Projeto ‘Saúde Mental Quilombola: Direitos, Resistência e Resiliência’ e seu legado de mudanças e perspectivas

O processo vivenciado até aqui trouxe à luz os impactos gerados nos seis meses de vivência, de janeiro a julho de 2023, de execução do projeto projeto ‘Saúde Mental Quilombola: Direitos, Resistência e Resiliência’, promovido pelo Baobá – Fundo para Equidade Racial com apoio da Johnson & Johnson, e somente possível de ser realizado a partir do movimento de união e catalização da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), Coordenação Estadual das Associações de Comunidades Remanescentes de Quilombo (Malungu/Estado do Pará), Associação das Comunidades Remanescente de Quilombo de Igarapé Preto à Baixinha (ARQIB), do admirável empenho da equipe técnica da psicologia, direto e comunicação junto às comunidades, transpondo os estigmas e até mesmo a falta de entendimento sobre o que seria saúde mental. Uma emocionante união que possibilitou a troca de conhecimentos e informações, e, sobretudo, o impulso à vida. 

Viver esta experiência na Amazônia é viver toda a potencialidade, cultura, desafios e ancestralidade que só existem nela, é respirar o ar puro, ar com cheiro de Amazônia, de verde e de terra molhada. Vivenciar os territórios é ajustar-se a um tempo que propicia a contemplação, ato que para quem vive a aceleração dos centros urbanos há de gerar um nível de estranheza, pois nos territórios existe a possibilidade tangível da experiência do tempo de qualidade. 

A partir da execução do projeto “Saúde Mental” conhecemos e compartilhamos da rotina de 12 comunidades quilombolas, e seus dois anexos, que mantêm seus modos de operação e vida à base da pesca e da roça, do açaí, de tecnologias vivas que estão presentes em seus habitats. O que nos fez refletir sobre a visão da tecnologia ser algo comumente associada à modernidade, ao digital, quando nos territórios a tecnologia pode ser entendida como uma inteligência, como tudo aquilo que é utilizado para resolver e melhorar a vida das pessoas de forma individual ou em coletivo. 

A cidade está logo ali, a 50 minutos da Região do Baixo Tocantins, mas mesmo assim as limitações que cercam esse espaço são inimagináveis. E falar de saúde mental é também falar das dificuldades que cercam essas regiões, que sofrem com a falta de estrutura mínima para terem uma vida plena, o que afeta diretamente o dia-a-dia, e nesse sentido o projeto também trouxe uma perspectiva de cuidado e de uma abordagem cautelosa diante da realidade dos territórios. Salomão Santos, que faz parte do conselho diretor da Malungu disse: “O problema da doença é que ela não é causada somente “pela doença”, então a gente não pensa em tratá-la isoladamente, mas tratar a sua causa, tratar o problema que a trouxe”. Entender que a ausência de estruturas sociais afeta as subjetividades humanas é algo de extrema importância na compreensão de que muitos fatores podem desencadear um processo de adoecimento emocional. 

Para Teógino Ferreiro, morador do território, ao caminhar pela  sua comunidade, Cupu,  já é possível notar diferenças do antes e depois do projeto ter iniciado, “Nós sentimos a diferença que o projeto trouxe, vemos as melhorias e mudanças. Mesmo o foco sendo saúde mental, muito foi dito sobre saneamento básico, você anda aqui hoje nas ruas, já vemos as casas mais limpas, mais arrumadas, limpeza, quintal, e tudo isso faz parte da mudança. Na minha vida pessoal, eu tenho dois filhos adolescentes e é um desafio criá-los no mundo de hoje, mas a partir de algumas orientações, eu senti que consegui fazer diferente com eles, isso impactou até na vida escolar deles. O pacto da saúde com a educação”.

Nilva Martins, presidente da ARQIB, também reforçou a importância de cada profissional para essa mudança de perspectiva, aprendizado e fortalecimento da comunidade. “Através da oficina de direito eu pude ter um conhecimento maior sobre os nossos direitos. A equipe de enfermagem conseguiu alcançar mulheres que eu não estava conseguindo alcançar. A equipe da Negritar conseguiu alcançar pessoas que talvez não conseguissem se expressar, mas que hoje como a gente ouve relatos, essas pessoas estão conseguindo se expressar melhor. A equipe da psicologia nem se fala, né?”, relatando que cada atividade e ação desenvolvida plantou uma semente de mudança. 

E para falar de direito quilombola é preciso falar sobre direito à vida, para Magno Nascimento, consultor da Malungu, “Sem direito não tem vida. Esse é o ponto central dessa proposta. Sem direito não há a possibilidade das pessoas viverem. Elas vão apenas sobreviver de alguma forma“. E para ele, a partir da realização transversal do projeto “Saúde Mental”, houve um possibilitar e um incentivo a novas experiências e expectativas para as comunidades. 

O acesso básico ao direito à saúde é fundamental para que se viva uma vila plena, os atravessamentos que acontecem nas comunidades muitas das vezes também são coletivos e estão associados a outros fatores e direitos que estão ausentes ou comprometidos. “A saúde, ou a falta dela, não é uma questão individual, nunca é uma questão individual. Sempre tem outras questões que vão atravessar diretamente essa individualidade. E aqui a questão do território, da questão agrária está diretamente ligada às questões de violações de direitos”, pontua a psicóloga Bianca Tsubaki. 

Essa compreensão de que o todo influencia nas individualidades foi essencial para o diálogo sobre saúde mental e como se sobressair na elaboração de estratégias possíveis e que pudessem fazer sentido para todos os envolvidos. Nisso, as oficinas de comunicação foram essenciais, pois atuaram como um fio condutor do projeto, entendendo as pessoas como protagonistas de suas narrativas, colocando-as para se enxergarem como multiplicadoras de informações através das suas histórias, vivências e do uso das novas tecnologias. 

Após seis meses de implementação, o projeto chega ao seu fim, mas com força e com resultados de impacto positivos que ainda estão reverberando não só para as comunidades que comungaram desta realização, mas para todos que fizeram parte, que partilharam conhecimentos e que contribuíram nesta construção. Foram 685 pessoas alcançadas diretamente, em mais de 60 atividades realizadas pelas equipes técnicas nas 14 comunidades do território. Números importantes, mas que simbolizam muito mais que uma estatística, pois são relacionados a processos subjetivos e que ainda poderão ecoar através de cada espaço, grupo e pessoa impactada individualmente, para dentro de suas casas, entre seus familiares e outros membros de sua comunidade e de outros territórios.

Encerramento de ciclo do Edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça

Lançado em  maio de 2021 pelo Baobá – Fundo para Equidade Racial, com apoio do Google.org, o Edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça chega ao final do seu ciclo com a expectativa plenamente atingida no que diz respeito ao apoio a  instituições negras que enfrentam o racismo, a violência racial e as incorreções que ocorrem dentro do sistema de Justiça Criminal no Brasil.

O Edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça beneficiou diretamente doze organizações negras, das quais 75% tinham a maior parte da coordenação composta por mulheres cis ou trans. Sete delas com mais de 10 anos de atuação. Sendo impactadas indiretamente 7210 pessoas privadas de liberdade, 67% mulheres cis e trans; 23% travestis e 15% homens cis e trans. Além das pessoas privadas de liberdade, 5.113 familiares também foram indiretamente impactados por ações realizadas com apoio do edital. No sistema socioeducativo, 3594 adolescentes e jovens em cumprimento de medidas foram beneficiados e 2.838 familiares. E com relação às vítimas em decorrência de violência policial, um total de 2.606 pessoas vitimadas, com viés racial beneficiadas indiretamente e 1.579 familiares de vítimas fatais ou sobreviventes de violência policial com viés racial.

“Há um entendimento de que o Estado brasileiro precisa ser responsabilizado por todas as injustiças cometidas contra o povo negro. Mas, para que isso se torne uma medida real e que seja realmente efetiva para todos, precisamos nos debruçar sobre esse tema com dados e produção de conhecimento. Só assim será possível reparar todos os danos sofridos nos territórios”, afirma a socióloga, diretora e co-fundadora da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, Nathalia Oliveira, uma das beneficiárias do Edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça. 

O que os dados mostram é que pessoas negras continuam sendo o principal grupo vitimado pela violência,  independentemente da ocorrência registrada, e chegam a 83,1% das vítimas de intervenções policiais. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, com dados de 2022, em relação ao perfil étnico-racial das vítimas, 76,5% dos mortos eram negros. Em relação ao Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), segundo Larissa Camerino, Mestre em Políticas Públicas em Saúde da Fiocruz Brasília, existe uma falta de atenção em saúde e os cuidados a adolescentes privados de liberdade. 

“A política socioeducativa ainda é permeada por estigmas, por desconhecimento de processos e por compreensões retrógradas, alicerçadas em uma concepção menorista e meramente punitiva, de que o(a) jovem autor(a)  de ato infracional se torna como que menos “digno/a” de direitos. Em um sistema em que as nossas internações têm cor, raça e gênero definidos muito antes do cometimento dos delitos, abordar sobre direitos desses jovens é, antes de mais nada, afirmá-los enquanto sujeitos de direitos e trazer à discussão as diversas omissões vivenciadas em paralelo”,  afirma Larissa em entrevista à Fiocruz Brasília, em julho de 2023.

Ainda que com a tarefa concluída, Giovanni Harvey, diretor executivo do Fundo Baobá, entende que é papel e responsabilidade do Estado Brasileiro garantir políticas públicas que retardem o nível de desigualdade racial e de gênero, refletido na Justiça criminal brasileira.

Para Nathalia Oliveira, co-fundadora e dretora executiva responsável pelo Projeto Iniciativa Negra por Direitos, Reparação e Justiça, apoiado pelo Baobá, a verdadeira reparação histórica para a população negra passa por construção de memória, justiça e verdade, criando uma comissão de verdade que investigue dados e a averiguação e responsabilização sobre casos específicos, como a participação de agentes do Estado em crimes contra a humanidade, e o paradeiro de pessoas desaparecidas em meio a esses conflitos. Além de anistia a pessoas envolvidas em conflitos, mudanças legislativas e institucionais para o fim de contendas,  e outras ações urgentes para reparar anos de injustiças criminais ao povo negro.

Pessoas negras são detentoras das suas próprias histórias, ainda que por muitos anos não tenham tido protagonismo dela. A história do povo preto não se resume somente ao período escravocrata, mas é mantida em condições desiguais até os dias atuais por interesses políticos e sociais. Tal imigração forçada de africanos, durante o tráfico transatlântico de pessoas escravizadas,  deixou para trás centenas de histórias, mas que ainda temos em nós a memória e a resistência do lugar de onde viemos. Tal memória perpassa pela luta em garantir dignidade e justiça para os nossos atuais, que é o que consumou o edital, através de um modelo de filantropia participativa utilizado pelo Baobá, que vem permitindo que as organizações tenham autonomia e identifiquem soluções para se reinventar perante desafios tortuosos que as desigualdades sociais os impõem.

Filantropia Comunitária e Racismo Ambiental no Brasil: Uma Perspectiva Integrada

A filantropia comunitária é um modelo que busca fortalecer e capacitar as comunidades locais para identificar suas próprias necessidades e buscar soluções sustentáveis. Nesse contexto, a filantropia não se restringe apenas à doação financeira. Ela está além disso: busca também o envolvimento ativo, o compartilhamento de conhecimentos e a colaboração dos indivíduos pertencentes àquela comunidade. A ideia é promover o desenvolvimento e a resiliência das comunidades, levando em consideração suas potencialidades e particularidades.

No Brasil, a filantropia comunitária ganha destaque em diversas iniciativas, como os fundos comunitários, que são criados e geridos pelas próprias comunidades para atender às demandas locais. Um exemplo é o Baobá – Fundo para Equidade Racial em seus quase 12 anos de atuação no apoio a iniciativas voltadas para o enfrentamento ao racismo.

A filantropia comunitária tem se constituído em forte mecanismo de ativismo e pressão contra o racismo ambiental, uma forma de discriminação que ocorre quando comunidades colocadas como racialmente minoritárias são desproporcionalmente afetadas por políticas e práticas ambientais prejudiciais. Isso pode se manifestar na localização de indústrias poluentes em áreas habitadas majoritariamente por pessoas negras, quilombolas e indígenas. Ou ainda pela especulação imobiliária, que empurra populações vulneráveis para áreas de maior risco ambiental e climático. De forma infeliz, o racismo ambiental persiste em várias regiões do Brasil, especialmente em áreas urbanas e periféricas densamente povoadas e em regiões industrializadas. Dados do MapBiomas mostram que de cada 100 hectares de favela, 15 foram construídos em áreas de risco. 

Os eventos climáticos extremos que o Brasil tem experimentado mostram os impactos cada vez mais severos, incluindo enchentes, deslizamentos de terra, secas e tempestades intensificadas. 

No que diz respeito às populações indígenas e quilombolas, a filantropia comunitária já  desempenha papel crucial. Essas comunidades enfrentam desafios políticos, socioeconômicos e ambientais significativos. Como a recente disputa sobre o marco temporal de territórios indígenas mostra, a violência latifundiária mantém um nível de violência institucional semelhante ao  dos séculos de colonialismo. O recente assassinato de mãe Bernardete, em área que passa por processo de desintrusão, na Bahia, é um triste lembrete disso e uma evidência contundente do risco embutido na posse de terras por grupos e populações racializados.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, o Brasil tinha cerca de 896 mil indígenas e aproximadamente 5,9 mil comunidades quilombolas. A filantropia comunitária pode oferecer suporte a essas populações por meio do financiamento de projetos voltados para a segurança jurídica, a preservação cultural, a promoção da educação, o acesso à saúde e o desenvolvimento sustentável. Além disso, é fundamental que essas iniciativas sejam elaboradas e implementadas em parceria com as próprias comunidades, respeitando suas tradições e conhecimentos ancestrais.

Em resumo, a filantropia comunitária e o combate ao racismo ambiental são peças-chave na construção de um Brasil mais equitativo e sustentável, onde todas as comunidades tenham a oportunidade de prosperar e viver em um ambiente saudável e justo. Para que  saudabilidade e justiça alcancem maior número de pessoas, conhecer e apoiar organizações que trabalham com a filantropia, como o Baobá – Fundo para Equidade Racial, é fundamental. Conheça! Apoie! 

No Mês da Filantropia Que Transforma, Baobá faz live para discutir o impacto na filantropia negra

Transformando com Propósito: Medindo o Impacto na Filantropia Negra foi o tema discutido por quatro mulheres negras com vivência no ativismo social

 

O Fundo Baobá é um dos 16 fundos que compõem a Rede Comuá e,  de forma ativa, participou das atividades do Mês da Filantropia Que Transforma, que movimentou setembro. A Rede Comuá desenvolve trabalho cujo principal objetivo é a democratização do acesso a recursos que propiciem a transformação social de pessoas e também organizações. 

Para reforçar a campanha, o Fundo Baobá realizou a live Transformando com Propósito: Medindo o Impacto na Filantropia Negra. A discussão sobre o tema perpassou a questão da formação das irmandades negras, consideradas como o início da filantropia no Brasil, e chegou até a discussão sobre melhores práticas de avaliação e monitoramento nos dias atuais. 

Para discutir a questão foi formada uma mesa  com: Caroline Almeida, assistente executiva do Baobá – Fundo Para a Equidade Racial;  Eli Odara Theodoro, gestora de instituição de ensino fundamental e médio; e Lívia Guimarães,  especialista em gestão de projetos sociais. A mediação da conversa coube a Fernanda Lopes, diretora de Programa do Baobá desde 2019.

Caroline Almeida começou a conversa questionando a ideia de que há uma falta de capacidade nas organizações negras de base comunitária para planejar, fazer gestão e fazer prestação de contas. “Isso é um mito, sem sombra de dúvidas. Lógico que não podemos ser ingênuas de pensar que isso não é aquela tática repugnante de uma mentira dita mil vezes se tornar uma verdade. E essa repetição está nos esforços para que isso se torne uma quase verdade. As organizações sociais negras do país foram criadas no Século 19. Elas reuniam pessoas expostas a vários riscos e mazelas. Cumpriam um papel de promover um seguro social. O decreto legislativo de criação da Previdência Social é de 1923. Antes disso, um século antes, as  organizações sociais negras já faziam isso. É mito de que essas capacidades não existem. Elas estão ali. Precisamos olhar para essas capacidades e fazer esforços para ampliação dessas potencialidades que já estão no campo”, afirmou. 

As mudanças positivas e negativas pelas quais o mundo vem passando também provocam impacto na filantropia, a ponto de novos modelos de relação filantrópica estarem sendo criados e assumidos – tanto por quem faz a filantropia como por quem recebe os benefícios dela. Isso foi analisado por Lívia Guimarães: “É importante pensar uma nova filantropia. Uma filantropia não hegemônica. As práticas avaliativas podem ser grandes aliadas, pois os processos de avaliação estão sendo usados para poder implementar ações. Essas práticas estão dentro de um contexto de dar visibilidade ao uso transparente de recursos e vemos as práticas avaliativas como mecanismos de aprendizado institucional tanto para donatários quanto para as organizações doadoras. A avaliação participativa dialoga muito com essa filantropia que transforma, na medida em que ela se coloca como uma ferramenta contra- hegemônica, que busca a horizontalidade entre os pares, que tenta fazer frente a essa simetria de poder que há dentro do contexto do investimento social”, disse. 

Os diferentes ângulos pelos quais temos que analisar situações em que estamos envolvidos foram a tônica da participação de Eli Odara Theodoro. Coube a ela definir o papel das instituições filantrópicas como fomentadoras da transformação da realidade de associações, grupos e coletivos por elas beneficiados. Eli começou falando em afeto, pois segundo ela foi o afeto e dedicação oferecidos pelo Baobá – Fundo para Equidade Racial que propiciou a entrada da organização quilombola da qual ela faz parte (Associação Cultural de Agricultores Familiares das Comunidades Quilombolas de Santo Antônio e Vidal)  como donatária do edital Quilombolas em Defesa: Vidas, Direitos e Justiça. “Tivemos afeto. Porque tudo foi feito com muita paciência e com uma explicação muito bem detalhada. Essa assistência técnica que nós, como organização civil organizada, conseguimos agora, com um edital construído especificamente para a comunidade quilombola. Quando o Baobá nos envia eixos para que a gente se adeque ao que mais está dentro do nosso enfrentamento, isso demonstra um olhar de afeto para saber como nossa comunidade está e o que ela precisa naquele momento. Só oferecer o recurso não vai resolver o problema. Tem que ser dada a formação também”, afirmou.

Sintetizando o espírito da conversa que movimentou a live, fica o seguinte conceito sobre filantropia:  Filantropia Transformadora é a que capta as necessidades e expectativas do coletivo, identifica potencialidades, estimula e dá fortalecimento a essas potencialidades no sentido de chegar a soluções para problemas que cercam diferentes comunidades. .  

Assista a live “Transformando com Propósito: Medindo o Impacto na Filantropia Negra”: 

Saiba mais sobre as participantes: 

Caroline Almeida é graduada em Administração pela Universidade Federal da Bahia com atuação de 11  anos com organizações sociais.

 

Eli Odara Theodoro é gestora de instituição de ensino fundamental e médio, tecnóloga em teatro, produtora cultural, designer,  educadora e  mobilizadora social, poeta e extensionista em direitos humanos, educação quilombola, história da africa, cultura negra e o negro no Brasil,  licenciada em teatro pela Universidade Federal da Bahia.

 

Lívia Guimarães,  pedagoga de formação,  é especialista em gestão de projetos sociais, pesquisadora do Programa de Ciências Humanas e Sociais, e desenvolve pesquisa de doutorado no campo das teorias interseccionais, articulando as categorias raça, gênero e sexualidade.

Fernanda Lopes, diretora de Programa do Baobá desde 2019, compôs por 11 anos a equipe do Fundo de População das Nações Unidas, escritório Brasil. Fernanda é a responsável pela elaboração da teoria da mudança que orienta a implementação do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco.

Juvenicídio e Acesso à Justiça no Nordeste: apoiada por edital do Fundo Baobá defende tese de doutorado

A juventude de 15 a 29 anos, negra, pobre, do sexo masculino, e nordestina, representa a maioria das vítimas de homicídio no país. E após a morte desses jovens, são as famílias enlutadas, em sua maior parte constituída por mulheres e pessoas negras, que passam a lidar com o Sistema de Justiça Criminal no processo de investigação, julgamento e responsabilização. Estas são as principais conclusões da tese de doutorado “Juvenicídio e Acesso à Justiça no Nordeste: Atravessamentos de Raça, Classe e Gênero nas Narrativas de Famílias de Vítimas do Estado”, defendida por Jenair Silva, uma das donatárias da primeira edição do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. 

O trabalho da pesquisadora denuncia o “juvenicidio” que está ocorrendo no Brasil, uma vez que a juventude se constitui como parte social mais afetada pela dinâmica homicida, que é presente na realidade brasileira devido à prática do Estado de violação de direitos humanos, que tem como resultado o aumento da violência urbana, oriunda de uma ampla repressão e criminalização da pobreza. 

“É imediato reconhecer que existe uma estrutura que se articula intencionalmente para vitimizar jovens negros a partir de uma consubstância de raça, gênero e classe. Ações superficiais como “formação de policiais” não resultam nas ações necessárias para gerar segurança às nossas juventudes. É preciso realmente pensar em ações, projetos, programas e políticas que cheguem às raízes da questão e, de fato, contribuam com a mudança”,  afirma Jenair, em entrevista ao Baobá.

Na tese, a mesma dialogou sobre vários fatores que contribuem para o estado atual da situação – mais de 42% dos homicídios de jovens brasileiros, de 15 a 29 anos, ocorre no Nordeste: o racismo, o aumento da pobreza, o aprofundamento das desigualdades, a potencialização do discurso do “bandido bom é bandido morto” por governos recentes, entre outras questões objetivas e simbólicas, que contribuem significativamente para esse quadro que a fez refletir que as iniciativas para a assistência ideal ainda não são expressivas e, ainda assim, boa parte vem das organizações não governamentais. 

Para Jenair, é importante que o Estado se responsabilize com os impactos causados a partir da sua vitimização, direta ou indireta, em todas as suas ordens – econômicas, com a garantia de acesso ao trabalho, e as necessidades básicas de vida das famílias empobrecidas, necessidades psicológicas, ofertando suporte psicológico a toda a família no atravessamento do luto e jurídico, produzindo segurança institucional das famílias com oferta de programas específicos que conhecem a realidade e oferecem suporte jurídico às famílias nordestinas.

A tese teve inspiração no método Materialista Histórico Dialético, como uma intencionalidade de aproximação da realidade a partir das pessoas que constroem seus contextos. Nesse sentido, na impossibilidade de ouvir os jovens negros vítimas de homicídio, Jenair ouviu os familiares dessas vítimas, sobretudo as mães que estão em processo de luta por memória, verdade e justiça pela vida retirada dos seus filhos.

Jenair Silva, que é natural de Iguatu – Ceará, se conectou com a juventude negra através da sua militância em um encontro nacional da juventude negra em 2007. Naquela oportunidade teve a chance de dialogar sobre o homicídio de jovens de Natal, Rio Grande do Norte. A partir disso, foi possível ampliar o debate e aprofundar estudos sobre as políticas de produção de morte no Brasil. Sua jornada recebeu um impulso importante quando foi selecionada pelo Edital proposto pelo Baobá – Fundo para Equidade Racial juntamente com a Fundação Kellogg, Fundação Ford, Open Society Foundations e Instituto Ibirapitanga que busca ampliar a participação de mulheres negras em posições de poder e influência, através de investimento em seus planos de desenvolvimento individual, formações políticas e técnicas e ainda no fortalecimento das organizações, grupos, coletivos liderados por elas..

Descubra mais histórias inspiradoras e impactantes da primeira edição do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. E se prepare para o que está por vir, pois a segunda edição está chegando!

Setembro é dedicado a transformações sociais que a filantropia provoca

O Fundo Baobá, junto com outras organizações da Rede Comuá, fomenta o debate a partir do tema “Medindo o que Importa”

Visando a captação de recursos, setembro, o Mês da Filantropia que Transforma, é dedicado a debater, dar maior visibilidade e incrementar práticas de filantropia comunitária e justiça socioambiental. O período será repleto de conversas, informações e encontros versando, entre outros temas, sobre: formas de medir o impacto das ações realizadas, o lançamento da pesquisa Filantropia que Transforma; Comunicação Inclusiva; Acessibilidade Digital; Filantropia Comunitária e Histórias de Impacto, que será uma série de vídeos com narrativas de organizações que ampliaram seus impactos a partir de doações. 

O mês de agosto, por exemplo, foi ímpar na história de 12 anos de atividade do Baobá – Fundo para Equidade Racial. O fundo patrimonial destinou uma doação de R$ 500 mil para a SPD (Sociedade Protetora dos Desvalidos), entidade histórica sediada na Bahia. A SPD é a primeira organização civil negra formada na América Latina. Na sua base de criação, a busca pelo direito à liberdade, nos seus mais amplos sentidos: do bem viver, de pensamento e política. 

Para enriquecer a discussão, o Fundo Baobá vai lançar no dia 28 de setembro a live “Transformando com Propósito: Medindo o Impacto na Filantropia Negra”, com o  objetivo de contextualizar suas diferentes práticas; discutir como a prática da medição de impacto fortalece iniciativas sociais; compartilhar as experiências vividas e alcançadas pelo Fundo nas ações que tem desenvolvido; compartilhar as evidências de transformação social que resultam de projetos filantrópicos e, por último, provocar a reflexão dos participantes quanto às lições aprendidas e como elas podem ser aplicadas em suas próprias vivências filantrópicas. Toda a programação do Mês da Filantropia que Transforma pode ser vista aqui.  

A Rede Comuá é composta por mais de 20 fundos temáticos, fundos comunitários e organizações doadoras, que atuam nos campos da justiça socioambiental, direitos humanos e desenvolvimento comunitário, apoiando grupos, coletivos, movimentos e organizações civis.

Historicamente, a filantropia negra atua pela promoção da justiça social, pelo bem viver, pela produção de conhecimento, pelo fortalecimento de organizações e desenvolvimento de pessoas, pela autonomia e sustentabilidade financeira das pessoas e organizações apoiadas. 

A live feita pelo Baobá, que irá para o ar no dia 28 pelo youtube e faz reflexões sobre a filantropia negra e seu papel na transformação social, processos avaliativos, como a filantropia compreende as capacidades de gestão das organizações de base comunitária, o que efetivamente importa medir para deixar evidentes as transformações, entre outros assuntos. 

Exercer a filantropia é trabalhar com uma ferramenta que, entre outras coisas, contribui e muito para gerar o pensamento crítico. A partir dele ocorre a busca pelas tão desejadas transformações sociais.

Relato Narrativo: Projeto Saúde Mental Quilombola

Semeando mudanças

Promovido em conjunto pelo Baobá – Fundo para Equidade Racial, Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e Coordenação Estadual das Associações de Comunidades Remanescentes de Quilombo (Malungu/Estado do Pará), Associação das Comunidades Remanescente de Quilombo de Igarapé Preto a Baixinha (ARQIB), o projeto “Saúde Mental Quilombola: Direitos, Resistência e Resiliência”, iniciado em dezembro de 2022  com apoio da Johnson & Johnson, buscou dialogar com lideranças comunitárias, trabalhadores da saúde, juventude, homens e mulheres, em uma espécie de coligação na criação de estratégias para o resgate da autoestima de pertencer a um quilombo.  

De oficinas de saúde mental para profissionais da saúde e da educação, à criação de redes de apoio, o projeto desencadeou transformações. A saúde mental deixou de ser um tabu e se tornou um tema aberto para discussão, promovendo o bem-estar individual e coletivo.

As parcerias com profissionais de saúde, comunicação e lideranças quilombolas, fortaleceram a iniciativa, permitindo a identificação de problemas e ações conjuntas, gerando uma abordagem de cuidado integral.

Os relatos a seguir ilustram como as ações concretas do projeto moldaram uma nova realidade, desencadeando ondas de transformação coletiva e convidando a um olhar mais profundo sobre os impactos alcançados.

Ampliando horizontes dos profissionais da saúde e educação

A estratégia de implementação se deu pelo fortalecimento das bases da comunidade, capacitando profissionais de saúde e educação, com técnicas de acolhimento, identificação e encaminhamento adequado para os casos de saúde mental. Essas pessoas se tornaram multiplicadores da informação, trazendo cuidado e conhecimento às comunidades quilombolas atendidas. “As atividades de formação foram voltadas ao desenvolvimento de competências técnicas pelos participantes”, revelou Álvaro Palha, psicólogo e líder da equipe multidisciplinar responsável pelas oficinas sobre saúde mental. 

A partir das oficinas, que abordaram desde saúde mental até doenças crônicas, os profissionais de saúde se fortaleceram como pilares de uma rede de apoio capaz de identificar e cuidar das necessidades da comunidade. Essas atividades abriram portas para uma abordagem integral da saúde.

“Eu aprendi a enxergar a saúde de uma forma diferente, mais ampla.” – Maria do Ó, Agente Comunitária de Saúde.

Da mesma forma, profissionais da educação experimentaram uma transformação significativa por meio do projeto, adquirindo uma compreensão aprimorada dos desafios e necessidades que permeiam as comunidades. As oficinas proporcionaram a eles a habilidade de identificar sinais de alerta relacionados à saúde mental em seus alunos, facilitando uma abordagem mais atenciosa. O processo educativo, visto como principal meio de transmissão de conhecimentos, evoluiu para uma poderosa ferramenta de empoderamento, abrangendo não apenas o aspecto acadêmico, mas também o emocional e cultural dos alunos e alunas.

Comunicação para o bem viver

“As oficinas de vídeo me deram coragem para compartilhar nosso modo de vida.” – Sinalva Vieira Martins

Ao entrarmos nas comunidades quilombolas, entender os modos de comunicação e educação já estabelecidos é fundamental pensar na comunicação participativa, envolvendo as pessoas da comunidade, não só como receptores, mas como protagonistas dos conteúdos produzidos. Nas oficinas, foram trabalhados temas como comunicação não violenta e o fortalecimento dos vínculos entre lideranças e moradores, valorizando a riqueza dos saberes locais e suas formas de repasse. A partir de seus celulares, foi possível roteirizar, captar e editar imagens. “A oficina de audiovisual foi muito importante para gente por conta do conteúdo que nós aprendemos e entendemos. O celular é uma ferramenta que nos ajuda a divulgar pequenas coisas, ele é usado também para fazer algumas denúncias, que também ajudam muitas pessoas. E sobre as nossas atividades, fizemos um minicurso de como gravar, tirar fotos, fazer colagem, cortes e muitas coisas legais, a gente se divertiu muito com tudo isso”, relata Gilberto Ribeiro, morador da Comunidade de Baixinha.

“Conseguimos registrar e entender como a comunidade cada vez mais se comunica, se fortalece, se potencializa, se movimenta e funciona. O objetivo foi mostrar como usar essa ferramenta, o vídeo, em prol da transformação, de educação e de arte”, conta Tamara Mesquita, do Negritar.

Um novo olhar

“Agora, quando meu filho fica triste, eu entendo que pode ser algo mais profundo.” – Morador Anônimo

O projeto teve um impacto profundo nas comunidades, transformando a forma como os moradores encaram a saúde mental. Antes, a tristeza ou o isolamento eram muitas vezes minimizados, mas agora os moradores reconhecem os sinais sutis de questões emocionais e se sentem mais à vontade para procurar apoio e orientação.

As mulheres nas comunidades sentiram uma mudança significativa, passando de uma posição onde suas necessidades de saúde eram negligenciadas para serem ouvidas e respeitadas. Além disso, os profissionais de saúde também notaram uma mudança em sua abordagem, trabalhando em conjunto com as comunidades para promover a saúde mental.

Maria do Ó, uma Agente Comunitária de Saúde, destacou como o projeto aprimorou sua capacidade de identificar problemas de saúde mental e encaminhá-los adequadamente. Além disso, Sinalva Vieira Martins, outra agente comunitária de saúde, enfatizou a confiança que desenvolveu para lidar com questões emocionais e uma grande mudança em sua forma de comunicação e na compreensão das necessidades dos moradores.

O que nos reserva o futuro?

O impacto deixado pelo projeto Saúde Mental Quilombola é profundo e ressoa nas vozes dos moradores e profissionais que estiveram envolvidos. Marinilva, presidente da ARQIB, compartilha a importância do conhecimento adquirido: “Este projeto nos brindou com conhecimento e voz. Essa é uma herança que transmitiremos adiante.”

Por meio da educação, capacitação e empoderamento, o projeto pavimentou o caminho para uma compreensão mais ampla e inclusiva da saúde mental, resultando em uma comunidade mais unida, informada e resiliente.

O compartilhamento de saberes se tornou um fator importante para todas as pessoas. As atividades de conscientização não somente informaram, mas também fortaleceram os moradores, incentivando-os a participar ativamente na defesa de seus direitos e bem-estar, além de estreitar significativamente os laços de confiança e colaboração entre profissionais e comunidades.

Álvaro Palha observou a mudança na dinâmica entre profissionais e a comunidade: “Os profissionais evoluíram de meros prestadores de serviços para parceiros de cuidado.” 

Direitos quilombolas, saúde mental, saúde da mulher e doenças crônicas deixaram de ser questões distantes e inacessíveis. “Antes, eu tinha pouco conhecimento sobre nossos direitos. Agora, posso defendê-los”, declara Cleonice, uma moradora cujo sustento provém da agricultura e venda de bolos.

Por fim, falar dos direitos básicos à terra e a sua própria identidade é reforçar o protagonismo de cada quilombola e fornecer subsídios para sua recuperação. Aquilombar é um processo de resistência, é um mecanismo de defesa na luta pelo direito à vida e à liberdade.

 

Fundo Baobá faz primeiro encontro presencial com participantes do Edital Educação e Identidades Negras

Entre os dias 24 e 26 de agosto, o Baobá – Fundo para Equidade Racial, proporcionou um momento valioso para os projetos apoiados no  Edital Educação e Identidades Negras – Políticas de Equidade Racial, na cidade de Recife. Nesses dias aconteceu o primeiro evento presencial com as instituições selecionadas, que teve como objetivo proporcionar um espaço único para compartilhar experiências, aprendizados, avanços e os próximos desafios de cada projeto. 

Ao todo foram 12 organizações, grupos e coletivos selecionados, de oito estados brasileiros mais o Distrito Federal. Cada  um recebeu R$ 175.000,00 de apoio financeiro para a implementação de projetos de enfrentamento ao racismo e valorização da identidade e cultura negra no campo da educação, além de aumentar a representação de pessoas negras dentro da esfera educacional formal e não formal. O edital é uma parceria com a Imaginable Futures e Fundação Lemann e integra o Programa de Educação e Equidade Racial do Fundo Baobá.

O Edital Educação e Identidades Negras reforça o compromisso do Fundo Baobá com a educação antirracista do país e a cobrança no cumprimento efetivo da lei 10.639/03, que determina o ensino da história e cultura afro-brasileira na educação básica. Ao todo são 20 anos da lei 10.639, os desafios são inúmeros e os avanços escassos. Muitas instituições não cumprem a designação da lei por falta de formação, compromisso político ou até mesmo desconhecimento da obrigatoriedade. A implementação da lei é uma oportunidade ímpar para ampliar o debate sobre reconhecimento, justiça, desenvolvimento, memória e transformação social. A ausência de monitoramento e avaliação por parte das autoridades estaduais e municipais de educação, reitera o descompromisso com o enfrentamento ao racismo e com o exercício dos direitos da população negra, afirma a diretora de programa do Fundo Baobá, Fernanda Lopes.

Durante o encontro, as instituições tiveram a oportunidade de se conhecer melhor através de dinâmicas simples, mas que carregavam em si uma memória materializada em palavras e objetos que representavam a história e o legado de cada uma das organizações. Essas trocas fomentaram um olhar mais atento sobre os desafios vividos nas unidades escolares formais, sobre a necessidade de  aprimoramento e/ou implementação de novas propostas pedagógicas, capazes de fazer dialogar o formal e o informal na educação. Segundo Dinho Paciência, representante do Movimento Nação Marabaixeira, o Baobá é muito mais que uma instituição financeira: é um mecanismo de antecipação de propostas que só aconteceriam a longo prazo. 

Para Fernanda Lopes, diretora de Programa do Baobá, “Transformar as manifestações culturais negras, as práticas tradicionais de ensino e aprendizagem, em algo que o sistema formal reconheça e incorpore, é uma das maneiras de contribuir para  a construção de uma sociedade democrática”. Para ela, o Edital Educação e Identidades Negras é um marco, pois ele reitera a necessidade de produzir e divulgar conhecimentos e práticas negras populares, tradicionais e eruditas, ao mesmo tempo em que promove  novas atitudes e valores, pautados nos direitos humanos e na pluralidade étnico-racial, que devem permear  toda e qualquer ação educativa. Além disso, Fernanda destaca o fato de as instituições donatárias reconhecerem que a atuação em rede será um grande diferencial, reforçando o que, para o Fundo Baobá, é um indicador de sucesso, as parcerias estabelecidas entre donatários como estratégia de enfrentamento ao racismo, resistência e resiliência em todas as áreas de atuação. 



Filantropia Negra no Brasil: Sociedade Protetora dos Desvalidos recebe doação de R$ 500 mil do Fundo Baobá

Entre as muitas histórias inspiradoras que ilustram a tradição da filantropia negra no Brasil, uma delas merece atenção especial: a fundação da Sociedade Protetora dos Desvalidos (SPD), na cidade de Salvador, Bahia, em 16 de setembro de 1832, por Manoel Vitor Serra, um negro africano liberto. A Protetora, como era conhecida,  foi um marco histórico na luta contra a desigualdade e a discriminação racial. Fundada por trabalhadores negros, a organização tinha como objetivo principal fornecer auxílio mútuo e amparo aos mais necessitados. Através de suas ações filantrópicas, a sociedade apoiava pessoas escravizadas a conseguirem sua alforria, bem como dar suporte aos membros que ficassem desempregados. 

Com base nessa vocação de luta pela igualdade de direitos, combate ao racismo em todas as suas formas e progresso da comunidade negra é que o Baobá decidiu  fazer uma doação de R$ 500 mil para a SPD. A pesquisadora social e membra da governança da Sociedade Protetora dos Desvalidos, Ligia Margarida Gomes, relata a importância da doação: “O Baobá, para nós, sempre foi uma grande esperança. Poder estar aqui nessa parceria é um momento muito especial. O Baobá foi criado para atender as demandas que sempre ansiamos e sempre foram reprimidas. Cada vitória que ele alcança é uma vitória nossa. O que o Baobá está ajudando a fortalecer também  nos fortalece”, afirmou Ligia. 

O diretor executivo do Baobá – Fundo para Equidade Racial, Giovanni Harvey, enaltece a importância histórica da SPD dentro do rol das conquistas do povo negro no Brasil, desde o início dos sequestros ocorridos em África, ainda no século 16. “Esta é a primeira vez que o Baobá decide, politicamente,  sem edital, fazer uma doação e faz isso com dinheiro próprio. Dinheiro gerado pelas operações do Baobá, que nos propiciam fazer uma doação expressiva”, disse. A SPD terá toda autonomia no que se refere à gestão do recurso oferecido. 

A relação entre a população negra no Brasil e a filantropia remonta a tempos coloniais, quando as irmandades negras destacaram-se como importantes estruturas organizacionais. Os primeiros registros dessas irmandades datam do século XVII, com uma expansão significativa no século XVIII, época do auge do tráfico escravista no país. Essas organizações foram criadas originalmente na Europa e, posteriormente, se expandiram para as colônias portuguesas, como o Brasil. Eram espaços de resistência e solidariedade diante da hostilidade imposta pelo regime escravocrata. Elas permitiam que os negros ocupassem e definissem formas de atuação social, custeando despesas como funerais, além de promoverem ações para auxílio mútuo e compra de cartas de alforria. A filantropia, quando exercida coletivamente, cria uma força unificadora capaz de impulsionar mudanças significativas na sociedade.

O Brasil, porém, traz um contexto histórico de muita importância no que se refere à formação dessas irmandades e Ligia Margarida Gomes explica o porquê. “A Sociedade Protetora dos Desvalidos é a primeira organização civil negra da América Latina. No Brasil, a primeira instituição de negros foi formada em Salvador, Bahia, e é a SPD. Essa organização foi criada com base no que vocês (dirigindo-se à equipe executiva do Fundo Baobá) estão ajudando a construir e a pensar, que é o resgate de direitos”, afirmou. 

Em suas composições, as irmandades valorizavam a equidade de gênero, contando com a participação ativa de mulheres negras em sua governança. Essas estruturas também tinham uma relação direta com o sagrado, praticando a fé e estimulando a solidariedade entre os membros. E a questão sagrada foi usada com astúcia pelo povo negro. “Quando a Revolta dos Búzios não dá certo por vários fatores,  Manoel Vitor Serra pensou em uma forma de ultrapassar as dificuldades. Os negros, por exemplo, não podiam se reunir. Dois pretos juntos já era considerado revolução. Eram abatidos. Só podiam se reunir em igrejas. E eles precisavam se articular para ultrapassar as dificuldades. Conseguiram isso de várias formas. Daí terem usado o nome de Irmandade, pelo fato de só poderem se reunir nas igrejas”, disse. 

Giovanni Harvey, a partir da linha histórica traçada por Ligia Margarida Gomes, contextualiza a importância da doação feita pelo Baobá – Fundo para Equidade Racial: “A decisão de fazer essa doação diz respeito à história  da Sociedade Protetora dos Desvalidos, que é uma história que fomos privados de conhecer e que está ligada à história do Brasil. Ligada à história do Brasil que se tentou construir e que foi reprimida. Mas um  Brasil que resistiu e não desapareceu”, concluiu. 

Ao longo do século XIX, essas irmandades mudaram a forma de atuação com a interrupção do tráfico de escravos e a abolição oficial da escravatura, mas o objetivo de seu trabalho e sua existência permanece urgente. Todos os indicadores econômicos e sociais comprovam que a população negra ainda precisa das mudanças significativas que podem ser impulsionadas pela filantropia. Por isso, agosto, Mês da Filantropia Negra,  é uma ocasião especial para destacar as contribuições valiosas à sociedade.

A diretora de Programa do Baobá, Fernanda Lopes,  explica a importância histórica da filantropia negra.  “Até hoje negam esses tipos de investimento, porque é conhecendo mais a nossa história, conhecendo melhor o passado é que olhamos melhor o presente e podemos desenhar melhores planos de futuro.  E desenhar melhores planos de futuro coloca o povo da hegemonia em um lugar que eles não desejam estar. Fortalecer a SPD é fortalecer o Baobá”, definiu Fernanda. . 

 

O associativismo, que envolve a união de indivíduos em torno de objetivos comuns, permitiu que a Sociedade Protetora dos Desvalidos consolidasse sua independência para agir de maneira mais eficaz. Por meio dessa organização, foi possível a muitos compartilhar recursos, conhecimentos e experiências, fortalecendo assim a comunidade negra como um todo.

O cooperativismo, por sua vez, trouxe uma abordagem econômica que permitia à comunidade negra superar barreiras e desafios impostos pelo racismo. Ao unirem forças e recursos, os membros da Protetora e outras irmandades que se formaram conseguiram desenvolver projetos conjuntos, como a criação de cooperativas de produção e consumo, visando a autonomia financeira e ao empoderamento econômico da comunidade. Essas iniciativas eram fundamentais não apenas para garantir a sobrevivência, mas também para fortalecer a autoestima e a resiliência negra.

A filantropia negra no Brasil tem raízes históricas profundas nas irmandades negras, que surgiram como espaços de resistência e solidariedade no período escravocrata. Hoje, a desigualdade racial persistente no país destaca a importância de iniciativas como as do Baobá – Fundo para Equidade Racial, que nos quase 12 anos de atuação traçou uma rota de enfrentamento ao racismo e atua na promoção da equidade.  

O Mês da Filantropia Negra nos convida a refletir se é justo que a desigualdade racial ainda conte prioritariamente com a ação coletiva dos próprios negros. A mudança de paradigma depende de avanços promovidos pelos movimentos sociais e exige o engajamento de toda a sociedade para construir um país mais justo. A equidade racial é um requisito essencial para uma democracia plena e um futuro próspero para todos, todas e todes. 

Para contribuir no combate ao racismo, busca da equidade e justiça social, acesse www.baoba.org.br  e faça parte dessa transformação.



Revolta dos Búzios: Um suspiro de esperança em tempos sombrios

Com inspiração nos ideais da Revolução Francesa (1789-1799) e na Revolta de São Domingos, no Haiti (1791-1804), o dia 12 de agosto de 1798 amanheceu de uma maneira diferente para a população baiana. Diversos manuscritos foram espalhados pela cidade convocando a população para uma luta que defendia a proclamação da República, o fim da escravidão, a redução de impostos e outras reivindicações justas aos mais subalternizados perante a sociedade brasileira. Era um momento no qual a população enfrentava uma crise socioeconômica e estava insatisfeita com o controle da Coroa Portuguesa. 

“Animai-vos povo baiense que está para chegar o tempo feliz da nossa Liberdade: o tempo em que todos seremos irmãos, o tempo em que todos seremos iguais. Hoje celebramos o legado de inteligência, resistência, estratégia e coragem na Revolta dos Búzios.” Esses foram os dizeres espalhados pelos muros da cidade de Salvador, gerados pela indignação e desejo de um levante do povo baiense. 

Os integrantes da luta utilizavam um búzio no punho como forma de identificação pelas causas que reivindicavam, algo que tem origem nas raízes africanas – daí a origem do nome do movimento.

Com o apoio das elites locais, negros livres, brancos pobres e mestiços, que exerciam profissões como sapateiro, pedreiro e soldado, desejavam o fim do pacto colonial para aumentar os lucros dos próprios negócios, além de alcançar mais poder econômico e político. O movimento também ganhou força e agregou os segmentos mais pobres da população baiana para defender propostas que realmente os representassem. E assim se consolidou uma das maiores manifestações populares comandadas pelo povo negro, que lutava por democracia, exigia direitos de igualdade de raça e de gênero para todos os brasileiros.

A luta também ficou conhecida como Revolta dos Alfaiates, devido ao grande número desses profissionais que estavam presentes no movimento. O protagonismo foi marcado por homens como João de Deus, Manuel Faustino dos Santos Lira e os soldados Luís Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas, mas não só: ele também contou com participação de mulheres negras, como Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento, ambas alforriadas.

Nessa época, a população da cidade de Salvador estava em situação de pobreza, depois que a capital do Brasil colônia foi transferida para o Rio de Janeiro, em 1763. Esses eram anos em que o Iluminismo europeu espalhava os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade que inspirariam a Revolução Francesa, a Revolta de São Domingo e a independência das colônias ibéricas na América. Foi nesse contexto que se firmou o desejo de fundar na Bahia uma república democrática, onde não houvesse diferenças sociais e todos fossem iguais. Pois como se não bastasse a desigualdade, a discriminação e o racismo institucionalizados pela escravidão, crueldade e violênciaAs penas aos rebeldes não deixam dúvidas sobre isso.

À época, o governador da Bahia, Fernando José de Portugal e Castro,  soube através de denúncias sobre possíveis encontros e providenciou uma ação rápida para prender os revoltosos. Alguns conseguiram fugir e, após um ano e dois meses depois dos acontecimentos, os acusados assumiram a culpa e receberam a pena de morte por enforcamento, seguida por esquartejamento. Luís Gonzaga das Virgens, Lucas Dantas, João de Deus e Manuel Faustino dos Santos Lira tiveram seus corpos expostos em diversos locais da cidade de Salvador para “servir de exemplo”. Até os dias de hoje não se sabe do paradeiro das mulheres Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento

Apesar de seu terrível desfecho, a Revolta dos Búzios influenciou outros movimentos, como a própria Independência do Brasil (1822), além da Revolta dos Malês (1835). E assim segue até hoje, inspirando a população negra a estar sempre a postos para as lutas por uma vida digna, justa, igualitária e livre.

 Pois apesar de terem passado 225 anos desde então, a violência ainda atinge principalmente os corpos negros. A falta de acesso à educação e saúde pública ainda afeta mais as pessoas negras. O mercado de trabalho formal ainda é menos acessível ao trabalhador negro. A fome, a violência racial e de gênero ainda atingem mais os descendentes das populações escravizadas do Brasil colônia. Nossa população segue lutando e reivindicando direitos e os “revoltosos” da Bahia seguem como um exemplo a ser lembrado e honrado.

Iniciativa Negra lança pesquisa inédita sobre reparação e injustiças criminais no Brasil.

Em junho de 2023, foi o lançamento do relatório “Iniciativa Negra por Direitos, Reparação e Justiça” que colocou o racismo no centro do debate para a construção do conceito de reparação, pauta histórica do movimento negro. O estudo faz um levantamento e sistematização de dados, referências jurídicas e acadêmicas, além de exemplos de boas práticas com foco na população negra, parcela mais afetada pela violência, principalmente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Pará e Distrito Federal.

“Há um entendimento de que o Estado brasileiro precisa ser responsabilizado por todas as injustiças cometidas contra o povo negro. Mas, para que isso se torne uma medida real e que seja realmente efetiva para todos, precisamos nos debruçar sobre esse tema com dados e produção de conhecimento, só assim será possível reparar todos os danos sofridos nos territórios”, afirma a socióloga, diretora e co-fundadora da Iniciativa Negra, Nathalia Oliveira. 

A Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas é uma organização da sociedade civil que atua, desde 2015, pela construção de uma agenda de justiça racial e econômica promovendo ações de advocacy em Direitos Humanos e propondo reformas na atual política de combate às drogas, que contribui para um cenário de injustiças criminais e de aprisionamento em massa da população negra, resultando em violações de direitos e morte. Sendo a primeira iniciativa negra comprometida em diagnosticar e dar soluções pacíficas para uma reforma da política sobre drogas, a Iniciativa Negra atuou destacadamente nos eixos de Segurança Pública e Sistema de Justiça; Comunicação e Sociedade; Economia e Política e Dinâmicas Urbanas.

Se faz de extrema importância que a sociedade brasileira seja contemplada por projetos e ações como o da Iniciativa Negra, pois criam uma interface única para articulações entre diversos movimentos e áreas de mobilização, potencializando discursos e mudanças estruturais necessárias no desenvolvimento do país, com o objetivo de parar a máquina pública de extermínio da juventude negra e periférica do Brasil.

A verdadeira reparação histórica para a população negra perpassa por construção de memória, justiça e verdade, criando uma comissão de verdade que investigue dados e a averiguação e responsabilização sobre casos específicos, como a participação de agentes do Estado em crimes contra a humanidade, e o paradeiro de pessoas desaparecidas em meio a esses conflitos. Além de anistia a pessoas envolvidas em conflitos, mudanças legislativas e institucionais para o fim de contendas,  e outras ações urgentes para reparar anos de injustiças criminais ao povo negro.

“A pauta da reparação é ainda muito pouco desenvolvida, principalmente quando trazemos o assunto para o campo jurídico. Entendemos que o avanço dessa pauta só será possível quando olharmos sob a lógica do racismo e da guerra às drogas, ou seja, o principal argumento do Estado para marginalizar e vitimar a população negra do país”, complementa o historiador e co-fundador da Iniciativa, Dudu Ribeiro. 

Na saúde, é preciso desenvolver uma perspectiva de cuidado prioritariamente em liberdade e este cuidado deve levar em consideração a subjetividade com diversidade de abordagem e novas políticas de tratamento que consigam ser também uma política intersetorial, que é um dos princípios do SUS (Sistema Único de Saúde). As pessoas precisam ser  atendidas não só em uma perspectiva de tratamentos. Produzir saúde envolve produzir outros direitos e assistências às diversas áreas dos sujeitos, para além de só buscar cuidados que entendem apenas a abstinência como resultado satisfatório. O SUS deve produzir saúde para todos os cidadãos, inclusive para as pessoas que são usuárias de drogas. 

Esse estudo resultou do aporte financeiro de R$100.000,00, do edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça que a organização recebeu do Baobá – Fundo para Equidade Racial com o apoio do Google.org, em maio de 2021. O objetivo do edital foi apoiar entidades negras que atuassem no enfrentamento do racismo, da violência racial e incorreções que acontecem dentro do sistema de Justiça Criminal no Brasil. A instituição contemplada está alinhada a um dos eixos de atuação do Baobá, que é o Viver Com Dignidade, o qual incentiva ações de promoção da saúde e qualidade de vida, além da prevenção de doenças e agravos.

A Iniciativa Negra acredita que é urgente e necessário desarmar a bomba da guerra às drogas que, no entendimento deles, institui-se como um projeto de manutenção das estruturas racistas no Brasil em áreas como a Segurança Pública, o Sistema de Justiça e a Saúde pública, e que distribui os prejuízos apenas para o povo negro. Pensar em possibilidades que se situem fora do modelo bélico de combate às drogas e que apontem para processos pacíficos é mais que fundamental, é urgente!

O Baobá – Fundo para equidade racial segue fomentando iniciativas como a Iniciativa Negra e acreditando que esse é um dos caminhos para a construção de uma verdadeira transformação social para a população negra.

O Poder e a Luta das Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas

Hoje, 25 de julho, celebramos o Dia da Mulher Negra Latina-Americana e Caribenha, uma data de extrema importância que nos convida a refletir sobre a resiliência, a luta e o impacto das mulheres negras em nossa sociedade. Essa ocasião não apenas nos proporciona uma oportunidade de homenagear as conquistas dessas mulheres, mas também de reconhecer os desafios enfrentados por elas ao longo da história.

Essa data emblemática tem origem no Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas, realizado em 1992, na República Dominicana. Foi nessa conferência que se destacou a necessidade de promover ações e políticas que ampliassem a visibilidade e a participação das mulheres negras na sociedade. Desde então, o 25 de julho se tornou um marco para a conscientização e a luta pelos direitos e igualdade de oportunidades para as mulheres negras.

Mulheres negras enfrentam desafios únicos e muitas vezes são duplamente discriminadas, em virtude de seu gênero e raça. No entanto, elas têm desempenhado um papel fundamental nas transformações sociais e culturais das Américas e do Caribe, contribuindo de forma significativa em diversas áreas, como na política, cultura, ciência, educação e nas lutas pelos direitos civis.

O Dia da Mulher Negra Latina-Americana e Caribenha é um momento para reconhecer e valorizar as contribuições dessas mulheres, além de denunciar as desigualdades e o racismo ainda presentes em nossa sociedade.

Neste dia, o Fundo Baobá para Equidade Racial, destaca algumas iniciativas comprometidas em ampliar a atuação de mulheres negras em diversos setores da sociedade, tais como:

CRIOLA: Organização da sociedade civil com 30 anos de experiência na defesa e promoção dos direitos das mulheres negras e na construção de uma sociedade onde os valores de justiça, equidade e solidariedade sejam fundamentais.

ABAYOMI JURISTAS NEGRAS: Organização social afro-empreendedora que tem como missão combater estrategicamente o racismo estrutural, oferecendo oportunidades de treinamento, capacitação e desenvolvimento de baixo custo e qualidade para criar condições efetivas para a inclusão da população negra nos espaços de poder e conhecimento, com foco na ocupação de cargos nos órgãos que compõem o Sistema de Justiça brasileiro. O grupo prepara advogadas negras de vários estados para se tornarem juízas, promotoras, advogadas e policiais.

TEMPERO DE ROSA: Negócio familiar, gerido por Dona Rosa e sua filha, que emprega majoritariamente mulheres das periferias e comunidades da cidade de Recife.

INSTITUTO DE MULHERES NEGRAS: Primeira organização de mulheres negras do estado do Mato Grosso. O grupo foi criado com o objetivo de organizar jovens e mulheres negras na luta contra o racismo e pela defesa de seus direitos.

Neste 25 de julho, celebremos a força e a resistência das mulheres negras latino-americanas e caribenhas, reconhecendo que a sua luta é parte fundamental na construção de uma sociedade verdadeiramente inclusiva e diversa. E que este dia não seja apenas uma data no calendário, mas um lembrete constante da necessidade de ampliarmos a diversidade e a pluralidade dessas vozes.

Baobá presente no ABBC Talks: Equidade racial – transformando os negócios, a sociedade e as perspectivas

Por Mariane Euzebio

É possível liderar uma empresa financeiramente saudável sem descuidar de elementos que promovam a equidade racial e a justiça social: essa foi a mensagem levada pelo Diretor Executivo do Baobá – Fundo para Equidade Racial, Giovanni Harvey, aos representantes do setor financeiro presentes ao ABBC Talks, o momento de troca de informações e experiências entre os associados da ABBC–Associação Brasileira de Bancos. A apresentação, realizada no dia 21 de junho, foi conduzida pela Diretora Jurídica, Governança e Educação Executiva da ABBC, Carolina Gladyer Rabelo. 

A palestra on-line aos associados da ABBC versou sobre como a diversidade étnica impulsiona a inovação, o crescimento e o sucesso empresarial. Na ocasião, Giovanni Harvey, lançou um desafio para o setor financeiro: fazer uma reflexão sobre a forma como as empresas estão hoje, e se vai ser possível atender às possibilidades e as dores dos clientes do futuro sem ter diversidade étnica.

“Quando temos diferentes pontos de vista, temos ótimos resultados de negócios. Para isso é necessário respeitar as pessoas e compreender suas experiências de vida”, afirmou Giovanni.

A diversidade nos negócios tem sido considerada cada vez mais evidente como um fator primordial para o sucesso e estabilidade das organizações. Alguns benefícios como inovação, criatividade, tomada de decisão, melhor desempenho financeiro são o caminho ideal para a vida financeira de qualquer instituição.  

Como destacou Giovanni, o segredo é se antecipar a esses processos e desenvolver estratégias capazes de criar condições para que as instituições se mantenham ou ampliem. Ter uma visão ampla que permita atender as necessidades do futuro é urgente. 

Novas oportunidades no mercado, exigem soluções inovadoras e desenvolvimento de novos produtos e serviços, criando mais oportunidades de crescimento no mercado. Com isso ele trouxe exemplos práticos de como o Fundo Baobá consegue se manter com uma performance consistente quando se está alinhado com a diversidade.

O Fundo Baobá ampliou seu crescimento e consequentemente seu endowment quando observou grandes mudanças na sociedade brasileira e as acompanhou, ampliando sua concorrência, porém com o mesmo protagonismo no seu segmento. E esse foi um dos métodos utilizados no ano de 2022, que fez com que o Fundo obtivesse uma taxa de crescimento de 73%.

Com um ano e meio na função, Giovanni vem desenvolvendo um método assertivo e ambicioso no que diz respeito ao acesso, inclusão e diversidade de pessoas no desenvolvimento de negócios lucrativos para o Fundo Baobá. 

Clique na imagem e assista ao vídeo completo

A ABBC – Associação Brasileira de Bancos é uma entidade plural, representando bancos, financeiras, pequenas cooperativas, sociedades de crédito direto, sociedades de empréstimo pessoal, corretoras, fintechs e instituições de pagamento. O principal propósito é entender as instituições associadas para atender às suas necessidades diante de um cenário disruptivo. Comprometida com as questões Ambientais, Sociais e de Governança Corporativa, a instituição vem realizando o ABBC Talks, que é um momento de troca com seus associados para um entendimento e promoção de um mercado financeiro mais justo, responsável e competitivo. 



Feliz aniversário, Sueli Carneiro!

Em comemoração aos seus 73 anos, recapitulamos suas percepções sobre política, desafios do Baobá e perspectivas para o futuro.

Por Wagner Prado

Aparecida Sueli Carneiro, 73 anos, nasceu em 24 de junho de 1950. O Brasil estava em festa. A Seleção Brasileira estreava na primeira Copa do Mundo realizada no país vencendo o México por 4 a 0. Vencer seria o verbo que iria marcar a trajetória dessa brasileira festeira, nascida na Lapa e criada na Vila Bonilha, região de Pirituba, bairros da cidade de São Paulo. Sueli se impôs frente às adversidades da vida, fez do estudo a sua mola propulsora até se formar filósofa pela Universidade de São Paulo (USP), doutora em Educação, tornar-se escritora, ativista do movimento negro e uma das vozes mais fortes do movimento pelos direitos das mulheres, em especial, das mulheres negras. Sueli, que deve ter um máximo de 1,65m de altura,  transforma-se em gigante quando começa a falar. Suas ideias são nítidas, contundentes e ela não se detém sobre como e de que forma deve falar. Doa a quem doer. 

Sueli Carneiro, como ela própria diz, aprendeu a “pensar preto” lendo e ouvindo o ator, poeta, escritor e dramaturgo Abdias Nascimento (1914/2011), um dos grandes intelectuais negros brasileiros, assim como aprendeu a pensar como uma mulher negra lendo e ouvindo a antropóloga, política e professora Lelia Gonzalez (1935/1994).    

Dona de prêmios muito prestigiados, como o Bertha Lutz, em 2003 (oferecido a mulheres que tenham dado grande contribuição na defesa dos direitos da mulher);  Prêmio Direitos Humanos da República Francesa, em 1998 (pela contribuição à defesa dos direitos humanos), Prêmio Vladimir Herzog, em 2020 (pela defesa da democracia, cidadania e direitos humanos), Sueli Carneiro tornou-se neste ano de 2022 a primeira mulher negra a receber o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade de Brasília (UnB). 

Sueli é fundadora e diretora do Geledés – Instituto da Mulher Negra e está à frente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá para Equidade Racial. Em outubro de 2022, ela parou suas atividades no Geledés para receber a equipe executiva do Fundo Baobá. Nesse dia, Sueli Carneiro concedeu a entrevista que segue abaixo. 

 

Dia 30 de outubro o Brasil elege seu presidente para os próximos 4 anos. Como o Fundo Baobá vai atuar frente às diretrizes políticas que serão implementadas? 

Não acho que era um cenário em que tivéssemos duas opções ou duas perspectivas. Não existia isso. Só existia uma.  Só existe alguma perspectiva para a nossa agenda com a eleição do Lula. Porque o Bolsonaro, nos quatro anos do governo dele, manifestou com muita clareza, com muita transparência, que ele não tem  nenhum compromisso conosco, muito pelo contrário. Ele tem compromisso com o nosso abandono social, com a nossa extinção, com o nosso genocídio. Então, a pergunta para mim não se coloca. Só existe uma perspectiva: a eleição do Lula. Fora dela, nossa comunidade estará em muita dificuldade, como a própria democracia no Brasil estará em um  risco absoluto de retrocesso.  Então, só existe esse caminho. A situação do risco democrático é tão dramática, que eu espero que  o Lula restabeleça aquela velha democracia, que é insuficiente, é de baixa intensidade, mas que nos assegura poder voltar a colocar pautas em disputa na sociedade.  É a primeira responsabilidade. 

Eu acho preocupante a situação em que o país se encontra. Estamos sob  a égide de uma perspectiva fascista. O fascismo é uma doutrina que a gente conhece, e nela não tem lugar para nós (pretos). O fascismo é formado pela concepção do supremacismo branco, que está em ascensão no mundo inteiro. Então, não há projeto para nós que não seja um projeto perigoso, perverso e ameaçador. Com o Lula, o que nós esperamos, primeiro, é que o estado democrático de direito seja restabelecido. Esse é o primeiro requisito para que a gente volte a disputar,  a propor, a formular proposições, sobretudo de políticas públicas que venham a incidir sobre a desigualdade racial, no campo da saúde, da educação, no campo das representações políticas. Ou seja, em todas as dimensões da vida social o recorte racial precisa ser observado para que a gente possa corrigir. 

O que importa é que precisamos da ambiência democrática indispensável para poder pautar nossos temas. E o Baobá também depende disso. Caso não se efetive essa perspectiva, nós teremos trevas para enfrentar. E o Baobá terá que se preparar para dar suporte à resistência negra,  para fazer a travessia nesse momento que poderá ser de trevas e que  não desejamos. Mas se ele ocorrer, é este papel que terá que ser feito: apoiar nossa gente nas estratégias de resistência e sobrevivência ao abandono social. 

Que análise pode ser feita dos últimos quatro anos sob o olhar da governança de um fundo que trabalha pela Equidade Racial no Brasil? 

Tenho orgulho de ter estado no Baobá num momento de grande complexidade. Num momento de agravamento da questão racial no Brasil. Momento que também foi fortemente atravessado por um elemento impensado que foi a pandemia. Isso teve um grande impacto sobre o próprio Baobá. Isso é um sintoma do que poderia vir a ser o agravamento da questão política no nosso campo. O Baobá rapidamente se reciclou durante a pandemia. Rapidamente se localizou naquilo que deveria fazer. Naquilo em que deveria atuar. E foi um momento curioso, paradoxal, porque o problema era de extrema gravidade, mas também foi a oportunidade que o Baobá teve de se enraizar mais na população negra, de se fazer presente na população negra que está em territórios mais vulneráveis. Foi paradoxal neste sentido, porque a pandemia nos empurrou para ir ao encontro dos grotões em que a nossa gente  estava padecendo mais e fazer lá o que era necessário fazer: levar algum alívio, algum amparo.  

Pela rapidez com que o Baobá agiu, pelos editais que foram criados para atender  a emergência sanitária e alimentar, a questão da sofrência que nossas famílias estavam, ter conseguido alcançar e levar algum alívio  foi uma coisa que a gente não esperava que fosse acontecer da maneira que aconteceu e que tivéssemos uma resposta com prontidão para fazer frente àquela situação.  E foi algo que a sociedade civil brasileira grandemente abraçou e se fez presente nessa situação. O Baobá foi um ator importante nesse processo. De lá para cá acho que ficou o saldo de referência de uma instituição negra, voltada para a equidade racial, mas que está atenta para as urgências da sua população e é capaz de responder de acordo.  

Eu me sinto orgulhosa de fazer parte do Baobá, num momento tão delicado que a gente teve que atravessar. E estamos alcançando índices interessantes no campo da filantropia, porque 85% das comunidades que a gente atinge (organizações, coletivos ou grupos) nunca foram financiados antes. Então, nós estamos chegando à nossa gente. Estamos chegando nos invisíveis. Essa é a parte mais importante da nossa missão.  

O Fundo Baobá não é um captador e repassador de recursos. Ele se fez para além disso. Criou uma forma de atuar dentro desse ambiente da filantropia pela justiça social. O Baobá virou referência? O Fundo é hoje inspiração para outros que estão vindo atuar nesse mercado? 

O Baobá é pioneiro no Brasil em ser um fundo voltado exclusivamente para esse tema. É um mandato único dentro do contexto mais amplo das organizações negras. E a minha visão é que a função prioritária de um fundo é captar e doar. O Baobá pode ser um ator político estratégico onde as organizaçãoes do movimento negro não têm poder de incidência. Mas a missão institucional é o fortalecimento do sujeito político movimento negro e as suas organizações, que são aquelas organizações que constroem a luta antirracista e a luta feminista no Brasil. Esse é o foco principal do Baobá: o fortalecimento da  luta contra o sexismo e o racismo na sua articulação de gênero e raça. Nessa missão, o Baobá não pode ser concorrente das organizações negras. Ele não substitui o protagonismo das organizações. Ele não deve fazer isso. Pelo contrário: ele é um agente de  fortalecimento dessas organizações. Mas há dimensões da questão racial em que pode não haver um ator político em condições de incidir nessa dimensão. Aí eu acho que o Baobá tem uma contribuição a dar. Sobretudo em questões mais estratégicas, que envolvem grandes decisões de Estado ou que envolvem estratégias de parcerias no âmbito internacional, mas nunca em concorrência com a sociedade civil negra. Jamais! Porque isso é enfraquecer o principal sujeito político que sustenta nossa luta.

A captação de recursos é o grande gargalo do Baobá. Você concorda com essa visão? 

O desafio da captação é real e não apenas para o Fundo Baobá. A sociedade civil tem esse desafio permanentemente. O que eu acho que para o Baobá pode ser um agravante é o tema. A tradição de doar para a causa racial é muito nova no Brasil.  Isso é um desafio adicional. Ter um Fundo voltado exclusivamente para essa dimensão é um projeto extremamente radical e desafiador. Ele é desafiador porque justamente desafia consensos. O consenso, por exemplo, da democracia racial. Um país que demorou o que nós demoramos para aceitar discutir o tema racial ter um Fundo voltado para esse fim é muito mais desafiador do que qualquer outra temática.  Um tema como o dos direitos humanos é um tema estigmatizado na sociedade brasileira, porque foi estigmatizado como defesa de bandidos. Da mesma maneira, com agravantes, um fundo como o Baobá, que está voltado para a equidade racial em um país que não aceita que há racismo historicamente, é um drama adicional. Depois, você tem a complicação de, mesmo quando o possível doador entende que o problema existe, se é um doador com muita visibilidade, com reconhecimento público, dificilmente ele quer associar a sua imagem a um tema desses. 

Eu sou diretora do Geledés e nós vivemos,  em muitas situações, ofertas de apoio que viriam de igrejas ou instituições renomadas, desde que a gente não falasse em racismo, a gente teria o financiamento. Se a gente falasse em criança, mas não falasse no racismo que atinge a criança negra, a gente teria o financiamento. Então, havia oferta de apoio mediante a renúncia. Mas nós temos que dizer para essa sociedade que o racismo é a mãe e o pai de todas as desigualdades. Que o racismo é o elemento estruturante de todas as desigualdades e violências.  E quando a gente pensa em mulheres negras, a gente diz: racismo e sexismo, quando se articulam recortados por raça, são o pai e a mãe de todas as violações de direitos humanos nesse país. Então, é difícil apoiar um Fundo com essas características, sabendo que ele é sustentáculo da luta que combate essas duas perversidades que existem na sociedade brasileira,  é ter que aceitar que existe um problema que é um problema sério, grave, que constrói uma apartação extraordinária nesse território, ao ponto de os índices de desenvolvimento entre brancos e negros terem diferenças abismais.

A diferença dos índices de desenvolvimento humano desses dois segmentos chega a ser grotesca. Porque a última imagem que um de nossos economistas criou é que existe um país aqui que tem o mesmo índice de desenvolvimento da Bélgica, povoado por gente branca, e um outro país, também aqui dentro, que está em uma posição, em termos de IDH (Ìndice de Desenvolvimento Humano), abaixo de muitos países africanos. E nós estamos falando de um país muito rico, que tem por marca a desigualdade, porque o drama aqui não é um país pobre. É um país com muita riqueza, mas com a concentração dessa riqueza nas mãos de um segmento racial. 

Saúde, Empreendedorismo, Recuperação Econômica, Auxílio a Populações em Situação de Vulnerabilidade, Justiça Criminal. Que outros terrenos  o Baobá ainda necessita semear? 

Acho que existe uma questão que é crítica, que ainda nós precisamos desenvolver uma estratégia de grande envergadura, que é em relação ao genocídio da juventude negra. Isso é um tema em que ainda precisamos de uma estratégia. Mas não acho que seja um tema que possa ser abraçado por uma única instituição. Não apenas nós (Fundo Baobá) desenvolvermos uma estratégia potente para lidar com essa questão. Temos que envolver muitos outros parceiros que estão conosco na luta antirracista, para enfrentarmos essa questão de frente, para asssumir a responsabilidade com relação a essa problemática, que é de todas a mais perversa. Acho que esse é um tema que nos desafia e que permanece pendente, carecendo de uma incidência vigorosa por parte do Baobá e seus parceiros. 

O Baobá vai existir enquanto perdurar a questão do racismo em nosso país. A existência do Baobá vai até aí. Você acredita que isso, o racismo, poderá acabar em nosso país?  

Cada geração que se apresenta tem que cumprir o seu papel nesse combate. Essa gestão do  Baobá está comprometida com a responsabilidade de construir as condições necessárias para a permanência do Baobá o máximo possível no tempo para o cumprimento da sua missão. Enquanto existir racismo, o Baobá é necessário. Então, fortalecer o Baobá para cumprir essa missão é responsabilidade dessa gestão e das que virão. Estou muito animada com o que nós estamos sendo capazes de enriquecer o nosso endowment, o nosso fundo patrimonial, que eu espero permita atender as necessidades identificadas pela gestão atual e as vindouras. Estamos trabalhando arduamente nessa direção.  

Investiga Menina!: Produção de Mulheres Negras nas Ciências

Por Mariane Euzebio

Segundo o Censo da Educação Superior de 2019, mulheres ocupam menos de 15% das cadeiras universitárias em todas as áreas pesquisadas. Dos jogos digitais às engenharias, os homens sempre representam mais de 85% entre o total de estudantes. Além das disparidades no que diz respeito ao acesso nas universidades, a visão ainda reforça a hegemonia colonial de compreender o mundo. As mulheres participam em praticamente todas as grandes áreas do conhecimento, porém são, em sua maioria, nas áreas ligadas ao cuidado e minoria nas áreas de ciências. 

No artigo “A relação entre as discussões de gênero e o ensino de ciências: a criação de um grupo de pesquisa no ensino médio”, a autora Paloma Santos afirma que não se discute a mulher em sala de aula, não se dá visibilidade às questões pertencentes ao feminino, nem a influência e participação de mulheres nas ciências, na sociedade, nas artes, nas religiões e na vida. A química, a física e a matemática são reafirmadas, principalmente pela prática dos educadores, como essencialmente masculinas.

Para mudar essa situação, foi criado o Projeto Investiga Menina!, do Coletivo Negro(a) Tia Ciata. Ele surgiu dentro da UFG – Universidade Federal de Goiás em 2009 a partir de uma demanda social para inserir mais meninas negras, sobretudo periféricas, dentro das carreiras de Ciências, Exatas e Tecnologias.  Seu objetivo principal é desenvolver propostas pedagógicas buscando estabelecer o diálogo entre o corpo feminino negro e o conhecimento químico, de modo a contemplar o Ensino de Ciências, Exatas e Tecnologias a partir de uma matriz cultural não eurocêntrica, pois ainda há uma norma colonizadora, branca e masculina nas produções científicas. 

O projeto enfatiza a urgência de cultura africana e afro-brasileira nos ensinos de Ciências, Exatas e Tecnologia, pois acreditam que quanto mais diverso e plural, elas conseguem aumentar o número de modelos de produção de ciências e respostas que podem dar para a sociedade brasileira. Por esse motivo, o Projeto Investiga Menina! foi um dos contemplados no Edital Educação e Identidades Negras: Políticas de Equidade Racial, que faz parte do Programa de Educação e Equidade Racial do Fundo Baobá,  apoiado pelas instituições Imaginable Futures e Fundação Lemann. A intenção principal do edital é a promoção ao enfrentamento ao racismo no campo da educação, a valorização da identidade e cultura negra no segmento educacional, além do fortalecimento das lideranças e o aumento da representação de pessoas negras dentro da esfera educacional.

A instituição selecionada recebeu um aporte de R$175 mil, e segundo Anna Benite, coordenadora do Projeto Investiga Menina!, foi uma parceria bastante significativa, pois deu a possibilidade das atividades serem executadas, além de poder ter vivenciado um diálogo franco e aberto com o Fundo Baobá.

“Transformar esse modelo significa atuar diretamente no investimento dos currículos. Se a gente vê dentro dos modelos de produção, na própria difusão do conhecimento científico, a gente vai estar investindo em novas janelas de futuro.” afirma Anna Benite.

O projeto Investiga Menina! vem desenvolvendo ações no decorrer de 2023 com o aporte recebido do Fundo Baobá e segue proporcionando novos olhares no que contempla o ensino de química brasileiro. A profa. Dra. Simone Maria de Moraes, que foi estudante de escola pública de periferia, afirma que vem conseguindo desenvolver novas práticas em suas aulas de matemática abordando os jogos africanos e outros elementos da cultura africana. Dessa maneira é possível transmitir a herança ancestral dentro da sala de aula e o fortalecimento da utilização da Lei 10.639/03, que estabelece o ensino obrigatório da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio.

Ainda este ano, no mês de setembro, o Projeto Investiga Menina! realizará o III Colóquio Ensino de Ciências para as relações Étnico-raciais: Políticas de Ações Afirmativas. A coordenadora Anna Bennite afirma que essa também será uma das consolidações sólidas para a continuidade e crescimento do projeto. Ela acredita que, uma vez que semeamos na Educação Básica, teremos um futuro melhor de pais com o olhar de cientistas negras.

Construindo caminhos para o bem-viver por meio da educação, comunicação e tecnologia

Por Anna Suav* e Tamara Mesquita*

Comunicar-se é uma prática ancestral da espécie humana e no decorrer da mudança das eras, alguns modelos, formatos e dispositivos foram e continuam a ser aprimorados visando o repasse de mensagens, avisos e conhecimentos de curto a longo prazo, pensando e desenvolvendo a comunicação para que consigamos conviver melhor e registrar nossa história. A partir da contemporaneidade, com um mundo cada vez mais ‘online’, as mídias têm se destacado na operacionalização deste processo, contribuindo na construção da cultura, educação, e do conceito de educomunicação. 

Para SOARES (2011) por Educomunicação entende-se um conjunto articulado de iniciativas voltadas a facilitar o diálogo social, por meio do uso consciente de tecnologias da informação. O desenvolvimento de ecossistemas comunicativos permitiria a educação para a Educomunicação propondo estratégias para melhorar as relações de comunicação entre os indivíduos, em direção a uma educação de melhor qualidade e mais próxima das aspirações dos jovens de hoje. A Educomunicação surge como uma nova forma de ensino que consiste na adoção de técnicas utilizadas pelos meios de comunicação e tecnologia, encontradas principalmente nas mídias (Rádio, TV, internet) juntamente com a área da Educação (2011 p.47). 

Ao entrarmos nas comunidades quilombolas, entender os modos de comunicação e educação já estabelecidos é fundamental, o uso do termo comunitário referindo-se à comunicação participativa, envolvendo as pessoas da comunidade, não só como receptores, mas como protagonistas dos conteúdos produzidos. Diante deste contexto, é que a equipe interdisciplinar do  projeto ‘Saúde Mental Quilombola: Direitos, Resistência e Resiliência’, promovido pelo Baobá – Fundo para Equidade Racial com apoio da Johnson & Johnson, adotou esse formato de formação, valorizando a riqueza dos saberes locais e suas formas de repasse. 

Historicamente, a comunicação comunitária tem como uma das suas principais bases as rádios comunitárias, que surgiram na década de 70 e que ainda hoje são uma das maiores resistências dentro das periferias e comunidades tradicionais da Amazônia, hackeando as ondas sonoras a fim de gerar conexão, informação e subvertendo as lógicas de isolamento que assolam as comunidades que vivem longe dos centros urbanos. 

No município de Baião não é diferente, os métodos comunicativos estão presentes, dentre eles a tradicional Rádio Liberdade FM, que comunica na perspectiva de fortalecer, incentivar e informar dentro do território. Djalma Ramalho, radialista e morador da comunidade quilombola de Igarapezinho, nos conta que a rádio tem a intenção de contar o cotidiano e as notícias locais, “A ideia é falar com a comunidade sobre sua cultura e história, além de ouvir uma boa música”, e com as novas tecnologias esse acesso se amplia cada vez mais, atualmente tudo que é veiculado na Rádio é disparado no aplicativo do Whatsapp, alcançando até pessoas fora do território. Hoje, esse espaço da Rádio também é de incidência política, pois são práticas comunicacionais como essa que contribuem na emancipação dos indivíduos. 

Diante dessas práticas já existentes na comunidade a equipe de comunicação do projeto também busca desenvolver suas atividades, aliando a técnica com os saberes locais e a prática do cuidado com a saúde mental. “Utilizar essa ferramenta hoje para falar sobre saúde mental é muito importante para ressignificar estas estratégias e agora aplicá-las de forma que vão beneficiar a comunicação em grupo”, diz Mayara Coelho, roteirista e educadora. Comunicar é ter responsabilidade, é pensar e cuidar para que o outro receba uma mensagem clara e objetiva, já que na atualidade a quantidade de informação é muito mais acelerada o que impacta diretamente como essa mensagem chega. “Nas nossas oficinas, trabalhamos muito em cima da comunicação não violenta, colocando o respeito na base, nós a aplicamos durante o projeto e tivemos resultados benéficos visíveis no diálogo entre a comunidade e as lideranças. A comunicação serve não somente para facilitar as conversas, como também para levar lazer e alívio, e isso é muito importante no processo de fortalecimento da saúde mental”, afirma Mayara Coelho.

Contar nossas próprias narrativas é fundamental, entendendo que quem tem o poder de contar nossas histórias e quem escolhe contar, na sua grande maioria, está dentro do que chamamos comunicação hegemônica, o que nos lembra  Chimamanda Ngozi Adichie (2009), “é assim que se cria uma única história: mostre um povo como uma coisa, como somente uma coisa, repetidamente, e será o que eles se tornarão”. E a partir disso se criam os estereótipos de um povo, afetando o bem viver, e consequentemente a saúde mental, porque o direito a uma vida digna também é ter suas histórias contadas de forma correta, valorizando os saberes locais, entendendo que morar longe de aglomerados urbanos não dá direito o de violar o acessos básicos como comunicar-se.

Como forma de contra-narrativa a essa “história única”, é que nas oficinas de educomunicação, também foram utilizadas ferramentas do audiovisual para que as pessoas da comunidade pudessem usar seus celulares, dispositivo que a maioria possui, como um instrumento de denúncia e potência, contando sobre suas ancestralidades, dores e alegrias via registro em vídeo. A oficina de audiovisual foi muito importante pra gente por conta do conteúdo  que nós aprendemos e entendemos. O celular é uma ferramenta que nos ajuda a divulgar pequenas coisas, ele é usado também pra fazer algumas denúncias, que também ajudam muitas pessoas. E sobre as nossas atividades ,fizemos um mini-curso de como gravar, tirar fotos, fazer colagem, cortes e muitas coisas legais,a gente se divertiu muito com tudo isso e estamos  agradecidos”, relata Gilberto Ribeiro, morador da Comunidade de Baixinha. 

“Nesse espaço, a comunidade toma algo pra ela, que é o protagonismo de estar na

 frente das câmeras, de escrever suas histórias, de captar momentos e divulgar o que foi produzido”, compartilha Tamara Mesquita, jornalista e produtora que compõe a equipe técnica do projeto. Cicilia Peruzzo diz: “Os  movimentos  sociais  populares  representam  estruturas  novas  que  podem contribuir na formação de um duplo poder. São criações da sociedade civil que vão  democratizando,  exercendo  um  papel  do  qual  os  canais  tradicionais  de representação não estavam dando conta”. (Peruzzo, 1998, p.69). Nesse movimento cria-se redes e se fortalece a ancestralidade. 

O projeto ‘Saúde Mental’ entende como fundamental a mostra e o compartilhamento das possibilidades de informar e registrar a história e o presente por meio da comunicação e dos seus modos de operação, tradicionais ou contemporâneos, a fim de que isso promova mais acessos e a estruturação de um bem-viver nas comunidades quilombolas da Amazônia. 

¹ Anna Suav é MC, poeta, jornalista, produtora cultural e audiovisual. Hoje integra a equipe da Negritar Filmes e Produções, na função de coordenadora de comunicação. 
² Tamara Mesquita é jornalista, produtora audiovisual, educadora e comunicadora popular. Hoje integra a equipe da Negritar Filmes e Produções, na função de coordenadora de produção.

Negritar Filmes e Produções é uma produtora de impacto social, composta por pessoas negras.

O encontro da psicologia com os saberes e práticas de cuidado das comunidades quilombolas

Por Anna Suav* e Tamara Mesquita*

A partir de diagnósticos dramáticos resultantes da pandemia da Covid-19 sobre como seus efeitos nocivos também afetaram a saúde mental de comunidades quilombolas localizadas nos municípios de Baião e Oeiras do Pará, regiões do Estado do Pará que reúnem um conjunto de comunidades remanescentes de quilombos, é que o projeto ‘Saúde Mental Quilombola: Direitos, Resistência e Resiliência’ se propõe a ter como frente de atuação o incentivo à vida, na aplicação de ações de educação, comunicação, audiovisual, direito, enfermagem e psicologia para essas comunidades, buscando apresentar, aprofundar e naturalizar a temática da saúde mental da, e para, a população negra e quilombola no território amazônida. 

É um exercício para além de si, das obviedades, das temporalidades, dos sujeitos, espaços, e da ciência moderna, a busca por um sentido que venha a ser coletivamente aplicável para a palavra saúde, seja ela física ou mental. Das subjetividades individuais e do que é capaz de contemplar um grupo, eis o desafio lançado, uma vez que o viver enquanto comunidade quilombola na Amazônia, é resistir três, quatro vezes mais, é cotidianamente revisitar a história plantada no passado como forma de nutrição para um possível futuro.

Promovido em conjunto pelo Baobá – Fundo para Equidade Racial, Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e Coordenação Estadual das Associações de Comunidades Remanescentes de Quilombo (Malungu/Estado do Pará), Associação das Comunidades Remanescente de Quilombo de Igarapé Preto a Baixinha (ARQIB), o projeto “Saúde Mental Quilombola”, iniciado em dezembro de 2022  com apoio da Johnson & Johnson, visa dialogar com lideranças comunitárias, trabalhadores da saúde, juventude, homens e mulheres, em uma espécie de coligação na criação de estratégias para o resgate da autoestima de pertencer a um quilombo. 

Pois, afinal, o que é quilombo? A palavra quilombo é originária do idioma africano quimbunco, que significa: sociedade formada por jovens guerreiros que pertenciam a grupos étnicos desenraizados de suas comunidades. Para avançarmos em direção ao objetivo essencial do projeto, é fundamental fazermos o movimento de Sankofa, retornar, para nos lembrarmos da motivação primária: o resgate. Para a moradora de França e artesã, Claudilene Rocha, “ser quilombola é se identificar com a nossa cultura, nosso conhecimento, é continuar o que nossos ancestrais passaram para gente’’.

Aquilombar é um processo de resistência, é um mecanismo de defesa na luta pelo direito à vida, à liberdade. “Aos remanescentes das Comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos” – Art. 68/ADCT/CF1988. 

“A propriedade quilombola é inalienável, impenhorável e imprescritível. Isso quer dizer que a terra não pode ser cedida, transferida nem vendida; também não pode ser retirada do patrimônio da associação para quitar eventuais dívidas; e o título não prescreve, não pode ser revogado nem cancelado”, Malungu*.

Em sua quarta viagem ao território quilombola dos municípios de Baião e Oeiras do Pará, e a partir da convivência coletiva e análise pela equipe técnica, foi entendido que as demandas de saúde mental e emocional das comunidades são engatilhadas por diferentes esferas. Como já fora apontado, a pandemia surge como marco de instabilidade, enfatizada pelo racismo historicamente operante, os contextos socioeconômicos e socioambientais contribuem com o desencadeamento de dificuldades na manutenção dos recursos necessários para a sobrevivência e manutenção das famílias, tornando a vivência e permanência nos quilombos algo desafiador, repercutindo negativamente na sociabilidade da comunidade, afetando a juventude, grupo identificado como o mais exposto  aos impactos sofridos na saúde mental. 

Frente a essas dificuldades, o projeto age a fim de trazer à luz o protagonismo fundamental das comunidades a partir das suas próprias tecnologias ancestrais, para o fortalecimento comunitário e o consequente avanço em fatores de proteção para demandas de saúde mental. 

Sobre essa temática, o psicólogo Álvaro Palha relata sobre a metodologia utilizada nas atividades “A concepção de saúde mental que adotamos envolve uma visão ampliada sobre a constituição do sujeito, na compreensão de que o corpo é constituído por múltiplas e complexas dimensões e domínios (biológico, psíquico, histórico, territorial e político), ou seja, os processos de produção daquilo que chamamos saúde e doença inscrevem-se além de noções biomédicas centradas na individualidade e se expandem para pensar o trabalho a desenvolver, pela via da coletividade histórica, social e política”. O profissional afirma que, via de regra, em relação a qualquer trabalho em comunidades, o diálogo é o que norteia as ações, o entendimento das demandas do território e ver a partir deles (quilombolas) que tipos de manejos já estão disponíveis, para a partir disso decidir em conjunto que estratégias serão adotadas.

“O trabalho dos psicólogos na nossa comunidade veio num momento em que a gente estava precisando muito! A pandemia escancarou o que o nosso povo já estava sofrendo, e o trabalho deles foi de suma importância no nosso território, o quanto que ajudou, e o quanto ainda pode ajudar não só no aspecto profissional, mas enquanto seres humanos. Eles tinham horário para começar mas tinham pra terminar, eles ajudaram muitas pessoas, inclusive a mim, eu só tenho a agradecer. O trabalho deles foi além!”, relata Nilva Martins, Presidente da ARQUIB. 

É preciso enfatizar que existe uma história sobre práticas de cuidado, dos conhecedores dos remédios tradicionais, das parteiras quilombolas, das técnicas de agricultura, da organização comunitária para atividades de coletas na mata, orientações sobre preparo de alimentos e manejo de suas restrições, conhecimentos sobre matérias primas e técnica, que se configuram em um legado. Como por exemplo, afirma Dona Deldete, morada da comunidade de Pampelônia, “Deus me deu o dom de puxar. Eu puxava a barriga, endireitava a criança”. Se tais saberes não são considerados na contemporaneidade e são descartados em prol de uma atualização, que não considera o passado, temos uma grande perda a nível de conhecimento, mas também do que significa saúde mental para comunidades tradicionais. 

Bianca Tsubaki, psicóloga que também atua no projeto, ressalta ainda que “É interessante lembrar que a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) em diálogo com a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), instituída em 2007, orientam que a promoção à saúde deve ser por meio da prestação de um cuidado culturalmente seguro e eficaz, reconhecendo que os saberes tradicionais locais são constituídos e constituintes nas e pelas relações culturais e sociais, fundamentais para a construção de estratégias de atendimento à saúde”.

São as violações de direitos, a falta ou o pouco acesso aos recursos que possam garantir minimamente a dignidade de vida que impactam diretamente no adoecimento psíquico. 

A equipe interdisciplinar do projeto vem trabalhando em vários segmentos que resultam em um mesmo propósito, e falar dos direitos básicos à terra e a sua própria identidade é reforçar o protagonismo de cada quilombola e fornecer subsídios para sua recuperação. E tratando-se dos territórios quilombolas da ARQIB, os saberes tradicionais mantêm-se vivos por meios do Samba de Cacete, do grupo de Quadrilha composto por adolescentes e jovens adultos, das ervas e plantas medicinais enquanto recurso locais no tratamento de doenças, bem como os saberes ancestrais do grupo de parteiras, da festividade do dia da Tiração de Rei, do festejo ao São José Operário, e mais. 

¹ Anna Suav é MC, poeta, jornalista, produtora cultural e audiovisual. Hoje integra a equipe da Negritar Filmes e Produções, na função de coordenadora de comunicação. 
² Tamara Mesquita é jornalista, produtora audiovisual, educadora e comunicadora popular. Hoje integra a equipe da Negritar Filmes e Produções, na função de coordenadora de produção.
Negritar Filmes e Produções é uma produtora de impacto social, composta por pessoas negras.

https://malungu.org/comunidades-1/o-que-e-quilombo/ 

Negligência ambiental e climática afetam majoritariamente grupos vulneráveis

Fernanda Lopes

Diretora de Programa do Fundo Baobá

 

É notório que a crise climática representa riscos substanciais para a saúde, produção de alimentos, abastecimento de água, ecossistemas, energia, segurança e infraestrutura. Embora as mudanças climáticas afetem todo o planeta, uma parte da sociedade é desproporcionalmente afetada por questões sociais, econômicas, políticas, ambientais e socioculturais. Tanto a crise quanto as mudanças exacerbam as desigualdades existentes e as exclusões resultantes de histórias cruzadas de colonialismo, racismo, opressão e discriminação.

No Brasil, 82,5% da população, estimada em 212,7 milhões de pessoas pelo IBGE em 2021, reside em áreas urbanas. O espaço urbano é segregado, e nas zonas caracterizadas por moradias em condições inadequadas para habitação e escassez de serviços fundamentais de infraestrutura, a maioria da população residente é negra. Além disso, nas zonas de maior degradação ambiental, de despejo de lixo tóxico, onde estão localizadas indústrias poluidoras, a maior parte da população também é negra.

O relatório de um estudo do Instituto Pólis comprova em dados como o racismo ambiental acontece. O estudo “Injustiça socioambiental e racismo ambiental” observou três capitais brasileiras — Belém, Recife e São Paulo — e encontrou padrões que se repetem no resto do país. Em Belém, 75% das pessoas que vivem em áreas de risco são negras, representando 64% da população total da cidade. Em Recife, o percentual de negros é de 55%, mas esse número sobe para 59% nas regiões sujeitas a inundação e chega a 68% nos locais com risco de deslizamento e eventos climáticos. Em São Paulo, onde 37% da população é negra, 55% das pessoas que residem em áreas de risco são negras. O racismo ambiental fica evidente quando as consequências das degradações ambientais se concentram em bairros e territórios periféricos, onde vivem famílias mais pobres e onde há maior concentração de pessoas negras, indígenas e quilombolas.

O racismo ambiental apresenta-se como uma ameaça séria e desigual ao gozo de múltiplos direitos humanos, incluindo o direito à vida, à saúde, a um padrão de vida adequado, às gerações futuras, ao território ancestral e ao patrimônio material e imaterial.

Os efeitos das mudanças climáticas são desproporcionais e afetam sobretudo as vítimas do racismo ambiental, algo que é pouco debatido. Até pouco tempo atrás, a discussão estava focada em ativos físicos que eram os recursos naturais, depois a vida animal. As pessoas e as comunidades não estavam no centro das discussões. Hoje em dia é nítido o fato de a crise gerar migrações forçadas, pobreza absoluta e relativa, ampliação da insegurança alimentar e da fome. A mudança climática ultrapassa os limites de uma crise ambiental, gerando também crises sociais, econômicas, culturais e políticas cujos impactos não são sentidos de maneira uniforme.

Em diferentes países do mundo, estudos e dados oficiais indicam que a população negra está entre os grupos mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, juntamente com mulheres, crianças, idosos e pessoas pobres em geral. De acordo com um relatório recente da Agência Norte Americana de Proteção Ambiental, afro-americanos e pessoas de ascendência africana têm 40% mais chances de viverem em áreas afetadas por temperaturas extremas e com as maiores taxas de morbimortalidade, conceito da medicina que se refere ao índice de pessoas que adoecem ou morrem em decorrência de uma doença específica dentro de determinado grupo populacional.

O Fundo Baobá é comprometido com a filantropia pelo clima. A convite do GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), esteve presente na COP 27 e se comprometeu com o enfrentamento da crise climática, reconhecendo o papel das mulheres, das comunidades rurais quilombolas e outras comunidades tradicionais estarem à frente dessas ações. O Baobá também aderiu ao movimento global sobre filantropia para mudança climática, reiterando que, no Brasil, a população negra e outros grupos racializados são os que mais perdem com as injustiças sociais e climáticas.

E aposta em fomentar ações que possam ampliar a voz, o poder, construir autonomia e contribuir com estratégias de mitigação dos efeitos adversos entre grupos mais vulneráveis. O grantmaking caracterizado por pequenos aportes financeiros amplia a capacidade desses grupos para enfrentar, lidar e se recuperar de eventos climáticos pontuais ou extremos, implementando soluções que podem ser adaptadas e replicadas.

Nos contextos rurais, além de contribuir com o reconhecimento das práticas tradicionais, fundamentais para a promoção de um desenvolvimento sustentável e justo, a filantropia pelo clima e para justiça social promovida pelo Fundo Baobá reitera os conhecimentos e práticas tradicionais de gestão dos recursos naturais que preservam e possibilitam sua regeneração e contribuem para a manutenção da biodiversidade implementadas por quilombolas, ribeirinhos, marisqueiras e pescadores. Essas práticas, além de gerar renda, são caminhos para a transição justa, para uma economia mais verde e inclusiva. Vale ressaltar que são soluções testadas e replicáveis, que podem ser adaptadas em diferentes contextos e serem escalonadas por meio de políticas públicas.

Por isso, é tão importante que o ecossistema de filantropia, os setores público e privado e o terceiro setor possam reconhecer a responsabilidade da humanidade pelos impactos do efeito estufa e das emissões de gases nas pessoas negras, mulheres, nos mais pobres e em grupos vulneráveis, abordando de forma crítica as desigualdades, promovendo abordagens transformadoras e soluções regenerativas baseadas nos princípios e diretrizes dos direitos humanos.

Sobre Fernanda Lopes
Fernanda Lopes é doutora em Saúde Pública pela USP (Universidade de São Paulo), membro do GT Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva e diretora de programa do Fundo Baobá para Equidade Racial. Coordenou o Programa de Combate ao Racismo Institucional no Brasil (PCRI), parceria estabelecida entre a Agência de Cooperação Técnica do Ministério Britânico para o Desenvolvimento Internacional e Redução da Pobreza (DFID), o Ministério da Saúde (MS), a Secretaria Especial de Políticas para Promoção da Igualdade Racial (Seppir), o Ministério Público Federal (MPF), a Organização Panamericana de Saúde (Opas) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e foi staff member do Fundo de População das Nações Unidas no Brasil.
Artigo originalmente publicado no blog da WINGs, uma comunidade de lideranças e agentes da mudança comprometidos em garantir que a filantropia alcance todo o seu potencial como catalisador para a justiça social.

Environmental Racism and Climate Injustice: Impact on Vulnerable Ethnic Communities

Fernanda Lopes

Program Director at Baobá Fund for Racial Equity

 

It is well known that the climate crisis poses substantial risks to health, food production, water supply, ecosystems, energy, security and infrastructure. Even though climate change affects the entire planet, some people are disproportionately affected by social, economic, political, environmental and sociocultural issues. The climate crisis and the changes caused by it exacerbate these existing inequalities and exclusions resulting from intertwined histories of colonialism, racism, oppression and discrimination.

In Brazil, 82.5% of the population, estimated at 212.7 million people by IBGE (Brazilian Institute of Geography and Statistics), resides in urban areas. The urban space is segregated, and in areas characterised by inadequate housing conditions and a shortage of essential infrastructure services, most of the resident population is Black. Additionally, in areas where environmental degradation is more present such as areas with toxic waste disposals and polluting industries, the majority of the population is also Black.

A study by the Instituto Pólis provides data demonstrating how environmental racism occurs. The study, “Socio-environmental injustice and environmental racism”, observed three Brazilian capitals – Belém, Recife, and São Paulo – and found patterns throughout the country. In Belém, 75% of people living in areas at high risk of experiencing natural disasters are Black, representing 64% of the city’s total population. In Recife, 55% of the population is Black, but 59% of people in flood-prone areas and 68% of people in areas at risk of landslides are Black. In São Paulo, where 37% of the population is Black, 55% of people residing in high-risk areas are Black.

Environmental racism becomes evident when the consequences of environmental degradation are concentrated in peripheral neighbourhoods and territories where poorer families live and where there is a higher percentage of Black, indigenous, and quilombola people. Environmental racism poses a serious and unequal threat to the enjoyment of multiple human rights, including the right to life, health, an adequate standard of living, future generations, ancestral territory, and material and immaterial heritage.

The effects of climate change are disproportionate and mainly affect the victims of environmental racism, a topic that is often overlooked. Until recently, the climate discussions were focused on physical assets such as natural resources and animal life, with people and communities being left out. Nowadays, it is clear that the crisis generates forced migration, absolute and relative poverty, increased food insecurity and hunger. Climate change goes beyond an environmental crisis; it is also leading to social, economic, cultural and political crises whose impacts are not felt in the same way by everyone.

In different countries worldwide, studies and official data indicate that Black populations are among the most vulnerable groups to the impacts of climate change, along with women, children, the elderly, and poor people. According to a recent report from the North American Environmental Protection Agency, African Americans and people of African descent are 40% more likely to live in areas affected by extreme temperatures and with the highest rates of morbidity and mortality, a concept in medicine that refers to the rate of people who become ill or die due to a specific disease within a specific population group.

Baobá Fund is committed to tackling environmental racism and climate injustice. At the invitation of GIFE (Group of Institutes, Foundations, and Companies), we participated in COP27 and committed to addressing the climate crisis, recognising the leadership role of women, rural quilombola communities, and other traditional communities. Baobá also joined the global #PhilanthropyForClimate movement, reiterating that in Brazil, Black populations and other racialised groups are the ones who suffer most from social and climate injustices.

We aim to promote actions that can amplify voices, build autonomy, and contribute to strategies for mitigating and addressing adverse effects among vulnerable groups. Grantmaking characterised by small financial contributions increases the capacity of these groups to face, deal with, and recover from specific or extreme weather events, implementing solutions that can be adapted and replicated. Sarah Marques, one of the leaders supported by the Baobá Fund, is the co-founder of the Caranguejo Tabaiares Collective. The collective has directly impacted over two thousand families in the community, who primarily rely on fishing. Some families faced threats of expropriation to make way for the construction of a highway, but Sarah mobilised residents and the government, and the initiative was successful, with the families being allowed to remain in the area. The group also established a community garden that provides sustenance for the surrounding families.

In rural contexts, philanthropy for climate and social justice promoted by the Baobá Fund also contributes to the recognition of traditional practices, fundamental to promoting sustainable, fair development, and natural resource management that preserves and enables its regeneration. These practices implemented by quilombolas, riparian communities, shellfish gatherers, and fishermen contribute to maintaining biodiversity and generating income, providing pathways for a fair transition to a greener and more inclusive economy. These communities frequently employ selective fishing techniques, avoiding the use of predatory methods that could harm the region’s biodiversity. They also apply specific knowledge about fish reproduction and migration periods, adjusting their fishing practices to align with these natural cycles. It’s worth noting that these are tested and replicable solutions that can be adapted to different contexts and scaled up through public policies.

That’s why it’s so important that the philanthropic ecosystem, the public and private sectors, and the third sector recognise humanity’s responsibility for the impacts of greenhouse gas emissions and climate change on Black people, women, the poorest, and vulnerable groups. This requires a critical approach to addressing inequalities, promoting transformative approaches, and regenerative solutions based on human rights principles and guidelines.

 


 

About Fernanda Lopes: Fernanda Lopes is a PhD in Public Health from the University of Sao Paulo (USP). She is a member of the Racism and Health Working Group of the Brazilian Association of Collective Health and a Program Director at the Baobá Fund for Racial Equity. Fernanda coordinated the Program to Combat Institutional Racism in Brazil (PCRI), a partnership established between the Technical Cooperation Agency of the British Ministry for International Development and Poverty Reduction (DFID), the Ministry of Health (MS), the Special Secretariat for Policies to Promote Racial Equality (Seppir), the Federal Public Prosecutor’s Office (MPF), the Pan American Health Organization (Opas), and the United Nations Development Programme (UNDP). She was also a staff member of the United Nations Population Fund in Brazil.

 


Article originally published on the WINGs blog, a community of thought leaders and changemakers who are committed to ensuring philanthropy reaches its fullest potential as a catalyst for social progress

Abolicionismo Penal: Congresso em Salvador debate as desumanidades do cárcere

Por Mariane Euzebio

A pauta comum do antipunitivismo é a crítica ao sistema penal que possui como foco principal castigar culpados. Louk Hulsman, uma das principais referências no debate abolicionista, aponta que a privação de liberdade é utilizada como uma forma de provocar sofrimento e segregar socialmente. Ainda que pouco utilizada, uma tendência que vem sendo estudada é a de alternativas em práticas e abordagens para lidar com os diversos conflitos sociais presentes na sociedade brasileira.


Caroline Bispo, advogada criminóloga, especialista em direito penal e criminologia, mestranda em segurança pública, pós-graduanda de políticas públicas e gênero, e fundadora da Associação Elas Existem, criou a instituição a partir do primeiro relatório nacional do Infopen Mulheres – baseado nos dados do último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), em 2015, que abordava a situação das mulheres encarceradas nos últimos 14 anos. Após análise, foi constatado um aumento de 567% de mulheres encarceradas. Com isso, o Brasil ocupa o 4º lugar no ranking que mais encarcera mulheres no mundo.

Diante disso, a Associação Elas Existem se propôs a perpetuar práticas e atuar na diminuição das desigualdades de raça e gênero dentro do sistema penitenciário do Acre, já com intenção de estar presente em outras regiões do País, como Centro Oeste e Nordeste. Dado esse passo para outras regiões, foi realizado o segundo congresso internacional sobre encarceramento feminino, com o tema “Abolicionismo Penal – Destruindo por dentro”. O objetivo foi criar um espaço de troca, debates e discussões pautadas em como reduzir os números apresentados no Infopen Mulheres, partindo do princípio que o encarceramento é feito de tortura física, mental e espiritual.

 

A organização atua na defesa e promoção de direitos de mulheres e adolescentes cis, trans e travestis que compõem o sistema penitenciário e socioeducativo, lutando pelo desencarceramento, pela redução do sofrimento e pela garantia de direitos dessas pessoas. Atualmente, existem cerca de 1.599 mulheres trans e travestis encarceradas no Brasil, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), em 2022. Há 660 adolescentes meninas em privação de liberdade, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022. E 42.355 mulheres cis encarceradas, de acordo com dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen Mulheres). 

O Baobá – Fundo para Equidade Racial pôde viabilizar essa iniciativa por meio do Edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça, que tem como objetivo apoiar organizações que desenvolvam ações práticas para o enfrentamento ao racismo, à violência sistêmica e às injustiças criminais com perfilamento racial no Brasil. 

 

 

O Brasil é desigual. Da mesma maneira, o sistema carcerário é desproporcional em relação ao seu atendimento a homens e mulheres. As mulheres apresentam demandas e necessidades diferenciadas e, por isso, é urgente o reconhecimento da importância da análise do encarceramento feminino enquanto uma categoria única e particular. Somente confiar no sistema de justiça atual não é suficiente para proteger a vida dessas mulheres quando pensamos nos altos índices de feminicídio, violência, e no tratamento às encarceradas e egressas. Segundo Caroline Bispo, mais urgente do que pensar novas políticas públicas, é implementar as políticas públicas existentes para mulheres que passaram pelo sistema prisional, além de exercitar o papel de escuta ativa para com elas. 

Ao ser selecionada no Edital, a organização conseguiu viabilizar recursos necessários para realizar atividades contínuas como fortalecimento da agenda contra o encarceramento em massa de adultos e jovens negros, produção e disseminação de conhecimento sobre população negra, apoio psicológico e jurídico a pessoas privadas de liberdade e seus familiares, além de práticas educativas, artístico-culturais, de saúde e outras nos sistemas prisional e socioeducativo;

Tainá Medeiros, Assistente de Projetos do Baobá, esteve presente no segundo congresso internacional, realizado em Salvador, e afirma que foi possível testemunhar a dimensão e a amplitude do projeto Elas Existem para o combate às desigualdades de raça e gênero no sistema penitenciário brasileiro. Além de observar a revolução que esse projeto ainda pode fazer sobre as práticas do sistema penitenciário no Brasil.

 

“Participar do Edital do Fundo Baobá foi muito importante, pois nos permitiu ter uma visibilidade do nosso trabalho nacionalmente. Abrimos a sede no Acre, fizemos nossas atividades e conseguimos expandir o mesmo olhar para outros estados brasileiros”, afirma Caroline Bispo.

O Projeto Elas Existem tem desempenhado um papel significativo na luta contra as desigualdades de raça e gênero no sistema penitenciário. Com o apoio do Baobá – Fundo para Equidade Racial, a organização expandiu suas atividades para o Acre, fortalecendo a agenda de combate ao encarceramento em massa, oferecendo apoio jurídico e psicológico, e promovendo práticas educativas e culturais nos sistemas prisional e socioeducativo no território.  

Saiba mais sobre o edital Vidas Negras aqui.

Conheça a Elas Existem