho que o projeto  Saúde Mental Quilombola vem realizando. “Em geral, penso as ações em projetos de saúde mental como únicas, que mesmo que baseadas em pressupostos técnicos comuns e utilizando instrumentos e ferramentas de trabalho próximas, devem se adaptar à história e singularidade das comunidades”, comenta Palha. 

O que possibilita ao Baobá – Fundo para Equidade Racial promover iniciativas como o projeto Saúde Mental Quilombola é contar com um fundo patrimonial em ampliação: o endowment, que é uma fonte de financiamento de longo prazo composta por doações de apoio. Anualmente, os rendimentos dessa conta são distribuídos para viabilizar as ações da organização em prol da equidade racial. As doações para o endowment são essenciais para garantir a perenidade e sustentabilidade financeira do Fundo. 

Para saber mais sobre o trabalho que o Fundo Baobá realiza, você pode acessar o site www.baoba.org.br



Edital Educação em Tecnologia: Resultado da segunda fase é divulgado

Edital Educação em Tecnologia: Resultado da segunda fase é divulgado

O Baobá – Fundo para Equidade Racial divulga nesta quarta-feira (5), a relação de empresas e organizações escolhidas para a etapa final do edital Educação em Tecnologia. A iniciativa tem como objetivo oferecer suporte a negócios e organizações negras que atuam na expansão ou desenvolvimento das habilidades técnicas de indivíduos negros na área de tecnologia. A iniciativa conta com a parceria do MOVER (Movimento pela Equidade Racial) e investimento no valor de R$4.000.000,00 (quatro milhões de reais) que serão destinados a apoiar até 16 iniciativas.  A lista final será divulgada em 26 de abril.

Nesta segunda fase 8 propostas, entre 17 analisadas, foram validadas e seguem para a terceira e última etapa do programa. Para conferir a lista completa com os selecionados para a terceira fase do edital Educação em Tecnologia clique aqui.

É importante ressaltar que os projetos selecionados receberão um aporte financeiro que pode variar de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), além de assessoria e suporte técnico para o desenvolvimento e fortalecimento institucional. Estão sendo valorizadas as propostas que venham de organizações e empresas das regiões Nordeste e Norte, e que tenham como foco jovens negres periféricos, pessoas com 40 anos ou mais, população LGBTQIAP+, pessoas com deficiência, jovens em cumprimento de medida socioeducativa, pessoas egressas do sistema prisional, migrantes e refugiados africanos ou afrodescendentes, população quilombola, ribeirinha ou outras comunidades tradicionais. Saiba mais sobre o programa aqui

Sobre o Fundo Baobá:

O Fundo Baobá para Equidade Racial é o primeiro e único fundo patrimonial dedicado, de forma exclusiva, à promoção da equidade racial para a população negra no Brasil. Criado em 2011, o Baobá é uma organização sem fins lucrativos cujo objetivo é  mobilizar pessoas e recursos, no Brasil e no exterior, para apoiar projetos e iniciativas negras para o enfrentamento ao racismo e a promoção da equidade racial. 

Sobre o Mover:

Com o objetivo de extinguir a desigualdade e o racismo no mercado de trabalho, um grupo de empresas com atuação em vários setores da economia juntou-se para criar ações de promoção da diversidade, da equidade e da inclusão. Esse foi o início do Mover (Movimento pela Equidade Racial), que atualmente agrupa 47 empresas que proporcionam postos de trabalho para 1,3 milhão de pessoas. 

Trilhando caminhos de aprimoramento, transformação e igualdade com a Educação 

          Organizações apoiadas pelo edital Educação e Identidades Negras promovem ações para impulsionar a equidade racial na educação

         Por Wagner Prado

No início de dezembro de 2022, o Fundo Baobá para Equidade Racial divulgou a lista de organizações selecionadas para serem apoiadas pelo edital Educação e Identidades Negras: Políticas de Equidade Racial. A iniciativa, estabelecida em parceria com a Imaginable Futures e a Fundação Lemann, aportou R$ 2,5 milhões para incentivo financeiro a 12 organizações de oito estados brasileiros mais o Distrito Federal. O objetivo: enfrentar o racismo na educação, promovendo políticas, ações e programas que passem pelas esferas governamentais e não governamentais; valorizando as culturas e identidades negras e fazendo crescer o número de negres, negros e negras na educação formal e não formal. Cada uma das organizações está recebendo R$ 175 mil para o desenvolvimento de seus projetos, que terão 18 meses para serem implantados. 

Na busca pelo objetivo a ser alcançado, o que as organizações almejam é que ocorra o cumprimeto das Leis 10.639/2003  e 11.645/2008 (que tornam obrigatório o ensino da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira no currículo escolar); que a perspectiva racial seja introduzida dentro do sistema socioeducativo; que ocorra o incremento do número de mulheres negras em cursos de pós-graduação; que ocorra o incremento do número de pessoas negras na docência universitária; maior engajamento e fortalecimento de lideranças juvenis negras com a temática educacional; uso ampliado da tecnologia em territórios periféricos e comunidades tradicionais como forma de combate ao racismo.   

Abaixo, algumas das organizações selecionadas compartilham suas experiências sobre os benefícios que essa jornada de aprendizado, desafios e soluções tem trazido para elas.

Como ser contemplado com o aporte financeiro de R$175.000,00 potencializa a atuação da sua instituição?

Dario Junior (Afoxé Ómi Nile Oginja): Ser contemplados com esse valor é termos a oportunidade de realizar a nossa missão, dentro da visão de mundo de um coletivo negro, e isso nos dá tranquilidade. 

Dario Junior – Diretor presidente do Afoxé Ómi Nile Oginja

Quais são os investimentos que vocês pretendem fazer na organização e nas suas lideranças para fortalecer as capacidades institucionais? 

Igo Ribeiro (Anpsinep – Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadores): Os investimentos serão voltados para atividade presencial de imersão institucional, na qual serão realizadas avaliações de processos, revisão do planejamento estratégico e da teoria de mudança.  A imersão institucional nos dará pistas dos novos desafios a serem enfrentados.

Igo Ribeiro, Coordenador geral da Anpsinep

Vocês já haviam recebido recursos para este fim?

Irailda Leandro de Carvalho (Quilombolas do Mundo Novo): Não. Nunca conseguimos antes, apesar de termos tentado. Esta é a primeira vez que aprovamos um projeto em edital. As desigualdades entre os cidadãos brasileiros têm cara e cor. Em uma fileira nós lutamos por política pública que nos atenda com dignidade. Pois o Estado deveria colocar, igualitariamente, em seu guarda-chuva, educação, moradia, acesso à terra, assistência, saúde e trabalho para todos, como diz a Constituição dita “cidadã” de 1988. Como retrocedemos nesse processo de conquistas visivelmente, nesses últimos anos corremos atrás de todas as possibilidades que surgem,  para driblar o sistema e acessar esses recursos para investir no desenvolvimento das nossas comunidades.

Qual a importância de contar com esse tipo de apoio?

Nina Fola (Coletivo Atinuké): A importância é de ser incentivada e fazer com que a gente acredite ainda mais na nossa proposta. Quando a gente passa um edital desses, é uma malha fina. Tantas outras organizações, algumas muito experientes, e a gente é selecionado, a gente acredita que o nosso projeto faz sentido para outras pessoas. Então, é uma importância que nos fortalece de dentro para fora. 

Nina Fola – Coletivo Atinuke

Quais são as mudanças esperadas com a realização do projeto, nas pessoas, no território, nas comunidades onde vocês irão realizar as atividades?

Lizia Celso (Movimento Nação Marabixeira): Através do desenvolvimento das atividades espera-se que o Movimento Nação Marabaixeira consiga alcançar mais comunidades e pessoas, para que estas conheçam e se reconheçam na cultura do Marabaixo na prática, através da realização de palestras, no movimentar da dança, no aprendizado da musicalidade e do ritmo.

Como tem sido a experiência dos integrantes da coordenação com esta fase de preparação para o início do projeto?

Almerinda Cunha Oliveira (Mulheres Negras do Acre): as experiências estão sendo boas, mas muito trabalhosas. por mais que eu seja da educação, do fórum, do movimento negro e sindicalista, há muitos anos, estou com dificuldade de colocar as ideias na planilha, nas propostas, para que os que vão nos financiar entendam quais são nossas ideias. Foi dentro dessa assessoria e formação do Baobá que percebemos que nós precisamos contratar uma assessoria para elaboração do planejamento estratégico. Acho que essa formação do Baobá tem sido muito interessante e muito importante. Quando terminarmos esse projeto, seremos outras pessoas. 

Almerinda Cunha Oliveira, coordenadora geral da Associação Mulheres Negras do Acre

Programa Já É tem dia de celebração com o  encontro entre estudantes e mentores 

Mentoria foi exercida por colaboradores da MetLife, apoiadora do Fundo Baobá na iniciativa do programa

Por  Wagner Prado

Um dia de celebração. Essa foi a tônica do encontro que reuniu na tarde de segunda-feira (27/02) estudantes do Programa Já É com suas mentoras e  mentores. O Programa, que está em seu segundo ano de realização, é uma iniciativa do Fundo Baobá para Equidade Racial com apoio da MetLife Foundation. O Já É foi iniciado em 2021 com o suporte de outros parceiros. O trabalho de mentoria individual começou em setembro de 2022 e foi todo feito por colaboradores e colaboradoras da MetLife, que se voluntariaram para dar um direcionamento sócio-educacional aos estudantes. 

O objetivo é aumentar as chances dos estudantes do ensino médio afro-brasileiro de ter acesso ao ensino superior e conseguir melhores oportunidades de emprego. Essa proposta  integra a estratégia de sustentabilidade do Programa Já É para fornecer até 50 bolsas de estudo de um curso preparatório para o vestibular.vestibular..

O encontro na sede da MetLife Brasil, no Brooklin Novo (zona sudoeste de São Paulo), foi pautado por muita emoção. Jovens do Já É e seus mentores e mentoras não se conheciam pessoalmente. Os encontros entre eles aconteceram todos de forma virtual. Cada sessão tinha duração de 1 hora e poderia ser quinzenal ou mensal, dependendo do acordo estabelecido entre mentores e mentorados. As conversas foram pautadas por temas como: ingresso no mercado de trabalho, habilidades socioemocionais e de comportamento, carreira e projeto de vida. Isso fez com que a aproximação entre eles se fizesse grande. 

Estudantes do Já É reunidos com seus mentores no escritório da MetLife

Um dos muitos casos de grande empatia ocorreu entre o gerente de treinamento Marcelo Fares e a estudante Flavia Martins de Santana.  “Ela me trouxe experiência de vida, mesmo eu tendo 55 anos e ela bem menos. Quando a mentoria começa, a gente pensa que só vai ofertar. Mas é impossível entrar em uma sala de aula e não sair com um conhecimento novo”, afirmou Fares. O mentor fez questão de reiterar algo que já havia reforçado para a mentorada nos encontros: “Se ela tiver foco, vai voar longe. Algumas coisas do paralelo a gente tem que deixar de lado para colocar os sonhos em prática”, afirmou o mentor.

A estudante Thauany Aniceto de Souza, 27 anos, está cursando Enfermagem nas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Antes da chegada ao prédio da MetLife, sua expectativa era por conhecer seu mentor, Alvaro Lucas Gondim.  Thauany é mãe-solo de uma menina. Segundo ela, desde o início do contato, Alvaro mostrou-se compreensivo e entendedor das preocupações que a cercavam. “Sou preocupada com o meu futuro e com o da minha filha. Sei que o futuro dela será outro quando eu concluir um curso superior. Quero mostrar que é possível. Preciso estudar e trabalhar por mim e pela minha filha”, disse. Alvaro Gondim procurou definir a conexão entre ele e Thauany. “Ao certo, não sei dizer. Foi algo emotivo. Senti que eu precisava estar mais próximo dela. Eu não passei pelas mesmas coisas que ela passou e passa. mas consegui ouvir muito dela. Daí, passou a ser uma relação facilmente construída”, afirmou Gondim. 

Mentor Álvaro Gondim e sua mentorada, Thauany de Souza

Edna Alcântara, colaboradora da MetLife há 17 anos, fez sua primeira incursão na área de mentoria a partir da proposta apresentada pelo Fundo Baobá. Formada em Turismo, ela tem seu próprio histórico com relação à chegada ao curso superior. Somente após 10 anos da conclusão do Ensino Médio foi que ela decidiu cursar uma faculdade. “Minha família tinha poucos recursos e estudo. Eu sabia que não podia perpetuar aquilo. Fui fazer Turismo na Universidade de Santo Amaro (Unisa)”, afirmou.  Edna fez a mentoria de Karina Leal de Souza, aprovada em 2022 para o curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP). “Gostei dela por conta de ter ido buscar um curso superior dez anos após ter feito o Ensino Médio. Senti que tinha o que aprender com ela”, disse Karina. 

A gerente de Comunicação Interna e Responsabilidade Social da MetLife Brasil, Thais Catucci, fez questão de salientar que o futuro das e dos estudantes do Já É poderia estar ligado à empresa para além do Programa. “Nosso papel aqui é olhar para as oportunidades internas e ver se ocorre o fit (encaixe), colocando alguns desses estudantes para trabalhar com a gente”, disse. Dirigindo-se em específico aos colaboradores presentes e que faziam parte do departamento dos Recursos Humanos, Thais Catucci foi enfática: “Peço ao nosso setor de RH que fique atento!” 

Thais Catucci – Gerente de Comunicação Interna e Responsabilidade Social da MetLife Brasil

O dia foi tão especial que também celebrou duas novas conquistas. Com a divulgação das notas do Sistema de Seleção Unificada (SISU), os estudantes Isabella Alcantara, 19 anos, e Eduardo Souza comemoraram, respectivamente, suas entradas no curso de Psicologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Educação Física na Universidade de São Paulo (USP). A conquista de Isabella e Eduardo reafirma o que foi dito pela diretora de Programa do Fundo Baobá, Fernanda Lopes: “Cada vez que a gente se movimenta, a gente se transforma”. O Programa Já É é uma forma de promover o desenvolvimento, o movimento das pessoas e sua transformação. 

Experiência de Preta Ferreira com edital do Fundo Baobá a auxilia no processo de transição do atual governo

Por Ingrid Ferreira

“Essa história começa em 24 de junho de 2019, quando fui presa sem ter cometido crime algum. Num desdobramento injusto da investigação sobre o desabamento do Wilton Paes de Almeida, prédio no largo do Paissandu que então era ocupado pelo Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM) – do qual não fiz parte -, e a partir de uma carta anônima, fake news, enviada via correio ao Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), o Ministério Público me denunciou, junto com mais dezoito pessoas de variados movimentos por moradia” – Disponível no UOL.

O depoimento acima é da Janice Ferreira Silva, mais conhecida como Preta Ferreira, integrante do grupo de transição do atual governo e coordenadora do projeto “Minha Carne”, apoiado via edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça. Preta Ferreira escreveu a proposta enquanto estava privada de liberdade injustamente e na oportunidade do lançamento do edital do Fundo Baobá, em parceria com a empresa Google, ela o inscreveu.

Preta Ferreira

Nós da equipe do Fundo Baobá para Equidade Racial tivemos a oportunidade de conversar com Preta Ferreira a respeito do projeto selecionado, confira abaixo a entrevista:

Fundo Baobá para Equidade Racial:

Preta, pode contar um pouco mais sobre o projeto realizado em parceria com o Fundo Baobá e as atividades desenvolvidas ao longo dele?

Preta Ferreira:

O objetivo era a realização de um projeto que, enquanto estive presa em 2019, por lutar por moradia e direitos humanos junto ao MSTC (Movimento Sem Teto do Centro) fui detida. Diante disso hoje nós atuamos pela liberdade de pessoas privadas de liberdade e pelos familiares que aqui fora encontram-se, procurando enfatizar para as pessoas que através da educação de dentro dos presídios para fora e de fora para dentro, é possível ensinar sobre direito constitucional, sobre liberdade e como a sociedade leva pessoas pretas a pararem nas prisões por falta de oportunidade, além de inserir essas pessoas em sociedade através da moradia, o que para nós, é a principal porta de entrada para todos os direitos constitucionais. 

Com o decorrer do projeto houve a necessidade de expandirmos as ações para todo o Brasil, visitei presídios e escolas públicas de São Paulo, no Ceará, Bahia, interior de São Paulo e Fortaleza, onde eu sempre procurava levar o livro que escrevi enquanto estava presa injustamente e um caderno em branco para que essas pessoas pudessem escrever suas próprias narrativas, tanto que três mulheres já escreveram livros dentro da prisão; nós ainda não conseguimos terminar as visitas porque eu tive que entrar na pasta de transição do atual governo, mas seguimos com o foco do projeto. As ações também aconteceram com as famílias que são do MSTC e as famílias de pessoas privadas de liberdade que também pertencem ao movimento, procurando sempre dialogar para que elas adquirissem um entendimento do que é a prisão, e de como nossos corpos são aprisionados injustamente e como podemos fugir dessas armadilhas. O foco do projeto se expandiu, tanto que visitei Brasília, onde estive em abrigos para mulheres e crianças que sofreram violência doméstica e aqui em São Paulo comecei a frequentar a Fundação CASA (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente).

Livro: Minha Carne – Autora: Preta Ferreira – Editora: Boi Tempo

O Fundo Baobá me possibilitou fazer outras parcerias, em outros estados, com outras organizações para que eu pudesse fazer uma peneira de mulheres que saíram dos presídios para ir direto para empregos e moradias definitivas, muitos resultados foram obtidos do projeto que dialogam e fomentam o trabalho já existente no movimento social. 

Atualmente nós temos cinco ocupações no centro de São Paulo e houve recentemente a entrega de 121 casas aos familiares de pessoas privadas de liberdade. Ademais houve formação acadêmica de nível superior para advogades, em que esses profissionais atuam diretamente dentro do MSTC dando o retrofit para as famílias que nunca tiveram atendimento, tanto psicológico quanto atendimento jurídico, e hoje o MSTC tem essa capacidade de fornecer esse atendimento formal para as famílias que estão e que estavam precisando. Por essas razões apresentadas o MSTC acabou formando novas lideranças e novas pessoas do direito para atender essas famílias dentro do próprio movimento.

Fundo Baobá para Equidade Racial:

Os resultados alcançados pelo projeto atenderam às expectativas previstas inicialmente? Como esses resultados se relacionaram com as atividades já realizadas pelo movimento social?

Preta Ferreira:

Houve parcerias com outras ONGs que trabalham com pessoas privadas de liberdade. Essas outras parcerias também trouxeram essas pessoas para serem parte do movimento, e quando eu saí da prisão eu apadrinhei mais duas delas que moram hoje no MSTC, que trabalham e que já não devem mais nada pra justiça, além das famílias que já são atendidas pelo MSTC pela psicóloga, pela assistente social e pelo jurídico que foi formado e fomentado através do projeto financiado pelo Fundo Baobá. 

Através do Fundo Baobá tive a possibilidade de viajar para outros estados e entrar em outros presídios e nas escolas públicas, também consegui levar o meu livro “Minha Carne” já em uma prisão para que fosse o nosso material de trabalho inicial com o intuito de dialogar com essas famílias e com essas pessoas privadas de liberdade, o que possibilitou fazer com que essas mulheres e com que esses adolescentes e as famílias privadas de liberdade também se enxergassem enquanto cidadãos e saíssem do estado em que a sociedade as colocam, que é de pessoas ineficazes, sendo reinseridos em sociedade. 

O projeto com o apoio do Fundo Baobá nos fortaleceu muito porque nós tínhamos pessoas para fazer esse trabalho, a gente ainda tem, só que precisávamos remunerá-las para que tivessem condições de pagar alimentação, transporte, material e o MSTC não tinha de onde tirar o dinheiro e nem do livro “Minha Carne”, e a partir do projeto nos foi possível materializar e fomentar essas pessoas que já trabalhavam conosco. 

Fora as atividades já relatadas, também tivemos ações que aconteceram na Ocupação Nove de Julho, na Ocupação Rio Branco e em Brasília, realizamos atividades de leitura, arte, música, poesia e escrita dos livros. O projeto também me possibilitou estar com o Elas Existem no Acre, onde fomos em dois presídios no estado e fizemos palestra para as mulheres detidas. Ademais ocorreu a distribuição do livro em Salvador, o que nos possibilitou entrar nos presídios do estado e que pudéssemos fazer atividades recreativas com crianças e adolescentes e o que considero a atividade principal foi fazer com que essas mulheres escrevessem seus próprios diários, suas próprias narrativas. O mesmo foi feito no presídio de Araraquara e fiquei de voltar agora pra fazer a última palestra. A minha dinâmica se baseia em primeiro realizar a atividade, a entrega do livro seguido da minha palestra, depois de uma semana retorno ao lugar, sendo a escola ou presídio para ouvir aquelas pessoas e fazer a distribuição do material que é um caderno em branco e um lápis para que essas pessoas possam escrever seus próprios diários e assim sair do estado que lhe foi concebido.

Fundo Baobá para Equidade Racial:

Com a pandemia, muitas pessoas tiveram que se deslocar para as ruas por falta de condições de arcar com os custos de uma moradia. O projeto contribuiu de alguma forma para a causa do movimento nesse contexto?

Preta Ferreira:

No período da pandemia, nós criamos o projeto “Lute Como Quem Cuida”, que é na Ocupação Nove de Julho, onde saímos distribuindo refeições para pessoas em situação de vulnerabilidade social e conseguimos abrigar muitas pessoas. Nós fizemos uma nova ocupação para abrigar outras pessoas e o projeto continua até hoje. Na cozinha da ocupação Nove de Julho todo final de semana existe um almoço com um chef renomado. Então automaticamente a comida que qualquer pessoa que vai almoçar na ocupação, que é aberta ao público, é a mesma quentinha que é servida para as pessoas em situação de vulnerabilidade tanto nas ruas quanto nas periferias. 

No período da pandemia a gente se juntou com outros parceiros também para que pudéssemos fortalecer essas pessoas, além de realizarmos a distribuição de kits de material de higiene, tais como máscaras e luvas. Nós também contratamos pessoas que costuraram máscaras, as quais adicionamos ao kit. O nosso kit continha itens de proteção e álcool em gel, e era distribuído com a quentinha. Além disso, também criamos o projeto chamado “Riqueza Menstrual”, pois quando o Ex-Presidente da República fez o veto tirando a obrigatoriedade de que mulheres presas e em outras situações tivessem acesso a absorvente, o Fundo Baobá nos possibilitou também fomentar a compra de absorventes para que pudéssemos distribuir nas prisões enquanto eu fazia as visitas.

Fundo Baobá para Equidade Racial:

As atividades iniciadas durante a implementação do projeto continuam sendo realizadas atualmente?

Preta Ferreira:

Sim, atualmente há continuidade das atividades realizadas, até porque essas pessoas ainda moram em nossas ocupações, ainda moram em nossos projetos, ainda precisam de toda assistência social, jurídica e psicológica. As atividades continuam e o projeto “Minha Carne” e MSTC tomou uma proporção muito maior do que imaginamos, inclusive eu vou continuar entrando nos presídios que eu já tinha ido visitar e agora eu vou precisar retornar para fazer a segunda etapa desse projeto que continua com o mesmo propósito de libertação, de ser abolicionistas penais, além de dar suporte a essas famílias.

Fundo Baobá para Equidade Racial:

Há alguma coisa que você gostaria de complementar que não foi perguntada?

Preta Ferreira:

Uma coisa que não foi perguntada, mas que eu gostaria de falar foi que eu tive que dar uma pausa nas visitas aos presídios, aos abrigos, as escolas e às Fundações CASA (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente), pois eu entrei na pasta de transição do governo Lula (2023), na pasta de igualdade racial onde eu trabalhei o tema prisional sendo que essa questão que eu pude trabalhar não foi somente com a minha prisão mas devido a todas as visitas que eu fiz as escolas públicas, aos abrigos e aos presídios, o que me possibilitou ter um novo olhar, enxergar com outras diferenças as coisas que precisava, e que eu pude sugerir para ser inserido nos ministérios, para ser exercida agora nessa política pública pela qual nós tanto brigamos.

Os depoimentos que Preta Ferreira apresenta sobre a parceria com o edital são de fato admiráveis, e ela finaliza a entrevista contando como uma pessoa foi beneficiada indiretamente pelo edital: “Através do projeto liberdades pretas eu fiz a curadoria da São Paulo Fashion Week com Naya Violeta, e nós colocamos a proposta de desfilar politicamente na passarela corpos que dizem respeito a sociedade, pensando nisso, eu coloquei o Nego Bala, que é um artista que veio da boca do lixo da Cracolândia, e que foi através do Projeto Liberdades Pretas que ele teve a possibilidade de desfilar nas passarelas da São Paulo Fashion Week, mas retratando tudo que ele vive como um corpo negro que já foi preso injustamente, o corpo de um jovem preto da Cracolândia que teve a mãe assassinada pelo crack pela falta de políticas públicas; e ele trouxe como pauta para as passarelas a situação da Cracolândia e para situação da super lotação dos presídios, além da questão de drogadição”.

Transformando vidas: Como o Fundo Baobá empodera a comunidade negra com oportunidades

Por Ingrid Ferreira

Mais que um fundo para promoção da equidade racial, o Fundo Baobá é uma alavanca para a realização de sonhos. Parafraseando Viola Davis: “O  que separa uma pessoa negra do resto da sociedade é a oportunidade”.

Uma das formas mais antigas de sustento para a nossa comunidade é através da alimentação, tanto que para as pessoas negras que empreendem, o ramo alimentício está entre as 10 áreas de maior presença no mercado. O setor de alimentação, no Brasil, é composto, prioritariamente por empreendedores informais, microempreendedores individuais (MEI) e microempreendedores (ME) sendo pequena a proporção de empresas de pequeno porte (EPP). Consciente disso, em 2022, o Fundo Baobá para Equidade Racial, em parceria com a General Mills lançou o edital Negros, Negócios e Alimentação – Recife e Região Metropolitana.

O edital se apresentou como uma oportunidade para fortalecer as estratégias de resiliência colocadas em prática por empreendedores(as) negros(as), contribuindo na recuperação e aceleração de seus negócios e na ampliação de suas capacidades de planejar e fazer gestão, mantendo a saúde financeira, divulgando e estabelecendo uma infraestrutura mínima para sustentabilidade do seu negócio; ampliando, inovando e qualificando a rede de fornecedores.

O edital que apoiou 14 empreendedores(as) de Recife e Região Metropolitana teve o último encontro da jornada formativa realizado no dia 1º de fevereiro de 2023, contando com a presença das(os) donatárias(os), da equipe do Fundo Baobá, representantes das empresas apoiadoras, da equipe responsável pela formação  e mentoras(es) do projeto.

O encontro foi emocionante e contou com relatos surpreendentes. O edital não apenas apoiou individualmente cada negócio, mas também incentivou a criação de uma rede de apoio entre as pessoas participantes. Dona Maria da Paixão de Brito, proprietária da Capibaribe Doces e Salgados, empreendedora há décadas, que durante as atividades formativas se mostrou uma exímia aprendiz e, ao mesmo tempo, mestra, falou sobre a importância da iniciativa: “Vocês me ajudaram muito, porque eu não tenho conhecimento de estudo, mas tenho da minha vida, e as amizades que fizemos aqui tem sido um grande apoio para mim, e todas as minhas conquistas ao longo desse caminho me faz chorar de felicidade”.

Igualmente emocionada, Isamara Costa Cruz – Acarajé da Tia Joana, também se emocionou ao falar sobre como o edital modificou a visão de seu negócio: “Antes de ser contemplada pelo edital, eu iniciei o trabalho com a minha mãe, mas nós não tínhamos a percepção que nós temos hoje, e eu só consegui acreditar, de verdade, quando a gente teve o primeiro encontro, que nos ajudou a mudar radicalmente, principalmente na questão do financeiro, porque eu nunca tinha visto o negócio da minha mãe como um potencial negócio formal e a partir do edital, até ela mudou a visão, conseguindo entender que, por menor que seja o negócio dela, é uma empresa”.

Outra empreendedora que relatou as mudanças em sua percepção de seu campo de ação e o impacto social de seu projeto foi  Angélica Nobre de Lima Silva – Angu Culinária Sustentável e Afetiva: “Quando vocês vieram fazer a visita, eu queria que provassem minha comida, pois eu tinha uma insegurança muito grande a respeito do que eu faço. Faço comida com a parte do alimento que é descartada, reaproveitamento total do alimento, e quando eu fui estudar mais a partir dos encontros que nós tivemos pelo edital, eu descobri que meu projeto fala de insegurança alimentar, de combate a fome, e quem passa fome no Brasil são os negros que estão nas favelas e comunidades, que são os mais atingidos e a gente acaba se alimentando mal, o que faz com que a nossa rede de cultura aumente e é na favela que eu quis aplicar o meu projeto, através desse entendimento”.

Segundo o site Senado: “Em 2022, o Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil apontou que 33,1 milhões de pessoas não têm garantido o que comer — o que representa 14 milhões de novos brasileiros em situação de fome”. O que reforça a importância de projetos como o da Angélica.

O edital não só ofereceu apoio financeiro e formação empreendedora, mas também se preocupou com a saúde mental e o enfrentamento aos efeitos psicossociais do racismo. Para Aleff Souza do Nascimento, proprietário do empreendimento Delícias do Alleff, a ajuda da psicóloga foi essencial e uma verdadeira virada de chave para o seu negócio: “Eu me sinto grato por todo o processo, eu achava que não seria selecionado, mas eu vejo o quanto as coisas mudaram do começo até aqui, e a questão de ter o apoio da psicóloga foi algo muito importante, uma coisa que muitas vezes nós não damos muita importância, mas foi essencial, e pra mim desde a seleção do edital, foi como uma virada de chave e tudo mudou no meu negócio”.

Um dos comentários mais frequentes  entre as(os) donatárias(os) foi a respeito de como o apoio financeiro, às formações e as orientações que receberam ao longo do processo do edital, fizeram a diferença para que seus projetos alcançassem uma certa formalidade. Houve também quem destacou a  possibilidade de ter uma cozinha exclusiva montada, permitindo a separar a vida profissional da pessoal.

A fala do João Souza da Futuro inclusivos permite avaliar como diante dos comentários das pessoas donátarias esse processo foi minuncioso desde o início do seu desdobramento: “Quando nós começamos a conversar sobre como seria essa parceria do projeto, nós procuramos desenhar um projeto de letramento cuidadoso, procurando trabalhar isso de uma forma humanizada, e é muito importante saber que essa parceria que nós fizemos tem entregado o esperado, pensando o empreender negro no Brasil”.

O Diretor Executivo do Fundo Baobá, Giovanni Harvey, ressaltou a importância de o Fundo ter como pauta procurar dar oportunidade a novos(as) donatários(as): “A coisa que mais me orgulho é saber que muitas das pessoas que estão aqui, achavam que não seriam aprovadas, e a maioria participa de um edital do Fundo pela primeira vez, como ocorreu nos outros editais, o Fundo Baobá está sempre procurando contemplar novas organizações e negócios, dessa forma é possível impactar um número muito maior de donatárias(os)”.

A Vitória Lima, analista de relações externas júnior da General Mills, mencionou como a empresa já se relaciona com os pontos apresentados no edital em sua cultura: “Nós na General Mills temos muita consciência do nosso papel enquanto agente transformador aqui no Brasil, e por essa razão que nós temos grande consciência do nosso compromisso com a pauta da equidade Racial. Nos Estados Unidos nós temos metas para a equidade Racial, por essa razão estamos comprometidos a reduzir a desigualdade alimentar e educacional”.

O edital contou com 20 ações temáticas de formação e 35 horas de mentoria individual pelos empreendedores. No início do programa, 7% dos empresários declararam conhecer o ticket médio de seu negócio (razão entre o valor monetário das vendas totais da empresa pelo número de vendas), ao final, 70% declararam ter conhecimento desse valor. No início apenas 14% das pessoas participantes declararam separar recursos financeiros pessoais dos profissionais, no final esse número era de 31%. No início apenas 29% das(os) participantes consideravam essencial estabelecer parcerias, no fim eram 46%. No início 14% reconhecia seus concorrentes, no final eram 62%. E o processo de ampliação das capacidades segue em curso.

Edital Vidas Negras Apoia Organizações que Defendem os Direitos de Pessoas Privadas de Liberdade e de seus Familiares

Por Ingrid Ferreira

Lançado em 5 de maio de 2021 pelo Fundo Baobá para Equidade Racial com o apoio do Google.org, o edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça é voltado para apoiar entidades negras que atuam no enfrentamento do racismo, da violência racial e incorreções que ocorrem dentro do sistema de Justiça Criminal no Brasil. 

Entre as organizações cujo projeto foi aprovado no eixo III do edital “Enfrentamento ao encarceramento em massa entre adultos e jovens negros e redução da idade penal para adolescentes”, encontram-se o Instituto Negra do Ceará e a Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violências do Estado do Espírito Santo. 

Segundo o G1 “Em 15 anos, a proporção de negros no sistema carcerário cresceu 14%, enquanto a de brancos diminuiu 19%. Hoje, de cada três presos, dois são negros”. E a BBC News Brasil, publicou uma matéria no ano de 2021 sobre o sistema socioeducativo no país, em que consta que: “Segundo o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), 46 mil menores de idade em conflito com a lei foram atendidos pelo órgão no ano de 2020. Ao todo, 59% dos adolescentes eram negros e 22%, brancos”.

O Instituto Negra que, em parceria com o Coletivo Vozes de Mães e Familiares do Socioeducativo e Prisional, implementa o projeto Levante Pretas: Resistências Coletivas, e a Associação de Mães e Familiares que implementa o projeto Rede de Familiares em Luta Contra a Violência de Estado e Racismo tiveram suas vozes ampliadas em um diálogo com a equipe do Fundo Baobá. Alêssandra Félix fundadora e Coordenadora do Coletivo Vozes e a Patrícia Oliveira integrante da Rede, foram entrevistadas. Confira abaixo:

Fundo Baobá: O que motiva pessoas/familiares a se organizar em associações como a que vocês integram?

Alessandra Félix,  Coletivo Vozes

Nós nos organizamos para combater a pauta narrativa que o Estado prega. Existe um conjunto de leis, aplicado pelo judiciário nas pessoas que cometem alguma infração e existe os espaços de privação de liberdade que é para onde essas pessoas são mandadas. Mas qual é a narrativa do Estado? O Estado recorre por uma questão de ordem social, e a proposta é que essas pessoas percam a liberdade, se repensem e saiam melhores, só que a proposta que existe lá, é completamente diferente da que é colocada em prática, porque a punição piora as pessoas. E, quando nós familiares passamos a visitar, a gente vê o desserviço dos espaços. Começa na falácia da proposta da educação, ali não está para ressocializar os adolescentes, o espaço os transforma em futuros moradores de presídios. Os adolescentes, quando não são assassinados voltando para os seus territórios, que é uma outra discussão, eles vão morar em presídios. Então nós nos organizamos para desconstruir essa narrativa e também porque entendemos que o Estado, dentro de suas práticas,  nega, oprime, viola e destrói toda condição de sociabilidade que existe dentro dessas pessoas. Nós somos a humanização, é preciso que se ressalte que somos nós, mulheres negras. Existe uma cor da mulher que visita e que humaniza os espaços de privação de liberdade; a gente se organiza a partir daí. Nossa experiência começou na socioeducação do Coletivo Vozes, e vimos que o Estado nos devolvia um outro filho, um adolescente sem sonhos, sem perspectivas, mais violento. Então, quando nos tornamos mães do sistema prisional nós nos percebemos, dentro dessa construção de defensoras dos direitos humanos, por conta de todas as violações de direitos que existem dentro desses espaços, então a gente passou a se organizar para a desconstrução dessa narrativa e dessa falácia do Estado.

Alêssandra Félix – Fundadora e Coordenadora do Coletivo Vozes – Ceará

Patrícia Oliveira, Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violências do Estado do Espírito Santo

As  pessoas são atingidas  pela  violência  do Estado  e  muitas  não  sabem  como  agir, por isso é tão importante o trabalho realizado pela Rede.

Fundo Baobá: O que está em jogo caso um movimento como este não seja forte?

Alessandra Félix,  Coletivo Vozes

O que sempre esteve colocado é esse projeto político de encarceramento dos nossos. Se nós não estivermos fortes, se não tivermos essa coragem de ceder voz e corpo para essa luta… Eu costumo dizer que somos as vozes e corpos silenciados pelo Estado e suas práticas. Somos os ecos das violações e das desumanizações que acontecem nas senzalas modernas que são os presídios. E nisso o que fica em jogo também é o futuro dos adolescentes autores de atos infracionais. Existe um filme que eu gosto de referenciar: “O Ódio que Você Semeia”. Eles falam que o ódio que você semeia nas crianças, prejudica a todos. E esse  projeto de punitivismo, do encarceramento que segue seu curso livre porque temos uma sociedade punitivista; se nós enfraquecemos, não há esse debate, que inclusive algo que nos tem deixado assustadas é a discussão da redução da maioridade penal; se enfraquecemos, essas pautas não são levadas para a academia, para os fundos, projetos e que inclusive politiza as mulheres, porque hoje nós não queremos socialização para essas pessoas, queremos prevenção. Queremos que essas crianças não cheguem nesses espaços, queremos chegar antes da bala e da algema. Essa é nossa coletividade que debate o encarceramento do povo preto, falamos muito sobre muitas coisas, inclusive que os nossos tenham a possibilidade de sonhar e estar em outros espaços de afirmação que não seja só esse da privação.

Patrícia Oliveira, Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violências do Estado do Espírito Santo

O que  está  em jogo em  primeiro  lugar são  as  vidas  das pessoas. Em  segundo plano  o tratamento igualitário.

Patrícia Oliveira (Coordenadora de Projeto) e Maria das Graças Nascimento Nacort (Presidenta) da Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violências do Estado do Espírito Santo

Fundo Baobá: E existe o direito ao direito de defesa?

Alessandra Félix,  Coletivo Vozes

Dentro da estrutura do sistema judiciário, há muitas injustiças e violações, que começam desde a apreensão do adolescente ou a prisão de uma pessoa porque é permeada pela violência por parte da polícia. Essas pessoas passam pelo seu julgamento, são sentenciadas e mandadas para lá (presídios), e eu sempre trago as duas idades, da adolescência, e da fase adulta, porque são os caminhos carcerários que nós conhecemos então, quando você pergunta se há o direito ao direito de defesa, pelo caminho da socioeducação, é possível. Tem algumas pautas que conseguimos bater, tem um grande parceiro nosso que é o Centro de Defesa a Criança e ao Adolescente, onde a gente consegue, de fato, legitimar que ali há um espaço de defesa dos direitos da criança e do adolescente, mas no sistema prisional a gente tem mais dificuldade. Tem as especializadas que são direcionadas para presos provisórios e sentenciados, e existe a estrutura da defensoria pública. Em sua maioria somos assistidos por ela, mas precisamos de uma defensoria mais atuante e combatente. Existe um número muito assustador de presos provisórios que poderiam estar em casa aguardando essa sentença. São presos com sentenças vencidas mas que, pela lentidão do sistema, não têm o direito de defesa. Eu e muitas mães somos assistidas pelo sistema de defensoria pública, só que a gente deseja, dentro de todas as nossas pautas, que seja mais atuante e combatente, porque o que prevalece é o punitivismo, são poucas as portas de saída.

Fundo Baobá: Os grupos se articulam localmente? Existe uma articulação nacional?

Alessandra Félix,  Coletivo Vozes

O Coletivo Vozes surgiu em 2013, foi um coletivo matriarcal durante muito tempo, mas com o tempo fomos abrindo para os familiares que precisavam de acolhimento, e a gente se organizou para discutir a respeito do direito da criança e adolescente. A nossa primeira bandeira surge decorrente a violência contra os corpos dos nossos filhos, que era de garantia de direitos, para que parassem de bater neles, que garantisse as visitas, que se cessasse aquelas opressões que aconteciam. Em 2014 e 2015 foi um ano de perversas rebeliões aqui no estado do Ceará, inclusive com mortes nos centros, com isso precisamos de fato nos manter organizadas e dialogar sobre o que estava acontecendo; porém em 2016 e 2017 quando os meninos foram saindo (dos Centros socioeducativos), foi o período que os grupos armados e facções chegaram no Ceará e eles começaram a ser assassinados, os que não foram assassinados, migraram para o sistema prisional, e nesse período a gente sai do luto pra ir pra luta, porque os nossos filhos foram para o sistema prisional, e lá foi preciso a gente debater, porque no socioeducacional a gente ainda tem mais entrada, no sistema prisional é mais difícil. Então nós nos encontramos mensalmente para nos fortalecer, indicamos para as mulheres os espaços onde elas podem recorrer para acompanhar o processo, a gente direciona onde são as defensorias, as especializadas. Localmente, por conta da legitimidade da nossa fala e entrada no debate, a gente construiu o Fórum Popular de Segurança Pública, a Rede de Mulheres Negras do Ceará, estamos na frente estadual pelo desencarceramento, compomos o conselho estadual de direitos humanos. Agora, no âmbito nacional estamos inseridas na Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo do Estado, porque o que acontece também dentro dos espaços da privação de liberdade é terrorismo. E, enquanto discussão do desencarceramento, a gente compõem a agenda nacional.

Patrícia Oliveira, Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violências do Estado do Espírito Santo

A associação  vem  se  articulando com  varios  outros  coletivos, inclusive  faz  parte  da Rede Nacional de Mães e Familiares Vitímas de Terrorismo do estado.

Fundo Baobá: Ao longo destes anos de atuação, quais foram as conquistas? 

Alessandra Félix,  Coletivo Vozes

Eu costumo sempre dizer que éramos mães convencionais, e passamos a ser mães institucionais. Uma das nossas maiores conquistas foi nos politizar, entender nosso lugar de mãe nesses espaços, nos tornamos defensoras dos direitos humanos, a partir daí fomos ganhando reconhecimento na nossa caminhada, na academia quando vão  pautar segurança pública ou alguma coisa voltado para o aprisionamento, sempre somos chamadas e, para nós, isso é uma conquista, pois nos tira do lugar de marginalização que o Estado nos coloca. Também hoje temos o apoio do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente, um lugar de muito respeito aos nossos olhos e nós conseguimos nos reunir lá mensalmente, acolhemos mulheres dos dois sistemas, socioeducativo e prisional. E a nossa maior conquista, foi nos submeter aos editais, nosso primeiro edital foi com o Fundo Brasil e agora estamos com o Fundo Baobá, quando o recurso vem, ele nos possibilita segurança de passagem, alimentação e de formação. Nós somos divididas, nós temos familiares, pioneiras que vem desde o início do grupo, temos mães da memória, que perderam seus filhos em 2015, 2016 e infelizmente vem perdendo, e temos mães com filhos tanto em medida socioeducativa quanto no sistema prisional, e essas mães nunca nos deixam, têm as mães que se identificam com a nossa luta e para nós isso é uma vitória. 

Patrícia Oliveira, Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violências do Estado do Espírito Santo

Nossa  conquista vem da  articulação e do  fortalecimento  do  coletivo, ao levar  um  pouco  da  nossa  experiência para o fortalecimento da  nossa luta.

Fundo Baobá:  Quais são as principais  pautas e os principais desafios desse movimento hoje?

Alessandra Félix,  Coletivo Vozes

As nossas principais pautas são: a prevenção, desenternamento de adolescentes autores de atos infracionais e a problematização do sistema prisional. Os nossos maiores desafios são permanecer nessa luta, ter saúde mental e seguridade. Inclusive para pautar isso aqui no Ceará. A gente não tem direito a cidade, somos perseguidas e marginalizadas. Algumas de nós está no programa de proteção, o atual governo piorou muito nosso lugar de defensoras dos direitos humanos.

Patrícia Oliveira, Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violências do Estado do Espírito Santo

Recursos e a articulação nacional dos  familiares de pessoas privadas de liberdade, muitos não  conhecem  seus  direitos e não sabem como recorrer a apoio.

Fundo Baobá:Sabemos que vocês listaram desafios, mas é possível imaginar os desafios futuros?

Alessandra Félix,  Coletivo Vozes

Sim, é possível! Poucas são as conquistas, mas a gente fica feliz quando um deles volta vivo e consegue se reerguer. Mas para os desafios futuros, nós temos muito receio do endurecimento das leis e das pautas de segurança pública que os políticos podem apresentar. Nós como abolicionistas desejamos um mundo sem prisões, mas o Ceará é um estado extremamente violador e encarcerador, temos só em Fortaleza mais de 8 centros  socioeducativos, no complexo de Taitinga temos quase 14 presídios, e o empecilho é essa legitimidade que ele nos tiram, porque nós temos, nós perdemos nossos filhos, muitas dessas mães enterraram seus filhos.

Patrícia Oliveira, Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violências do Estado do Espírito Santo

Os desafios são muitos, é a falta  de  trabalho, vulnerabilidade alimentar, além da questão psicológica, pois muitos familiares ficam doentes depois da  perda de seus filhos e isso é um grande desafio para  todos nós.

Fundo Baobá: Como o edital contribuiu com a  causa?

Alessandra Félix, Coletivo Vozes:

Tudo que nos possibilita resistir é muito bem-vindo, e é preciso que se referencie a Inegra que topou estar conosco, a importância que há para a gente é a garantia de que podemos executar algumas ações e no período da pandemia, muitas de nós ficaram desempregadas, e muitas encontram-se em vulnerabilidade social, e o projeto nos apoia nessas ações, fortalecendo como é chegar nessas mulheres, nessas famílias, porque também não é só sobre assistência, a maioria das atividades desenvolvidas foi de fortalecimento, politização, discussão sobre o que está acontecendo. Como a partir dessa dor a gente ressignifica e administra a ida aos presídios, como a gente se porta lá, como a gente fortalece uma mulher preta que está ao nosso lado, como levamos essa pauta para dentro das nossas famílias e nossa comunidade, então o projeto auxiliou no fortalecimento dessa árdua pauta e no fortalecimento enquanto organização, porque quando conseguimos receber um recurso que nos auxilia a apoiar famílias, isso retorna para a gente. E a gente vai construindo outros caminhos que não seja o cárcere ou o cemitério.

Patrícia Oliveira, Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violências do Estado do Espírito Santo

O projeto veio num momento muito importante para o fortalecimento da associação  e  dos  coletivos  de  familiares de pessoas privadas de liberdade em  todo  o Brasil.

Programa  “Recuperação Econômica de Pequenos Negócios”: Dois anos depois, donatários e donatárias falam de suas conquistas 

Coletivo Pretá, de Pernambuco e ConectAfro, do Paraná, foram organizações selecionadas e falam aqui sobre vitórias e transformações

Por Wagner Prado

Em junho de 2020, momento em que crescia a pandemia da Covid-19 no Brasil, o Fundo Baobá para Equidade Racial lançou um olhar sobre questões cruciais que estavam envolvendo o empreendedorismo negro no país. Era necessário promover uma ação que pudesse dar a esses empreendedores e empreendedoras negras o incentivo necessário para que pudessem tocar seus negócios e influenciar o meio-ambiente em que estavam localizados. Em parceria com a The Coca-Cola Foundation, o Instituto Coca-Cola Brasil, o Banco BV e o Instituto Votorantim foi lançado o Programa de Recuperação Econômica de Pequenos Negócios de  Empreendedores Negros e Negras, que destinou R$ 30 mil para cada uma das 46 iniciativas selecionadas. As iniciativas tinham que ser formadas por 3 (três) emprendedimentos negros que atuassem em um mesmo territorio. Cada um recebeu R$ 10 mil. 

O edital Programa de Recuperação Econômica de Pequenos Negócios de Empreendedores Negros e Negras, assim como todos os outros elaborados pelo Fundo Baobá, não se caracterizou por apenas transferir o recurso para os donatários. O objetivo foi além disso. O que se buscou foi a construção de uma trajetória de conhecimento para que empreendedores e empreendedoras pudessem melhorar a gestão de seus negócios, a divulgação de seus produtos e, a médio e longo prazos, aumentar seu faturamento. 

O Programa está completando dois anos desde seu lançamento em 2020. O aporte financeiro foi de R$1,6 milhão. As iniciativas selecionadas foram 46, com 137 pessoas que empreendem beneficiadas. 

Durante a realização do edital, alguns números foram levantados: 46 iniciativas e 137 empreendedores(as) foram impactados diretamente; 3020 pessoas ligadas às comunidades dos empreendimentos foram impactadas indiretamente; 77% das iniciativas estavam concentradas nas periferias e 88% dos empreendedores afirmaram utilizar parte do recurso para aquisição de equipamentos eletrônicos para participação nas atividades virtuais do programa e para as vendas. 

Dois desses empreendimentos foram procurados para uma conversa. O objetivo foi saber das transformações que experimentaram no período da pandemia, que dificultou o estabelecimento de negócios em vários setores. Como esses negócios e seus administradores estão agora? 

A primeira organização procurada foi o Coletivo Pretá, do estado de Pernambuco, uma associação entre Johne Roberto de Souza Santos (que empreende na gastronomia com um restaurante delivey),  Maria Izadora Silva Sousa (que produz pães de diversos tipos, geleias e compotas a partir de fermentação natural) e  Taylla Alves Gomes (fotógrafa que atua com design e vídeos). Johne falou pelo grupo. “O apoio recebido do Fundo Baobá foi muito bom para nós todos. Tivemos muita instrução e o apoio financeiro foi de suma importância. Minha empresa vai fazer dois anos e consegui abrir um espaço físico, mas ainda enfrento alguns problemas por conta da crise econômica, que é real”, afirma o empreendedor. 

Johne Roberto Santos -Coletivo Pretá

Johne Roberto Santos coloca as mentorias feitas pelo Fa.Vela, parceiro implementador do Baobá na jornada formativa, como essenciais para o seu desenvolvimento pessoal. “As mentorias me edificaram. Consigo desempenhar todas as funções dentro do meu negócio. Minha expectativa futura é analisar todos os déficits que estão fazendo a crise econômica ficar cada vez mais difícil, e conquistar um público que pague o nosso trabalho da maneira que ele vale”, afirma.  Johne,  do Coletivo Pretá,  fez questão de lembrar o momento que mudou sua trajetória no empreendedorismo. “Eu soube do edital pelo Google. Minhas parceiras não acreditaram a princípio, porque um benefício para um empreendimento negro e do interior do sertão, tendo mulheres gays, era quase que uma utopia. Mas nós insistimos e conseguimos”, diz. 

A segunda organização foi a ConectAfro, do estado do Paraná, que juntou em parceria Carolina de Fatima Monteiro, Olenka Borba dos Santos e Roberta Kisy Lourenço. A ConectAfro é uma plataforma digital com o objetivo de ampliar a visibilidade de empreendedores visando a geração de renda entre profissionais negros e negras. Carolina Monteiro fala sobre o atual momento da plataforma. “Estamos buscando uma reestruturação para o ConectAfro, que é um projeto lançado em parceria com o meu coletivo. Mas poder iniciar um novo empreendimento, sem sombra de dúvidas,  foi o passo mais importante que demos. Contudo, descobrimos também que empreender não é fácil. Por esse motivo estamos reprojetando nossa ConectAfro”, afirma. 

Carolina Lopes Monteiro – ConectAfro

Para Olenka Borba dos Santos, o aprendizado que recebeu foi a principal ferramenta para enxergar e empreender de forma mais assertiva. “A principal transformação pela qual passei foi ter adquirido conhecimento sobre gestão do negócio e  finanças. A mentoria que tivemos foi incrivelmente útil”, diz.

Olenka Borba dos Santos – ConectAfro

Roberta Kisy Lourenço define a importância do edital Programa de Recuperação Econômica de Pequenos Negócios de  Empreendedores Negros e Negras para as três. “É a primeira vez que o nosso projeto é contemplado. A transformação foi de acreditar. Veio uma força. Uma fé maior. Acreditar no projeto, que é de inovação e voltado para um público bem nichado, que é o afroempreendedor. Então, isso nos deu um gás. Uma vontade de continuar”, relata. 

Roberta Kisy Lourenço – ConectAfro

“Não teremos justiça racial no Brasil”, afirma Lúcia Xavier, coordenadora geral da ONG Criola

Por Wagner Prado

Com 30 anos, Criola é uma organização da sociedade civil cujo foco de atuação está centrado nas mulheres negras e seus direitos. Difundir para a sociedade os conceitos de justiça, solidariedade e equidade está nas bases de sua formação. De acordo com o que preconiza Criola, investir na ação de transformação das e por mulheres negras, cis e trans  é fundamental para que a sociedade brasileira exista de uma forma melhor. 

A organização coordenada por Lúcia Xavier é uma das apoiadas pelo edital Vidas Negras, Dignidade e Justiça, do Fundo Baobá para Equidade Racial com apoio do Google.Org. O projeto leva o nome “Justiça Para Mulheres Negras: Enfrentando a Violência Racial e de Gênero e Ampliando Direitos” e objetiva fortalecer lideranças negras e suas organizações, para que desenvolvam ações políticas de enfrentamento da violência racial, da criminalização e das desigualdades raciais.  

Nesta entrevista,  Lúcia Xavier dá a sua visão sobre justiça racial no Brasil, o papel  das mulheres negras na construção da democracia, fala sobre homens pretos, aborto, eleições e outros temas importantes que, abordados por ela, ganham ainda mais peso.     

Lúcia Xavier – coordenada da organização Criola

Quais são os fatores que dificultam os caminhos da Justiça Racial no Brasil?  

Lúcia Xavier – Eu não acho que haja fatores que dificultam o caminho da Justiça Racial no Brasil. O que eu acho é que não teremos Justiça Racial no Brasil. Porque a estrutura brasileira é racista. O racismo alimenta todas as formas de poder, de acúmulo de riqueza,  de distribuição dessas riquezas,  de modo de viver,  da cultura.  Justiça Racial é o nosso objetivo,  é o nosso horizonte. Mas, de fato, esse caminho não existe. É aquilo que a gente tenta fazer todos os dias. Porque numa sociedade que se alimenta disso, toda e qualquer forma de resistência contra essa injustiça se volta contra nós. 

Em 2017, você declarou que a Democracia que almejava era a que colocasse a Mulher em primeiro plano. Por quê? 

Lúcia Xavier – Quando eu trouxe essa declaração,  que a democracia que almejávamos era aquela que colocasse as mulheres negras em primeiro plano, é porque somos nós mulheres negras o grupo mais afetado da sociedade brasileira, e esse impacto sobre nós acaba também causando Impacto nas próximas gerações.  Nós vivemos em uma sociedade onde o tipo de democracia tida como liberdade, como igualdade e fraternidade não nos afeta. Ao contrário! Nós somos a antítese. É como se a democracia que produz liberdade, fraternidade, desenvolvimento e liberdade não visse em nós os seres humanos que somos. Então, ao trazer a mulher negra em primeiro plano,  quer dizer melhorar a qualidade dessa democracia que tanto almejamos. 

As teorias e concepções racistas ainda norteiam a vida da população negra brasileira? 

Lúcia Xavier – Quando você traz a ideia das teorias e concepções racistas que ainda norteiam a vida da população negra brasileira,  isso é claro!  Víde o mapa da fome no Brasil. De certa maneira,  por mais que avancemos em termos do enfrentamento ao racismo e da sua erradicação,  ainda hoje vivemos em uma sociedade que tem em nós (população negra) o inimigo. Tem em nós (população negra) o desumano. Tem em nós aqueles e aquelas que não têm direito. Essas concepções racistas,  essas teorias, vão nortear nossas vidas, porque se desconhece a nossa humanidade ou não se reconhece a nossa semelhança. Então, todo o processo político que envolve a questão da população negra é tratado como se nós não existíssemos. 

Qual o papel dos homens pretos nas diferentes trajetórias de conquistas das mulheres pretas? No que eles podem contribuir? 

Lúcia Xavier – Eu acho que se eles contribuírem melhorando as condições de vida deles,  enfrentando o racismo,  já fazem muita coisa. O que eu tenho percebido e notado nessa discussão é que, de alguma forma, essa relação tem sido desigual como parte do processo do racismo. E  isso implica na reprodução dessas práticas racistas. O racismo como ideologia ele afeta todo mundo. Ele não vai afetar somente as mulheres negras e vai deixar incólume os homens negros. Ao contrário.  Só que, como vivemos em uma sociedade patriarcal, sendo até normativa,  muitos dos homens negros acabam também ajudando, ou reproduzindo, ou fortalecendo essa experiência de dominação e subordinação também com mulheres negras.  

Isso não quer dizer que é uma característica dos homens negros, mas é parte do processo político que eles vivem numa sociedade como a nossa. Eles não estão incólumes ao patriarcado, à misoginia, à  violência contra a mulher, só porque são negros. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.  Afinal,  essa mesma condição que os oprime não os  leva a evitar outras opressões.

Recentemente, em 24 de junho, a Suprema Corte dos Estados Unidos derrubou a decisão de 1973 que garantia às mulheres norte-americanas o direito ao aborto. Esse vento conservador tem ou pode ter que tipo de influência no Brasil? 

Lúcia Xavier – Sobre o posicionamento da Suprema Corte dos Estados Unidos,  que acabou derrubando o direito ao aborto, esse evento é mais um dos eventos que impactam as decisões políticas no Brasil,  especialmente nesse momento de violência contra as mulheres, de perda de direitos e sobretudo uma vigília constante sobre os corpos das mulheres, sobre a autonomia sexual delas.  Possivelmente, essa decisão ainda reverbera mais também pelos outros países da América Latina e do Caribe, mas eu preciso informar que há algum tempo, desde o Pacto de São José,  que a questão do aborto nessa região tem sido tratada quase como um caso de polícia. 

O Brasil não vai começar agora. Ele está há anos perseguindo, prendendo,  julgando mulheres que praticam ou praticaram o aborto. Mesmo que a decisão dos Estados Unidos, que era considerado o mais avançado em termos dessa questão,  mesmo que essa decisão impacte ao Brasil  e toda América Latina, é preciso levar em consideração que esta é uma questão global. A questão do aborto passa a figurar nas agendas conservadoras como chave para o controle dos direitos das mulheres e para o controle,  sobretudo,  da sua autonomia sexual. De certa forma, essa é uma perda enorme para as mulheres negras americanas, que ao menos tinham condição de poder decidir pelo aborto,  em algumas regiões do país,  e ao mesmo tempo, terem mais fortalecidas as decisões que tomaram na vida. É muito humilhante para as mulheres, num retrocesso, terem que se subordinar a um Estado que não admite o direito ao aborto como uma possibilidade de liberdade e de condições das mulheres. 

A morte de jovens pretos brasileiros, segundo o movimento negro e o movimento  de mulheres negras, é um genocídio. Você concorda que esta é uma ação arquitetada pelo Estado? 

Lúcia Xavier – Sobre a morte de jovens pretos brasileiros, se elas são arquitetadas pelo Estado, claro que sim!  Mas o Estado não é um ser vivente, não é um ser em si. Ele é a sociedade espelhada em um espaço político de definições, articulações e acordos. E nesse caso o Estado brasileiro tem um peso muito grande de outros grupos da sociedade que pensam que negros são seus inimigos. Que negros são,  de certa forma, uma população que não devia existir. Então, esse genocídio, como controle da população negra,  é uma prática direcionada pelo Estado e também pela sociedade, mas com total aquiescência dos grupos sociais que estão no poder. Quando se usa essa expressão, do Estado,  nós não estamos querendo dizer que a estrutura do Estado é isso (genocida) só porque ela é Estado.  É a sociedade que configura um espaço de articulação e ação política que leva um dado grupo à morte. Essa arquitetura da morte tem a ver com uma movimentação dos grupos sociais. Como eles imaginam o poder,  como eles imaginam a sociedade e como eles querem que essa sociedade funcione.

Caso o Brasil siga no atual contexto político, que retrocessos teremos na Saúde, na Educação, na Empregabilidade e nos Direitos de uma forma geral? 

Lúcia Xavier – Em relação ao momento atual,  os retrocessos já ocorrem em todos os campos. Desde 2016, as políticas públicas têm menos recursos e de 2019 em diante elas começam a perder a capacidade de se desenvolver e alcançar os seus objetivos. Isso significa que, de forma geral, todos esses direitos conquistados desde 1988: direito à saúde,  à educação,  ao trabalho decente, com garantias,  direito de ir e vir,  direito à comunicação,  ao  ambiente saudável, todos estão em risco. E,  nesse contexto político atual, esse ritmo pode aumentar,  trazendo,  além da morte, outras sequelas, por exemplo, há um grupo que vem desde o início da pandemia sem acesso à educação de qualidade,  sobretudo,  crianças e adolescentes, estas pessoas vão perder tempo e também perder a possibilidade de ter um desenvolvimento adequado, com qualidade. No caso da  saúde, o que mais impacta é a própria  morte,  mas ter uma saúde precária, em termos de política,  é muito grave. Quanto à  empregabilidade,  de certa maneira essas pessoas  já viviam em uma situação de desemprego ou de empregos precários, trabalhos precários,  sem segurança e sem garantias,  há algum tempo. O  tempo atual só reforça, amplia, aumenta,  impede que esse grupo venha a reivindicar seus direitos,  porque uma coisa é o retrocesso no contexto do acesso a direitos e outra coisa é um retrocesso somado a restrições na sua própria participação,  a sua luta e resistência. 

A ONG Criola foi criada em 1992, portanto há 30 anos. De lá para cá, o Racismo e o Racismo Estrutural no Brasil tiveram retrocesso? 

Lúcia Xavier –  Criola  foi fundada em 1992 e de lá para cá temos atuado contra o racismo patriarcal cis heteronormativo e não vemos retrocesso nessa prática constante e  estruturada do Estado e da sociedade brasileira. Apesar das conquistas que tivemos ao longo desse tempo, a exemplo das cotas na universidade,  de uma política nacional de saúde da população negra, da ampliação dos direitos de trabalhadoras domésticas, da garantia da participação da população negra nos espaços de poder.   Apesar disso tudo, estamos vendo uma reestruturação das práticas racistas, do racismo que a gente chama de estrutural no Brasil,  como nunca visto… Essa discriminação constante,  violência,  morte,  encarceramento, isso  já diz o que significa retrocesso nesse camp. Mesmo que olhando o passado  a gente reconheça conquistas,  efeitos positivos sobre a comunidade, sobre  a população negra,  é também preciso lembrar que, de certa forma, esse grupo continua sobre ataque e esse ataque vai desde a perda dos direitos das Comunidades Quilombolas até a possibilidade de ganhar uma eleição e não levá-la. 

A questão ambiental no Brasil é muito discutida. As pessoas, principalmente as pretas, as populações quilombolas, estão colocadas no centro dessa discussão? 

Lúcia Xavier – Em relação à centralidade das Comunidades Quilombolas no tema ambiental, elas estão cada vez mais próximas desse debate,  tanto ambiental quanto climático, mas isso não quer dizer que elas sejam prioritárias nas ações positivas contra a destruição ambiental. Talvez estejam muito próximas ao que as medidas que alcançam outros grupos na sociedade em relação à degradação ambiental, ao  racismo ambiental. Mas elas são a principal vítima desse processo. Creio que hoje,  com a capacidade de se representar, de falar por si e de trazer as boas práticas para esse campo,  possivelmente as Comunidades Quilombolas tenham conseguido maior articulação para sua defesa, para a articulação em torno dos seus interesses e objetivos, sobretudo no campo da Justiça Ambiental, mas elas não são o centro da discussão.  Elas buscam cada vez mais estruturar esse debate e agir para que as suas questões sejam levadas em consideração,  em especial seu modo de pensar, de viver em termos dos desafios do ambiente e do clima. 

O Brasil tem hoje a quarta maior população carcerária feminina do mundo, com cerca de 40 mil mulheres privadas de liberdade. A maioria dessas 40 mil é de mulheres negras. É possível dizer que isso é parte de uma manobra? Se sim, o que essa manobra objetiva?

Lúcia Xavier – As mulheres têm sido cada vez mais encarceradas. Esse encarceramento eu não posso dizer que é uma manobra objetiva  e  de quem é essa manobra. Mas o racismo ele age em contexto. Ele não separa homens e mulheres,  crianças e adultos. Ele age em contextos e para ampliar sua capacidade de controle sobre um grupo populacional, que a qualquer momento pode se transformar em um grupo atuante politicamente, resistente às práticas negativas de outros setores da sociedade;  a violência contra as mulheres alcança esse nível: o do encarceramento,  em qualquer etapa da vida,  e em qualquer condição: na juventude, na terceira idade,  como mães,  como familiares,  como passo do processo da violência e também como maneira de fazer o controle de dado grupo.  O encarceramento  feminino negro também nos faz pensar que, de certa forma, o racismo nunca deixou de lado, apesar de afetar muito as mulheres, nunca deixou de lado as mulheres como alvo,   quer seja na mortalidade materna, na violência policial, no encarceramento,  ou nos  processos de degradação pessoal: fome, trabalhos precários. Realmente as mulheres nunca deixaram de ser alvo. Mas quando é necessário,  elas passam a ser alvo em espaços que, certamente, predominam  os homens, como é o caso das prisões. 

“Quando  a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela.” A frase da filósofa e ativista Angela Davis continua muito atual.  Tem sido fácil às mulheres negras se articularem para movimentar as estruturas? 

Lúcia Xavier – O movimento de mulheres negras tem oferecido alternativas para toda a sociedade, para aqueles que querem de fato constituir uma estrutura de sociedade mais justa,  mais igualitária,  fraterna e é nessa perspectiva que o movimento de mulheres negras produz saídas para essa questão. Essa movimentação feita pelas mulheres é uma movimentação que pensa não só na população negra em particular, mas na sociedade como um todo.  O fim do racismo melhora a vida de todo mundo. Se  eu trago as mulheres negras para o primeiro plano, elas que são as principais vítimas desse processo,  efetivamente o que melhora para mulheres negras melhora em 100% para qualquer outro grupo da sociedade. E nesse sentido a gente pensa que a nossa movimentação é constante,  de várias formas  e pretende, de certa maneira, estruturar um novo padrão de civilidade. 

Em 2018, ao ser homenageada pela Justiça Global, você pediu às pessoas brancas que abrissem mão dos privilégios gerados pelo racismo. A sociedade branca brasileira está ganhando consciência com relação a esses privilégios e abrindo mão dos mesmos ou ela segue insensível a isso? 

Lúcia Xavier – Quando eu ganhei esse prêmio da Justiça Global, um prêmio de direitos humanos,  de uma instituição que é tradicional nesse campo,  não tinha,  depois de tantas falas poderosas das mulheres acerca daquela premiação,  outra maneira de dizer o que representava aquele  prêmio. A ideia de que é preciso abrir mão dos privilégios, de que é preciso ser mais sensível a essa questão,  não quer dizer só atuar contra o racismo, mas mudar o padrão de civilidade, mudar os processos que reforçam ou que garantem esse tipo de circunstância. Isso é muito difícil ser feito. Por isso a gente precisa buscar e lembrar aos diferentes setores da sociedade que nós estamos atentas a essa questão. 

Lúcia, existe algo que você  gostaria de mencionar e que não tenha sido explorado aqui? Fique à vontade para comentar.

Lúcia Xavier – Eu diria que,  de modo geral,  seria bom pensar que o racismo atua em todos os campos,  constantemente,  se renovando. Ele  não é o mesmo que foi no passado e nem seguirá  da forma que está hoje. Para ele poder dominar,  constituir-se como forma de repressão e controle é preciso que ele também tenha uma uma capacidade de construir outras experiências e práticas na sociedade para poder se manter vigente. E nós,  é claro,  seguiremos atentas a essa perspectiva. 

Edital com apoio da Imaginable Futures e Fundação Lemann busca projetos para enfrentar o racismo na educação

Por Wagner Prado

Duas importantes organizações se juntam ao Fundo Baobá para Equidade Racial em uma iniciativa voltada à Educação. O edital Educação e Identidades Negras: Políticas de Equidade Racial, elaborado pelo Baobá, tem na Imaginable Futures e na Fundação Lemann suas apoiadoras. O foco do edital está em incentivar organizações, grupos e coletivos negros que atuam no combate ao racismo e na promoção da equidade racial no segmento Educação. É notório que o acesso à Educação e a permanência nas instituições de ensino é diferente para brancos e negros no país. O caminho para a solução dessa e outras fontes de exclusão está na adoção de ações afirmativas. Imaginable Futures e Fundação Lemann assumem tais ações como parte de suas politicas públicas e, juntas, estão aportando R$ 2,5 milhões que vão contribuir para que 10 organizações, grupos e coletivos negros ampliem e fortaleçam suas intervenções em espaços educacionais formais e não formais. Imaginable Futures, por intermédio de seu Venture Partner, Fabio Tran, e a Fundação Lemann, por meio de sua Gerente de Equidade Racial, Deloise Bacelar de Jesus, expõem aqui os motivos que as levam a apoiar o edital, a importância de se investir em Educação no Brasil e também como promovem o combate ao racismo dentro de suas próprias instituições e levam esse tema aos seus diferentes grupos  de interesse.  

O edital Educação e Identidades Negras: Políticas de Equidade Racial é uma forma de suprir a defasagem que existe no mecanismo de ensino oficial do Brasil?

Fabio Tran – Em todos os estados brasileiros, a diferença entre o percentual de estudantes negros e brancos com níveis adequados de aprendizagem é significativa e se mantém mesmo dentro do mesmo nível socioeconômico (dados do SAEB). Está evidente que a desigualdade racial tem afetado o direito à aprendizagem e, por diversos motivos, o estudante negro tem sido levado a aprender menos. O racismo, enraizado enquanto modelo mental na sociedade, impacta os estudantes negros e suas famílias e os submetem ao preconceito cotidianamente. Esses e outros fatores, que são reflexo do racismo estrutural, afetam diretamente a autoestima e o senso de pertencimento de estudantes negros, impactando na sua performance acadêmica.

Entendemos que se trata de um fenômeno complexo e, para entender e agir com maior profundidade sobre ele, em 2021 a Imaginable Futures realizou um processo de escuta e construção junto a mais de 50 educadores e ativistas negros. Ao final, chegamos em três principais áreas que podem ser alavancadas na busca por uma realidade livre do racismo estrutural, sendo uma delas a razão por que estamos fazendo este edital: garantir a implementação de políticas educacionais que valorizam as identidades e culturas negras, indígenas e quilombolas, aumentando a legitimidade destes grupos dentro do sistema educacional, bem como o seu desempenho e permanência escolar.

As duas outras áreas são: (i) elevar o nível de entendimento sobre questões étnico raciais a fim de alcançarmos uma negritude consciente e uma branquitude crítica, fazendo com que as políticas e as práticas não sejam desenhadas de maneira universalista e (ii) elevar as vozes negras, indígenas e quilombolas através de acesso e representação em posições de liderança, assegurando que essas lideranças possuam conhecimento aprofundado sobre equidade racial e recebam todo o suporte necessário para que consigam permanecer com saúde mental e física dentro desses ambientes. 

Deloise Jesus  A aprendizagem de alunos brancos e alunos pretos é desigual. A diferença é expressiva em todos os estados brasileiros, tanto para alunos de nível socioeconômico alto quanto baixo, revelando os reflexos do racismo estrutural também no processo de aprendizagem. Realizar ações como o edital Educação e Identidades Negras: Políticas de Equidade Racial é muito estratégico para promover equidade racial. Acreditamos que diferentes esforços são necessários para transformar essa realidade e diminuir as desigualdades, por isso o lançamento do edital é tão bem vindo. 

Que iniciativas educacionais podem contribuir para o combate ao racismo?  

Fabio Tran – Para além do trabalho relevante e direto de combate ao racismo realizado por diversas organizações como o Fundo Baobá, CEERT, Geledés, IBEAC, dentre tantas outras, é preciso considerar também a influência das políticas públicas governamentais na manutenção ou quebra de estruturas racistas. As políticas públicas educacionais hoje são predominantemente universalistas, desconsiderando o contexto extremamente desigual de que partem estudantes brancos e negros. Sendo assim, uma das formas de combater o racismo estrutural é assegurar, na tomada de decisão das políticas educacionais, o reconhecimento dessas diferenças e desigualdades e o entendimento que equidade não significa necessariamente igualdade. A Lei de Cotas e a Lei 10639 são excelentes exemplos de como romper essas estruturas. E esperamos que as iniciativas apoiadas por esse edital permitam identificar novas formas de combater o racismo e o racismo estrutural. 

Fabio Tran – Venture Partner da Imaginable Future

Deloise JesusCombater o mito da democracia racial passa por promover estratégias para que educadores e estudantes possam atuar de forma antirracista. Fortalecer o ecossistema de organizações que atuam no combate às desigualdades raciais é essencial para trilhar este caminho. 

Como sua organização, interna e externamente, vem abordando o racismo? Há ações direcionadas aos colaboradores e diferentes comunidades nas quais vocês atuam?

Fabio Tran – Como uma organização de investimento social privado, entendemos nossa responsabilidade, dado nossa posição de privilégio em um sistema fundamentado sobre a supremacia de pessoas brancas e sobre outras formas de injustiça. 

A equidade racial está no centro da estratégia programática da Imaginable Futures. Temos trabalhado para isso diretamente com organizações comunitárias, através das práticas de educação libertadora das organizações que apoiamos e por meio de recomendações de políticas de apoio para práticas de reparação antirracista, entre outras iniciativas. Além disso, entendemos que o combate ao racismo passa também por uma transformação interna e de como trabalhamos, por isso desde 2019 temos aumentado o letramento racial da equipe e a equidade racial na sua composição, incluindo nossos prestadores de serviço e consultores. A partir de um esforço de diversificar o nosso time, hoje somos uma organização internacional e a maioria dos nossos colaboradores não se identifica como branca. Por fim, como indivíduos, trabalhamos para mudar nossas próprias mentalidades, comportamentos e abordagens. E apesar de todos os nossos esforços, entendemos que, como organização, estamos apenas no começo da nossa jornada antirracista. Temos muito que avançar ainda.

Deloise Jesus –  A Fundação Lemann tem estabelecido metas para promover a equidade racial nas escolas, viabilizando ações que garantem uma trilha de formação para educadores e gestores escolares, realização de pesquisas de engajamento de lideranças educacionais no tema, produção de guias diagnósticos de equidade racial nas redes de ensino; entre outras ações que fomentam parcerias estratégicas pela promoção da equidade racial na educação brasileira.

Além disso, buscamos aumentar a diversidade dentro do nosso próprio time. Com iniciativas centradas na redução de vieses para atração, retenção, inclusão e desenvolvimento de talentos, aumentamos a presença de pessoas negras na composição da nossa equipe – hoje, já representam pouco mais de ⅓ da organização (35%). A Rede de Lideranças da Fundação Lemann também passou a contar com um processo seletivo estruturado e focado na ampliação da representatividade entre os membros e viabilizamos programas como o Alcance, que busca promover mais equidade racial e econômica no acesso a programas de mestrado profissional em algumas das melhores universidades do mundo. 

Deloise de Jesus – Gerente de Equidade Racial da Fundação Lemann

O edital vai alcançar organizações, grupos e coletivos negros. Que elementos estatístico-sociais levaram sua organização a direcionar esse investimento para a população negra?

Fabio Tran – O racismo estrutural permeia o sistema educacional brasileiro, levando a resultados de aprendizagem muito diferentes. Não surpreende que haja uma sub-representação significativa de grupos de pessoas negras e indígenas em posições de poder. Boa parte dos recursos do investimento social privado no Brasil é destinado à Educação, e boa parte dos estudantes que estão no sistema de ensino público são negros. Apesar disso, há pouco investimento no tema equidade racial na Educação e menos ainda  para organizações com lideranças negras. Achamos fundamental direcionar mais investimento social privado para essas organizações.

Deloise Jesus  Diversos indicadores sociais demonstram como o racismo prejudica a população negra. Na Educação, as desigualdades na aprendizagem são contundentes. Um estudo feito pelo Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), analisando dados da avaliação nacional oficial (o Saeb) mostra que, em todos os estados brasileiros, o percentual de crianças pretas com aprendizado adequado é inferior ao de crianças brancas da mesma classe social. Também fica evidente que, quanto mais alto o nível socioeconômico, maior é a diferença entre os aprendizados entre alunos  pretos e não pretos.

Se o fator socioeconômico não explica sozinho tais diferenças, então é preciso reconhecer que também – e sobretudo – a Educação precisará olhar para o racismo que está presente nas práticas educacionais, assim como em tantas outras instâncias da sociedade. Na gestão pública, por exemplo, isso se reflete na representatividade em cargos de liderança. No poder executivo federal, apenas 15,2% dos cargos de segundo e terceiro escalões, nas pastas de Educação, Saúde e Economia, são ocupados por pessoas negras. No poder executivo como um todo, nos mesmos escalões, são 17,7%, de acordo com dados do IPEA (2020). 

Em termos de política pública, a implementação desse edital poderá gerar alguma base de trabalho que possa ser adotada oficialmente (pelo Governo) e melhorar a política educacional no país?

Fabio Tran – O tema do desenvolvimento das identidades e culturas negras e quilombolas é trabalhado por organizações negras há muito tempo no Brasil. Esse edital vem como um reconhecimento da luta histórica desses grupos pelos seus direitos. Temos a expectativa que, a partir desses projetos, possamos sistematizar melhor e dar mais luz ao trabalho dessas organizações para que elas possam seguir cada vez mais pautando a construção de políticas públicas de equidade, dentro e fora do ambiente de educação formal. 

Deloise Jesus –  Como país, é urgente chegarmos ao consenso mínimo de que políticas públicas precisam ser construídas a partir da premissa que seus impactos terão efeitos diferentes nas populações brancas e negras. A gestão pública – que elabora, implementa e monitora essas políticas – precisa refletir com mais justiça nossa demografia, ampliando a representatividade de pessoas negras em cargos de liderança. 

É possível projetar o que poderá ser alcançado por esse edital em termos sociais? 

Fabio Tran – O valor concedido para as organizações contempladas no edital não é só para as ações programáticas dessas organizações. Ele também é destinado ao fortalecimento institucional e desenvolvimento das lideranças das organizações selecionadas. Além do impacto direto das 10 organizações selecionadas na aprendizagem das comunidades em que elas trabalham, esperamos que essas organizações, juntas, influenciem o sistema na direção do que precisa ser feito – e trabalharemos junto ao Fundo Baobá para que essa conexão e esse trabalho em rede aconteça.

Quando vemos as estatísticas da desigualdade social e racial no Brasil podemos ficar desesperançosos com relação ao tema, mas a partir das organizações esperamos enxergar a força e a riqueza da diversidade que a população negra traz para o Brasil, sem ignorar e tentar remediar as consequências negativas do racismo e da opressão desses grupos no país.

Deloise Jesus – Estamos confiantes que a iniciativa é capaz de contribuir com o fortalecimento de  organizações para desenvolver novas tecnologias sociais e para ampliar o leque de estratégias disponíveis para a promoção da equidade racial.

Como sua organização define Equidade Racial? 

Fabio Tran – Justiça. Equidade. Diversidade. Inclusão. O que chamamos de princípios “JEDI” direcionam tudo o que fazemos. Orientam nossas crenças, embasam nossa estratégia e moldam nossa cultura, operações e ações. Equidade racial para nós significa promover justiça, imparcialidade e equidade nos processos, distribuição de recursos e resultados em instituições e sistemas de educação. 

Acreditamos que o acesso equitativo à aprendizagem é fundamental para sociedades saudáveis, justas e prósperas. Cada pessoa, independentemente de raça, formação, etnia, gênero, orientação sexual, religião, renda, saúde e habilidades, deve ter a oportunidade de aprender e tornar o futuro que imagina uma realidade. Sabemos que o racismo, o colonialismo e a cultura patriarcal incorporados nos sistemas educacionais ao redor do mundo fazem com que nem todos tenham a mesma oportunidade de prosperar. Entendemos que o nosso trabalho é sermos parceiros de organizações como o Baobá para eliminar essas barreiras sistêmicas e cocriar soluções para as crianças e jovens e suas respectivas famílias.

Deloise Jesus –  Na iniciativa privada e no terceiro setor, precisamos ser mais explícitos e propositivos no enfrentamento dessas desigualdades raciais profundas e sistêmicas. Muito conscientes do tamanho desse desafio, aqui na Fundação Lemann trouxemos o combate às desigualdades raciais para o centro de todas as nossas frentes de atuação. Assim, traçamos uma visão de futuro que conecta nossos objetivos nas frentes de educação e desenvolvimento de lideranças com conquistas de equidade racial. 

Promover esse edital é contribuir para a promoção da Equidade Racial?

Fabio Tran – Sim, serão selecionadas até 10 organizações, grupos ou coletivos cujas propostas contribuam para o desenvolvimento, aprimoramento e/ou a implementação de políticas educacionais de identificação e enfrentamento do racismo e para o fortalecimento das identidades e culturas negra, quilombola e indígena, com atenção especial para iniciativas focadas em políticas educacionais para crianças, adolescentes e jovens.

Deloise Jesus – O racismo é uma estrutura social complexa e difícil de combater, por isso diferentes estratégias articuladas entre si são necessárias. Acreditamos que o edital é parte importante desse processo. Temos certeza de que tudo isso é só um começo. E de que há muito o que refletir, aprender, planejar, executar e corrigir para que a pauta ganhe mais prioridade, profundidade e consistência dentro da gestão da nossa organização, e de tantas outras instituições e governos. Esperamos poder somar forças e aprender com quem já está há muito mais tempo à frente dessa agenda e incentivar muitos outros a entrar nela também. Nosso sonho de um Brasil que acredita nas pessoas e de pessoas que acreditam no Brasil certamente depende disso. 

Textos selecionados no edital Chamada de Artigos são compilados em publicação bilíngue

Fundo Baobá publica livro com artigos de donatários(as) e conta com a participação de Mel Adún proprietária da editora Ogum’s Toque na sua edição

Por Ingrid Ferreira

Em 2020, o Fundo Baobá fez uma chamada para artigos para subsidiar  a sua atuação no contexto da pandemia da Covid-19, integrando o projeto “Consolidando Capacidades e Ampliando Fronteiras”, realizado em parceria com a Fundação Ford. Foram selecionados 19 artigos, que receberam um apoio de R$ 2,5 mil cada.

O Baobá se comprometeu com uma publicação eletrônica, bilíngue. Uma publicação amigável, embora seguindo regras editoriais rigorosas, cuidadosamente aplicadas.  A  editora escolhida para realizar esse trabalho foi a Ogum’s Toque,  que nasceu oficialmente em 2014, em Salvador, Bahia, mas cuja  movimentação na cena literária começou em 2011.

A proprietária Mel Adún conta como aconteceu o processo de criação da empresa.  “Em 2011,  levamos à Bahia mais de 60 escritoras e escritores negros de diversas partes do país, e fora, para falar da sua produção literária no evento Ogum’s Toques do/a Escritor/a (OTE), atividade cujo objetivo principal era formação de público leitor. Contamos com nomes importantes da literatura negra brasileira e internacional como Abelardo Rodrigues, Oswaldo de Camargo, Miriam Alves, Isabel Ferreira entre tantos outros. Contudo,  é a partir da participação fatídica do Brasil na Feira de Frankfurt em 2013 – quando a Feira homenageava a diversidade brasileira e o governo mandou 70 escritores para representar o país, sendo 1 negro, 1 indígena e 68 brancos – que resolvemos nos publicar. No mesmo ano escrevemos uma nota de repúdio que foi traduzida para o inglês e para o alemão e assinada por mais de cem escritoras negras e escritores negros e lançamos a Coletânea Poética Ogum’s Toques Negros,  com 22 poetas de diferentes gerações da Literatura Negra brasileira. Daí percebemos que não havia outro caminho e, em 2014/15, lançamos o livro Encantadas,  do poeta José Carlos Limeira (1951/2016).  De lá pra cá, publicamos mais de 20 livros e seguimos publicando, em ritmo de ijexá, textos que acreditamos que precisam ser publicados”.

Mel Adún – Proprietário da editora Ogum’s Toque

Mel conta que cresceu em uma casa onde seus pais valorizavam muito os livros.  Ao relembrar suas memórias de infância, ela conta que a sala tinha suas paredes recheadas de estantes de madeira que abrigavam os livros que, desde cedo, tornaram-se seus companheiros. Um  dos frequentadores de sua casa era José Carlos Limeira e que ele foi a pessoa que leu seus escritos e a aconselhou que ela os enviasse para participar dos Cadernos Negros.

Ao ser questionada sobre como o mercado nacional e internacional se comporta frente à literatura negra, Mel afirma que: “Se hoje o termo Literatura Negra é recebido com reservas pelo mercado editorial hegemônico, quando começamos a Ogum’s era pior ainda. Contudo, atualmente,  a escrita negra foi descoberta enquanto nicho, enquanto commodities, pelas editoras hegemônicas e vinculadas ao grande capital, o que dá a falsa impressão de que não existem mais problemas no campo editorial nesse sentido. Curiosamente, essas mesmas editoras que se mostram sensíveis à escrita negra hoje – mesmo que esse montante não alcance 10%  dos seus catálogos – não se manifestaram ou esboçaram qualquer reação perante aquela lista da Feira de Frankfurt. Ou seja, como afirma a escritora Zadie Smith, o capital é pragmático e quando necessário nos transforma em commodities preservando os mecanismos de controle. Enquanto houver racismo, enquanto pessoas negras forem desumanizadas, enquanto o racismo sistêmico fizer parte da sociedade brasileira ou de qualquer outra, estaremos sempre em desvantagem no campo editorial assim como em todos os outros campos. E enquanto essa for a nossa realidade, nosso trabalho e nossa arte é nicho para apreciação de terceiros, mas a riqueza gerada a partir do nosso labor nunca será igualmente compartilhada entre os iguais a nós. Não serão as nossas futuras gerações que estarão com o futuro garantido”.

A fala da Mel Adún reitera a complexidade do racismo estrutural e sobre como impacta as pessoas e a sociedade em diferentes aspectos. Fica nítido que trabalhar com uma editora dedicada à produção negra é resistir e lutar para que os saberes compartilhados estejam acima do capital e do ideário hegemônico  imposto por uma estrutura racista de sociedade.  E, neste sentido, Mel destaca que é a primeira vez que a editora publica um livro com conotações mais científicas e, com base nessa experiência afirma: “Nós temos publicações teóricas e críticas no campo literário e essa experiência com o “Consolidando Capacidades e Ampliando Fronteiras: Filantropia para Equidade Racial no Brasil” foi muito boa. Temos que enfrentar o genocídio da população negra e também o epistemicídio dos nossos saberes. Iniciativas como essas do Fundo Baobá são muito importantes”.

Programa Já É: Mentoria contribui para fortalecer potencialidades

Estudantes  do Programa que incentiva o acesso ao ensino superior, além das aulas contam com orientação de especialistas para alcançar o objetivo de chegar à universidade e permanecer nela

                                          Por Wagner Prado

Quando é que surge em alguém o sentimento de pertencimento? A resposta é simples: quando a pessoa identifica a si mesma como parte de uma comunidade já estabelecida ou que está se estabelecendo. Apesar da simples resposta, a engrenagem que move sentimentos e sentidos e faz a pessoa alcançar a tal sensação de pertencimento é que é um tanto complicada. Mas não é intransponível. 

Estudantes  do Programa Já É, do Fundo Baobá para Equidade Racial, estão sendo orientados para alcançar a sensação de pertencimento. São jovens negras, negros e negres da cidade de São Paulo e da região metropolitana, moradores de bairros e/ou comunidades periféricas, do sexo masculino e feminino, cis (pessoa que se identifica com o gênero que foi atribuído a ela no nascimento), trans (pessoa que não se identifica com o gênero que foi atribuído a ela no nascimento)  e não binários (pessoa designada como menino ou menina ao nascer, mas que não tem identificação com nenhum desses dois gêneros)

O Já É é um programa de acesso e permanência no ensino superior, de preferência em universidades públicas, para esses jovens negros . Ele procura ampliar as oportunidades de acesso ao ensino de nível superior em algumas das melhores instituições de ensino do país, quer sejam elas gratuitas ou pagas. Acontece que esse grupo de jovens, ao longo de suas trajetórias pessoais, não foi contemplado com o melhor ensino no nível básico. Portanto, carregam algumas defasagens que precisam e estão sendo superadas. O Programa Já É está em seu segundo ano de execução. Neste segundo ano é apoiado pela empresa MetLife, que fez aporte de R$ 1 milhão para o desenvolvimento dos e das estudantes. 

Caminhos da superação

Mas como superar disparidades que colocam quem teve maior poder aquisitivo e pôde frequentar as melhores instituições particulares de ensino, desde a base, no caminho preferencial? O estabelecimento de políticas públicas não governamentais, que sejam afirmativas e gerem oportunidades de desenvolvimento de potencialidades. 

O Fundo Baobá, na elaboração do projeto do Programa Já É, estabeleceu que os estudantes selecionados teriam mentorias de caráter coletivo e de caráter individual com foco na ampliação de suas potencialidades acadêmicas e também suas potencialidades socioemocionais. 

Essa atividade de mentorias é metodologicamente  voltada para pessoas pretas. Ela aborda, de forma sistêmica o processo de estudo que será empregado, considerando os efeitos psicossociais do racismo como algo de extrema singularidade na experiência educacional de cada pessoa. É uma jornada de autoconhecimento em busca de transformação, que reforça as positividades existentes e procura dirimir as negatividades. O resultado pode ser observado em aspectos como a importância de se organizar para a concretização de projetos pessoais, para reter as informações trazidas pelo estudo e também para a realização dos afazeres profissionais. 

A primeira, das 12 sessões de mentoria coletiva foi presencial e aconteceu em 11 de junho. A equipe de mentoria é formada por Ellen Piedade (Gestora de Políticas Públicas pela Universidade Candido Mendes e bacharel em Ciências Políticas pela Universidade de Brasília); Juliana Lima (Pós-Graduada em Direito Empresarial pela Legale Educacional e graduada em Direito pelo Centro Universitário Cesmac, de Alagoas); Jussiara Leal (Graduada em Psicologia pela Universidade de Pernambuco) e Glauber Marinho (Pedagogo pela Universidade de Brasília).

Juliana Lima
Jussiara Leal
Glauber Marinho

Serão feitos outros 11 encontros até o final do segundo semestre, com periodicidade quinzenal e temas variados, como: Planejamento, autoconsciência, autogestão e plano de estudos na prática. Outros dois encontros presenciais estão agendados. 

Ellen Piedade, que coordena o time de mentores,  fala sobre o objetivo acompanhamento e mentoria para o Programa Já É.  “Temos como propósito combater o racismo, por meio de capacitação de alta qualidade e estímulo ao desenvolvimento de habilidades socioemocionais em pessoas negras. Especificamente na mentoria para estudantes, atuamos a partir de uma metodologia afrocentrada,  que oferece ferramentas para lidar com o desafio pré-universitário  e universitário”, diz. 

Fazer com que estudantes negros não represem suas potencialidade e deixem aflorar até as que não tinham conhecimento é fundamental. “A mentoria trabalha a partir de quatro pilares: intelectual, emocional, físico e espiritual. É uma proposta de olhar sistêmico para os recursos necessários para desenvolvimento de competências que impactam diretamente na vida profissional desses jovens. A mentoria trabalha desde métodos de estudo, os efeitos psicossociais do racismo, sustentabilidade e ecologia de projetos profissionais, quilombismo e consciência social. O foco é investir no protagonismo delas e deles como estudantes e profissionais”, afirma Ellen Piedade. 

Ellen Piedade

As variáveis que podem afetar um bom desempenho estudantil e, posteriormente, profissional, são levadas em conta e analisadas. “Além de revelar métodos de estudos que normalmente não foram ensinados de forma explícita para esses alunos, a mentoria tem uma abordagem que considera outras variáveis que afetam a adesão aos estudos: a sensação de pertencimento, as aspirações e o empoderamento dessas e desses jovens. É um olhar real do trajeto que é necessário percorrer para alcançar a universidade, se formar e entrar no mercado de trabalho”, declara Ellen. 

Jovens negras, negros e negres lutando para alcançar um nível educacional que muitos em suas famílias e entre seus amigos não têm. Como lidar com as dificuldades que isso pode trazer? Ellen Piedade explica: “Na mentoria, o coaching é uma metodologia que ampara a organização do projeto profissional definido (entrada na universidade, a permanência nela  e a colocação profissional). É necessário identificar onde se está e para onde se quer ir e,  a partir desse diagnóstico, constroem-se os caminhos possíveis para a realização do objetivo, estimulando uma tomada de decisão coerente. Dessa forma, essa é uma metodologia orientada ao estímulo, ao protagonismo necessário e maior eficiência das ações que levam ao alcance do objetivo. Tudo isso em uma lógica sustentável e que considera a realidade de cada estudante, sem fórmulas mágicas absurdas e irreais”.

Dudu Ribeiro, da Iniciativa Negra Por Uma Nova Política de Drogas, fala sobre Justiça, Racismo Estrutural e Política no Brasil 

       Por Gabi Coelho

Dudu Ribeiro é co-fundador e coordenador executivo da Iniciativa Negra Por uma Nova Política De Drogas. Dudu é formado em História (Universidade Federal da Bahia), tem especialização em Gestão Estratégica de Políticas Públicas (Universidade Estadual de Campinas) e é mestrando também na área de História (Universidade Federal da Bahia). 

Dudu Ribeiro – Diretor executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas

A Iniciativa Negra é uma organização que atua desde 2015 em busca de propor reformas na atual política brasileira de combate às drogas. Foi uma das organizações selecionadas pelo edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça, do Fundo Baobá para Equidade Racial, com apoio da Google.org. O projeto apresentado foi o ¨Iniciativa Negra Por Direitos, Reparação e Justiça”.   

Dudu Ribeiro, em entrevista, falou sobre a visão da sua organização sobre a política oficial de combate às drogas, além de se manifestar também sobre racismo estrutural e a realidade política do Brasil.

O Fundo Baobá implementa o edital Vidas Negras, Dignidade e Justiça com o intuito deapoiar organizações que desenvolvam ações práticas para o enfrentamento ao racismo, à violência sistêmica e às injustiças criminais com perfilamento racial no Brasil. O edital foi organizado em quatro eixos temáticos: 1) Enfrentamento à violência racial sistêmica; 2) Proteção comunitária e promoção da equidade racial; 3) Enfrentamento ao encarceramento em massa entre adultos e jovens negros e redução da idade penal para adolescentes; 4) Reparação para vítimas e sobreviventes de injustiças criminais com viés racial. 

A Iniciativa Negra Por Uma Nova Política De Drogas, organização da qual você é co-fundador e coordenador executivo, foi  uma das selecionadas pelo edital. Qual você acredita ser a importância de editais como esse promovido pelo Baobá?

Dudu Ribeiro – Um edital como esse é importante como subsídio ao trabalho ativista de muitas organizações negras no Brasil,  que têm condições tanto de incidir na política como também de dar suporte à vida das pessoas, promovendo transformações, sobretudo olhando para um edital com perspectiva de colocar a vida negra no centro e conectada a conceitos como dignidade e justiça.

De que forma a Iniciativa Negra encara a maneira como o Brasil lida com os assuntos “drogas” e “legalização”?

Dudu Ribeiro – A Iniciativa compreende que a guerra às drogas, o modelo adotado no Brasil, assim como em grande parte do mundo, guarda relações profundas com atualizações de processos históricos de distribuição desigual de possibilidades de vida, de oportunidades de cidadania e também de distribuição da morte enquanto política de Estado. Não há compatibilidade entre a ideia de guerra às drogas e a democracia, por isso é fundamental o processo de regulação, e esse processo de regulação das substâncias tornadas ilícitas deve levar em consideração também a perspectiva da reparação do que foi causado pelas décadas de proibição, sobretudo às vítimas diretas e também às comunidades afetadas.”

Como é possível entender a extensão do racismo estrutural que afeta a política brasileira de “guerra às drogas”?

Dudu Ribeiro – A política de guerra às drogas, ela é organizada a partir da atualização de um processo histórico de genocídio contra a população negra. A lógica da proibição se baseia em  controle, vigilância e punição de corpos e territórios negros, o altíssimo encarceramento, a altíssima letalidade, a distribuição de estigmas e o sequestro do orçamento público pela lógica da guerra que impacta, de forma decisiva,  na construção de políticas públicas de efetivação da cidadania nos territórios negros.

Com o intuito de incluir a população negra num debate tão importante como esse, de que forma a Educação é capaz de colaborar com essa inclusão e com a transformação do senso comum acerca da presente discussão?

Dudu Ribeiro – É fundamental a gente incidir e colaborar para projetos e processos de educação que consigam colocar, na centralidade,  a produção científica no campo da guerra de drogas, no campo da política de drogas; que consiga inclusive fazer com que as pessoas compreendam a participação das substâncias psicoativas na história da humanidade e como isso passa a ser transformado, sobretudo no último século, num processo de guerra, de sequestro do orçamento, de corrupção do Estado e de produção de morte. A educação tem um papel fundamental, desde que seja construída a partir de uma perspectiva libertadora, pautada na ciência e que tenha como foco a superação dos estigmas provocados pela lógica da proibição.

Depois de passar por períodos de regimes militares, como a Ditadura Civil-Militar e o Estado Novo, o Brasil pôde, novamente, em pleno século XXI, presenciar o destaque do militarismo e de figuras militares a partir de um governo presidencial de extrema direita. Como esse cenário colabora com o retrocesso de abordagens acerca de temas como direitos humanos, racismo, drogas e a adoção de perspectivas progressistas sobre o futuro?

Dudu Ribeiro – O militarismo é base do modelo da guerra às drogas no Brasil e no mundo, inclusive tem muitos episódios de colaboração entre os militares brasileiros e os estadunidenses no início desse processo de internacionalização do controle do comércio e uso de substâncias psicoativas. O cenário que o Brasil vive hoje é um processo de amplificação de um projeto de distribuição de morte enquanto política de Estado e a lógica da operação dos militares tem sido de se movimentar a partir da destruição de um inimigo interno eleito pelo racismo brasileiro. Isso tem agravado as condições de vida da população negra, da população brasileira como um todo, e colabora com o retrocesso gigantesco em temas fundamentais, não apenas ligados aos direitos humanos e às políticas de drogas, mas também de direitos  civis, econômicos e políticos conquistados nas últimas décadas.

Quando tratamos de perfilamento racial, ou seja, a associação sistemática de um conjunto de características físicas, comportamentais ou psicológicas com delitos específicos e seu uso como base para tomar decisões de aplicação da lei, segundo o Grupo de Trabalho da Força-Tarefa de Implementação do Contraterrorismo sobre a Proteção dos Direitos Humanos, conseguimos compreender que a própria Justiça possui características evidentemente racistas que pautam a noção de Cidadania concedida aos sujeitos pelo Estado. No instante em que refletimos sobre o lugar de não-ser, de não-pessoas, atribuído às pessoas negras por esse mesmo Estado, como agir a fim de modificar as estruturas de dentro para fora?

Dudu Ribeiro – É importante a gente relembrar os ensinamentos da professora Ana Flauzina,  quando ela nos coloca que as ideias de crime, castigo, punição e pena, no Brasil, são oriundos da Casa Grande. O comportamento do sistema judiciário tem sido a partir dessa lógica de atuação. Sem qualquer conexão com a maioria do povo brasileiro, mas de fato de distribuição de privilégios entre a própria branquitude, e de restrição de cidadania para a população negra brasileira, justamente por virem de um processo em que a desumanização de outras pessoas é consequência dos processos de colonização e escravização no Brasil. Esses processos de desumanização, eles continuam organizando a atuação do sistema judiciário e a própria pequena participação de pessoas negras no sistema judiciário brasileiro, em todas as instâncias, não é só um exemplo disso, como é também o próprio resultado de um processo de distribuição de privilégio e de restrição de oportunidades. É fundamental que as organizações da sociedade civil interajam com os poderes a partir da perspectiva do aprimoramento de instrumentos construídos ao longo dos anos pelas forças progressistas, mas é fundamental também a gente fazer grandes processos de mudança. Aí não vai ser apenas a sociedade civil organizada, mas todos construindo processos mais profundos de transformação real do que a gente tem hoje de sistema judiciário,  que tem contribuído de forma fundamental como uma máquina de morte para o povo brasileiro.                   

De acordo com o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, a proporção de pessoas negras em cárcere aumentou em 14%, enquanto a proporção de pessoas brancas encarceradas diminuiu em 19%. Qual relação pode ser estabelecida entre esse aumento percentual, a “criminalização da pobreza” e o racismo sistêmico presente no Brasil?

Dudu Ribeiro – O processo de encarceramento no Brasil, muito organizado pela lógica da guerra às drogas, é parte fundamental de um processo de destruição da população. Eu tenho falado que um dos conceitos importantes da guerra é a destruição da linha de defesa do inimigo, no caso, o inimigo mascarado pela guerra às drogas seria a população negra e visualizar que nos últimos 15 anos o encarceramento de mulheres, sobretudo de mulheres negras, cresceu mais de 700%, é um exemplo desse processo de como a guerra às drogas compreende esse modelo, esse encarceramento como método de destruição da linha de defesa da população negra para a produção de existência para além da sobrevivência.

A lógica de cárcere é a restrição da vida das pessoas que são encarceradas a partir de um lugar de tortura, mas isso também tem um impacto significativo no conjunto de pessoas negras que ficam fora do cárcere, os familiares, filhos, primos, parentes, esposas… E isso contribui de forma importante para o aumento da precarização da vida das pessoas, seja por muitas vezes sequestrar pessoas fundamentais para a renda da família, mas também todo o processo de violência, estigmatização, precarização e destruição da cidadania das pessoas que ficaram fora do cárcere, impostos pelo encarceramento de alguém da sua família. 

Quando a gente está falando de mulheres negras, a gente precisa lembrar que quando o Estado sequestra uma mulher negra da sua família, quando sequestra várias mulheres negras de várias famílias e várias comunidades, é um exemplo desse modelo de como a guerra às drogas compreende a destruição da linha de defesa do inimigo eleito como a população negra brasileira, que, para a fundação do Brasil Republicano, seria necessário controlá-la para a plena existência de um processo civilizatório embranquecido no Brasil.                                   

O Empreendedorismo como Caminho da Dignidade na Vida de Pessoas Negras LGBTQIA+

Por Ingrid Ferreira

No dia 28 de junho comemora-se uma data de extrema importância para que a sociedade seja democrática e trate com respeito às especificidades de cada ser humano: o Dia do Orgulho LGBTQIA+. Apesar de ter um dia dedicado, às comemorações se estendem pelo mês todo, o evento mais conhecido e com maior número de frequentadores é a Parada LGBTQIA+ de São Paulo.

O Fundo Baobá,um fundo voltado exclusivamente para apoiar iniciativas de promoção da equidade racial para pessoas negras, reconhece as intersecções entre raça, gênero, território e sexualidades. No Brasil e em outros países onde existe racismo, pessoas pretas LGBTQIA+ enfrentam desafios ainda mais complexos para viver com dignidade, respeito e com seus direitos efetivados.

O intuito do Fundo é contribuir para que  as pessoas negras cuja identidades de gênero não são heteronormativas  estejam próximas e acessem as oportunidades que a instituição oferece seja no campo da educação, comunicação e memória, saúde, enfrentamento à todas as formas de violência, empreendedorismo. 

Em um país onde as oportunidades de trabalho, emprego e renda são escassas, o número de pessoas negras que empreendem em busca de  autonomia financeira cresce todos os dias. 

Como afirma Akuenda Translésbicha, dona da Erzulie Igbalê, apoiada pelo Fundo Baobá no edital Negros, Negócios e Alimentação – Recife e Região Metropolitana: “Eu já vendi várias coisas de diferentes ramos, gêneros e serviços, mas comida é algo que até na guerra conseguimos fazer dinheiro, pois é uma necessidade vital, foi base da colonização e base da economia, está na história de libertação do nosso povo e também é uma forma de consolidar expressões culturais e cosmovisões. Meu negócio entendeu a alimentação como um campo estratégico para propagar uma vivência radical e dissidente, provocando afirmação política, isso faz o diferencial na nossa cozinha.”. 

Akuenda Translésbicha, proprietária do empreendimento Erzulie Lgbalê – Recife- PE

Akuenda também fala sobre a sensação de ter seu empreendimento selecionado em um edital do Fundo Baobá: “Senti que meu negócio é reconhecido por especialistas e que foi avaliado com potencialidade de prosperar, além de que ter outras pessoas acreditando nele, o que me motiva e me faz olhar pra trás e perceber o início dificultoso, mas me sentir recompensada pelo trabalho feito até aqui. Quero sentir essa mesma sensação no futuro, para continuar nesse movimento de construção, alimentando possibilidades de mudança social e pessoal para além das dificuldades com sabor de revolta”.

O donatário Aleff Souza, dono do empreendimento Delícias do Alleff, selecionado também no edital Negros, Negócios e Alimentação – Recife e Região Metropolitana também falou um pouco sobre a sua experiência como empreendedor: “Como dono do meu próprio negócio nesses anos eu não tive nenhum problema referente a discriminação, além de livre me sinto realizado e privilegiado por criar uma rede de contatos que me respeita. Diferente dos meus empregos anteriores,  onde sofri situações de racismo e homofobia. Isso também foi um ponto crucial na decisão de trabalhar pra mim mesmo, pra não ter que passar por certas situações traumatizantes”.

Aleff Souza, proprietário do empreendimento Delícias do Alleff – Recife- PE

Aleff fala como participar do edital tem fortalecido as suas potencialidades emocionais e de sua equipe: “Sem sombra de dúvidas, fazer parte desse edital me fez enxergar o quão  bom eu e minha equipe somos no que exercemos. E sendo um negro, de periferia e homossexual,  me sinto fortalecido estando à frente de um negócio, onde nenhum tipo de racismo ou discriminação é tolerado e na medida em que for crescendo, será um espaço onde todos, todas e todes terão oportunidades de exercerem suas funções e reafirmarem suas identidades sem nenhuma restrição”.

As falas de Akuenda e Aleff provam como empreender pode significar criar um ambiente de trabalho mais digno para pessoas LGBTQIA+ negras. Além de conversar com a donatária e o donatário, o Baobá também conversou com o Flip Couto,  que é um homem negro, gay, produtor cultural e engajado tanto nas pautas do movimento LGBTQIA+ quanto nas pautas raciais, e há pouco tempo colaborou na organização de um evento do Programa Já É: Educação e Equidade Racial.

Flip Couto – Produtor, ativista, artista e militante do movimento negro e LGBTQIAP+ – SP

Ao ser questionado se ele dentro das suas particularidades se sente representado pelo Fundo Baobá, Flip diz que: “Desde que conheci o Fundo Baobá em 2017 através dos editais, eu sempre olhei a organização com admiração pela coerência entre seus projetos e seus fundamentos. Através do movimento pró saúde da população negra, eu me aproximei de Fernanda Lopes (Diretora de Programa do Fundo Baobá) e em 2020 tive a oportunidade de colaborar com o Projeto Já É. Esse processo me fez conhecer as pessoas geniais que semeiam as ações do Fundo Baobá e entendi o diferencial na forma cuidadosa,  trazendo olhares amplos em suas ações; além de todo o legado em colaboração com importantes nomes do ativismo negro no Brasil.”

Também foi perguntado a Flip como ele acha que o Fundo Baobá pode ter mais visibilidade entre a população negra LGBTQIA+, e ele respondeu o seguinte: “Infelizmente,  pessoas negras LGBTQIAP+ seguem com poucas referências de pertencimento, pois durante décadas nossas histórias foram apagadas e silenciadas. Criar encruzilhadas entre a orientação sexual, diversidade de gênero e negritudes nos abre um leque de possibilidades de diálogo. E penso que é nessas aberturas de diálogo que o Fundo Baobá pode gerar mais visibilidade e aproximações com pessoas negras LGBTQIAP+ de diferentes gerações e esse é um importante processo de equidade racial, pois nos faz refletir sobre a pluralidade dentro de nossa comunidade negra.”

Flip também comentou que como produtor, ativista e artista, o Fundo Baobá é uma grande referência para ele por mostrar possibilidades de fortalecimento da comunidade sem se distanciar de suas bases.

Quilombolas em Defesa: a importância e a utilização do conhecimento compartilhado

Organizações falam sobre as jornadas formativas de que têm participado e sobre a utilização desses conhecimentos no seu cotidiano 

Por Wagner Prado

“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.” 

A frase acima é do filósofo, professor e pedagogo brasileiro Paulo Freire (1921-1997). Ela está muito relacionada com a transformação pela qual estão passando 35 organizações quilombolas, apoiadas pelo edital Quilombolas em Defesa: Vidas, Direitos e Justiça, do Fundo Baobá para Equidade Racial. O edital foi lançado em setembro de 2021 e em dezembro as organizações foram selecionadas  para serem apoiadas com R$ 30 mil cada uma delas. 

A dotação está sendo utilizada para promover a sustentabilidade econômica e geração de renda; a soberania e a segurança alimentar, além de proteger e defender direitos quilombolas. A instituição parceira do Baobá é a Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) e o edital integra as ações da Aliança entre Fundos por Justiça Racial, Social e Ambiental, que reúne o Fundo Baobá, o Fundo Brasil de Direitos Humanos e o Fundo Casa Socioambiental. Os três fundos são membros da Rede de Filantropia para a Justiça Social e as ações da Aliança entre Fundos têm financiamento da IAF (Inter-American Foundation) e da própria Rede. 

Para saber como as organizações estão aproveitando as jornadas formativas previstas pelo edital, conversamos com quatro delas: Associação da Comunidade Negra Rural Quilombola Deziderio Felipe de Oliveira, da cidade de Dourados (Mato Grosso do Sul, que apresentou um projeto para o Eixo 2;  Fundação dos Moradores e Remanescentes dos Quilombolas da Tranqueira, da cidade de Valença (Piauí), cujo projeto apresentado foi ´para o Eixo 1;  Associação Quilombola do Sítio Queimada Grande, de Bom Conselho (Pernambuco), projeto é do Eixo 3 e, por final, a Associação Comunitária Unidos(as) do Cumum, da cidade de Guimarães (Maranhão), que apresentou projeto para o Eixo 1. 

As quatro organizações quilombolas, de diferentes estados brasileiros, falam aqui sobre como tem sido a experiência advinda das jornadas formativas, em formato virtual, que têm sido promovidas pelo Fundo Baobá.  As jornadas formativas,  que são parte do investimento indireto ofertado pelo edital,  visam, entre outras coisas, o fortalecimento institucional de cada uma das organizações. 

O compartilhamento de experiências com outros donatários é fundamental para ganhar conhecimento e identificar caminhos de soluções de problemas. 

Esse compartilhamento, que contribui para a formação do estofo teórico que vai dar diretriz à administração do projeto ou negócio, está dentro dos investimentos indiretos previstos nos editais. Investimentos indiretos são as doações não-financeiras, os recursos colocados em formação, encontros, eventos, palestras, entre outros. O Fundo Baobá vem, desde 2019, trabalhando com investimentos  indiretos, o que tem garantido o incremento de potencialidades nas organizações selecionadas para os seus editais e também para as lideranças das mesmas. Em 2021, o Baobá colocou mais de R$ 1,3 milhão em investimentos indiretos. 

No edital Quilombolas em Defesa ate o presente momento, as organizações apoiadas participaram de atividades sobre elaboração de projetos, planos de ação, orçamento, prestação de contas, ambiente virtual e uso de recursos tecnologicos. 

JORNADA FORMATIVA

Associação da Comunidade Negra Rural Quilombola Deziderio Felipe de Oliveira  

Foi imprescindível, pois nos  trouxe um norte,  desde como desenhar o projeto, fazer o orçamento, o plano de ação e a prestação de contas.”

 (Ramão Oliveira)

Fundação dos Moradores e Remanescentes dos Quilombolas da Tranqueira

“As jornadas formativas têm sido muito importantes porque nos capacita para trabalharmos com o nosso projeto e os projetos futuros.” 

Ramão Oliveira – Associação da Comunidade Negra Rural Quilombola Dezidério Felipe de Oliveira – Dourados, Mato Grosso do Sul

(José Soares Bizerra)

Associação Quilombola do Sítio Queimada Grande

“As jornadas formativas têm sido de grande valor, pois estamos adquirindo conhecimentos e entendendo como devemos proceder durante o projeto.”

(Taciana Bento)

Associação Comunitária Unidos(as) do Cumum

Essas jornadas formativas têm sido muito importantes. Inclusive eu participei de várias e elas têm nos ajudado a esclarecer alguns pontos na questão administrativa, que a gente às vezes não sabia. Desconhecia. Tem sido uma aprendizagem muito bom.” 

(Cacá de Guimarães)

MUDANÇA DE PARADIGMA

Associação da Comunidade Negra Rural Quilombola Deziderio Felipe de Oliveira 

A comunidade era carregada pela boa vontade de terceiros para fazer a parte teórica dos projetos. Por meio das jornadas,  a própria comunidade está tentando fazer sozinha cada etapa do projeto.” 

 (Ramão Oliveira)

Fundação dos Moradores e Remanescentes dos Quilombolas da Tranqueira

Agora temos uma melhor capacidade de manejar os nossos projetos.”

(José Soares Bizerra)

José Bizerra – Fundação dos Moradores e Remanescentes dos Quilombolas da Tranqueira – Valença do Piauí, Piauí

Associação Quilombola do Sítio Queimada Grande

Hoje podemos dizer que estamos conscientes de nossos direitos no acesso a políticas públicas quilombolas.”

(Taciana Bento)

Associação Comunitária Unidos(as) do Cumum

Apesar de a gente estar no início do projeto, nessa questão administrativa a palestra que tivemos online com o pessoal do Fundo Baobá  e também com a técnica Val foi fundamental. Tem ajudado até na administração da Associação.” 

(Cacá de Guimarães)

CONHECIMENTO TRANSFORMADOR

Associação da Comunidade Negra Rural Quilombola Deziderio Felipe de Oliveira 

Todo conhecimento tem sido fundamental para nós, tendo em vista que até alguns meios de correspondências virtuais eram desconhecidos para nós. Outro conhecimento que consideramos de suma importância é a prestação de contas.” 

 (Ramão Oliveira)

Fundação dos Moradores e Remanescentes dos Quilombolas da Tranqueira

A oficina para nos capacitar na prestação de contas.” 

(José Soares Bizerra)

Associação Quilombola do Sítio Queimada Grande

Todas as formações foram muito importantes, mas destaco as iniciais de conhecimento do projeto e das informações sobre as políticas públicas quilombolas.”

(Taciana Bento)

Taciana Bento – Associação Quilombola do Sítio Queimada Grande – Bom Conselho, Pernambuco

Associação Comunitária Unidos(as) do Cumum 

“A gente já aprendeu muita coisa com esse projeto, apesar de ele estar no início. Nós fazíamos as coisas de acordo com o nosso conhecimento. Nós não tínhamos conhecimento técnico. Agora já temos um pouco: tomada de preços, conhecimento de preços, essas questões burocráticas, onde a gente tem muita dificuldade. Mas já avançamos um pouco.”  

(Cacá de Guimarães)

SABERES UTILIZADOS

Associação da Comunidade Negra Rural Quilombola Deziderio Felipe de Oliveira 

No presente momento, utilizamos os conhecimentos das comunicações digitais,  como A intranet para envio de documentos; as palestras sobre orçamento e plano de ação. Tivemos também o curso de Qualidade Sanitária de Alimentos,  mInistrado pela Universidade Federal da Grande Dourados/UFGD.”  

 (Ramão Oliveira)

Fundação dos Moradores e Remanescentes dos Quilombolas da Tranqueira

O manejo da agricultura na  comunidade.” 

(José Soares Bizerra)

Associação Quilombola do Sítio Queimada Grande

Considero que a formação sobre prestação de contas está nos ajudando nesta parte  burocrática. Aprendemos como devemos deixar essa prestação mais organizada e fazê-la da forma mais correta.”

(Taciana Bento)

Associação Comunitária Unidos(as) do Cumum 

A questão da tomada de preços. Fazer essa pesquisa de preços, sempre optando por preços que tenham a ver com a realidade da comunidade, tem sido um grande ensinamento.” . 

(Cacá de Guimarães)

EXPECTATIVAS FUTURAS

Associação da Comunidade Negra Rural Quilombola Deziderio Felipe de Oliveira 

Esperamos executar o projeto de acordo com o planejado utilizando todos os conhecimentos adquiridos por meio das jornadas formativas realizadas pelo o Fundo Baobá. E obter os resultados esperados pela comunidade.” 

(Ramão Oliveira)

Fundação dos Moradores e Remanescentes dos Quilombolas da Tranqueira

Mais conhecimentos na área agricola trazida pelos técnicos do projeto.”

(José Soares Bizerra)

Associação Quilombola do Sítio Queimada Grande

Precisamos entender melhor como colocar preço nos nossos produtos e no nosso trabalho. Seria muito importante conhecimento em relação a como comercializar.” 

(Taciana Bento)

Associação Comunitária Unidos(as) do Cumum 

Com certeza tem vários conhecimentos no percurso da execução do projeto que a gente ainda vai aprender. Mas eu posso dizer que onde estamos com ansiedade é no acompanhamento técnico agrícola, que vai nos orientar melhor a como criar galinha, como plantar melhor. Então, a gente está ansioso por isso.” 

(Cacá de Guimarães)

Tudo o que foi exposto nesse texto está diretamente ligado com o ato de educar. E sobre educação, Paulo Freire disse:

 “A educação faz sentido porque as mulheres e homens aprendem que através da aprendizagem podem fazerem-se e refazerem-se, porque mulheres e homens são capazes de assumir a responsabilidade sobre si mesmos como seres capazes de conhecer.”

Quilombolas em Defesa: Em busca de seus direitos, organizações compartilham o saber

        Por Wagner Prado 

Eu tenho uma casinha lá na Marambaia

Fica na beira da praia, só vendo que beleza

Tem uma trepadeira, que na primavera

Fica toda florescida de brincos de princesa

Quando chega o verão eu sento na varanda

Pego o meu violão e começo a cantar

E o meu moreno que tá sempre bem disposto

Senta ao meu lado e começa a cantar

Casinha na Marambaia / autores: Henricão e Rubens Campos

Os versos da canção Casinha na Marambaia, ilha do litoral fluminense, levam a mente a imaginar um lugar bucólico (e isso é mesmo!), de vida acontecendo de forma lenta e quase sem  esforço. A realidade não está muito longe do que a letra da música diz. Mas deve ser acrescentado a isso muito trabalho, busca pelo desenvolvimento e luta pelos direitos da comunidade quilombola do local. Eles descendem de africanos escravizados, levados de forma forçada àquele local para trabalhar no plantio e colheita de café, atividade agrícola que lá era desenvolvida no Século 19. Hoje, a Marambaia está sob posse das Forças Armadas do Brasil, mais precisamente da Marinha Brasileira, com quem os moradores travam briga jurídica secular, uma vez que reivindicam a posse coletiva do território da   Marambaia, que é deles por direito.

Na Marambaia está a Associação da Comunidade dos Remanescentes de Quilombo da Ilha de Marambaia (Arqimar), que tem em Jaqueline Alves uma de suas lideranças. A comunidade sobrevive da agricultura e da pesca. Com apoio do Baobá pretende alcançar um melhor desenvolvimento de sua produção agrícola, e  um  incremento de seus produtos de pesca visando geração de renda  e autossustentabilidade. 

Jaqueline Alves -Associação da Comunidade dos Remanescentes de Quilombo da Ilha de Marambaia – RJ

A vida é semelhante para a Associação dos Remanescentes de Quilombos de Alto Alegre, a Arqua, da cidade de Horizonte, no Ceará. A luta dos quilombolas da Arqua, liderada por Cícero Luiz da Silva, é praticamente a mesma: salvaguardar os direitos da comunidade sobre suas terras, proteger seu modo de vida e costumes da predação cultural. 

A necessidade de buscar o conhecimento, o desenvolvimento e a manutenção de suas existências levou as duas associações a inscreverem-se no edital Quilombolas em Defesa: Vidas, Direitos e Justiça, do Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas). O edital conta com financiamento da IAF (Inter American Foundation) e beneficia 35 organizações formadas e dirigidas por quilombolas. Cada uma recebe R$ 30 mil.  

A Associação da Comunidade dos Remanescentes de Quilombo da Ilha de Marambaia e a Associação dos Remanescentes de Quilombos de Alto Alegre (Arqua) estão em pleno exercício do aprendizado de novas habilidades para pôr em curso suas estratégias de sobrevivência. Desse aprendizado fazem parte treinamentos sobre como desenvolver uma proposta de projeto, elaboração de um plano de ação, cronograma de atividades, planejamento financeiro, letramento digital (uso das ferramentas digitais em prol do aprendizado), entre outros conhecimentos. 

Para Cícero Luiz da Silva, da Arqua, o objetivo que buscam é “promover a igualdade racial em direitos para a população quilombola de Alto Alegre, buscando fortalecer,  juntamente com as comunidades do estado do Ceará, a luta pela titulação dos territórios, elaborar e sugerir políticas, inclusive de ações afirmativas, promover trabalhos e estabelecer estratégias para proporcionar desenvolvimento sócio econômico, educacional e cultural, além de proteção ao meio ambiente e aos saberes e fazeres quilombola desta comunidade, além do combate às ações racistas e discriminatórias”, revela.

Cícero Luis da Silva – Associação de Remanescentes de Quilombos de Alto Alegre – CE

Quase na mesma linha, Jaqueline Alves, da Associação da Comunidade dos Remanescentes de Quilombo da Ilha de Marambaia, dá seu depoimento: “Nossa luta é  por melhores condições para a comunidade. Promover o desenvolvimento sustentável do povo quilombola e da atividade pesqueira. A produção social e econômica dos pescadores artesanais e de maricultura da Ilha da Marambaia. Defender juridicamente a comunidade, instituir e executar programas de salvaguarda dos saberes ancestrais, promovendo a preservação do meio ambiente e recursos naturais”, diz. 

Atividades Implementadas

As atividades de aprendizado para que as associações fortaleçam a sua resistência institucional já estão sendo implantadas. A Arqimar realizou no mês de maio uma Oficina sobre Direitos Quilombolas. Já no mês de junho o tema será Políticas Públicas. Em setembro, dando continuidade ao aprendizado sobre Políticas Públicas, os participantes da Oficina vão fazer uma visita ao MPF (Ministério Público Federal) do Rio de Janeiro. A área Ambiental e a Cultural também vão ter uma agenda de eventos e atividades formativas. 

A Arqua também já está em pleno exercício do plano de ação proposto e revisado  depois dos encontros  realizados pelo Fundo Baobá. Vai utilizar rodas de conversa para difundir saberes e fortalecer a memória quilombola com fatos históricos. Também utilizará as rodas para incutir nos jovens a importância sobre o que é estar no território do Alto Alegre,  além de já ter estabelecido três oficinas: Café com Manjeiroba – Sabores e Saberes Ancestrais; Miolo de Pote – Miolando os Saberes das Mulheres e Educação Escolar – Caminhos Percorridos para implementar a Educação Quilombola na Comunidade de Alto Alegre.  As duas primeiras aconteceram no mês de maio. A terceira, acontece em junho. 

Saberes têm que ser compartilhados e a luta em defesa de direitos reforçada. 

Vidas Negras, Dignidade e Justiça: as transformações que vêm do aprendizado

Duas organizações participantes do edital,  ao mesmo tempo que se 

transformam, mudam também o que está no seu entorno

Por Wagner Prado

O significado do verbo “transformar” tem uma explicação até que simples no dicionário: “é o ato de fazer tomar nova feição ou caráter; fazer passar de um estado ou condição a outro. Alterar, modificar, converter”. E é sobre a transformação que vamos tratar aqui. Tudo, porém, começa de uma intenção, um objetivo ou um desejo. Intenção, objetivo ou desejo que moveram duas organizações a participar do edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça, iniciativa do Fundo Baobá para Equidade Racial com apoio do Google.org. Como parte integrante do Programa Equidade Racial e Justiça, o Vidas Negras: Dignidade e Justiça tem como foco fortalecer o ativismo do povo negro, a resiliência em busca de justiça, além do engajamento de comunidades, vítimas, sobreviventes e aliados. O edital está voltado ao apoio a organizações que promovem ações de enfrentamento ao racismo. 

Entre essas organizações estão a Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violência do Estado do Espírito Santo (AMAFAVV), da cidade de Vitória,  e a Tenda de Umbanda e Caridade Caboclo Flecheiro  D´Araroba, da cidade de Olinda, em Pernambuco. O edital foi dividido em quatro eixos temáticos e as organizações deveriam apresentar projeto relacionado a um deles, a saber: Eixo 1 – Enfrentamento à Violência Racial Sistêmica; Eixo 2 – Proteção Comunitária e Promoção da Equidade Racial; Eixo 3 – Enfrentamento ao Encarceramento em Massa entre Adultos e Jovens Negros e Redução da Idade Penal para Adolescentes e Eixo 4 – Reparação para Vítimas e Sobreviventes de Injustiças Criminais com Viés Racial.  A  AMAFAVV, inscreveu-se e foi selecionada com projeto no Eixo 1. A  Tenda de Umbanda e Caridade Caboclo Flecheiro  D´Araroba, no Eixo 2. 

Os Projetos

O projeto da Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violência do Estado do Espírito Santo ultrapassa o limite do estado. Ele junta pessoas espalhadas por todo Brasil, unidas por uma dura realidade comum: a violência sofrida. Uma de suas líderes, Maria das Graças Nascimento Nacort, fala sobre ele: “O projeto se chama  Rede de Familiares em Luta contra a Violência de Estado e o racismo. O objetivo é o fortalecimento, em nível nacional, da rede de familiares contra o terrorismo de Estado. Seus integrantes estão atuando no sentido de articular ações de promoção da campanha pública sobre violência de Estado, genocídio negro e os direitos humanos”, afirma. 

Maria das Graças Nascimento Nacort – Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violência do Estado do Espírito Santo

O principal objetivo da AMAFAVV para 2022 era a realização do Encontro Nacional de Mães e Familiares de Vítimas de Terrorismo de Estado. O encontro, cuja última edição havia ocorrido em 2019 e deixou de ser realizado por dois anos devido à pandemia da Covid-19,  aconteceu em Fortaleza, no Ceará, entre os dias 17 e 20 de maio e reuniu cerca de 150 pessoas de 12 estados brasileiros. O lema das mães presentes foi “Transformar Luto em Luta”. A maioria delas  tinha em comum o fato de terem perdido filhos em ações da Polícia Militar.  A realização do encontro consagrou uma das metas da AMAFAVV: “O objetivo principal é o fortalecimento em nível nacional da rede de familiares contra o terrorismo de Estado na sua luta pela verdade, memória e justiça racial”, disse Maria das Graças. 

A Tenda de Umbanda e Caridade Caboclo Flecheiro  D´Araroba é representada por Edson Araújo Nunes, na religião conhecido como Pai Edson de Omolu. Dentro do que se propõe no Eixo 2 do edital: Proteção Comunitária e Promoção da Equidade Racial, está trabalhando na viabilização do projeto Racismo Religioso: Respeita Minha Fé! A busca pelo exercício do direito à liberdade de praticar e difundir uma vertente de religião de matriz africana, foi o que impulsionou a Caboclo Flecheiro D’Araroba. “Destacar a autonomia e autoconhecimento dos povos de terreiro é essencial para a manutenção do direito fundamental à liberdade religiosa. Nossa instituição já sofreu e sofre ataques violentos contra a liberdade de crença e culto. Identificar os territórios de violência religiosa, o perfil dos agressores e suas práticas comuns de agressão e difundir o conhecimento sobre os direitos religiosos é necessário para promover ações de defesa e impedir novos ataques”, afirma Edson Araujo Nunes. 

Edson de Araújo Nunes (Pai Edson de Omolu) – Tenda de Umbanda e Caridade Caboclo Flecheiro D`Araroba – PE

Os Resultados

A estratégia da Tenda de Umbanda e Caridade Caboclo Flecheiro D’Araroba para levar, ao maior número de pessoas possível, o conhecimento sobre o direito a sua prática religiosa foi centrada na Comunicação. Primeiro, foi estabelecido um questionário para levantamento de dados etnográficos dos terreiros afroreligiosos. Mas o que é isso? Dados etnográficos são  informações que levam ao conhecimento sobre aspectos culturais e comportamentais de  determinados grupos dentro de uma sociedade. Em curta definição, é a descrição cultural. 

A estratégia surtiu efeito. A pesquisa realizada pela Caboclo Flecheiro, quando divulgada,  foi repercutida pela mídia. A TV Pernambuco noticiou em reportagem do programa Notícia da Hora a questão da perseguição pelos quais os diferentes terreiros em Recife, seus fiéis e frequentadores estavam passando. A mesma estratégia alcançou o site Obirin, o Correio Nagô,  apenas para restringir em três exemplos, evidências sobre a eficácia da estrategia estabelecida. Para movimentar ainda mais a adesão popular à causa, foi feita uma página no Instagram visando a divulgação de todas as ações envolvendo o projeto Racismo Religioso: Respeita Minha Fé.  

A liderança da AMAFAVV centrou seus esforços na realização de reuniões de articulação visando o Encontro Nacional de Mães e Familiares de Vítimas de Terrorismo de Estado. Além de trabalhar a questão dentro de seu próprio estado, o trabalho também incluiu o contato com associações de mães e familiares de outras partes do Brasil para o estabelecimento das ações que aconteceram em Fortaleza durante o encontro nacional. Para lá, as representantes capixabas levaram uma realidade que não é muito diferente de outros estados do país. Entre 2018  e 2021, de acordo com dados da Sesp (Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Espírito Santo), 149 pessoas foram mortas durante ações policiais. Um dos casos que mais chamou a atenção foi o de Weliton da Silva Dias, de 24 anos, morto por um policial com dois tiros no peito. No momento dos disparos, Weliton estava com os braços levantados e as mãos na  parte de trás do pescoço. 

As transformações são importantes. Tão importante quanto elas são os caminhos perseguidos até alcançá-las. o Edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça  do Fundo Baobá para Equidade Racial foi lançado em maio de 2021 em parceria com o Google.org,  destinou R$ 100 mil para cada uma das 12 organizações selecionadas, além de investimentos indiretos em treinamento e assessorias técnicas para o fortalecimento institucional. As mudanças promovidas por estas duas organizações são também fruto  desse investimento e treinamento. O legado do Baobá está refletido no trabalho realizado pelas organizações que ele apoia. 

Encontro com estudantes do Já É marca a história do Programa

Equipe e participantes estiveram juntos durante o dia 21 de Maio de 2022 e os laços foram ainda mais fortalecidos

Por Ingrid Ferreira

Gratidão, felicidade, satisfação, inspiração, motivação e esperança… Essas foram algumas das palavras ditas em alto e bom tom por estudantes do Programa Já É,  para descrever o encontro presencial que aconteceu no sábado, dia 21 de maio de 2022. O encontro contou com a presença de jovens apoiados desde 2021, que estão no cursinho pré-vestibular ou já ingressaram na universidade, diretoria e equipe do Fundo Baobá e representantes da empresa MetLife, que está financiando o segundo ano do Programa.

O dia rendeu e foi repleto de atividades. Teve café da manhã, dinâmicas, almoço e lanche da tarde.  Giovanni Harvey, diretor executivo do Fundo Baobá, falou para os presentes. Além disso, aconteceu uma conversa com Thais Catucci,  Gerente de Comunicação Interna e Responsabilidade Social da MetLife Brasil, Edna Alcântara, diretora do Afro Presença, que é o comitê afro da empresa e Tatiane Santos que ocupa o cargo de Controller.  Além de um momento com Ellen Piedade e equipe Black Coach, falando sobre a mentoria coletiva e seus pilares de desenvolvimento emocional e de técnica, que será oferecida aos alunos.

O encontro durou o dia todo e teve como intuito aproximar estudantes, equipe e financiadores,  gerando muita emoção a todos os presentes, como é possível perceber na fala da Thais Catucci: “Após dois anos de distanciamento e reuniões virtuais, conhecer as pessoas ao vivo faz toda a diferença e gera maior identificação ​entre nós, as e os jovens que recebem nosso apoio por meio de projetos como este. Sabemos que o Programa Já É é uma oportunidade incrível e pudemos perceber como ela está sendo bem aproveitada. Que vocês possam servir de inspiração para todos nós”.

Thais Catucci – Gerente de Comunicação Interna e Responsabilidade Social da MetLife Brasil

Realmente, foram muitas inspirações na conversa com a Thais. O microfone ficou aberto para jovens que quisessem falar um pouco sobre suas experiências no Programa. O depoimento de Thauany Christina Gabriel Aniceto de Souza, 26 anos,  contagiou a todos, principalmente ao revelar um pouco sobre sua realidade:

“Eu me inscrevi pelo site, mas sem muitas expectativas e quando eu fui selecionada (em 2021), foi algo muito importante para mim. Eu tenho uma filha de 3 anos, então acaba sendo um desafio ainda maior me dedicar aos estudos. Mas eu tenho muito apoio, tanto dos meus colegas quanto do Fundo Baobá. Estou no Programa desde o ano passado, mas não tive uma nota satisfatória para tentar as faculdades que eu almejava. Quero cursar enfermagem e este ano estou procurando equilibrar melhor meu trabalho, meus estudos e os cuidados com a minha filha. Até mesmo porque eu quero ser um exemplo para ela. Eu serei a segunda filha da minha mãe a entrar na faculdade. É um desafio enorme, tem dias que eu acordo e acho que não conseguirei e, ao chegar no cursinho,  os meus colegas me apoiam a continuar.  Sei que hoje estou mais fora de casa pra quando minha filha for adolescente ela poder ter conforto, estudar e trabalhar para ela e não pra ajudar em casa”.

Thauany Christina Gabriel Aniceto de Souza – Membra do grupo que se prepara para os vestibulares com apoio do Programa Já é

A fala de Thauany revela a realidade de muitas mulheres pretas no Brasil, que são responsáveis por cuidar de suas famílias. Além disso, prova como a ação da educação é transformadora para toda a comunidade.

Além do depoimento de Thauany, Joyce Cristina Nogueira, 21 anos, também emocionou a todos ao contar que, através do Já É,  conseguiu ingressar na universidade e hoje cursa Lazer e Turismo na USP (Universidade de São Paulo).

Joyce fala que: “Nada na vida me deu tanto suporte quanto o Baobá. Hoje eu faço Lazer e Turismo na USP. Eu passei quatro anos tentando. Tentei a Fuvest uma vez, fui para a segunda fase e não passei. Agora, finalmente eu consegui pelo SISU (Sistema de Seleção Unificada). Foi uma coisa que eu quis a minha vida toda e foi muito difícil, inclusive com documentação para minha matrícula. Mesmo depois de passar, eu fui no cursinho durante uns cinco dias, porque lá eu recebia muito apoio do pessoal. Eu sempre digo que a minha base é a família, mas não a família à qual eu fui destinada. Mas sim a família que eu construí, e o Baobá faz muito parte disso. Eu sinto a necessidade de fazer por mim e pelas outras pessoas que, como eu, estão lutando. Sou a primeira filha da minha mãe a entrar na faculdade e eu quero possibilitar abrir as portas para as pessoas que ainda estão por vir”.

Joyce Cristina Nogueira -Membra do grupo de universitárias(os) do Programa Já é.

Após o evento, alguns jovens também comentaram as suas percepções sobre o encontro. Um deles foi Taynara Silva Santos, 22 anos, que está cursando Ciências Sociais na Unifesp. Ela falou o seguinte: “O encontro representou para mim, no geral, o firmamento de ideias e iniciativa, que só trouxe resultado bom para quem faz parte, apesar das adversidades da rotina. Houve o estreitamento de laços, que é ótimo, depois de passar por esse período horroroso da pandemia, com o distanciamento social. Foi muito bom ver algumas das pessoas que estão por trás do projeto, que são as engrenagens para tudo isso acontecer. Deixo registrado,  inclusive, o meu agradecimento por tudo que fizeram e permanecem fazendo por nós!”.

Taynara Silva Santos – Membra do grupo de universitárias(os) do Programa Já é

O aluno João Gabriel Ribeiro dos Santos, 21 anos, que está no cursinho pré-vestibular, falou: “O encontro foi simplesmente fortificante e inspirador, por poder ouvir as histórias dos meus colegas que já passaram pelo cursinho pré-vestibular e dos que estão também na tentativa de ingressar na faculdade. Foi também uma oportunidade de começar novas amizades e estreitar laços com quem eu já tinha. Me deu novos olhares sobre como lidar com os empecilhos que, às vezes,  desanimam e me fazem pensar em desistir. O encontro mostrou que o futuro será melhor. Não que o presente não esteja bem, mas que as barreiras de hoje me dão experiência para que a superação das de amanhã sejam mais fáceis”.

João Gabriel Ribeiro – Membro do grupo que se prepara para os vestibulares com apoio do Programa Já é

A corrente de apoio construída no Já É não é só do Programa para com o estudante, envolve as trocas entre participantes, o apoio de um para com o outro e o retorno que eles trazem para a equipe, como uma espécie de feedback, ajuda o time do Fundo Baobá a sentir a realização, vendo os frutos do seu trabalho em prol de mais e melhores oportunidades para que pessoas negras alcancem seu pleno potencial sendo colhidos.

Programa de apoio a lideranças femininas negras e narrativas de mudança

Fundo Baobá cria vídeo com resultados do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Negras: Marielle Franco

Por Ingrid Ferreira

O Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, com duração prevista até 2023, busca ampliar e consolidar a participação de mulheres negras em posições de poder e influência, através de investimento em seus planos de desenvolvimento individual, formações políticas e técnicas e ainda no fortalecimento das organizações, grupos e coletivos liderados por elas. O Programa é dividido em  dois editais, realizados pelo Fundo Baobá para Equidade Racial em parceria com a Kellogg Foundation, Ford Foundation, Instituto Ibirapitanga e Open Society Foundations. São eles: Edital de Apoio Individual e Edital de Apoio Coletivo.

A 1ª edição do Programa apoiou 59 lideranças e 14 organizações, grupos e coletivos de mulheres negras de todo Brasil. Foram mais de R$4 milhões de investimento direto e cerca de R$400 mil de investimento indireto, através de assessorias, jornadas formativas e treinamentos realizados por especialistas e membros da equipe.

Considerando ambos os editais foram 520 mil beneficiários indiretos; mais de 1000 atividades realizadas pelas apoiadas para o compartilhamento de conhecimentos; 300 sessões de coach individual, sendo 5 por liderança; 45 sessões de coach institucional, sendo 3 por organização; e em ambos os editais, 100% das apoiadas reconhecem o Programa como decisivo para o enfrentamento dos impactos da pandemia.

Grande parte das apoiadas encontra-se na região Nordeste do país. No Edital de Apoio Individual, 26 das 59 apoiadas residem nos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, e esse quadro se repete no Edital de Apoio Coletivo, em que 9 em um total de 14 organizações estão localizadas nos estados Maranhão, Pernambuco, Bahia, Piauí e Paraíba.

A faixa etária das apoiadas individualmente variou entre 22 e 69 anos, atuantes nas áreas de Arte e Cultura; Ciência e Tecnologia; Comunicação; Desenvolvimento Humano; Desenvolvimento Sustentável; Direitos da População Jovem; Direitos da População Quilombola; Direitos das Mulheres; Direitos Humanos; Educação; Empreendedorismo e Saúde. Eram mulheres cis e trans, residentes na zona urbana e rural; 2% das  apoiadas tinham ensino fundamental; 13% ensino médio; 7% ensino técnico e 78% ensino superior.

A maioria das lideranças que recebeu apoio por meio do edital individual dedicou os recursos do Programa para seus estudos, sendo elas 92%. 76% adquiriram equipamentos. 61% insumos materiais, 56% buscaram atenção à saúde mental e 46% incluíram ainda o custeio de despesas pessoais. Além disso, no exercício de liderança, os recursos recebidos também foram utilizados para a realização de ações comunitárias e atividades com público diverso.

Uma boa fotografia dos esforços, resultados, mudanças vividas pode ser vista no site do Programa e no vídeo, elaborado em parceria com a Revista Afirmativa. Você pode saber das trajetórias, ouvir as mulheres negras apoiadas e ver essas e outras informações por meio de gráficos, depoimentos, vídeos e podcasts na página do edital, clicando aqui.

Resultados do Primeiro Ano do Programa Já É superam expectativas

Alunas aprovadas em universidades contam como foi o processo de preparo para o vestibular e a alegria de estar realizando um sonho

Por Ingrid Ferreira

O Programa Já É do Fundo Baobá para Equidade Racial está no seu segundo ano de execução, mas os frutos do primeiro ano continuam a serem colhidos com excelência, a cada dia que se passa, chegam as notícias das (os) alunes que estão sendo aprovades em universidades públicas e particulares, o segundo grupo composto por PROUNIstas, com bolsas de 100% e 50%.

O Programa tem apresentado metas e indicadores surpreendentes, por exemplo, a meta de permanência era de 75%, mas o resultado obtido foi de 88%; a taxa esperada de aprovação era 20%, superando as expectativas, ela foi de 32%; a meta dos alunos aprovados em faculdades privadas via PROUNI ou com bolsa de estudos (integral ou parcial) era de 50%, o que temos é  58% dos aprovados com bolsa que variam de 100 a 50% e de 42% aprovados para universidades públicas.

O Fundo Baobá conversou com alguns alunes para saber como está sendo viver esta realização. Uma das pessoas entrevistadas foi Caroline Vitória Rocha dos Santos, 18 anos, aprovada em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade de São Paulo – USP.

Caroline Vitória Rocha dos Santos

Caroline conta que: “No início dos estudos, a USP não estava dentro dos meus planos, nem passava na minha cabeça colocá-la como uma das opções no SISU. Mas depois de um tempo, com os encontros, mentoria, eu me questionava,  “Mas por que você não pode estar lá?”, “Por que você não pode colocar como uma das suas opções?”, “O que te impede de fazer isso?”, “Se fulano conseguiu, por que você não conseguiria?”’.

Em sua fala, Caroline traz a tona muitas questões sociais que perpassam a realidade de jovens negros e periféricos, em que é possível visualizar a necessidade de reconhecer a USP e outros espaços acadêmicos e de excelência, como aqueles em que pessoas pretas podem e devem estar, ocupando o seu lugar de direito, como estudantes.

A aluna da USP continua a contar a sua história declarando como através de seus questionamentos internos, conseguiu mudar a sua perspectiva sobre si mesma: “Comecei a estudar, fazendo pequenas metas e usando estratégias, percebi que meu desempenho estava melhorando, mas ainda estava insegura e pesquisando outras opções de universidades. Foi quando fiz a prova e infelizmente não consegui alcançar a nota de corte, mas como estava próxima, manifestei interesse no curso de Gestão de Políticas Públicas da USP. A lista de espera saiu, e minha colocação não era tão boa, mas ainda tinha 3 listas de chamada, em meio a isso tudo, consegui um bom desconto no curso da UNIP e escolhi fazer. Depois de 3 semanas, já tinha esquecido das listas de espera da USP. Quando menos esperava recebi um e-mail dizendo “bem-vinda a USP”’.

Além de Caroline, temos diversos outros exemplos que reiteram a importância de oportunidades justas, da valorização dos sonhos e provam a grandiosidade do Programa Já É. A aluna Thais Sousa, de 22 anos, também foi aprovada na USP para cursar Pedagogia e ela conta que sente uma grande felicidade por esse momento e que aprendeu a importância de não desistir dos seus sonhos e metas.

Thais Sousa Silva

Thais conta que seu irmão foi o primeiro da família a ingressar na faculdade, mas que ela é a primeira a entrar numa universidade pública. Ao ser questionada do porque ela escolheu cursar Pedagogia, ela conta que: “Era um sonho de criança e principalmente eu percebi que aprendo ensinando para outra pessoa”.

O processo de aprendizado é contínuo, e em todos os campos ele se faz essencial, como é possível ver na fala da Jakeline Souza Lima, que tem 22 anos e foi aprovada na Unesp (Instituto de Artes), para cursar arte – teatro, e contou que: “O Programa de mentoria agregou muito, principalmente a mentoria coletiva – o Black Coach. Acho que, primeiramente, o fato de ouvir pessoas que passaram pelo mesmo processo que nós, ouvir as dicas que eles tinham para oferecer e também ouvir as pessoas que estavam no processo comigo, foi algo que ajudou muito a não me sentir só e me dar coragem para continuar”. 

Jakeline Souza Lima

Outra entrevistada também foi a Mayza Silva Dias, de 19 anos, que começou a cursar Gestão Hospitalar, na Universidade de Santo Amaro. Mayza conta que, ao escolher a universidade, levou em conta a questão da logística e método de ensinar que a mesma aplica; falou que as mentorias individuais e coletivas trouxeram muita sabedoria e ensinamento para sua vida, agregando conhecimentos que ela nunca tinha visto. Ao ser questionada sobre o atual momento de sua vida, ela fala: “Estou em um momento de mudanças e emoções muito grande, me sinto lisonjeada por tudo isso”.

Mayza Silva Dias

O Programa Já É segue no seu segundo ano de execução e, em breve, muitas outras histórias serão contadas, provando que iniciativas que promovem oportunidades justas reiteram a força e o poder transformador que a educação possui.