Fundo Baobá divulga a lista de projetos e organizações selecionadas para a última etapa do Edital

A lista de organizações selecionadas para a Terceira Etapa do edital Educação e Identidades Negras: Políticas de Equidade Racial está sendo divulgada hoje (01/11). Da lista fazem parte 24 organizações de 11 estados brasileiros e do distrito federal. O objetivo do edital é o enfrentamento ao racismo na educação por meio de ações, projetos, programas e políticas de equidade racial. Imaginable Futures e Fundação Lemann são os parceiros do Fundo Baobá nessa iniciativa. Imaginable e Lemann, juntas, aportaram R$ 2,5 milhões que serão  destinados a 10 organizações, grupos ou coletivos negros atuantes na educação e ativos nas questões referentes ao racismo. 

As inscrições para o edital aconteceram entre os dias 3 de agosto e 6 de setembro. Nesse período, 181 inscrições foram feitas por organizações, grupos ou coletivos liderados por, no mínimo, 85% de pessoas pretas. Dessas 181 inscrições, 83 foram consideradas aptas para ir à segunda etapa. Hoje (01/11), após análise das 83 propostas participantes dessa segunda etapa, 24  (vinte e quatro) foram selecionadas e vão à etapa final, quando as 10 organizações selecionadas serão definidas. 

Para visualizar as 24 organizações selecionadas para a Etapa 3 do edital Educação e Identidades Negras: Políticas de Equidade Racial, você deve acessar este link. A divulgação do resultado final do processo seletivo acontece no dia 10 de novembro. Nesta ocasião a lista ficará disponível no site e redes sociais do Baobá, após as 19h. 

Sueli Carneiro: “A missão institucional do Fundo Baobá é o fortalecimento do sujeito político movimento negro e as suas organizações”

Presidenta do Conselho Deliberativo fala sobre política, desafios do Baobá para o presente e perspectivas para o futuro

          Por Wagner Prado

Aparecida Sueli Carneiro, 72 anos, nasceu em 24 de junho de 1950. O Brasil estava em festa. A Seleção Brasileira estreava na primeira Copa do Mundo realizada no país vencendo o México por 4 a 0. Vencer seria o verbo que iria marcar a trajetória dessa brasileira festeira, nascida na Lapa e criada na Vila Bonilha, região de Pirituba, bairros da cidade de São Paulo. Sueli se impôs frente às adversidades da vida, fez do estudo a sua mola propulsora até se formar filósofa pela Universidade de São Paulo (USP), doutora em Educação, tornar-se escritora, ativista do movimento negro e uma das vozes mais fortes do movimento pelos direitos das mulheres, em especial, das mulheres negras. Sueli, que deve ter um máximo de 1,65m de altura,  transforma-se em gigante quando começa a falar. Suas ideias são nítidas, contundentes e ela não se detém sobre como e de que forma deve falar. Doa a quem doer. 

Sueli Carneiro, presidenta do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá

Sueli Carneiro, como ela própria diz, aprendeu a “pensar preto” lendo e ouvindo o ator, poeta, escritor e dramaturgo Abdias Nascimento (1914/2011), um dos grandes intelectuais negros brasileiros, assim como aprendeu a pensar como uma mulher negra lendo e ouvindo a antropóloga, política e professora Lelia Gonzalez (1935/1994).    

Dona de prêmios muito prestigiados, como o Bertha Lutz, em 2003 (oferecido a mulheres que tenham dado grande contribuição na defesa dos direitos da mulher);  Prêmio Direitos Humanos da República Francesa, em 1998 (pela contribuição à defesa dos direitos humanos), Prêmio Vladimir Herzog, em 2020 (pela defesa da democracia, cidadania e direitos humanos), Sueli Carneiro tornou-se neste ano de 2022 a primeira mulher negra a receber o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade de Brasília (UnB). 

Sueli é fundadora e diretora do Geledés – Instituto da Mulher Negra e está à frente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá para Equidade Racial. No dia 14 de outubro, ela parou suas atividades no Geledés para receber a equipe executiva do Fundo Baobá. Nesse dia, Sueli Carneiro concedeu a entrevista que segue abaixo. 

Sueli Carneiro e equipe executiva do Fundo Baobá. Giovanni Harvey, diretor Executivo (à esq.); Amalia Fischer, vice-presidente do Conselho (no centro, de verde) e Fernanda Lopes, diretora de Programa (última á dir.)

Dia 30 de outubro o Brasil elege seu presidente para os próximos 4 anos. Como o Fundo Baobá vai atuar frente às diretrizes políticas que serão implementadas? 

Não acho que era um cenário em que tivéssemos duas opções ou duas perspectivas. Não existia isso. Só existia uma.  Só existe alguma perspectiva para a nossa agenda com a eleição do Lula. Porque o Bolsonaro, nos quatro anos do governo dele, manifestou com muita clareza, com muita transparência, que ele não tem  nenhum compromisso conosco, muito pelo contrário. Ele tem compromisso com o nosso abandono social, com a nossa extinção, com o nosso genocídio. Então, a pergunta para mim não se coloca. Só existe uma perspectiva: a eleição do Lula. Fora dela, nossa comunidade estará em muita dificuldade, como a própria democracia no Brasil estará em um  risco absoluto de retrocesso.  Então, só existe esse caminho. A situação do risco democrático é tão dramática, que eu espero que  o Lula restabeleça aquela velha democracia, que é insuficiente, é de baixa intensidade, mas que nos assegura poder voltar a colocar pautas em disputa na sociedade.  É a primeira responsabilidade. 

Eu acho preocupante a situação em que o país se encontra. Estamos sob  a égide de uma perspectiva fascista. O fascismo é uma doutrina que a gente conhece, e nela não tem lugar para nós (pretos). O fascismo é formado pela concepção do supremacismo branco, que está em ascensão no mundo inteiro. Então, não há projeto para nós que não seja um projeto perigoso, perverso e ameaçador. Com o Lula, o que nós esperamos, primeiro, é que o estado democrático de direito seja restabelecido. Esse é o primeiro requisito para que a gente volte a disputar,  a propor, a formular proposições, sobretudo de políticas públicas que venham a incidir sobre a desigualdade racial, no campo da saúde, da educação, no campo das representações políticas. Ou seja, em todas as dimensões da vida social o recorte racial precisa ser observado para que a gente possa corrigir. 

O que importa é que precisamos da ambiência democrática indispensável para poder pautar nossos temas. E o Baobá também depende disso. Caso não se efetive essa perspectiva, nós teremos trevas para enfrentar. E o Baobá terá que se preparar para dar suporte à resistência negra,  para fazer a travessia nesse momento que poderá ser de trevas e que  não desejamos. Mas se ele ocorrer, é este papel que terá que ser feito: apoiar nossa gente nas estratégias de resistência e sobrevivência ao abandono social. 

Que análise pode ser feita dos últimos quatro anos sob o olhar da governança de um fundo que trabalha pela Equidade Racial no Brasil? 

Tenho orgulho de ter estado no Baobá num momento de grande complexidade. Num momento de agravamento da questão racial no Brasil. Momento que também foi fortemente atravessado por um elemento impensado que foi a pandemia. Isso teve um grande impacto sobre o próprio Baobá. Isso é um sintoma do que poderia vir a ser o agravamento da questão política no nosso campo. O Baobá rapidamente se reciclou durante a pandemia. Rapidamente se localizou naquilo que deveria fazer. Naquilo em que deveria atuar. E foi um momento curioso, paradoxal, porque o problema era de extrema gravidade, mas também foi a oportunidade que o Baobá teve de se enraizar mais na população negra, de se fazer presente na população negra que está em territórios mais vulneráveis. Foi paradoxal neste sentido, porque a pandemia nos empurrou para ir ao encontro dos grotões em que a nossa gente  estava padecendo mais e fazer lá o que era necessário fazer: levar algum alívio, algum amparo.  

Pela rapidez com que o Baobá agiu, pelos editais que foram criados para atender  a emergência sanitária e alimentar, a questão da sofrência que nossas famílias estavam, ter conseguido alcançar e levar algum alívio  foi uma coisa que a gente não esperava que fosse acontecer da maneira que aconteceu e que tivéssemos uma resposta com prontidão para fazer frente àquela situação.  E foi algo que a sociedade civil brasileira grandemente abraçou e se fez presente nessa situação. O Baobá foi um ator importante nesse processo. De lá para cá acho que ficou o saldo de referência de uma instituição negra, voltada para a equidade racial, mas que está atenta para as urgências da sua população e é capaz de responder de acordo.  

Eu me sinto orgulhosa de fazer parte do Baobá, num momento tão delicado que a gente teve que atravessar. E estamos alcançando índices interessantes no campo da filantropia, porque 85% das comunidades que a gente atinge (organizações, coletivos ou grupos) nunca foram financiados antes. Então, nós estamos chegando à nossa gente. Estamos chegando nos invisíveis. Essa é a parte mais importante da nossa missão.  

O Fundo Baobá não é um captador e repassador de recursos. Ele se fez para além disso. Criou uma forma de atuar dentro desse ambiente da filantropia pela justiça social. O Baobá virou referência? O Fundo é hoje inspiração para outros que estão vindo atuar nesse mercado? 

O Baobá é pioneiro no Brasil em ser um fundo voltado exclusivamente para esse tema. É um mandato único dentro do contexto mais amplo das organizações negras. E a minha visão é que a função prioritária de um fundo é captar e doar. O Baobá pode ser um ator político estratégico onde as organizações do movimento negro não têm poder de incidência. Mas a missão institucional é o fortalecimento do sujeito político movimento negro e as suas organizações, que são aquelas organizações que constroem a luta antirracista e a luta feminista no Brasil. Esse é o foco principal do Baobá: o fortalecimento da  luta contra o sexismo e o racismo na sua articulação de gênero e raça. Nessa missão, o Baobá não pode ser concorrente das organizações negras. Ele não substitui o protagonismo das organizações. Ele não deve fazer isso. Pelo contrário: ele é um agente de  fortalecimento dessas organizações. Mas há dimensões da questão racial em que pode não haver um ator político em condições de incidir nessa dimensão. Aí eu acho que o Baobá tem uma contribuição a dar. Sobretudo em questões mais estratégicas, que envolvem grandes decisões de Estado ou que envolvem estratégias de parcerias no âmbito internacional, mas nunca em concorrência com a sociedade civil negra. Jamais! Porque isso é enfraquecer o principal sujeito político que sustenta nossa luta.

A captação de recursos é o grande gargalo do Baobá. Você concorda com essa visão? 

O desafio da captação é real e não apenas para o Fundo Baobá. A sociedade civil tem esse desafio permanentemente. O que eu acho que para o Baobá pode ser um agravante é o tema. A tradição de doar para a causa racial é muito nova no Brasil.  Isso é um desafio adicional. Ter um Fundo voltado exclusivamente para essa dimensão é um projeto extremamente radical e desafiador. Ele é desafiador porque justamente desafia consensos. O consenso, por exemplo, da democracia racial. Um país que demorou o que nós demoramos para aceitar discutir o tema racial ter um Fundo voltado para esse fim é muito mais desafiador do que qualquer outra temática.  Um tema como o dos direitos humanos é um tema estigmatizado na sociedade brasileira, porque foi estigmatizado como defesa de bandidos. Da mesma maneira, com agravantes, um fundo como o Baobá, que está voltado para a equidade racial em um país que não aceita que há racismo historicamente, é um drama adicional. Depois, você tem a complicação de, mesmo quando o possível doador entende que o problema existe, se é um doador com muita visibilidade, com reconhecimento público, dificilmente ele quer associar a sua imagem a um tema desses. 

Eu sou diretora do Geledés e nós vivemos,  em muitas situações, ofertas de apoio que viriam de igrejas ou instituições renomadas, desde que a gente não falasse em racismo, a gente teria o financiamento. Se a gente falasse em criança, mas não falasse no racismo que atinge a criança negra, a gente teria o financiamento. Então, havia oferta de apoio mediante a renúncia. Mas nós temos que dizer para essa sociedade que o racismo é a mãe e o pai de todas as desigualdades. Que o racismo é o elemento estruturante de todas as desigualdades e violências.  E quando a gente pensa em mulheres negras, a gente diz: racismo e sexismo, quando se articulam recortados por raça, são o pai e a mãe de todas as violações de direitos humanos nesse país. Então, é difícil apoiar um Fundo com essas características, sabendo que ele é sustentáculo da luta que combate essas duas perversidades que existem na sociedade brasileira,  é ter que aceitar que existe um problema que é um problema sério, grave, que constrói uma apartação extraordinária nesse território, ao ponto de os índices de desenvolvimento entre brancos e negros terem diferenças abismais.

A diferença dos índices de desenvolvimento humano desses dois segmentos chega a ser grotesca. Porque a última imagem que um de nossos economistas criou é que existe um país aqui que tem o mesmo índice de desenvolvimento da Bélgica, povoado por gente branca, e um outro país, também aqui dentro, que está em uma posição, em termos de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), abaixo de muitos países africanos. E nós estamos falando de um país muito rico, que tem por marca a desigualdade, porque o drama aqui não é um país pobre. É um país com muita riqueza, mas com a concentração dessa riqueza nas mãos de um segmento racial. 

Saúde, Empreendedorismo, Recuperação Econômica, Auxílio a Populações em Situação de Vulnerabilidade, Justiça Criminal. Que outros terrenos  o Baobá ainda necessita semear? 

Acho que existe uma questão que é crítica, que ainda nós precisamos desenvolver uma estratégia de grande envergadura, que é em relação ao genocídio da juventude negra. Isso é um tema em que ainda precisamos de uma estratégia. Mas não acho que seja um tema que possa ser abraçado por uma única instituição. Não apenas nós (Fundo Baobá) desenvolvermos uma estratégia potente para lidar com essa questão. Temos que envolver muitos outros parceiros que estão conosco na luta antirracista, para enfrentarmos essa questão de frente, para assumir a responsabilidade com relação a essa problemática, que é de todas a mais perversa. Acho que esse é um tema que nos desafia e que permanece pendente, carecendo de uma incidência vigorosa por parte do Baobá e seus parceiros. 

O Baobá vai existir enquanto perdurar a questão do racismo em nosso país. A existência do Baobá vai até aí. Você acredita que isso, o racismo, poderá acabar em nosso país?  

Cada geração que se apresenta tem que cumprir o seu papel nesse combate. Essa gestão do  Baobá está comprometida com a responsabilidade de construir as condições necessárias para a permanência do Baobá o máximo possível no tempo para o cumprimento da sua missão. Enquanto existir racismo, o Baobá é necessário. Então, fortalecer o Baobá para cumprir essa missão é responsabilidade dessa gestão e das que virão. Estou muito animada com o que nós estamos sendo capazes de enriquecer o nosso endowment, o nosso fundo patrimonial, que eu espero permita atender as necessidades identificadas pela gestão atual e as vindouras. Estamos trabalhando arduamente nessa direção.  

Edital Quilombolas em Defesa: Fundo Baobá investe em organizações comunitárias e em seus projetos 

Por Wagner Prado

Há 14 meses, o Fundo Baobá para Equidade Racial, em parceria com a Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) e apoio financeiro da IAF (Inter-American Foundation) abria as inscrições para o edital Quilombolas em Defesa: Vidas Direitos e Justiça. O Brasil vivia a pandemia da Covid 19 e o Quilombolas em Defesa destinava recursos diretamente para comunidades quilombolas e povos indígenas em situação de vulnerabilidade. 

O Quilombolas em Defesa faz parte das ações da Aliança Entre Fundos por Justiça Racial, Social e Ambiental. A Aliança é uma iniciativa de filantropia colaborativa entre o Fundo Baobá, o Fundo Brasil de Direitos Humanos e o Fundo Casa Socioambiental. As três organizações fazem parte da Rede Comuá

Pela primeira vez o Brasil realiza um Censo Quilombola. Entre 1 de agosto e 29 de agosto, o IBGE já havia recenseado 386.750 pessoas de origem quilombola. De acordo com o órgão, a população quilombola está distribuída em cerca de 6 mil comunidades espalhadas pelo país. A coleta de dados do Censo foi prorrogada para dezembro. Em princípio, iria até 31 de outubro. Os estados com maior contingente populacional quilombola, até agosto, eram Bahia (116.437), Maranhão (77.683) e Pará (42.439). 

Dos 34 projetos apoiados, pinçamos dados apresentados em relatório narrativo elaborado por três organizações. São elas:  Associação Comunitária Quilombola dos Agricultores Familiar de Patos II, da cidade de Campo Formoso, na Bahia, que tem o projeto Quintais Produtivos: Fortalecimento de Iniciativas Agroecológicas Realizadas por Jovens e Mulheres. Sua líder é Aliete Alves da Gama. A segunda coleta foi com a  Associação de Remanescentes de Quilombolas da Praia de Sabauma, em Tibau do Sul, no Rio Grande do Norte.  Firmino Gomes de Castro Neto é quem responde pela coordenação do projeto Raízes Ancestrais do Sabor e Saber: Cultivando Alimentos Ecológicos e Biodiversos. A Comunidade Kilombola Morada da Paz Território de Mãe Preta (CoMPaz),  cujo responsável é  Baoga Babá Kinni, seu conselheiro gestor, foi a terceira. O projeto é o  Kanzuá Comida Sagrada no Território da Mãe Preta. A economia quilombola está bem centrada na produção agrícola, que é feita visando alimentar de forma interna (comunidade) e externa (venda para a arrecadação de fundos). 

É possível descrever alguma influência do apoio recebido por meio desse edital nas ações que a Associação realiza? 

Associação Comunitária Quilombola dos Agricultores Familiar de Patos III (Aliete Alves da Gama) – Ocorreu a ampliação da relação de confiança entre a direção e os associados por conta da transparência do serviço prestado. Credibilidade nos trabalhos prestados pela comunidade, fortalecimento da associação e melhoria na comunicação, principalmente após a compra de um notebook, o que tem facilitado a comunicação interna e a divulgação para fora das ações da associação. 

Associação de Remanescentes de Quilombolas da Praia de Sabauma (Firmino Gomes de Castro Neto) – Houve uma maior sensibilização para a questão da segurança alimentar entre os membros da equipe interna e também a comunidade. Também ocorreu o aprendizado no sentido do planejamento, da gestão desse planejamento, prestação de contas e documentação. Documentamos cada etapa do que foi feito. Passamos a entender melhor a questão de contratação legal de serviços e também de profissionais externos (prestadores de serviços). O projeto passou a mobilizar interesses para o plantio agroecológico, o que gerou a ativação de espaços coletivos anteriormente em desuso. 

Comunidade Kilombola Morada da Paz Território de Mãe Preta (Baoga Babá Kinni) – CoMPaz (RS) – Consideramos que o apoio recebido nos potencializou na nossa organização interna, nos auxiliando na escrita de novos projetos e na escrita dos relatórios de prestação de contas. Hoje nos sentimos muito mais empoderados para nos candidatarmos ao recebimento de recursos. Estamos potencializando o empreendedorismo sócio-comunitário na CoMPaz com as oficinas e feiras que estamos desenvolvendo. Neste sentido, o apoio que tivemos e estamos tendo do Fundo Baobá tem sido muito significativo. 

Para garantir que os resultados do projeto fossem alcançados, que desafios vocês tiveram que superar? 

Associação Comunitária Quilombola dos Agricultores Familiar de Patos III (Aliete Alves da Gama) –   Tínhamos poucos recursos financeiros. A estratégia para superar isso foi utilizar mão de obra familiar e aproveitamento de materiais disponíveis na comunidade. A questão do transporte para a coordenação fazer a mobilização das famílias no território foi difícil de solucionar, mas conseguimos isso com a potencialização do veículo utilizado pelo projeto. Outro fator vencido foi o da distância de entrega dos produtos e equipamentos pelos fornecedores. O trajeto da loja até a comunidade. A estratégia foi considerar o frete no valor global da  licitação.

Associação de Remanescentes de Quilombolas da Praia de Sabauma (Firmino Gomes de Castro Neto) –  Tivemos insuficiência de recursos humanos qualificados para cumprir etapas burocráticas. Mas nossa equipe passou a dedicar mais tempo para o aprendizado e para para cumprir as tarefas existentes. A reabertura do processo de titulação de terra quilombola por parte do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) causou uma ruptura entre os membros da associação e a comunidade. Isso fez com que decidíssemos nos manter afastados dessa questão e optamos por colocar nosso foco na temática da segurança alimentar e nutricional. 

Comunidade Kilombola Morada da Paz Território de Mãe Preta (Baoga Babá Kinni) – Tivemos excesso de chuvas no período de inverno. Fizemos uma necessária reprogramação das atividades. Houve dificuldades para conseguir mudas e sementes de qualidade próximo ao nosso território. A solução foi vencer a distância de 50km e buscar essas mudas e sementes em Porto Alegre. 

O edital ofereceu algumas atividades de formação. Como esses conhecimentos  estão sendo postos em prática? 

Associação Comunitária Quilombola dos Agricultores Familiar de Patos III (Aliete Alves da Gama) –  Sim, porque conseguimos ampliar e potencializar os sistemas produtivos já integrados, já existentes no quilombo com a aquisição de materiais para o melhoramento das estruturas de hortifruticultura e avicultura das famílias.  Compramos 9 telas de galinheiro, arame e estacas para esticar as telas. Isso contemplou 9 famílias da comunidade. Compramos 90 saquinhos de sementes diversificadas (coentro, alface, cebolinha, rúcula) e 135 mudas de goiaba, manga, laranja, pinha e acerola. Realizamos  roda de aprendizado sobre Soberanias e Segurança  Alimentar e Nutricional. Houve o comparecimento de 13 pessoas. Compramos 18 sacas de milho,  que serviram de ração para as galinhas de 9 pessoas beneficiadas pelo projeto. Fizemos uma oficina teórico-prática sobre manejo sanitário e alimentação alternativa de aves. A oficina foi ministrada por técnico agrícola e alcançou 12 pessoas. Por fim, efetuamos a compra de notebook que vai facilitar a comunicação, a participação do grupo em eventos virtuais, além de servir como ferramenta de arquivamento dos arquivos digitais da associação. 

Associação de Remanescentes de Quilombolas da Praia de Sabauma (Firmino Gomes de Castro Neto) – Sim. Estamos em fase de execução do objetivo específico, que é estruturar cultivos de alimentos da cultura quilombola (raízes, macaxeira, batata doce, inhame) através do incentivo de práticas tradicionais agroecológicas e modelos comunitários. Estamos realizando reuniões para apresentar o projeto para colaboradores e instituições. Fazendo visita técnica aos produtores, além do cadastramento dos mesmos e relatórios de campo.  As visitas técnicas têm apoio da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte e do IFRN (Instituto Federal Rio Grande do Norte) para levantar dados para projeto de compostagem e gestão de resíduos sólidos que gerem insumos agrícolas e sejam utilizados no plantio. Também estamos mais tecnológicos, com a compra de equipamentos eletrônicos, compra de cadeiras e mesas e instalação de rede de acesso à internet. 

Comunidade Kilombola Morada da Paz Território de Mãe Preta (Baoga Babá Kinni) –  Na medida em que o projeto avança, estamos nos sentindo melhor para potencializar o cultivo de ervas fitoterápicas e a articulação da produção de verduras e legumes agroecológicos. Realizamos um curso de construção de estufa, de 26 a 30/09,  para fortalecer o cultivo agroecológico. Tivemos o comparecimento de 12 pessoas. Fizemos uma feira na Morada Portal, em Porto Alegre. Foram levados produtos da CoMPaz, como fluidos, pomadas e  sabonetes. Público alcançado foi de 35 pessoas., Também fizemos uma feira no Terreiro de Chão Batido da CoMPaz, que teve público de 40 pessoas. Os produtos comercializados foram todos produzidos pela CoMPaz. Temos tido boa receptividade do público, boa articulação da liderança da comunidade, o trabalho vem sendo feito com muita unidade, com  planejamento estratégico e grande cooperação das nossas redes de apoio.

O Edital

As propostas selecionadas pelo edital Quilombolas em Defesa: Vidas, Direitos e Justiça tinham que estar alicerçadas em um dos três eixos temáticos estabelecidos. 1) Recuperação e Sustentabilidade Econômica nas Comunidades Quilombolas; 2) Promoção da Soberania e Segurança Alimentar nas Comunidades Quilombolas e 3) Resiliência Comunitária e Defesa dos Direitos Quilombolas.  O Eixo Temático 1 prioriza iniciativas de aquisição de equipamentos e mercadorias, além da produção e comercialização de produtos quilombolas; o incentivo à criação de metodologias coletivas de planejamento, além da gestão de compras e vendas e a geração de empregos. No Eixo 2, organizações com foco no fortalecimento da cultura e tradição na produção de alimentos; agricultura de subsistência; segurança alimentar por intermédio de novos arranjos entre campo e cidade; fortalecimento da perspectiva agroecológica quilombola e agroecologia a partir da perspectiva quilombola. O Eixo 3 visa o fortalecimento de ações solidárias que contemplem necessidades das comunidades quilombolas , frente ao problemas advindo da Covid-19; fortalecimento de soluções criativas em torno da mobilização de recursos financeiros, técnicos e humanos para promover transformações na comunidade e uso da tecnologia para mobilizar e engajar quilombolas na busca por seus direitos. 

Desenvolvimento de Habilidades Socioemocionais e Capacidades Técnicas entre  Alunes do Programa Já É

Por Ingrid Ferreira

O Programa Já É: Educação e Equidade Racial que está no seu segundo ano de execução, para além de prover bolsa de estudos em curso pré-vestibular, também proporciona acompanhamento psicológico e atividades focadas no aprimoramento de habilidades socioemocionais e comportamentais em sessões coletivas e individuais entre pessoas participantes. 

Segundo o Ipea: “A população negra corresponde a apenas 32% dos habitantes com nível superior, ao passo que somente 9,3% dos negros completaram esse nível educacional (versus 22,9% da população branca, com 25 anos ou mais)”. Por isso, estudantes que foram aprovades e iniciaram a universidade em 2022, seguem integrando o programa.  

Como afirma Ellen Piedade, coordenadora do time de mentores do Já É: “Temos como propósito combater o racismo, por meio de capacitação de alta qualidade e estímulo ao desenvolvimento de habilidades socioemocionais em pessoas negras. Especificamente na mentoria para estudantes, atuamos a partir de uma metodologia afrocentrada,  que oferece ferramentas para lidar com o desafio pré-universitário  e universitário”.  Ellen é Gestora de Políticas Públicas pela Universidade Cândido Mendes e bacharel em Ciências Políticas pela Universidade de Brasília. Ela e o time de mentores falam mais sobre o trabalho que realizam com estudantes apoiados pelo Baobá na matéria “Programa Já É: Mentoria contribui para fortalecer potencialidades”.

As evidências das desigualdades na permanência de pessoas negras e pessoas brancas na universidade são nítidas, por essa razão o Fundo Baobá realiza um apoio mais integral aos estudantes negres participantes do Já É. “Esforços de fortalecimento da auto estima, auto gestão,  planejamento, aprendizagem reversa (aprendendo com os erros) faz-se crucial, sabemos que no futuro próximo estes jovens poderão se converter em importantes agentes de transformação social, poderão ocupar  espaços que a estrutura social racista insiste em exclui-les. Este pensamento estratégico de investir no presente para mudar o futuro sempre dialoga com as diretrizes do movimento negro”, explica Fernanda Lopes Diretora de Programa.  E ela continua, “para além desses esforços contamos ainda com funcionários da Metlife Brasil que atuam como mentores voluntários. Elas e eles compartilham suas experiências de vida, carreira, formação, fazendo com que o grupo de estudantes, no contato com realidades e experiências diversas, também possa se inspirar no delineamento de seus projetos de vida”. 

A estudante Alice Silva Gomes,  ao nos contar sobre a mentoria individual com colaborador da Metlife,  explica que: “A mentoria foi muito boa para reflexão e conhecimento sobre a vida e mercado de trabalho”. E ao ser questionada a respeito das mudanças que ela tem experimentado em sua vida associando com as habilidades que adquiriu nos encontros do Black Coach, Método Abayomi de mentorias coletivas, a afirmação foi a seguinte: “Está me ajudando a organizar melhor o tempo e me adaptar a minha rotina, fazendo o que é possível dentro da minha realidade”.

Se organizar para fazer tudo o que é necessário dentro do tempo que se tem disponível  é sempre um grande desafio. Neste contexto, a estudante Ana Cláudia Rocha de Souza afirma que: “A questão da gestão do tempo está me ajudando bastante, principalmente na faculdade e no trabalho”. Ana Claudia está cursando Psicologia, na Universidade São Judas Tadeu.

João Gabriel Ribeiro, que ingressou no curso de Pedagogia, na mesma universidade que Ana Claudia, ao ser questionado a respeito das mudanças que observou em sua vida a partir das mentorias, conta que: “Tem me ajudado muito com as habilidades socioemocionais que o mercado tem exigido, além de saber me impor, enquanto profissional negro, diante das situações de racismo velado no meu trabalho ou na faculdade, as quais eu nem sempre conseguia perceber.”

Para o Fundo Baobá o Programa Já É e os investimentos em educação são mais uma oportunidade para desenhar novas perspectivas de futuro no presente, enfrentar os efeitos psicossociais do racismo e contribuir para o desenvolvimento de pessoas negras. 

Baobá na imprensa em Setembro

Por Ingrid Ferreira

No mês de setembro o Fundo Baobá experimentou várias oportunidades na  mídia com a repercussão do edital  Educação e Identidades Negras: Políticas de Equidade Racial, que conta com apoio da Imaginable Futures e Fundação Lemann, sendo notícia no Diário do Amapá, Meio Norte, Folha BV, Tribuna do Norte, Blog Suébster Neri, Blog do Seridó, O Imparcial, Diário da Manhã, G1, Instituto Unibanco, Prosas, O Popular, TV 247, TV Globo, SBT, Correio Nagô e Mundo Negro.

O Fundo Brasil publicou a matéria “Aliança entre Fundos participa do evento de 10 anos da Rede de Filantropia para a Justiça Social”, a Aliança Entre Fundos é composta pelo Fundo Baobá, Fundo Brasil e Fundo Casa e estiveram presentes em uma mesa para compartilhar a experiência de filantropia colaborativa durante o  evento. A Aliança também foi mencionada  em publicação da Revista Filantropia com o seguinte título “Aliança Entre Fundos Apoia Projetos Quilombolas e Indígenas no Enfrentamento da Pandemia da Covid-19”.

E a Câmara Brasileira do Livro e Publish News mencionaram a  Presidenta do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, Sueli Carneiro, homenageada como Personalidade Literária de 2022 pelo Prêmio Jabuti / CBL, sendo Sueli a primeira Personalidade Literária do Prêmio não proveniente do eixo literatura.

O Baobá também foi mencionado pelo Sonho Seguro e Segs, que publicaram matérias  sobre a parceria entre MetLife  e Fundo  no Programa Já É. O IDIS citou a participação do Diretor Executivo do Fundo Baobá, Giovanni Harvey, na 11ª edição do Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais.

Apoiadas do Fundo Baobá:

Em setembro na Coluna Negras que Movem do Portal Geledés, houve a publicação dos seguintes artigos: “Meu voto é para mudar a história e o seu?” escrito por Carolina Brito, “Uma lição de reverência: Iza no Rock in Rio” por Josi Souza e “Mês de Conscientização da dor: uma ação de interesse público” pela autora Evânia Maria Vieira.

Baobá na imprensa em Agosto

Por Ingrid Ferreira

O mês de agosto é o mês da filantropia negra, e o Fundo Baobá esteve fortemente presente na mídia, sendo mencionado por veículos como Yahoo, Valor Econômico, Folha, Jornal Hoje, Crazy Kiwi, Estadão e além de participar  do evento “Mês da Filantropia Negra 2022” do GIFE.

E o Baobá também foi bastante comentado pelo lançamento do seu novo edital Educação e Identidades Negras, que conta com o apoio da Imaginable Futures e Fundação Lemann, sendo notícia no Linkedin da Fundação Lemann, Captadores, Filantropia, Leia Já, Brasil 247, Mundo Negro, Terra, Associação Paulista de Fundações, Observatório do Terceiro Setor, Diário de Petrópolis, GIFE, R7, Correio Braziliense, Folha, Geledés, Escola Aberta 3º Setor, Alma Preta, TV periferia em foco, Gueto Hub do Pará, Fundo iratapuru do Amapá, Exprex Capital, Agência Patrícia Galvão, Programa Integrar +, Jornal de Brasília, Diário da Manhã, Notícias São Sebastião, Folha de BV e Voz das Comunidades.

O Fundo promoveu em Recife (PE) uma Jornada Formativa para empreendedorxs do edital Negros, Negócios e Alimentação, ganhando destaque nos veículos Revista Afirmativa, Folha de Pernambuco, UOL, Notícia Preta e Brasil 247.

O UOL publicou a matéria “Entidade busca na Justiça ação bilionária de reparação pela escravidão”, e mencionou a Diretora de Programa do Fundo Baobá, Fernanda Lopes, que integrou o encontro em que a pauta foi discutida, a Diretora também foi mencionada na publicação “Escola Nacional de Saúde Pública celebra 68 anos” da Fio Cruz

E o Diretor Executivo do Fundo, Giovanni Harvey, palestrou no evento “Ibase e ABIA realizam homenagem a Betinho” divulgado pela Abong e Brasil de Fato, sendo mencionado também pela Latam Journalism Review e o 17º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo ao ter participado do painel “Longa vida ao jornalismo independente: mas quem pagará por ele?”.

Em sua matéria “Instituto Unibanco Apresenta Sistema de Gestão para Equidade Racial nas Escolas na Semana de Inovação 2022”, o Instituto Unibanco relembrou o Edital Gestão Escolar para a Equidade – Juventude Negra em parceria com o Baobá.

Apoiadas do Fundo Baobá:

Na coluna Coletiva Negras que Movem do Portal Geledés foi publicado o artigo “Quase um ano depois, servidora negra exonerada pela UFPE não reaveu cargo e relata meses de incertezas e vulnerabilidade”, escrito por Nívia Tamires de Souza Cruz, Vítori da Silva foi a responsável pela publicação “Política, marketing digital e você” e a matéria “Futuro Black: não naturalize nossas ausências. Sigamos criando e ocupando espaços!” escrita por Jaqueline Fraga.

Produção Acadêmica, Combate ao Racismo e Filantropia Negra

Por Ingrid Ferreira

O livro “Consolidando Capacidades e Ampliando Fronteiras: Filantropia Para Equidade Racial No Brasil”, foi lançado recentemente, no formato de e-book, em versão bilíngue, como uma coletânea de textos inéditos selecionados no edital Chamada Para Artigos – Filantropia para Promoção da Equidade Racial no Brasil no Contexto Pós-pandemia da Covid-19. 

A importância dessa publicação foi destacada durante as entrevistas realizadas com Georgia Nunes, especialista em Docência do Ensino Superior e em Design Estratégico, a idealizadora da “Amor.a – Brinquedos Pra Uma Educação Antirracista!”, que atualmente se dedica a promover e fomentar o ecossistema de empreendedorismo feminino e é autora do artigo “O brinquedo como ferramenta de (re)construção de identidade e autoestima da criança negra na escola”, e Tássia Nascimento que é Professora, Doutora em Ciência da Literatura (UFRJ), Mestre em Estudos Literários (UEL) e autora do artigoVozes afrofemininas na literatura: memórias e significados”.

Georgia Nunes – autora do artigo “O brinquedo como ferramenta de (re)construção de identidade e autoestima da criança negra na escola”
Tássia Nascimento – Autora do artigo “Vozes afrofemininas na literatura: memórias e significados”

A conversa foi conduzida para nos deixar conhecer, e compartilhar, a percepção das autoras em relação ao trabalho que o Fundo Baobá exerce.

Fundo Baobá: Para vocês o que é filantropia negra?

Georgia Nunes

Vivemos em um país racista, profundamente marcado pela colonização de séculos, que deixou marcas em todas as esferas sociais. Por conta de todo esse histórico de exploração do povo negro, a filantropia negra constitui uma importante ferramenta de reparação, que destina recursos necessários para promover a equidade racial na sociedade.  Os recursos provindos da filantropia negra são um importante combustível para impulsionar pequenos empreendedores que, por falta de capital de giro, não conseguem competir em pé de igualdade com empresas brancas, capitalizadas; são combustível para investir na carreira de mulheres negras que só precisam de oportunidade para mostrar todo o seu potencial; e são combustível também para acelerar ideias de negócios de alto impacto, que estão adormecidas por falta de investimento. 

Tássia Nascimento

Acredito que o princípio da filantropia seja o trabalho voltado para o outro. Quando falamos em comunidade negra, é imprescindível nos sentirmos conectados com uma comunidade. É esse sentimento de comunhão que nos fortalece. Pensar em filantropia negra significa projetar algo para a melhoria da qualidade de vida das comunidades negras. Esse processo deve focar na construção de uma sociedade igualitária, o que significa que a noção de equidade racial deve fazer parte. 

Fundo Baobá: como vocês julgam que a produção do conhecimento científico na sua área pode subsidiar ações da filantropia para equidade racial?

Georgia Nunes

A minha área de atuação é a infância. Eu atuo para que as crianças possam crescer tendo acesso a uma Educação libertadora e antirracista. Produzir conhecimento sobre as infâncias é primordial para entender os impactos do racismo no começo da vida, e mais que isso, entender de que forma podemos (e devemos) lutar contra as práticas pedagógicas racistas, eurocentradas que estão instauradas sobretudo no ambiente escolar. 

Tássia Nascimento

Sempre que falamos em construir uma sociedade antirracista, precisamos considerar como parte do processo a necessidade constante do letramento da população para a desconstrução da lógica racista, para a ressignificação de uma série de estereótipos engessados ao longo do tempo. Precisamos desaprender os significados racistas construídos a respeito do corpo negro. Para isso, a produção científica é fundamental, não a única, mas uma parte do acervo para esse processo. A divulgação de artigos também.  

Fundo Baobá: Vocês acreditam que os seus artigos possam ter contribuído para realizar ações de filantropia negra que promova equidade racial?

Georgia Nunes

Acredito que meu artigo joga luz sobre uma temática que muitas vezes não é discutida, que é o racismo na infância. Trazer esse cenário pra conversa nos convida a olhar com perspectiva pra importância da Educação Antirracista para a promoção da equidade racial. É na infância, sobretudo na primeira infância, que se constroem as identidades, é onde nos construímos enquanto seres humanos, e é portanto, nesse estágio da vida, que a gente consegue promover transformações na sociedade. 

Tássia Nascimento

Sim, sem dúvidas. O meu artigo fala sobre literatura negra e, de alguma maneira, nosso imaginário foi construído de maneira racista justamente porque alguns personagens ou a própria narrativa se constituiu dentro de uma lógica racista. Outro fator se relaciona com o perfil dos autores, grande parte dos escritores considerados clássicos, são homens brancos. Analisar a literatura negra nos permite conhecer essa poética voltada para a construção de uma discursividade que caminha na contracorrente dos estereótipos estabelecidos pela literatura canônica. 

Fundo Baobá: Ter um artigo seu publicado pelo Fundo Baobá, em português e inglês. impacta sua vida profissional, pessoal e acadêmica?

Georgia Nunes

Ter uma grande organização voltada para Equidade Racial como o Baobá validando e publicando o meu artigo é um grande reconhecimento, poderia dizer que é o maior reconhecimento da área e eu me sinto muito honrada em ter tido essa oportunidade. 

Tássia Nascimento

O meu artigo impacta nas três áreas mencionadas. Pessoalmente, conseguir finalizar um artigo e publicá-lo já é por si uma tarefa árdua. O prêmio acaba sendo um reconhecimento da importância da minha pesquisa e do próprio papel da literatura negra em nossa sociedade. Tudo isso me fortalece bastante. Academicamente e profissionalmente eu sinto a publicação como uma forma de compartilhar a minha leitura sobre a literatura negra. 

Johnson & Johnson apoia iniciativa de promoção da saúde mental em comunidades quilombolas no estado do Pará

Por Wagner Prado 

O Fundo Baobá para Equidade Racial e a Johnson & Johnson reeditam parceria iniciada em 2017 com o projeto Abordando a Mortalidade Materna entre Comunidades Quilombolas do Estado do Amapá. A iniciativa estendeu para além do eixo sul-sudeste do Brasil a questão do cuidado que merecem ter as populações menos favorecidas. Nesse caso, comunidades quilombolas do estado do Amapá, em especial as gestantes negras. Agora, com a ação Saúde Mental e Resiliência em Comunidades Quilombolas no Estado do Pará  o que se pretende é promover a educação em saúde, com ênfase em saúde mental; contribuir para que estratégias de resiliência sejam estabelecidas; levar esse conhecimento a pelo menos cinco comunidades negras quilombolas; democratizar o acesso a informações sobre direito à saúde e contribuir para que o diálogo entre profissionais da saúde e comunidades quilombolas seja ampliado. 

O projeto está em fase de planejamento, com reuniões envolvendo o Fundo Baobá, a Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará – MALUNGU, e outros atores locais estratégicos. O ano de 2023 vai marcar o início da ação Saúde Mental e Resiliência em Comunidades Quilombolas no Estado do Pará. Sobre ela, o gerente de Impacto na Comunidade Brasil da Johnson & Johnson, Ewerton Nunes, deposita as mais positivas expectativas.  

Ewerton Nunes – Gerente de Impacto na Comunidade Brasil da Johnson & Johnson

Lideranças quilombolas e parceiros locais, em parceria com o Fundo Baobá,  irão implementar a ação Saúde Mental e Resiliência em Comunidades Quilombolas no estado do Pará. O que levou  a Johnson & Johnson a voltar sua atenção para essa localidade e para essas comunidades? 

Ewerton Nunes – A Johnson & Johnson, por meio do seu centro em inovação para trabalhadores da saúde, está comprometida a apoiar o bem-estar e resiliência de enfermeiros e agentes comunitários de saúde em todo o mundo. Assim, a empresa está trabalhando para combater a injustiça racial e social no planeta, especialmente na saúde pública.

A Johnson & Johnson se comprometeu a investir US$ 100 milhões nos próximos cinco anos para promover soluções de equidade racial e social em saúde.

Junto com o Fundo Baobá, identificamos o impacto negativo que a pandemia do COVID-19 teve na saúde mental das comunidades quilombolas e assim co-criamos esta iniciativa de promoção de saúde mental e resiliência com foco na instrumentalização das lideranças comunitários de saúde,  agentes de influência positiva para promoção de saúde e bem estar mental dos residentes destas comunidades.   

A escolha da população quilombola foi realizada pelo próprio Fundo Baobá,  que fez a análise dos dados de vulnerabilidade social e acesso à saúde pela população negra em diversas regiões do Brasil. O Pará foi escolhido tendo em vista ser um dos estados com a maior concentração de populações quilombolas do Brasil, e o estado onde houve maior número de vítimas fatais por COVID-19.

Vocês têm ideia de quantas pessoas serão alcançadas por essa ação no Pará? 

Ewerton Nunes – Esperamos que o projeto promova educação em saúde mental e contribua para estratégias de resiliência em 5 comunidades negras quilombolas rurais localizadas no Pará. Com base nos dados apresentados pelas lideranças locais foi escolhida  a região Tocantina como o foco das atenções do projeto.

Essa iniciativa tem um lado educacional forte, que é promover a educação popular em saúde. Existe carência desse tipo de conhecimento no Brasil?  Essas informações que serão passadas poderão levar as pessoas a lidar melhor, conhecer e talvez evitar que tipos de doenças?

Ewerton Nunes – As práticas de promoção a educação popular em saúde levam em conta a produção de novos conhecimentos e a sistematização de saberes com diferentes perspectivas teóricas e metodológicas, produzindo ações comunicativas, conhecimentos e estratégias para o enfrentamento dos desafios.

Neste sentido, o projeto Saúde Mental e Resiliência em Comunidades Quilombolas no Estado do Pará tem muito a ganhar ao propor espaços para que os usuários da rede de saúde,  junto aos profissionais desse segmento, possam elaborar novas formas de organização em saúde, em práticas que consideram outros saberes de cura e cuidado.  

Os quilombolas descendem dos povos negros escravizados aqui no Brasil. A J&J enxerga essa iniciativa como, também, uma ação reparadora? 

Ewerton Nunes – A Johnson & Johnson entende que ações reparatórias são urgentes e necessárias para alcançarmos a equidade racial e social. Nosso esforço é focado na área da saúde, que como em todas as áreas da sociedade no Brasil e no mundo é também desigual com as populações negras. Por isso, criamos globalmente o programa Our Race to Health Equity (Nossa Corrida pela Equidade na Saúde), que engloba diversas ações que a J&J está executando em diferentes locais do mundo, com foco em gerar mais acesso à saúde a populações afrodescendentes.

Localmente, nós também contamos com outras iniciativas que buscam reparar as iniquidades raciais. Como o nosso grupo de colaboradores que trabalham para implementar processos e políticas de inclusão e equidade para pessoas negras, chamado SoulAfro. Este grupo criou a iniciativa Axé, que tem como objetivo contribuir com o desenvolvimento educacional e profissional de pessoas negras, oferecendo oportunidade de treinamento, empregabilidade e carreira. O programa está trabalhando com 60 estudantes negros, de ensino médio e universitário, e 30 profissionais negros, que são colaboradores da companhia.

Como a J&J tem trabalhado o tema do Racismo e da Equidade Racial com seu público interno (colaboradores e terceirizados) e com os diferentes públicos externos que alcança? 

Ewerton Nunes – A J&J promove ações e debates internos por meio do SoulAfro, grupo de afinidade da Johnson & Johnson que busca a equidade étnico-racial, atuando nos pilares de cultura, comunicação e carreira.

Em 2022, uma de suas iniciativas foi o lançamento do programa SoulAfro Axé. A iniciativa surgiu como uma forma de enfrentamento ao racismo existente no país e sua proposta é desmontar a pirâmide de desigualdade e promover equidade racial.

O programa é destinado a estudantes de ensino médio e graduação, residentes na cidade de São Paulo, e profissionais negros que são colaboradores da empresa. O intuito é dar todo suporte para que essas pessoas possam crescer no âmbito educacional e profissional. Para isso, a J&J oferece um suporte 360º aos participantes, disponibilizando as ferramentas necessárias para seu desenvolvimento. Os benefícios ofertados são:

Para estudantes: 

Educação e Saúde: reforço escolar, orientação vocacional, aulas de inglês, incentivo à cultura, acompanhamento psicológico e incentivo à atividade física.

Infraestrutura e Segurança: fornecimento de mobiliário, acesso à internet, computador, suporte de TI, auxílio alimentação, auxílio farmácia e auxílio maternidade/paternidade.

Empregabilidade e Desenvolvimento: palestras, mentoria para PDI (Plano de Desenvolvimento Individual), trilhas de desenvolvimento, visita às fábricas da J&J e engajamento em grupo.

Para colaboradores:

Os colaboradores têm direito a passar por uma trilha de aprendizado com foco em aceleração de carreira, desenvolvido em parceria com a área de treinamento da J&J e a Tree, empresa de consultoria e educação em Diversidade e Inclusão.

Edital Vidas Negras Apoia Organizações que Defendem os Direitos de Pessoas Privadas de Liberdade e de seus Familiares

Por Ingrid Ferreira

Lançado em 5 de maio de 2021 pelo Fundo Baobá para Equidade Racial com o apoio do Google.org, o edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça é voltado para apoiar entidades negras que atuam no enfrentamento do racismo, da violência racial e incorreções que ocorrem dentro do sistema de Justiça Criminal no Brasil. 

Entre as organizações cujo projeto foi aprovado no eixo III do edital “Enfrentamento ao encarceramento em massa entre adultos e jovens negros e redução da idade penal para adolescentes”, encontram-se o Instituto Negra do Ceará e a Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violências do Estado do Espírito Santo. 

Segundo o G1 “Em 15 anos, a proporção de negros no sistema carcerário cresceu 14%, enquanto a de brancos diminuiu 19%. Hoje, de cada três presos, dois são negros”. E a BBC News Brasil, publicou uma matéria no ano de 2021 sobre o sistema socioeducativo no país, em que consta que: “Segundo o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), 46 mil menores de idade em conflito com a lei foram atendidos pelo órgão no ano de 2020. Ao todo, 59% dos adolescentes eram negros e 22%, brancos”.

O Instituto Negra que, em parceria com o Coletivo Vozes de Mães e Familiares do Socioeducativo e Prisional, implementa o projeto Levante Pretas: Resistências Coletivas, e a Associação de Mães e Familiares que implementa o projeto Rede de Familiares em Luta Contra a Violência de Estado e Racismo tiveram suas vozes ampliadas em um diálogo com a equipe do Fundo Baobá. Alêssandra Félix fundadora e Coordenadora do Coletivo Vozes e a Patrícia Oliveira integrante da Rede, foram entrevistadas. Confira abaixo:

Fundo Baobá: O que motiva pessoas/familiares a se organizar em associações como a que vocês integram?

Alessandra Félix,  Coletivo Vozes

Nós nos organizamos para combater a pauta narrativa que o Estado prega. Existe um conjunto de leis, aplicado pelo judiciário nas pessoas que cometem alguma infração e existe os espaços de privação de liberdade que é para onde essas pessoas são mandadas. Mas qual é a narrativa do Estado? O Estado recorre por uma questão de ordem social, e a proposta é que essas pessoas percam a liberdade, se repensem e saiam melhores, só que a proposta que existe lá, é completamente diferente da que é colocada em prática, porque a punição piora as pessoas. E, quando nós familiares passamos a visitar, a gente vê o desserviço dos espaços. Começa na falácia da proposta da educação, ali não está para ressocializar os adolescentes, o espaço os transforma em futuros moradores de presídios. Os adolescentes, quando não são assassinados voltando para os seus territórios, que é uma outra discussão, eles vão morar em presídios. Então nós nos organizamos para desconstruir essa narrativa e também porque entendemos que o Estado, dentro de suas práticas,  nega, oprime, viola e destrói toda condição de sociabilidade que existe dentro dessas pessoas. Nós somos a humanização, é preciso que se ressalte que somos nós, mulheres negras. Existe uma cor da mulher que visita e que humaniza os espaços de privação de liberdade; a gente se organiza a partir daí. Nossa experiência começou na socioeducação do Coletivo Vozes, e vimos que o Estado nos devolvia um outro filho, um adolescente sem sonhos, sem perspectivas, mais violento. Então, quando nos tornamos mães do sistema prisional nós nos percebemos, dentro dessa construção de defensoras dos direitos humanos, por conta de todas as violações de direitos que existem dentro desses espaços, então a gente passou a se organizar para a desconstrução dessa narrativa e dessa falácia do Estado.

Alêssandra Félix – Fundadora e Coordenadora do Coletivo Vozes – Ceará

Patrícia Oliveira, Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violências do Estado do Espírito Santo

As  pessoas são atingidas  pela  violência  do Estado  e  muitas  não  sabem  como  agir, por isso é tão importante o trabalho realizado pela Rede.

Fundo Baobá: O que está em jogo caso um movimento como este não seja forte?

Alessandra Félix,  Coletivo Vozes

O que sempre esteve colocado é esse projeto político de encarceramento dos nossos. Se nós não estivermos fortes, se não tivermos essa coragem de ceder voz e corpo para essa luta… Eu costumo dizer que somos as vozes e corpos silenciados pelo Estado e suas práticas. Somos os ecos das violações e das desumanizações que acontecem nas senzalas modernas que são os presídios. E nisso o que fica em jogo também é o futuro dos adolescentes autores de atos infracionais. Existe um filme que eu gosto de referenciar: “O Ódio que Você Semeia”. Eles falam que o ódio que você semeia nas crianças, prejudica a todos. E esse  projeto de punitivismo, do encarceramento que segue seu curso livre porque temos uma sociedade punitivista; se nós enfraquecemos, não há esse debate, que inclusive algo que nos tem deixado assustadas é a discussão da redução da maioridade penal; se enfraquecemos, essas pautas não são levadas para a academia, para os fundos, projetos e que inclusive politiza as mulheres, porque hoje nós não queremos socialização para essas pessoas, queremos prevenção. Queremos que essas crianças não cheguem nesses espaços, queremos chegar antes da bala e da algema. Essa é nossa coletividade que debate o encarceramento do povo preto, falamos muito sobre muitas coisas, inclusive que os nossos tenham a possibilidade de sonhar e estar em outros espaços de afirmação que não seja só esse da privação.

Patrícia Oliveira, Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violências do Estado do Espírito Santo

O que  está  em jogo em  primeiro  lugar são  as  vidas  das pessoas. Em  segundo plano  o tratamento igualitário.

Patrícia Oliveira (Coordenadora de Projeto) e Maria das Graças Nascimento Nacort (Presidenta) da Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violências do Estado do Espírito Santo

Fundo Baobá: E existe o direito ao direito de defesa?

Alessandra Félix,  Coletivo Vozes

Dentro da estrutura do sistema judiciário, há muitas injustiças e violações, que começam desde a apreensão do adolescente ou a prisão de uma pessoa porque é permeada pela violência por parte da polícia. Essas pessoas passam pelo seu julgamento, são sentenciadas e mandadas para lá (presídios), e eu sempre trago as duas idades, da adolescência, e da fase adulta, porque são os caminhos carcerários que nós conhecemos então, quando você pergunta se há o direito ao direito de defesa, pelo caminho da socioeducação, é possível. Tem algumas pautas que conseguimos bater, tem um grande parceiro nosso que é o Centro de Defesa a Criança e ao Adolescente, onde a gente consegue, de fato, legitimar que ali há um espaço de defesa dos direitos da criança e do adolescente, mas no sistema prisional a gente tem mais dificuldade. Tem as especializadas que são direcionadas para presos provisórios e sentenciados, e existe a estrutura da defensoria pública. Em sua maioria somos assistidos por ela, mas precisamos de uma defensoria mais atuante e combatente. Existe um número muito assustador de presos provisórios que poderiam estar em casa aguardando essa sentença. São presos com sentenças vencidas mas que, pela lentidão do sistema, não têm o direito de defesa. Eu e muitas mães somos assistidas pelo sistema de defensoria pública, só que a gente deseja, dentro de todas as nossas pautas, que seja mais atuante e combatente, porque o que prevalece é o punitivismo, são poucas as portas de saída.

Fundo Baobá: Os grupos se articulam localmente? Existe uma articulação nacional?

Alessandra Félix,  Coletivo Vozes

O Coletivo Vozes surgiu em 2013, foi um coletivo matriarcal durante muito tempo, mas com o tempo fomos abrindo para os familiares que precisavam de acolhimento, e a gente se organizou para discutir a respeito do direito da criança e adolescente. A nossa primeira bandeira surge decorrente a violência contra os corpos dos nossos filhos, que era de garantia de direitos, para que parassem de bater neles, que garantisse as visitas, que se cessasse aquelas opressões que aconteciam. Em 2014 e 2015 foi um ano de perversas rebeliões aqui no estado do Ceará, inclusive com mortes nos centros, com isso precisamos de fato nos manter organizadas e dialogar sobre o que estava acontecendo; porém em 2016 e 2017 quando os meninos foram saindo (dos Centros socioeducativos), foi o período que os grupos armados e facções chegaram no Ceará e eles começaram a ser assassinados, os que não foram assassinados, migraram para o sistema prisional, e nesse período a gente sai do luto pra ir pra luta, porque os nossos filhos foram para o sistema prisional, e lá foi preciso a gente debater, porque no socioeducacional a gente ainda tem mais entrada, no sistema prisional é mais difícil. Então nós nos encontramos mensalmente para nos fortalecer, indicamos para as mulheres os espaços onde elas podem recorrer para acompanhar o processo, a gente direciona onde são as defensorias, as especializadas. Localmente, por conta da legitimidade da nossa fala e entrada no debate, a gente construiu o Fórum Popular de Segurança Pública, a Rede de Mulheres Negras do Ceará, estamos na frente estadual pelo desencarceramento, compomos o conselho estadual de direitos humanos. Agora, no âmbito nacional estamos inseridas na Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo do Estado, porque o que acontece também dentro dos espaços da privação de liberdade é terrorismo. E, enquanto discussão do desencarceramento, a gente compõem a agenda nacional.

Patrícia Oliveira, Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violências do Estado do Espírito Santo

A associação  vem  se  articulando com  varios  outros  coletivos, inclusive  faz  parte  da Rede Nacional de Mães e Familiares Vitímas de Terrorismo do estado.

Fundo Baobá: Ao longo destes anos de atuação, quais foram as conquistas? 

Alessandra Félix,  Coletivo Vozes

Eu costumo sempre dizer que éramos mães convencionais, e passamos a ser mães institucionais. Uma das nossas maiores conquistas foi nos politizar, entender nosso lugar de mãe nesses espaços, nos tornamos defensoras dos direitos humanos, a partir daí fomos ganhando reconhecimento na nossa caminhada, na academia quando vão  pautar segurança pública ou alguma coisa voltado para o aprisionamento, sempre somos chamadas e, para nós, isso é uma conquista, pois nos tira do lugar de marginalização que o Estado nos coloca. Também hoje temos o apoio do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente, um lugar de muito respeito aos nossos olhos e nós conseguimos nos reunir lá mensalmente, acolhemos mulheres dos dois sistemas, socioeducativo e prisional. E a nossa maior conquista, foi nos submeter aos editais, nosso primeiro edital foi com o Fundo Brasil e agora estamos com o Fundo Baobá, quando o recurso vem, ele nos possibilita segurança de passagem, alimentação e de formação. Nós somos divididas, nós temos familiares, pioneiras que vem desde o início do grupo, temos mães da memória, que perderam seus filhos em 2015, 2016 e infelizmente vem perdendo, e temos mães com filhos tanto em medida socioeducativa quanto no sistema prisional, e essas mães nunca nos deixam, têm as mães que se identificam com a nossa luta e para nós isso é uma vitória. 

Patrícia Oliveira, Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violências do Estado do Espírito Santo

Nossa  conquista vem da  articulação e do  fortalecimento  do  coletivo, ao levar  um  pouco  da  nossa  experiência para o fortalecimento da  nossa luta.

Fundo Baobá:  Quais são as principais  pautas e os principais desafios desse movimento hoje?

Alessandra Félix,  Coletivo Vozes

As nossas principais pautas são: a prevenção, desenternamento de adolescentes autores de atos infracionais e a problematização do sistema prisional. Os nossos maiores desafios são permanecer nessa luta, ter saúde mental e seguridade. Inclusive para pautar isso aqui no Ceará. A gente não tem direito a cidade, somos perseguidas e marginalizadas. Algumas de nós está no programa de proteção, o atual governo piorou muito nosso lugar de defensoras dos direitos humanos.

Patrícia Oliveira, Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violências do Estado do Espírito Santo

Recursos e a articulação nacional dos  familiares de pessoas privadas de liberdade, muitos não  conhecem  seus  direitos e não sabem como recorrer a apoio.

Fundo Baobá:Sabemos que vocês listaram desafios, mas é possível imaginar os desafios futuros?

Alessandra Félix,  Coletivo Vozes

Sim, é possível! Poucas são as conquistas, mas a gente fica feliz quando um deles volta vivo e consegue se reerguer. Mas para os desafios futuros, nós temos muito receio do endurecimento das leis e das pautas de segurança pública que os políticos podem apresentar. Nós como abolicionistas desejamos um mundo sem prisões, mas o Ceará é um estado extremamente violador e encarcerador, temos só em Fortaleza mais de 8 centros  socioeducativos, no complexo de Taitinga temos quase 14 presídios, e o empecilho é essa legitimidade que ele nos tiram, porque nós temos, nós perdemos nossos filhos, muitas dessas mães enterraram seus filhos.

Patrícia Oliveira, Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violências do Estado do Espírito Santo

Os desafios são muitos, é a falta  de  trabalho, vulnerabilidade alimentar, além da questão psicológica, pois muitos familiares ficam doentes depois da  perda de seus filhos e isso é um grande desafio para  todos nós.

Fundo Baobá: Como o edital contribuiu com a  causa?

Alessandra Félix, Coletivo Vozes:

Tudo que nos possibilita resistir é muito bem-vindo, e é preciso que se referencie a Inegra que topou estar conosco, a importância que há para a gente é a garantia de que podemos executar algumas ações e no período da pandemia, muitas de nós ficaram desempregadas, e muitas encontram-se em vulnerabilidade social, e o projeto nos apoia nessas ações, fortalecendo como é chegar nessas mulheres, nessas famílias, porque também não é só sobre assistência, a maioria das atividades desenvolvidas foi de fortalecimento, politização, discussão sobre o que está acontecendo. Como a partir dessa dor a gente ressignifica e administra a ida aos presídios, como a gente se porta lá, como a gente fortalece uma mulher preta que está ao nosso lado, como levamos essa pauta para dentro das nossas famílias e nossa comunidade, então o projeto auxiliou no fortalecimento dessa árdua pauta e no fortalecimento enquanto organização, porque quando conseguimos receber um recurso que nos auxilia a apoiar famílias, isso retorna para a gente. E a gente vai construindo outros caminhos que não seja o cárcere ou o cemitério.

Patrícia Oliveira, Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violências do Estado do Espírito Santo

O projeto veio num momento muito importante para o fortalecimento da associação  e  dos  coletivos  de  familiares de pessoas privadas de liberdade em  todo  o Brasil.

Programa  “Recuperação Econômica de Pequenos Negócios”: Dois anos depois, donatários e donatárias falam de suas conquistas 

Coletivo Pretá, de Pernambuco e ConectAfro, do Paraná, foram organizações selecionadas e falam aqui sobre vitórias e transformações

Por Wagner Prado

Em junho de 2020, momento em que crescia a pandemia da Covid-19 no Brasil, o Fundo Baobá para Equidade Racial lançou um olhar sobre questões cruciais que estavam envolvendo o empreendedorismo negro no país. Era necessário promover uma ação que pudesse dar a esses empreendedores e empreendedoras negras o incentivo necessário para que pudessem tocar seus negócios e influenciar o meio-ambiente em que estavam localizados. Em parceria com a The Coca-Cola Foundation, o Instituto Coca-Cola Brasil, o Banco BV e o Instituto Votorantim foi lançado o Programa de Recuperação Econômica de Pequenos Negócios de  Empreendedores Negros e Negras, que destinou R$ 30 mil para cada uma das 46 iniciativas selecionadas. As iniciativas tinham que ser formadas por 3 (três) emprendedimentos negros que atuassem em um mesmo territorio. Cada um recebeu R$ 10 mil. 

O edital Programa de Recuperação Econômica de Pequenos Negócios de Empreendedores Negros e Negras, assim como todos os outros elaborados pelo Fundo Baobá, não se caracterizou por apenas transferir o recurso para os donatários. O objetivo foi além disso. O que se buscou foi a construção de uma trajetória de conhecimento para que empreendedores e empreendedoras pudessem melhorar a gestão de seus negócios, a divulgação de seus produtos e, a médio e longo prazos, aumentar seu faturamento. 

O Programa está completando dois anos desde seu lançamento em 2020. O aporte financeiro foi de R$1,6 milhão. As iniciativas selecionadas foram 46, com 137 pessoas que empreendem beneficiadas. 

Durante a realização do edital, alguns números foram levantados: 46 iniciativas e 137 empreendedores(as) foram impactados diretamente; 3020 pessoas ligadas às comunidades dos empreendimentos foram impactadas indiretamente; 77% das iniciativas estavam concentradas nas periferias e 88% dos empreendedores afirmaram utilizar parte do recurso para aquisição de equipamentos eletrônicos para participação nas atividades virtuais do programa e para as vendas. 

Dois desses empreendimentos foram procurados para uma conversa. O objetivo foi saber das transformações que experimentaram no período da pandemia, que dificultou o estabelecimento de negócios em vários setores. Como esses negócios e seus administradores estão agora? 

A primeira organização procurada foi o Coletivo Pretá, do estado de Pernambuco, uma associação entre Johne Roberto de Souza Santos (que empreende na gastronomia com um restaurante delivey),  Maria Izadora Silva Sousa (que produz pães de diversos tipos, geleias e compotas a partir de fermentação natural) e  Taylla Alves Gomes (fotógrafa que atua com design e vídeos). Johne falou pelo grupo. “O apoio recebido do Fundo Baobá foi muito bom para nós todos. Tivemos muita instrução e o apoio financeiro foi de suma importância. Minha empresa vai fazer dois anos e consegui abrir um espaço físico, mas ainda enfrento alguns problemas por conta da crise econômica, que é real”, afirma o empreendedor. 

Johne Roberto Santos -Coletivo Pretá

Johne Roberto Santos coloca as mentorias feitas pelo Fa.Vela, parceiro implementador do Baobá na jornada formativa, como essenciais para o seu desenvolvimento pessoal. “As mentorias me edificaram. Consigo desempenhar todas as funções dentro do meu negócio. Minha expectativa futura é analisar todos os déficits que estão fazendo a crise econômica ficar cada vez mais difícil, e conquistar um público que pague o nosso trabalho da maneira que ele vale”, afirma.  Johne,  do Coletivo Pretá,  fez questão de lembrar o momento que mudou sua trajetória no empreendedorismo. “Eu soube do edital pelo Google. Minhas parceiras não acreditaram a princípio, porque um benefício para um empreendimento negro e do interior do sertão, tendo mulheres gays, era quase que uma utopia. Mas nós insistimos e conseguimos”, diz. 

A segunda organização foi a ConectAfro, do estado do Paraná, que juntou em parceria Carolina de Fatima Monteiro, Olenka Borba dos Santos e Roberta Kisy Lourenço. A ConectAfro é uma plataforma digital com o objetivo de ampliar a visibilidade de empreendedores visando a geração de renda entre profissionais negros e negras. Carolina Monteiro fala sobre o atual momento da plataforma. “Estamos buscando uma reestruturação para o ConectAfro, que é um projeto lançado em parceria com o meu coletivo. Mas poder iniciar um novo empreendimento, sem sombra de dúvidas,  foi o passo mais importante que demos. Contudo, descobrimos também que empreender não é fácil. Por esse motivo estamos reprojetando nossa ConectAfro”, afirma. 

Carolina Lopes Monteiro – ConectAfro

Para Olenka Borba dos Santos, o aprendizado que recebeu foi a principal ferramenta para enxergar e empreender de forma mais assertiva. “A principal transformação pela qual passei foi ter adquirido conhecimento sobre gestão do negócio e  finanças. A mentoria que tivemos foi incrivelmente útil”, diz.

Olenka Borba dos Santos – ConectAfro

Roberta Kisy Lourenço define a importância do edital Programa de Recuperação Econômica de Pequenos Negócios de  Empreendedores Negros e Negras para as três. “É a primeira vez que o nosso projeto é contemplado. A transformação foi de acreditar. Veio uma força. Uma fé maior. Acreditar no projeto, que é de inovação e voltado para um público bem nichado, que é o afroempreendedor. Então, isso nos deu um gás. Uma vontade de continuar”, relata. 

Roberta Kisy Lourenço – ConectAfro

Fundo Baobá divulga organizações selecionadas para Etapa 2 do edital Educação e Identidades Negras: Políticas de Equidade Racial

O Fundo Baobá para Equidade Racial divulga a primeira lista de classificados para o edital Educação e Identidades Negras: Políticas de Equidade Racial, após análise das propostas feitas até 6 de setembro, última data de inscrições. 

 

O Educação e Identidades Negras tem como objetivo prioritário o enfrentamento ao racismo que vem impedindo que ações voltadas ao estabelecimento da equidade racial no segmento da Educação sejam estabelecidas. O edital é apoiado pela  Imaginable Futures e Fundação Lemann que, juntas, vão aportar R$ 2,5 milhões. Estes recursos,  ao final do processo seletivo, irão apoiar 10 organizações, grupos ou coletivos negros que atuem na Educação e realizem ações de enfrentamento ao racismo, valorização das identidades negras e outras. 

 

O edital foi criado para oferecer apoio a organizações, grupos e coletivos negros na identificação e enfrentamento ao racismo no segmento educacional;  valorizar e promover as diferentes identidades culturais negras dentro desse segmento; além de fortalecer a liderança e representação de negros que atuam nos espaços de poder e de tomada de decisão dentro da esfera educacional.

 

Para Fabio Tran, Venture Partner da Imaginable Future, o racismo tem impacto total no desempenho educacional de estudantes negros. “Em todos os estados brasileiros, a diferença entre o percentual de estudantes negros e brancos com níveis adequados de aprendizagem é significativa e se mantém mesmo dentro do mesmo nível socioeconômico (dados do SAEB). Está evidente que a desigualdade racial tem afetado o direito à aprendizagem e, por diversos motivos, o estudante negro tem sido levado a aprender menos. O racismo, enraizado enquanto modelo mental na sociedade, impacta os estudantes negros e suas famílias e os submetem ao preconceito cotidianamente. Esses e outros fatores, que são reflexo do racismo estrutural, afetam diretamente a autoestima e o senso de pertencimento de estudantes negros, impactando na sua performance acadêmica”, afirma.  

 

Foram recebidas 181 propostas, das quais 83 foram consideradas válidas. Todas as organizações que avançaram para a Etapa 2 do processo seletivo declararam ser formadas e coordenadas/dirigidas por 85% ou mais de pessoas negras; comprovaram atuação no setor Educação desde 2019 ou antes; por meio de um video, explicaram a importância do apoio ao fortalecimento institucional; elaboraram propostas cujos objetivos dialogam com o edital e enviaram planos de ação e orçamento seguindo as orientações.  

 

Neste link você poderá ter acesso à lista de selecionados para a Etapa 2 do edital Educação e Identidades Negras: Políticas de Equidade Racial. As próximas etapas classificatórias acontecem em 24 de outubro (Etapa 2); 07 de novembro (Resultado Final). 

Aliança entre Fundos participa do evento de 10 anos da Rede de Filantropia para a Justiça Social

Iniciativa que reúne Fundo Baobá para Equidade Racial, Fundo Brasil de Direitos Humanos e Fundo Casa Socioambiental abordará sobre ação colaborativa para apoiar quilombolas e indígenas na pandemia

A Aliança entre Fundos, iniciativa que reúne Fundo Baobá para Equidade Racial, Fundo Brasil de Direitos Humanos e Fundo Casa Socioambiental, vai apresentar a experiência de filantropia colaborativa no evento comemorativo dos 10 anos da Rede de Filantropia para Justiça Social (RFJS). Desde 2021, a Aliança entre Fundos apoia projetos quilombolas e indígenas para o enfrentamento dos impactos dos problemas agravados pela pandemia da COVID-19.

O Seminário Filantropia, Justiça Social, Sociedade Civil e Democracia, que ocorre nos dias 20 e 21 de setembro, propõe incentivar o debate sobre a contribuição da filantropia para o fortalecimento de organizações e movimentos da sociedade civil. Além de comemorar os 10 anos da RFJS, o encontro também se propõe a fomentar o debate sobre a relevância de doações para a sociedade civil e o papel da filantropia para a justiça social,

Uma intensa programação será desenvolvida ao longo dos dois dias do seminário, da qual participam dezenas de organizações da sociedade civil, nacionais e internacionais. A mesa coordenada pela Aliança entre Fundos integra a programação das mesas colaborativas e vai trazer, por exemplo, reflexões sobre a razão pela qual os Fundos escolheram essa forma de enfrentamento dos impactos da COVID-19 e quais os principais aprendizados desta iniciativa de Aliança entre Fundos para fomentar a justiça social.

Participam desta mesa Cristina Orpheo (Fundo Casa Socioambiental, Fernanda Lopes (Fundo Baobá para Equidade Racial), Juliane Yamakawa (Fundo Brasil de Direitos Humanos) e Fernanda Meister (Instituto Meraki). A mediação será feita por Érika Sanches (ACP).

Comemoração dez anos

No primeiro dia do encontro (20/09) será exibido um painel sobre a trajetória e papel da Rede no ecossistema filantrópico nacional e internacional ao longo dos seus 10 anos de atuação.

“A Rede completa dez anos de fundação, e o evento é uma excelente oportunidade para reafirmarmos nossa atuação junto ao ecossistema filantrópico nacional e internacional com foco na promoção da ampliação da mobilização de recursos a organizações da sociedade civil que atuam pela justiça social”, avalia Graciela Hopstein. Participam do painel Harley Nascimento (Fundo Positivo), Giovanni Harvey (Fundo Baobá) e Ana Valéria Araújo (Fundo Brasil de Direitos Humanos) e Roberto Vilela (Tabôa) A mediação fica por conta de Cristiane Azevedo (ISPN – Instituto Sociedade População e Natureza).

Na sequência, a mesa sobre Filantropia de Justiça Social, Sociedade Civil e Democracia no Brasil propõe a reflexão em torno da filantropia como agente de transformação.  Por meio do apoio financeiro às lutas de organizações, coletivos, movimentos e lideranças que atuam pelo reconhecimento e o acesso a direitos, com foco na diversidade e minorias políticas, a filantropia independente comprometida com essas agendas procura fortalecer a sociedade civil, entendida como um ator chave da democracia brasileira.

Participam desta mesa Cássio França (GIFE), Amália Fischer (Fundo ELAS+), Henrique Silveira (Casa Fluminense), Iara Rolnik (Ibirapitanga) e David Fleischer (IAF – Inter-American Foundation). A mediação será feita por Ana Toni (iCS – Instituto Clima e Sociedade).

Novos arranjos

A quarta-feira, dia 21/09, começa com o olhar voltado para o repensar das práticas tradicionais e hegemônicas da filantropia, propondo uma reflexão sobre como a filantropia pode fomentar transformação ao fortalecer a sociedade civil. Para isso, é preciso mudar a forma como se doa, observando as organizações e territórios que recebem apoio financeiro não como meros beneficiários, mas sim como agentes ativos da transformação.

A mesa Filantropia decolonial – caminhos e desafios no Brasil terá a participação de Cassio Aoqui (ponteAponte), Diane Pereira Sousa (Instituto Comunitário Baixada Maranhense), Allyne Andrade (Fundo Brasil de Direitos Humanos) e Ese Emerchi (GFCF – Global Fund for Community Foundations).

O Brasil tem avançado na desconstrução de práticas coloniais a partir da promoção da agenda da filantropia comunitária e de justiça social, com foco no reconhecimento de minorias políticas. Entretanto, os recursos para organizações e movimentos da sociedade civil que trabalham nesse campo são escassos e majoritariamente provenientes de financiamento internacional.

Esse modo de fazer filantropia pressupõe transformar as relações de poder, evitando a imposição de soluções de cima para baixo e reconhecendo os ativos das comunidades em busca de soluções próprias para os problemas existentes e na construção de um bem comum maior.

O segundo dia traz também o painel Democratizar a filantropia – confiança e novos arranjos, que abordará novas iniciativas no campo, formas de comunicação e olhares que despontam em diferentes territórios e grupos da sociedade civil e têm impacto na realidade, potencializando a transformação do país.

“O desafio está em entender como fazer com que a filantropia no país tenha maior abrangência, democratizando o acesso a recursos para organizações de base de maneira mais ágil e com confiança para, assim, contribuir para o fomento a uma transformação real e sustentável”, propõe Graciela.

Participam do debate Marcelle Decothé (PIPA), Aline Odara (Fundo Agbara), Larissa Amorim (Casa Fluminense) e Inimá Krenak (Fundo Casa Socioambiental), com mediação de Fernanda Lopes (Fundo Baobá).

Mesas colaborativas

O seminário promoverá também mesas colaborativas, com temáticas propostas por organizações da sociedade civil.

Após curadoria da equipe executiva da Rede de Filantropia para a Justiça Social, foram selecionadas propostas que debaterão, durante os dois dias, sempre na parte da tarde, temas como: Filantropia colaborativa e fortalecimento de territórios; Campanhas comunitárias do Dia de Doar; Filantropia na agenda de proteção de defensores e defensoras do meio ambiente; e Fortalecimento comunitário e luta por justiça ambiental. As mesas acontecem ao longo dos dois dias de evento.

A programação completa está disponível no site do evento.

Serviço:

Seminário Filantropia, Justiça Social, Sociedade Civil e Democracia 

Data: 20 e 21 de setembro de 2022.

Local: Unibes Cultural – Rua Oscar Freire, 2500 – São Paulo/SP.

Inscrições: https://seminariofilantropia.com.br/inscricoes/

Idealização e organização: Rede de Filantropia para a Justiça Social.

Produção: Necta.

Sobre a Rede

Criada em 2012, a Rede de Filantropia para a Justiça Social reúne fundos e fundações comunitárias, organizações doadoras (grantmakers) que mobilizam recursos de fontes diversificadas para apoiar grupos, coletivos, movimentos e organizações da sociedade civil que atuam nos campos da justiça social, direitos humanos, cidadania e desenvolvimento comunitário. A organização tem por propósito promover e diversificar uma cultura filantrópica no Brasil que garanta e amplie os recursos para a justiça social.

Integram o quadro de sócios fundadores as seguintes organizações membros: Fundo Baobá, Fundo Elas+, Fundo Brasil, Fundo Casa Socioambiental, ICOM (Instituto Comunitário da Grande Florianópolis), Instituto Baixada, Fundo Positivo, Casa Fluminense, ISPN (Instituto Sociedade População e Natureza), Redes da Maré, iCS (Instituto Clima e Sociedade), FunBEA (Fundo Brasileiro de Educação Ambiental), Tabôa e Instituto Procomum.

O Seminário Filantropia, Justiça Social, Sociedade Civil e Democracia – 10 anos da RFJS é promovido pela Rede de Filantropia para a Justiça Social. Tem o apoio financeiro do Instituto Clima e Sociedade, do Fundo Brasil, do Fundo Casa Socioambiental, do Fundo Baobá e da Porticus, e conta com apoio institucional das seguintes organizações: ABCR, Alliance Magazine, Comunalia, Cese, FutureBrand SP, GIFE, Global Fund for Community Foundation, Ibirapitanga, Fundação Micaia, Movimento Bem Maior, Movimento por uma cultura de doação, Philanthropy for Social Justice and Peace, Sitawi Finanças do Bem, ponteAponte, Social Docs, Stanford  Social Innovation Review Brazil, VMCA advogados e Wings.

Sobre a Aliança entre Fundos

A Aliança entre Fundos é formada pelo Fundo Baobá para Equidade Racial, Fundo Brasil Direitos Humanos e Fundo Casa Socioambiental. Iniciativa inédita surgida a partir da mobilização comunitária pela justiça racial, social e ambiental, propõe um novo modo de atuação no ecossistema da filantropia no Brasil: a filantropia colaborativa para a justiça social.  A ideia é reduzir os impactos da crise no país, especialmente junto a grupos que vivem em contextos de vulnerabilidade agravada pela pandemia da COVID-19.

Fundo Baobá para Equidade Racial

Criado em 2011, o Fundo Baobá para Equidade Racial é o primeiro e único fundo dedicado, exclusivamente, para a promoção da equidade racial para a população negra no Brasil. Orientado pelos princípios de ética, transparência e gestão, mobiliza recursos financeiros e humanos, dentro e fora do país, e investe em iniciativas da sociedade civil negra para o enfrentamento ao racismo e promoção da justiça social.

Fundo Brasil

O Fundo Brasil de Direitos Humanos é uma fundação independente e sem fins lucrativos, instituída em 2006. Tem como missão promover o respeito aos direitos humanos no país, criando mecanismos sustentáveis, inovadores e efetivos para fortalecer organizações da sociedade civil e para desenvolver a filantropia de justiça social.

Fundo Casa Socioambiental

​O Fundo Casa Socioambiental é uma organização que busca promover a conservação e a sustentabilidade ambiental, a democracia, o respeito aos direitos socioambientais e a justiça social por meio do apoio financeiro e fortalecimento de capacidades de iniciativas da sociedade civil na América do Sul.

Filantropia Negra: relação entre doadores e donatários não deve ser baseada em subterfúgios

Diretor Executivo do Fundo Baobá refletiu sobre as diferentes funções sociais que o ato de doar pode adquirir, inclusive na reprodução do “status quo”

Por Wagner Prado

Com apoio do Fundo Baobá para Equidade Racial e do Instituto Unibanco, patrocínios de Aegea Saneamento, Instituto Aegea e realização do The Wise Fund e Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) foi aberta no dia 4 de agosto uma série de mesas de discussão sobre o Mês da Filantropia Negra ou Black Philanthropy Monty 2022. No primeiro dia, participantes desse segmento do terceiro setor estiveram reunidos na sede do Instituto Unibanco. O foco foi lançar um olhar analítico sobre motivos, estratégias e resultados que vêm orientando a filantropia negra no Brasil. 

A mesa de debates foi moderada por Luana Génot, diretora executiva do Instituto Identidades do Brasil e reuniu, como expositoras/expositor Selma Dealdina, secretária administrativa da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Helena Theodoro, presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Elas+ e Giovanni Harvey, diretor executivo do Fundo Baobá.

A conversa teve início com um dado importante apresentado pela moderadora: de 2011 a 2019, US$ 185 milhões foram doados para causas de equidade racial nos Estados Unidos. Em 2020, quando do assassinato de George Floyd pelo policial branco Derek Chauvin e os consequentes protestos por todo país, esse número cresceu para US$ 3,3 bilhões. 

A preocupação com o semelhante permeia a história da comunidade negra brasileira. No período da escravidão, os negros se organizaram em irmandades que exerciam a solidariedade no sentido de comprar cartas de alforria, fornecer suporte jurídico e dar acesso a assistência médica e ajuda para funerais e enterros. Isso feito por gente que permanecia solidário mesmo na precariedade de suas vidas. . 

Giovanni Harvey, diretor executivo do Fundo Baobá, afirmou no evento que assim como na sociedade norte-americana, há no Brasil uma tendência para que as doações relacionadas à agenda da equidade racial também cresçam. Ele analisou as relações que são estabelecidas entre doadores e donatários e chamou a atenção para um aspecto que considera crítico “O ato de doar também pode ser uma ferramenta de manutenção do status quo. Porque nem toda doação tem o objetivo de criar condições para a superação de desigualdades. Ela (a doação) também pode ser um instrumento de amortecimento de tensões sociais”, disse.  Harvey reiterou o papel do Fundo Baobá em relação ao combate ao racismo. “O Baobá não faz filantropia para amortecer tensões sociais. Fazemos filantropia para gerar visibilidade para demandas sociais legítimas, invisibilizadas historicamente”, completou. 

Selma Dealdina, da Conaq, reforça a vocação solidária negra usando o trabalho feito por um ícone histórico. “Tereza de Benguela mostra para nós, hoje, que as mulheres negras sempre souberam gerir recursos. O quilombo de Quariterê (Mato Grosso, fronteira com a Boívia, onde Tereza era líder junto com seu marido, José Piolho) produzia grãos, sementes e  mandioca que sustentavam outras províncias”, falou. Por conta disso, Selma pediu uma reflexão: “A filantropia negra tem que ter o recorte do campo. Porque as pessoas falam em filantropia, mas muito no contexto urbano e esquecem que existem negros no campo, nas águas e nas florestas. Se a gente não unificar esse discurso, para além da cidade, e incluir os negros que não estão nos centros urbanos, fica difícil falar em filantropia ou em qualquer outra dinâmica”, afirmou. 

A fala de Helena Theodoro, do Fundo Elas+, corrobora a de Selma Dealdina. “Ao criar uma filantropia negra, a gente tem que pensar no aquilombamento negro, no sentido de trocar e ouvir as experiências do outro. Fomos nós (negros) que construímos esse país. Plantamos, asfaltamos as ruas, construímos as casas, demos o ciclo da borracha, ouro, diamantes, plantamos arroz e cuidamos do gado. Essa nação brasileira só vai ser uma grande nação se levar o povo negro em consideração”, disse. 

O  Mês da Filantropia Negra tem como um dos seus conceitos o protagonismo negro das ações. O Fundo Baobá trabalha com esse conceito, de acordo com o seu diretor executivo, Giovanni Harvey. “O Baobá tem o objetivo de fazer crescer o seu endowment. Queremos chegar em 2026 com R$ 250 milhões. Isso vai propiciar fazer o exercício de ter um colegiado majoritariamente composto por pessoas negras decidindo o que se pode fazer com o dinheiro. Temos que parar com esse ‘me engana que eu gosto’, porque as organizações do movimento negro estão comprando  o discurso de que as organizações dirigidas pelas pessoas brancas estão, de fato, comprometidas todas elas com o combate às desigualdades. Temos que parar com esse jogo e discutir abertamente, ter a iniciativa de fazer acordos e saber o que vamos fazer para os próximos cinco ou dez anos e as instituições têm que dizer o que elas pretendem fazer. Mas nós precisamos saber”, disse. 

Negros, Negócios e Alimentação:  Histórias, desafios e realizações alcançadas pelos selecionados do edital 

Por Camila Carvalho e Wagner Prado e Fotos Thalyta Cordeiro/DoMar

 

O cenário de crise econômica pela qual o Brasil vem passando, somado à pandemia da Covid-19 decretada em março de 2020 e que persiste até o momento, porém em nível de intensidade menor que em seu início, determinaram profundo impacto nas iniciativas de empreendedorismo. O relatório divulgado pelo Monitor Global de Empreendedorismo (GEM) em 2020, baseado em estudo do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e  Pequenas Empresas (Sebrae) e Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBQP) indicou que a taxa de empreendedorismo havia caído no país em mais de 18% em relação a 2019. 

Dentre os problemas e desafios que trouxeram a queda da taxa do empreendedorismo, podemos citar a dificuldade que os comerciantes tiveram em negociar seus produtos, obter capital de giro e saldar dívidas o que,  em grande parte dos casos, os levou a fechar as portas. 

Nesse contexto, empreendedores negros e negras passaram a figurar na categoria dos mais prejudicados. É sabido que os empreendimentos comandados por pessoas negras, independentemente de sua identidade de gênero, têm sido os mais atingidos no que se refere à retomada de vendas nos mesmos níveis anteriores à instauração da pandemia da Covid-19. A 13a Pesquisa de Impacto do Coronavírus  nos Pequenos Negócios, realizada pelo Sebrae, indicou que 72% dos empresários e empresárias negros estão faturando menos,  enquanto no empresariado branco, 66% indicaram o mesmo problema. Em termos de faturamento positivo, a mesma pesquisa mostrou que 10% dos negros conseguiram incremento com a retomada da economia. Entre os brancos, o índice foi de 14%.  A perda de receita atingiu 35% dos negros e 27% dos brancos. 

O acesso ao crédito foi outro fator analisado pela pesquisa, feita em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV).  Segundo ela, 35% do empresariado negro entrevistado estava inadimplente, enquanto entre os brancos endividados o número era de 24%.  A pesquisa foi divulgada em janeiro de 2022. 

O edital Negros, Negócios e Alimentação

O Fundo Baobá para Equidade Racial, em parceria com a empresa alimentícia General Mills, lançou em novembro de 2021 o edital Negros, Negócios e Alimentação para apoio a nano, micro e pequenos empresários dos segmentos de alimentação, gastronomia e culinária.  O edital integra o Programa de Resiliência, Recuperação Econômica e Equidade Racial, estabelecido no contexto da pandemia da Covid-19. A seleção recaiu sobre 14 empreendimentos que, até o final do edita,l receberão recurso financeiro no valor de R$ 30 mil cada, e também formação com aulas voltadas para o desenvolvimento e fortalecimento de seus negócios, cujos conteúdos serão também alinhados com aquilo que se evidenciou no diagnóstico e analise de situação sobre cada empreendimento, realizados por meio de entrevistas presenciais realizadas por equipe especializada. O Baobá tem como premissa oferecer o recurso financeiro e, ao mesmo tempo, municiar os donatários de conhecimento para que o uso dos recursos  sejam potencializados e  os ajudem a alcançar suas metas.

As entrevistas e visitas  ocorreram entre os dias 17 e 24 de agosto e também contaram com a nossa presença (Camila Carvalho e Wagner Prado),  como parte da Equipe Baobá. De nossa parte o objetivo foi conhecer e ouvir os donatários, suas histórias e, principalmente, entender as mudanças que o investimento propiciado pelo edital Negros, Negócios e Alimentação, podem trazer a um empreendedor e a um empreendimento negro. 

Em comum entre os empreendedores e empreendedoras do edital está o amor pelo ato de cozinhar. Nenhum das pessoas apoiadas apresentou-se “apenas” como administrador ou administradora do seu negócio. Literalmente, eles colocam a mão na massa. E como bem definiu Stella Francisca do Nascimento,  27 anos, do restaurante Zé do Ó, em Porto de Galinhas: “Nós entregamos afeto por meio dos alimentos.”  Alguns pontos dessas histórias de afeto, desdobramento, fé, resiliência e esperança no futuro, muita esperança, serão contados aqui.

Da esq. para a dir: Alexsandra , Rosa e Akuenda (Recife); Maria Paixão (São Lourenço da Mata), Rose Tabuleiro, Alleff e Cauã (REcife); Marleide (Olinda), Stella (Porto de Galinhas) e Yuri (Recife); Agachados: Isamara, Rivaneza e Thiago (Recife) e Manoelly (Paulista)

Caminhos Cruzados 1 

Entre os 14 empreendimentos selecionados pelo edital, 11 têm à frente uma mulher, 2 são comandados por homens, e 1 negócio por uma travesti, tendo eles entre 25 e 63 anos, e estando majoritariamente localizados nas regiões periféricas das cidades. Clique aqui para acessar a lista dos empreendimentos apoiados.

Maria da Paixão, Rosana, Rivaneza, Isamara e Alexsandra são mulheres casadas que vivem com seus companheiros, que estão sempre a postos para colaborar com o “negócio da casa”, já que o perfil de comando habita o espírito e o jeito de ser dessas cinco mulheres. 

“Você tem que acreditar em você quantas mil vezes for, porque a gente ouve muito não” –  Maria da Paixão de Brito – Capibaribe Doces e Salgados   

Maria da Paixão, 63, vem de uma família de 18 irmãos. Uma casa com tanta gente precisa ter mantimentos à altura, o que não acontecia na casa dela.  “Minha mãe não teve um marido que assumisse a feira da semana. Não tínhamos dinheiro e não tínhamos comida. Íamos para o colégio para comer a comida que davam lá”, conta. “Eu passei muita fome. Quando comecei a trabalhar com comida na casa dos outros, me agarrei nisso”,  completa. Hoje D. Maria, que não completou o ensino fundamental, dá uma verdadeira aula sobre a vida de empreendedora,  e faz uso dos mais diferentes e modernos termos usados no mundo do empreendedorismo. Ela fala das aulas e cursos que faz para aprimorar ainda mais seus conhecimentos e, com muita vontade, mostra que seu interesse é sempre aprender cada vez mais. “O meu sentimento é esse, de se melhorar mesmo, por isso que eu fico buscando as palavras difíceis de interpretar, que é pra ter confiança no que você está dizendo.”  Na casa de D. Maria esse é um ensinamento passado de mãe para filho, que segue o mesmo caminho pela cozinha da Capibaribe.

Entre essas empreendedoras, outra grande batalhadora é a matriarca que comanda o Tempero da Rosa: Rozenir Maria da Silva Nascimento, 58.  A vida dá muitas voltas. A frase feita define muito bem um fato que marca a existência dela,  atual proprietária do Hotel Central, localizado no bairro Boa Vista, região central de Recife. Rosa trabalhou no hotel  ainda menina, a partir dos 13 anos, ajudando a própria mãe. “Quando vim, o antigo dono pagou um curso de cozinha para mim. Meu compromisso era vir cobrir as férias das outras cozinheiras”, diz. 

Rosa lembra que o Central era frequentado por grande parte da elite recifense na década de 1970, que ia lá para desfrutar da boa comida oferecida pelo hotel. Como empregadas do local, ela e sua mãe, assim como os demais, em sua maioria pretos e pretas, tinham que acessar as dependências do hotel pela porta dos fundos. Circular na área dos hóspedes só mesmo para aqueles que faziam serviços diretos: garçons, garçonetes, camareiras, carregadores, por exemplo. Rose foi acompanhada por esse traço do racismo durante toda  adolescência. 

Os anos foram passando e Rosa se descobriu uma empreendedora. Casada com o militar Luiz há 42 anos, tiveram quatro filhas. Depois de vender minipizza e frutas de porta em porta, Rosa decidiu em 2002 apostar em um convite feito por uma amiga que havia ganhado uma licitação para um negócio de alimentação dentro de um quartel. Rosa pediu demissão e passou a trabalhar no negócio de alimentos. Ficou por 5 anos e decidiu seguir sozinha. Teve bar de praia, barraca de alimentos em uma praça até que veio o convite que mudou sua vida. O restaurante do Hotel Central estava claudicante. O proprietário a convidou para administrar. Rosa aceitou. A situação do hotel também não ia bem. O proprietário retirou-se da operação. O Central iria fechar. Mas há dois anos ela assumiu toda a operação junto com as filhas Marcela (Administradora de Empresas), Maxilandia (Pedagoga), Marciomilia e Marciele  (Psicóloga).

O ranço racista dos anos 1970 foi experimentado novamente por Rosa como arrendatária do Hotel Central. Uma hóspede branca, figura frequente no Central, professora de História da Universidade Federal de Pernambuco, agrediu Rosa verbal e fisicamente. “Ela disse que não admitia que negros estivessem no Hotel Central”, afirma. Com os protestos de Rosa e a intervenção de uma funcionária, a professora universitária racista investiu para cima de Rosa, que revidou. 

Rozenir Maria da Silva Nascimento quer se fixar como empreendedora. Uma missão social move esse desejo. “Eu peguei esse hotel porque tenho um objetivo: minha mãe trabalhou muito tempo aqui. Então, quero dar emprego a muitas mulheres”, revela. 

“Me sinto vencedora entrando pela porta da frente em em um lugar em que eu só entrava pelos fundos” 

Rozenir Maria da Silva Nascimento – Tempero da Rosa

Donatários, equipe Futuros Inclusivos/Fa.vela e equipe do Fundo Baobá

E quando o assunto é ser mãe e empreendedora, não podemos deixar de registrar o amor à maternidade que é demonstrado e escancarado pela donatária Alexsandra, formada em Design de Moda, mas que hoje concilia esse amor pela área com a paixão de “bulir” e fazer descobertas em sua “Cozinha Buliçosa”. “Eu queria para minha vida algo que fizesse mais sentido”, diz. A principal transformação veio por conta da leitura influenciadora do livro A Política Sexual da Carne: Uma Teoria Crítica Feminista-Vegetariana, de Carol J. Adams. A autora, baseada em pesquisa que realizou durante 10 anos, traça a ligação entre o domínio social masculino, a cultura de violência contra as mulheres, a  consequente objetificação feminina dentro de uma sociedade patriarcal e o ato de se consumir carne. 

A partir disso, a necessidade de uma mudança de horizontes e a influência da leitura,  Alexsandra passou a pesquisar sobre a produção de alimentos à base de vegetais. Optou pelos hambúrgueres. Batizou o seu empreendimento de Cozinha Buliçosa. “Buliçosa vem de bulir, que é mexer com algo. Como sou muito curiosa, acabei dando esse nome”, diz. Hoje,  Alexsandra se alegra ao falar do edital, e vibra com as possibilidades trazidas com ele. “A terceira (fase de seleção do edital) foi triunfal, eu saí gritando no meio da rua”, diz ela sobre o momento em que soube que havia sido selecionada.

“Eu não sou vegana e minha cozinha não é vegana. Minha cozinha é cíclica. Quero que a comunidade entenda que a alimentação natural é para todos. Não é apenas para brancos ricos”, afirma. 

Já a donatária Rosana Ramos, 38, é empreendedora desde os 15 anos, mas já fez muita coisa para garantir sua independência financeira, passando por venda de cosméticos, lanches, venda de planos de saúde, professora de creche, auxiliar de serviços gerais e telemarketing, mas dentre os altos e baixos da vida, assim como no mundo dos negócios, Rosana está passando por um momento de transformação. As chuvas do mês de junho em Recife inundaram o bairro de Jiquiá, onde ela vive com o marido Gilvan e as filhas Giovana Eloá, 7 e Maria Sofia, 2. A casa de Rosana ficou praticamente submersa. Móveis e eletrodomésticos foram danificados ou perdidos. A solução foi reconstruir a casa. O terreno foi aterrado, ganhou uma nova elevação e, sobre ela, a nova construção foi erguida. Nela, um espaço para a D´elicias da Rosana está reservado. Vai ser nesse espaço que ela vai seguir fazendo suas obras de arte em formato de bolos. 

Rosana conta que a dedicação à confeitaria veio mais da insistência das pessoas do que dela mesma.  “De tanto insistirem, eu comecei a fazer. Peguei gosto e comecei a investir. Comprei alguns bicos (de confeitar) e passei a treinar em casa. Fui para o Youtube, onde se ensina tudo, e fui aprendendo. Comecei a fazer os bolos e a trabalhar com isso, mas sentia falta de aprender como gerir meu próprio negócio”, afirma. São os conhecimentos gerenciais que Rosana está buscando na Jornada Formativa promovida pelo Fundo Baobá.  Com muito entusiasmo mostra seu interesse nas formações e muita empolgação com as mudanças já trazidas pelo edital. “Ainda não entendo de precificação. Não tenho essa noção e preciso ter. Estou melhorando. Antes de ser selecionada pelo edital, o que eu tinha de equipamento aqui era básico. Eu não tinha uma boleira bonita, uma bailarina (prato giratório para colocar o bolo)”, comemora. 

Conhecemos uma outra mãe que, vendendo acarajés, criou três filhos e pagou a faculdade da filha Isamara Costa Cruz, formada em Engenharia de Produção. Hoje aos 30 anos, Isamara, donatária do edital, é quem toca o Acarajé da Tia Joana, alcunha pela qual ficou conhecida sua mãe, Lucivania. “Sou muito grata por estar onde estamos, vendo de onde a gente saiu. Mas eu quero ter condição de ter uma minifábrica e um galpão apenas para a produção do acarajé”, afirma Isamara, que aos 18 anos passou a trabalhar diretamente com a mãe e, aos 26, depois de formada, passou a gerenciar o Acarajé da Tia Joana. 

Isamara tem preocupação com tudo o que se refere ao Acarajé. Da apresentação do produto, o design da embalagem delivery, ao atendimento dos clientes no ponto de venda. O envolvimento dela com seu produto é tanto que o seu Trabalho de Conclusão de Curso, o TCC, foi sobre a receita do produto. “Quando comecei a trabalhar, não havia registro da receita. Eu acabei fazendo isso”, diz orgulhosa. Além do amor pelo trabalho, Isa tem também o amor pelo significado do negócio para sua família, que hoje vive inteiramente do Acarajé da Tia Joana, por isso todas as forças são depositadas ali, em família e para a família, envolvendo desde primos a conhecidos, garantindo sucesso e união entre o negócio  e eles, e gerando fortalecimento financeiro e a mudança na vida de todos. “Hoje, o maior orgulho da minha vida é o Acarajé, é a história. Eu não consigo falar sem me emocionar”, afirma Isamara.

A forte ligação familiar demonstrada por Isamara está presente também em Stella Francisca do Nascimento, 27. Ela é filha de Zé do Ó, figura que dá nome ao restaurante mais antigo de Porto de Galinhas, com 43 anos, e o único fundado,  de propriedade e gerenciado por uma família negra desde o final dos anos 1970. Ali, a peixada é o prato mais pedido pelos clientes. Atualmente, quem comanda o negócio é Stella. Zé do Ó continua com sua atividade de pescador. O nome dele (José do Ó) vem de uma promessa feita pela avó de Stella. Depois de sofrer a perda de dois bebês, ela prometeu a Nossa Senhora do Ó que se o bebê que esperava fosse menina seria chamada Maria do Ó. Se menino, José. 

Como os demais empreendimentos em Porto de Galinhas, o que traz clientes para o Zé do Ó é o turismo. A qualidade da comida é muito boa. Fomos recebidos em nossa visita com um caldo de camarão dos deuses. Quando a comida é boa, logo queremos saber quem prepara, e as mãos mágicas são a de D. Marleide, mãe de Stella. Uma das reivindicações da filha junto à mãe é a revelação das receitas que faz, coisa que D. Marleide não quer revelar de jeito nenhum. “Já disse a ela que temos que ter as receitas. A cozinha não pode ficar nas mãos de uma só pessoa. Se ela não estiver, a comida tem que ser feita de acordo com o que ela determinar. E isso vai estar nas receitas. Mas ela tem resistido contar”, afirma. 

O período pandêmico, quando o turismo foi abalado e a frequência em Porto de Galinhas foi severamente reduzida, impactou os negócios. Stella foi obrigada a ver o restaurante, local de onde obteve o dinheiro para custear sua formação em Direito na Faculdade Marista, indo na direção de ter que fechar as portas. Por intermédio de amigas, porém, ela foi informada sobre o edital Negros, Negócios e Alimentação. “Confesso que não acreditei quando li. Questionei. Como um Fundo daria dinheiro para alguém em Ipojuca?” (município onde está localizado o distrito de Porto de Galinhas.)

O resultado final da seleção trouxe esperança para Stella, D. Marleide e Zé do Ó. “O edital reforça a crença de que não só eu e minha família botamos fé. Foi muito fortalecedor para eu saber que um Fundo também acredita em nós, no nosso potencial”, diz. 

Rivaneza, 37, e Thiago são um casal que empreende de mãos dadas. Riva, como é tratada pelos familiares e amigos, tem formação em Turismo. Thiago é formado em Ciências Sociais. Eles se dedicam a produzir alimentos de forma artesanal, por intermédio de técnicas de fermentação, processo esse que sempre é contado carinhosamente e detalhadamente pelo casal. A produção de requeijão cremoso à base de castanha de caju e a ghee, um tipo de manteiga que pode melhorar a saúde intestinal. Mas o carro chefe da produção são os kombuchas, bebidas fermentadas feitas à base de chás. 

Riva e Thiago, além da proposta de produção alimentar, têm uma proposta social. O amor de Thiago por suas raízes rurais está levando o casal a deixar sua casa atual para viver no sítio da família de Thiago, em uma comunidade rural na região metropolitana, em Goiana. Lá, a partir da transferência da Dona Terra (nome do empreendimento deles), pretendem gerar empregos e expandir a área de distribuição dos seus produtos e também levar informação sobre produção e consumo de alimentos artesanais para os moradores da comunidade. Durante a conversa,  Thiago fez questão de falar sobre o diferencial do edital do Fundo Baobá: “[…] Vem com um plano de direcionamento, com uma provocação, uma reflexão sobre teu negócio, pra você pensar de que forma melhor você pode estar continuando sua caminhada”, diz Thiago, e Riva complementa “É porque vem de pessoas que entendem a nossa realidade, de uma forma ou de outra expertise do Baobá e das pessoas que fazem, de vocês também, tem essa minúcia de trazer pessoas que vão compreender, não vão botar aleatórios consultores que não têm vivência com a realidade. […] O dinheiro é massa, mas se perde rápido sem a orientação”. “A solução da gente não é dinheiro […] tem que encontrar primeiro o norte da gente, crescer de forma coesa, chegar num padrão, melhorar os processos, ter ferramentas de controle. Quando tiver uma estruturação base, a gente pensa no crescimento”, finaliza Thiago. 

Caminhos Cruzados 2  

“Não comecei um empreendimento por necessidade, para me sustentar. Eu tenho outra relação com a comida” – Rosilene Rodrigues dos Santos – Tabuleiro

Ambas são mulheres fortes. Ambas sofreram a perda de seus companheiros. Junto deles e com eles, sonharam empreender.  Mesmo sem eles, construíram sonhos sonhados a dois. A primeira é Marileide Alves de Lima, uma jornalista que montou no quintal de casa o Xero Café, no Bairro Novo, em Olinda. A segunda. Rosilene Rodrigues dos Santos, 61 anos, a Rose. Ela é proprietária do Tabuleiro, empreendimento que atua no fornecimento de comida para eventos.

Marileide, 55, decidiu criar um café no quintal de casa quando a opção por deixar a redação tomou conta de sua cabeça. “Eu conversei com meu marido e ele abraçou a ideia. Passou a sonhar com o café junto comigo. Ele se engajou nesse sonho meu que se tornou dele também”, afirma. Em novembro de 2018 o Xero Café era inaugurado. A proposta do Xero é juntar no mesmo espaço as paixões de Marileide:  “Quis juntar no mesmo espaço a minha paixão por café, pela comida regional aqui de Pernambuco e arte, porque sou também produtora cultural”, revela. A paixão de Marileide pelo café tomou também a cabeça de seu filho, André, que fez o curso de barista para levar todo conhecimento sobre diferentes drinks e bebidas à base de café. Olinda é um dos destinos mais procurados dentro do estado de Pernambuco e tanto o público interno quanto o externo (turistas) são buscados pelo Xero Café. No dia de nossa visita, que aconteceu no período da tarde de uma sexta-feira, presenciamos a chegada do público, que tem no Xero o ponto preferido para relaxar após o trabalho, encontrar os amigos ou mesmo ter um encontro. 

Ao contrário de Marileide, que recebe o público em seu estabelecimento, Rosilene leva a comida ao encontro do seu público. Ela conta de onde veio a ideia de dar ao empreendimento o nome de Tabuleiro. “O tabuleiro foi um dos primeiros instrumentos usados pelas mulheres negras para vender seus produtos”, afirma. O Tabuleiro é um empreendimento familiar, que trabalha fornecendo comida para eventos. À frente de toda prestação de serviços estão Rose, seus filhos Lande, 24, e Mauri Dijá, 22. Os nomes vêm do dialeto quimbundo, falado em Angola. Lande significa “aquele que chega à frente”. Mauri Dijá, “negro lutador”. Além dos filhos, ela conta com o apoio do sobrinho Willamis, 35, que é o coordenador de toda operação. 

Rose do Tabuleiro, como ela também é chamada, tem formação superior em Economia Doméstica e ocupou uma cadeira no Conselho de Igualdade Racial da Cidade de Recife e foi Secretária de Igualdade Racial da Cidade de Recife por 8 anos. A questão da identidade negra está no que produz para os eventos. “Na linha da identidade afrobrasileira, não temos concorrência. Outro diferencial do Tabuleiro são as indumentárias que usamos, que deixaram o serviço bem mais atrativo e causa curiosidade nas pessoas, dando um outro tom”, revela.

O Tabuleiro não produz tudo o que leva para os eventos. Rose estabeleceu algumas parcerias, como uma rede de conexões entre empreendedores negros, como forma de reduzir sua carga de trabalho e também como forma de gerar empregos e fazer a economia girar. Em todas suas falas a comunidade e a cultura negra estão sempre em foco nas atividades do Tabuleiro. “Quem contrata o Tabuleiro está contratando pelo menos outros cinco empreendimentos que trabalham com a gente”, afirma. 

“A gente não foi buscar um recurso por buscar, a gente foi buscar um parceiro […] no sentido de nos ajudar a continuar crescendo, sem contudo fugir  dos princípios que a gente estabeleceu para o empreendimento”, diz Rose, sobre o edital Negros, Negócios e Alimentação. 

Rozenir Maria da Silva Nascimento / Hotel Central-Tempero de Rosa

Caminhos Cruzados 3 

Esse olhar sobre a comunidade negra também é pauta para a MaMê Comidinhas. Se for para traduzir, seria Comidinhas da Mãe. A MaMê, no caso, é Manoelly Soledade da Silva, 43. Manoelly impressiona pelo sorriso, beleza e determinação. Mãe solo de quatro filhos (Gabriel, 25; Thiago Manoel, 11; José Arthur, 10 e Jorge, 7), ela cursou Gastronomia na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) vendendo brownies para custear as despesas que tinha para poder estar na universidade. O filho mais velho, Gabriel, foi quem arcou com as despesas da casa enquanto a mãe terminava o curso. Ele também ajudava na venda dos  brownies, bolos e alguns doces produzidos por ela, e foi o principal incentivador de Manoelly, que por muitas vezes precisou se dedicar aos estudos com a companhia do pequeno Jorge dentro das salas de aula, já que não tinha com quem e onde deixá-lo.

Manoelly sempre foi curiosa sobre cozinhar. “Observava muito a minha avó na cozinha. Lembro de fazer feijão aos 8 anos de idade. Algumas receitas que uso hoje são as dela”, conta. Algo marcante a levou em definitivo para o ato de cozinhar. Em 2009, quando da passagem do Cirque Du Soleil por Recife, Manoelly candidatou-se a uma vaga de trabalho no staff da companhia. “Eles tinham como exigência que o inglês fosse impecável. O meu era de intermediário para baixo”, diz. Porém, de alguma forma ela impressionou e conseguiu uma vaga de recepcionista na área vip. Quando a turnê terminou, Manoelly foi convidada a seguir com eles para Porto Alegre. Ela, então, pediu uma mudança de função. Queria trabalhar na cozinha. Foi atendida. Trabalhou com o pessoal do circo canadense por seis meses e ganhou muita experiência com gastronomia. 

A Mamê Comidinhas está sendo melhor estruturada dentro da casa em que Manoelly mora em Paulista, cidade da região metropolitana de Recife. A casa é própria e foi deixada para ela e um irmão pelos pais, que decidiram viver em outro lugar. Com a primeira parcela recebida do edital Negros Negócios e Alimentação, Manoelly está comprando equipamentos para poder produzir mais e ao mesmo tempo armazenar seus produtos

“Procuro priorizar pessoas negras nas minhas escolhas para trabalhar.  Priorizo também as mulheres, porque como negra sei que alguns espaços me foram negados”

Manoelly Soledade da Silva – Mamê Comidinhas

Ainda sobre esses espaços e a dificuldade se encontrar outros negros neles, em meio a sua história sobre experiências com o racismo estrutural, Manoelly se enche de alegria ao falar de uma das etapas de seleção do edital:  “Foram vários momentos maravilhosos(no processo junto ao Baobá) […] A entrevista (da 2ª fase) era um preto do outro lado da tela, um pouco mais velho que o meu o filho, lembrava muito ele, eu nunca participei de uma entrevista que tivesse uma pessoa negra me entrevistando, isso foi muito simbólico, foi muito significativo para mim […] independente de eu passar nesse processo ou não, essa entrevista vai ter valido a pena tudo”.

A determinação vista em Manoelly é a mesma que move Angélica Nobre de Lima Silva, 49, e também mãe solo, proprietária do Angu das Artes, empreendimento que ela toca com a ajuda dos filhos Mariana e Yuri. O sonho de Angélica é que o Angu das Artes se torne um point culinário em Recife, com as pessoas se deslocando até o Alto de Santa Isabel para experimentar a comida feita por ela e por eles.. O Alto de Santa Isabel fica em um morro e um dos acessos é feito por um escadão. A empreendedora tem muita fé em que isso aconteça, pois em cidades como o Rio de Janeiro, por exemplo, as pessoas não se detêm se o lugar onde querem comer ou se divertir de alguma forma fica em um morro. Elas vão.   

Alexsandra (turbante), Alleff (camisa colorida), Cauã (camiseta azul) e Isamara (calça branca)

Para que o Angu das Artes se transforme nessa boa opção gastronômica, Angélica está estruturando o local, que funciona em sua casa. O amplo quintal que até pouco tempo era de terra já foi cimentado e ganhou uma cobertura.  Mesas e cadeiras de madeira foram compradas. A gerência do Angu das Artes é feita por Yuri, que está concluindo a graduação em Administração. Mariana, a irmã, cursa História na Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), onde é bolsista. Angélica tem formação em Gestão Ambiental. A ligação dela com as panelas vem, também, da observação da dedicação de sua avó no preparo dos alimentos. 

Por ser gestora ambiental, a questão do reaproveitamento e da reciclagem fazem parte da missão imposta por Angélica para ela mesma e para o seu negócio.. A filosofia de Angélica é a de que tudo que se usa na cozinha pode, de alguma forma, ser transformado em outro alimento ou ser reaproveitado de alguma forma. Angélica transformou seu histórico de fome em conhecimento, e aquilo que sua mãe fazia por necessidade para alimentar os filhos se tornou objeto de estudo e trabalho. Angélica tem por objetivo incentivar pessoas a mitigar a pobreza alimentar e gerar renda para que mulheres também possam alcançar sua independência financeira.

Caminhos Cruzados 4   

Akuenda Translébicha, Alleff Souza do Nascimento e Cauã Ferreira da Silva não se conheciam até o dia 16 de agosto quando o Fundo Baobá para Equidade Racial juntou em uma sala no 7o andar da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) os representantes dos 14 empreendimentos selecionados pelo edital Negros, Negócios e Alimentação. Akuenda tem a Dhuzati Mostrusidade Antiespecistas. Allef está tocando a Delícias do Alleff e Cauã é o proprietário do Brownie do Rolê. 

A luta dos três para se firmar como empreendedores é dura como a de outros tantos nano, micro e pequenos empresários que tentam se estabelecer no Brasil. Em termos sociais, porém, a luta deles também se opõe às barreiras racistas e  preconceituosas que se erguem contra el@s. 

Akuenda, 35, é uma defensora da causa da proteção dos animais e enxerga na produção de alimentos a forma de ser independente e viver do seu próprio trabalho. Ela pesquisa técnicas e conhecimentos alimentares ancestrais e trabalha com cozinha de plantas. A empreendedora tem um amplo conhecimento sobre questões sociais históricas que acercam o propósito de seu negócio, e seu trabalho, segundo ela, vem ajudando a quebrar as barreiras existentes nas classes menos abastadas com relação à comida feita a partir de plantas, e o compartilhamento dessas informações que é chamado por ela de “contaminação”, segundo ela, já está em curso e já atingiu muita gente.

Assim como a maioria dos donatários, o principal desafio na produção da Dhuzati era em relação ao armazenamento, mas com a primeira parcela do recurso, Akuenda já conseguiu comprar sua freezer, equipamento primordial e essencial para o negócio. 

Alleff, de 29 anos, está dedicado à produção de bolos, mas foi a necessidade financeira que o fez despretensiosamente começar a produzir trufas de chocolates apenas para complementar a renda de casa. O local de vendas era o antigo espaço de trabalho de seu companheiro Leandro, um grande “marketeiro intuitivo”, que hoje também se dedica somente ao “Delicias do Alleff”, e deposita todos seus conhecimentos ali, já que as trufas fizeram tanto sucesso que levaram Alleff a investir de vez na cozinha, e a partir daí foi só gosto pela vida de empreendedor e pela autonomia no ramo da confeitaria. O sonho de crescimento, porém, é o de levar o empreendimento para um local físico na zona norte da cidade, mas para além de seus sonhos Alleff e Leandro também investem no aprimoramento daqueles que os acompanham nessa jornada, os colaboradores, que também fazem parte da comunidade onde o negócio está localizado e tiram dali suas rendas familiares e muito aprendizado sobre gestão, negócio e bolos.

“Nos meus trabalhos formais eu tive dificuldades com essa questão de cor e gênero, e sofri determinadas situações muito constrangedoras e bem pesadas, que me levaram a não querer estar nesses ambientes. Hoje em dia,  ter a própria empresa, estar na liderança e poder gerar oportunidade pra outras pessoas e contribuir com um ambiente livre de qualquer tipo de discriminação também é motivo de orgulho […] Toda essa bagagem me traz isso, ter uma visão muito ampla de que as pessoas precisam de oportunidade”, diz Aleff.

E por fim temos Cauã Ferreira da Silva, 25, formado em Biologia (licenciatura). O nem tão recente negócio do Cauã surgiu como uma necessidade de complementar a renda. Com R$150 que pegou emprestado de um amigo, ele então criou o “Brownie do Rolê” em 2017. As ruas foram o seu ponto de venda, mas ele  já estruturou o negócio para operar em delivery. Hoje, além de produzir os alimentos, Cauã faz oficinas e compartilha seus conhecimentos sobre cozinha. 

Visando a otimização do trabalho, um computador já foi comprado com parte do recurso do edital do Baobá. No futuro, quando o Brownie do Rolê estiver consolidado, a ideia é mudar a marca para BDR, já que hoje Cauã se dedica a fazer mais do que brownies e impressiona qualquer um que tenha a oportunidade de experimentar suas tortas e principalmente o seu famoso e mais vendido empadão de tomate com queijo coalho (cá entre nós, é aquele famoso de “comer dando graças”). Para apresentar tudo que pode oferecer futuramente, ele sonha em ter um ponto físico, mas também em unir seu amor pela cozinha e pela licenciatura. “Quero ter um restaurante que seja referência aqui no Recife. Ao mesmo tempo, quero me manter dando aulas”, afirma Cauã, que nos deixa instigados a entender como alguém tão jovem tem seus planos tão desenhados e tanta clareza sobre suas ideias.

“Olhando para trás eu não imaginava que estaria aqui com vocês na minha salinha […] O Baobá tá fazendo tudo fluir de uma maneira que eu consiga colocar meu empenho. Porque por muito tempo eu vi meu empenho não dando muitos frutos, porque eu não conseguia fazer só meu trabalho, só meu talento dar conta de fazer a empresa crescer, então o Baobá está sendo literalmente essa oportunidade que eu tenho de colocar em prática o trabalho que venho fazendo […] Eu sinto que é o ponto de partida”, diz Cauã.

Stella Nascimento (Restaurante Zé do Ó)

Enquanto o próprio restaurante não vem, Cauã ganhou a oportunidade de tornar as sua shabilidades culinárias conhecidas em um novo espaço cultural aberto na cidade, o Quilombo Urbano. Cauã vai passar a comandar a cozinha do local a convite da produtora cultural Rafaela Gomes. O Quilombo Urbano é um espaço de socialização dos pretos de Recife e vai trazer parte do sonho de Cauã,  de ter um ponto físico, à realidade.

Depois de conhecer os 14 donatários, podemos enxergar o potencial do edital Negros, Negócios e Alimentação e como toda a sua estrutura pode unir as pontas soltas dos negócios selecionados. Desde a necessidade financeira para adquirir equipamentos/utensílios para a produção e armazenamento de seus produtos e que otimizem os processos de trabalho, até os grandes desafios relacionados à gestão de seus negócios, que foram mencionados por todos eles, que anseiam fortemente, além do recurso financeiro, o conhecimento que poderão adquirir com a Jornada Formativa. Os participantes nos colocam frente às suas expectativas que são pontos essenciais dos objetivos que compõem o programa para garantir o fortalecimento dos empreendimentos selecionados. 

Para além das coisas em comum entre os empreendedores, é nítida a singularidade de cada pessoa por trás de cada negócio, cada história. Também de certo modo,  ao mesmo tempo desafiador, é encantador  olhar para essa diversidade que enriquece o edital, como linhas que interligam a conexão entre região, raça e amor pelo processo de fazer comida e entregar afeto em forma de alimento em seus negócios. Quando olhamos quem e o que faz parte desse edital, vemos que ele faz juz ao seu nome: ele é sobre Negros, Negócios e Alimentação, na rica e grande cultura da região pernambucana.

Associação Quilombola de Patos III Fortalece suas Potências Através de Edital

Por Ingrid Ferreira

A Associação de Patos III, que fica localizada no município de Campo Formoso na Bahia, foi fundada em 24 de julho de 2012 e é uma das organizações apoiadas no Edital Quilombolas em Defesa: Vidas, Direitos e Justiça.

A Associação, que foi criada através da parceria dos moradores da comunidade com as lideranças do sindicato dos trabalhadores rurais da região, foi pensada como um órgão para auxiliar, amparar e organizar as necessidades da comunidade quilombola na  busca de melhorias para o território e membros.

Como consta na fala da Aliete Alvez da Gama, atual Secretária da Associação: “A Associação é uma ferramenta de poder para nós da comunidade, é através dela que apresentamos e defendemos as nossas reivindicações para as autoridades, tanto municipais, quanto estaduais e federais. Nós da Associação estamos participando dos editais e lutando pelo acesso às políticas públicas, voltados para a cultura, educação, agricultura familiar, direitos sociais e ambientais”.

Aliete Alvez da Gama – Atual Secretária da Associação de Patos III – Campo Formoso / BA

Aliete conta que os membros da  Associação, tiveram conhecimento do edital do Fundo Baobá através de um grupo de WhatsApp, e decidiram escrever um projeto que visasse fortalecer os quintais produtivos já existentes na comunidade, a criação de aves, as hortaliças e árvores frutíferas, que é fruto de um trabalho realizado por jovens e mulheres do território. 

E a Secretária relata que: “Com o projeto do Fundo Baobá, nós conseguimos contemplar 9 famílias que tem tido melhorias nas suas produções; já conseguimos comprar tela para estruturar os quintais produtivos, fazendo a divisão entre as partes das hortaliças, frutíferas e a criação de aves (galinha caipira), e o pessoal também recebeu sementes de hortaliças e plantas frutíferas, aumentando a produtividade e diversidade de seu quintal”.

Além disso, Aliete conta que havia um certo preconceito com a Associação por ela ser criada e coordenada por mulheres e jovens, mas que com o edital do Fundo Baobá e a participação da Associação em outros projetos, os moradores têm levado o trabalho da organização mais a sério e se envolvido cada vez mais, além de despertar a admiração e respeito de seus vizinhos.

A Associação de Patos III através de suas atividades, têm provado a importância das ações coletivas, pois é através delas que tem construído ações de desenvolvimento e fortalecimento territorial e da própria Associação.

 Associação quilombola combate ao racismo ao resgatar e preservar a memória de quilombo em formato audiovisual

Por Edmara Pereira e Ingrid Ferreira

“1 milhão de reais pra mim é aquilo que ontem foi passado lá, o mundo inteiro nos conhecer, saber que existe mais uma comunidade no Brasil que vem lutando por justiça, pela preservação das nossas raízes, pelo nosso passado… E vocês chegaram para iluminar cada vez mais o nosso caminho, para abrir a estrada…” (Vicente da Conceição Victor ex-presidente da Associação dos Moradores Amigos e Amigas da Fazenda Santa Justina)

Vicente da Conceição Victor – Ex-presidente da Associação dos Moradores Amigos e Amigas da Fazenda Santa Justina

Essa fala emocionante é de um quilombola que se orgulha de sua história e luta por visibilidade e acontece logo depois do lançamento do documentário “Quilombo Luta e Resistência”, em agosto de 2022. O documentário é um dos produtos do projeto da Associação dos Moradores Amigos e Amigas da Fazenda Santa Justina apoiado pelo edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça. O edital se constitui em uma oportunidade para que organizações negras fortaleçam estratégias de ativismo, resistência e resiliência diante das injustiças raciais recorrentes.

À primeira vista, pode parecer bastante curioso o porquê de um projeto selecionado escolher caminhar pelo mundo do audiovisual para preservar a memória local de sua comunidade e de seus antepassados, mas a Associação que está localizada na cidade de Mangaratiba – RJ, mais especificamente na Região da Costa Verde, tem na sua história as marcas do tráfico negreiro, como nos informou a historiadora Miriam Bondim, ao relatar que Mangaratiba foi um dos maiores portos de desembarque de negros escravizados no Brasil e que, mesmo depois da proibição do comércio de seres humanos, beneficiou-se da expansão cafeeira, pois continuava sendo um porto de escoamento para cidades que foram o berço da expansão do café no Brasil.

Nas conversas foi  possível perceber que as lembranças do período de escravização ainda são fortemente presentes naquela comunidade,  não só pela historiografia,  pelos vestígios, as ruínas, o alambique desativado, as argolas onde as pessoas  eram amarradas e torturadas mas, principalmente, as narrativas que ilustram  as relações sociais estabelecidas à época. Netos de pessoas escravizadas, que moram no quilombo, narram as histórias de dor contadas por seus avós; falam sobre comportamentos adotados pelos donos da fazenda de café há poucos anos atrás, algo que, em muito se assemelha ao comportamento dos senhores de engenho, os escravocratas.

A fazenda onde está localizado o quilombo foi certificada pela Fundação Palmares como comunidade remanescente de quilombo em 2016, mas a luta é de muito antes. Antes da certificação a fazenda foi vendida, ilegalmente, para uma empresa que ameaçava áreas de preservação, logo o quilombo passou a ser alvo de especulação. O território era cobiçado para a construção de condomínios de luxo, a partir daí começaram com perseguição de líderes políticos da comunidade, ameaças de morte, além de investidas de desocupação, ou seja, a intenção era de expulsá-los de suas casas.

Silvio dos Santos, atual Presidente da Associação,  conta sobre o processo de resistência: “Uma antiga empresa rural era a dona do território e depois vendeu para a atual empresa, nesse período começou uma ameaça de expulsão; uma expulsão provocada pela ausência de recursos, pois não permitem instalar energia elétrica, há dificuldade de locomoção, não podemos ir e vir, a porteira fica trancada e algumas outras questões que passaram a ocorrer depois da ocupação do MST, logo na entrada da fazenda. Depois desse fato, a empresa conseguiu uma reintegração de posse e depois da ocupação começaram a colocar seguranças, dificultando a entrada até hoje”.

Silvio dos Santos – Atual Presidente da Associação dos Moradores Amigos e Amigas da Fazenda Santa Justina

Frente a esse contexto e reconhecendo a importância de seguirem vivendo onde existem as marcas, dores e memórias dos seus antepassados que foram sequestrados, desenraizados de sua cultura e da sua família e,  diante dessas constantes situações de violência e exploração, os moradores resolveram se unir e criar a associação para lutar  por seus direitos. Aliados ao desejo de contribuir e amparar a luta por liberdade e pelo direito à terra, captaram recursos para ações de fortalecimento institucional e para a produção de um documentário. O objetivo é dar visibilidade e contribuir para reflexão sobre a história de luta e resistência da comunidade.

O lançamento do documentário,  no dia 13 de agosto de 2022, consagrou uma das metas da organização e contou com a presença de membros da equipe do Fundo Baobá. De acordo com Silvio: “O documentário vai dar visibilidade e mostrar a importância do que estamos lutando, que é pela preservação da história, da qualidade de vida dos remanescentes e da preservação do meio ambiente. Houve uma grande mobilização em torno do documentário por parte de todos. A entrevista de um complementando e incentivando a do outro, um contando com o outro, narrando a própria história. Isso tudo criou uma expectativa que está se realizando com o lançamento do documentário, perante tudo isso, queria agradecer pela parceria e por essa oportunidade de crescimento”.

Ao contar sua história, a comunidade viveu o despertar de um sentimento de pertencimento e valorização de sua cultura. Para além da mudança que ocorreu com a produção do documentário, Silvio conta também que:

“A comunidade saiu do caminhar só com a diretoria e hoje a totalidade das famílias participam das questões da Associação. Nós já começamos a implementar algumas festas de calendário, como o Festival da Banana. As oficinas dentro do quilombo a partir do projeto do Baobá, que condicionou essa estrutura, foi um período de formação muito importante pra gente”.

A realização dessas festas que o Silvio mencionou é importante, pois gera renda para as famílias já que atrai as pessoas de Mangaratiba a irem para o quilombo e lá eles comercializam comida típicas, seus próprios artesanatos, além de apresentarem um pouco da cultura com a apresentação de dança. 

Outras mudanças aconteceram a partir das oficinas realizadas com as organizações apoiadas pelo edital: a participação em outros editais, tendo sido contemplado em dois da Secretaria Estadual de Cultura e um do Instituto Cultural Vale. Também foi citada a integração dos moradores na Diretoria do Sindicato dos Agricultores de Mangaratiba, e a conquista da Declaração de Aptidão ao PRONAF, dando reconhecimento aos agricultores familiares e possibilitando o acesso a políticas públicas e também a formação de um Sindicato de Trabalhadores Rurais. 

As mudanças individuais e comunitárias relatadas por Silvio são  exemplos daquilo que se espera alcançar com apoio do Fundo Baobá.  Os investimentos financeiros e técnicos são realizados visando ampliar as capacidades das organizações para colocar em prática sua missão, para alcançar com mais autonomia, os seus objetivos. É apoiando as potencialidades da população negra e quilombola que o caminho para a equidade racial é desenhado. “Para nós foi uma honra participar desse momento, não só por acreditar no projeto mas, principalmente por ver a emoção de todos os presentes,  com a materialização do documentário, e ainda  saber sobre as mudanças substanciais ocorridas no processo de desenvolvimento do produto”, afirma Edmara Pereira, que compõem a equipe de programas e projetos do Fundo Baobá.

O edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça é uma iniciativa do Fundo Baobá para Equidade Racial e conta com apoio da Google.org. 

Baobá na imprensa em Julho

Por Ingrid Ferreira

No mês de julho, o diretor executivo do Fundo Baobá, Giovanni Harvey, participou da “Live do Valor: além de dinheiro, como dar autonomia e confiança às organizações?”, no Valor Econômico.  No evento  o diretor  falou sobre filantropia negra, estruturação e funcionamento do Fundo.

Já a Revista Afirmativa mencionou o Fundo em sua matéria “Mês da Filantropia Negra’ debate práticas do investimento social privado e da filantropia para equidade racial”, divulgando o evento  organizado pelo GIFE e apoiado pelo Baobá  e Instituto Unibanco, que aconteceu em 04 de agosto. 

O Estadão e o portal Direto da Fonte publicaram sobre o novo edital “Educação e Identidades Negras: Políticas de Equidade Racial” do Fundo Baobá com apoio da Imaginable Futures e da Fundação Lemann, divulgando o lançamento e período de inscrições, de  03 de agosto a 06 de setembro.

A Revista Cenarium Amazônia públicou o título “Discriminação racial e práticas antirracistas são temas de palestra para colaboradores em shopping de Manaus”, em que menciona a participação de Hélio Santos que integra a Assembléia Geral do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá.

APOIADAS DO FUNDO BAOBÁ:

No Coletiva Negras que Movem do Portal Geledés duas publicações foram feitas no mês de julho sendo elas, “Vamos brindar a vida, meu bem! E brindemos com nossas mães e mais velhas” e “Mulheres negras felizes e sorrindo: é esse o Brasil que eu quero”.

E nas redes sociais também teve vários posts dxs apoiadxs falando sobre o Fundo, como é possível ver no instagram em que a @leandracomunica e @averve05 compartilharam a publicação da @juliamoa___ com o seguinte título: “Dança Ancestral: ferramenta de cura e conexão para o corpo negro”.

E a @juliamoa___ também fez outros dois posts, um deles é o “Tecnologia Afrofuturista: mulheres negras impulsionando a ciência e o conhecimento” e o outro é “Mulheres negras lutam pelo direito à cidade como uma garantia para as populações negras e periféricas”.

Ainda no instagram a @institutoconectardiversidade e @estebanciprianooficial publicaram “Lançamento do Programa DS Diversidades”, mencionando o Fundo Baobá em suas hashtags. E a @jo_psicologa_preta_sim e a @johimura fizeram o post “O que nós temos a receber da política?”. E a @jaquefraga_ publicou “Mídias Negras e Jornalismo Antiracista: a comunicação como ferramenta de luta e emancipação das mulheres negras”.

10 anos de Lei de Cotas: O acesso à universidade pública que mudou vidas 

Em um país tão desigual, ingressar no ensino superior  é chave de mudança para milhares de pessoas pretas, pardas e indígenas

Por Midiã Noelle Santana

Completada 10 anos, a Política de Cotas foi uma das principais ferramentas para inserir jovens pretos, pardos e indígenas dentro dos espaços acadêmicos.  A Lei  nº 12.711/2012 garantiu que 50% do total de vagas nas universidades e institutos federais fossem reservadas para alunos que vieram de escolas públicas. Nesse recorte de 50%, as vagas são também oferecidas para pretos, pardos e indígenas. “No começo dos anos 2000, a cada 100 universitários, apenas 2 eram  negros. O Movimento Negro Unificado começou a formular propostas para a inclusão de cotas”, afirma Givânia Maria da Silva, co-fundadora e coordenadora do Coletivo de Educação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).

Para Denise Carreira, coordenadora institucional da organização social Ação Educativa, doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP) e integrante da Coordenação do Consórcio da pesquisa sobre o Balanço da Lei de Cotas, é preciso estar de olho na revisão da lei que está prevista para acontecer ainda este mês. “A revisão visa o aprimoramento e o fortalecimento da política de cotas e não o fim, porém também oferece riscos devido ao momento que estamos vivendo. As cotas sempre foram atacadas, o que oferece risco ao enfrentamento das desigualdades, especialmente o racismo que corrói a nossa sociedade”.

E mesmo com a inserção de jovens pretos, pardos e indígenas no espaço acadêmico ter ocorrido, a realidade está fora do que deveria ser proporcional pensando na população brasileira composta por 54% de pessoas negras. Por isso, a importância do Edital Identidades Negras: Políticas de Equidade Racial, promovido pelo o Fundo Baobá com o apoio da Imaginable Futures e da Fundação Lemann. Com a proposta de combater o racismo e promover a equidade racial no setor da Educação, será oferecido aporte de R$ 2,5 milhões para 10 organizações, grupos e coletivos negros que atuam na educação, implementam ou fomentam estratégias de enfrentamento ao racismo em instituições educacionais formais e não formais e buscam fortalecer a liderança e a representação da gente preta em espaços de decisão e poder por meio de programas, ações e políticas públicas.

“Pretendemos estimular mudanças tanto nos espaços de educação formal – escolas de educação infantil, ensino fundamental, médio, ensino superior-, como em espaços não formais – organizações de base comunitária, espaços populares que preparam jovens e adultos para os vestibulares, afinal nestes espaços também se dão as ações educativas, se ampliam oportunidades e se busca romper com as estruturas que o racismo nos submete”, afirma Fernanda Lopes, diretora de Programa do Fundo Baobá para a equidade racial.

Entre exemplos de iniciativas que já acontecem,  pensando nesse viés proposto pelo Edital, está a ORÍentação Afetiva, que fornece  acolhimento pautado no quilombismo e decolonialidade como prática política, teórica e afetiva. “Acompanho  nove alunos que se encontram em conflito e adoecimento causado pelo racismo institucional do ensino superior e, consequentemente, se sentem desmotivados para finalizar o trabalho de conclusão de curso. Tais discentes residem em diversos estados brasileiros, dentre eles Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Natal e Brasília”, diz  Obirin Odara, idealizadora do projeto,  mestra em políticas sociais pela Universidade de Brasília e integrante do Perifa Connection, uma das organizações à frente da Campanha de 10 anos da Lei de Cotas no Brasil, que através de uma coalizão de iniciativas monitora a revisão da 12.711 para que ocorra de maneira justa e democrática.

O acompanhamento dos universitários acontece sempre pautado na escuta ativa, em construir toda uma narrativa de orientação individual. “Desde que iniciamos, três alunos entregaram a monografia e os seis demais seguem firmes”, diz. Para a idealizadora, em sua vida, as cotas serviram para um momento de reflexão quanto ao se enxergar no mundo. “Ser negra, até então, era algo que eu escondia e tentava fugir. Para a seleção de cotas, em contrapartida, foi o primeiro momento em minha vida que me recordo de falar com orgulho da cor de meus mais velhos e da minha cor. Era como se ali entendessem a importância disso, e eu me senti como quem rasga o silêncio com um sussurro”, afirma.

Midiã Noelle Santana é jornalista e produziu o texto para o Fundo Baobá e Perifa Connection. Apoio de Imaginable Futures e Fundação Lemann

Dia da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha é tema de encontro da MetLife

Por Wagner Prado

A diretora de Programa do Fundo Baobá para Equidade Racial, Fernanda Lopes, foi a palestrante do encontro virtual promovido pela MetLife Brasil em torno do Dia da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha, comemorado em 25 de julho. Fernanda participou do encontro a convite de Edna Alcântara, diretora do Afro Presença, grupo de afinidade composto por  pessoas negras que trabalham na empresa. Cerca de 80 colaboradores, negros e não negros, da MetLife conectaram-se para acompanhar a live.  

O dia 8 de março, mundialmente conhecido por ser o Dia Internacional da Mulher, e o 25 de novembro, Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres, são datas já consagradas no calendário de efemérides mundiais. Ambos, inclusive, estão no calendário oficial da ONU (Organização das Nações Unidas). Datas que alcançam esse, vamos dizer, status, passam a ser reverenciadas mundialmente. 

O Dia da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha ainda não ganhou o carimbo da ONU para se tornar um dia internacional, mas sua importância é tão significativa quanto os outros dois dias já citados. E foi sobre isso a fala de Fernanda Lopes para as colaboradoras e colaboradores da MetLife, empresa parceira do Fundo Baobá no Programa Já É: Educação e Equidade Racial, cujo objetivo é ampliar o acesso de jovens negros ao ensino superior em universidades públicas e privadas e contribuir para sua permanência. Prioritariamente, o programa visa as universidades públicas, pois o que se pretende é o ingresso e a continuidade até a conclusão do curso. 

“O 8 de março é mundialmente celebrado e foi instituído como um dia em defesa do direito das mulheres. Em função de uma grave violação dos direitos das mulheres trabalhadoras,  o que gerou uma revolta feminina. O 8 de março marca a revolta e a ação em defesa dos direitos das mulheres”, disse Fernanda Lopes. E continuou: “Para as mulheres negras existia uma série de desvantagens que eram derivadas do racismo e associadas ao patriarcado, ao sexismo e a essa lógica de muita opressão, uma opressão diferenciada em relação às mulheres brancas, por isso a importância do 25 de julho”.

A diretora de Programa do Fundo Baobá fez um apanhado das transformações sociais pelas quais o mundo passava no início do Século 20 e o contexto em que as mulheres negras se encontravam nele. “A revolta feminina e os movimentos de luta por direitos foram prioritariamente encampados por mulheres brancas, de classe média, com maior escolaridade, que tinham no mundo do trabalho, externo às suas residências, um universo de conquistas. Um mundo de transformação e em transformação. Mas, para que essas mulheres estivessem na rua lutando por seus direitos, fosse o direito ao voto, o direito a ter direitos iguais no ambiente de trabalho; mulheres negras estavam cuidando dos seus filhos, trabalhando nas suas casas como empregadas domésticas, muitas vezes em um contexto de trabalho análogo ao trabalho escravo”, afirmou.  

A partir da década de 1970, as mulheres das diferentes expressões do movimento negro passaram a questionar e discutir, entre elas, independentemente das fronteiras que separam os países, as questões relativas às diferentes formas de opressão que vinham sofrendo. “Desde os anos 1970/80, ganha corpo a discussão sobre como a hierarquização social se manifestava de uma forma completamente diferente para a vivência de mulheres e homens negros quando comparados a pessoas não negras. Essas mulheres negras vinham também explicitando todas as vivências, as sinergias, as intersecções das diferentes formas de opressão, fossem aquelas relacionadas ao sexismo, ao patriarcado, ao etarismo, à lesbofobia, ao moralismo sexual, à xenofobia, e tudo isso vivenciado pela égide do racismo, o que era ainda muito pior”. Revelou Fernanda Lopes. 

O discutir levou à ação. “Em 1992, em Santo Domingo (República Dominicana), mais de uma centena de mulheres negras da América Latina, do Caribe e também da América do  Norte estiveram lá discutindo como essa vivência de opressão racial e opressão sexista poderia ser convertida em potência, em luta, em estratégia de fortalecimento e de ação em rede. Foi assim que surgiu o 25 de Julho. Foi nesse contexto de resistência, de resiliência, de conexão, de ação em rede que surgiu o 25 de Julho,  durante o Primeiro Encontro Latino-americano e Caribenho de Mulheres Negras”, contou a diretora do Baobá.  

Quando o encontro foi aberto para perguntas, Edna Alcântara, diretora do Afro Presença da MetLife, fez um questionamento: “Mulheres sofrem uma carga maior de preconceito. Houve uma diminuição disso? A Educação trouxe maior presença de mulheres ao mercado de trabalho?”  Fernanda Lopes respondeu assim: “Nós somos frutos de muitas conquistas e hoje estamos em muitos mais espaços que nas décadas de 1980, 1990 e início dos anos 2000. As jovens negras e não negras são a maioria no ensino superior, mas ainda não são maioria nos cargos gerenciais no mundo corporativo ou na esfera pública. Ainda há uma sub-representação feminina e feminina negra nos espaços de poder”. 

Você poderá saber mais sobre o 25 de Julho, Dia da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha acessando este link

Diretor executivo do Fundo Baobá fala sobre cultura de doação no Valor Econômico

Por Wagner Prado

A cultura de doação no Brasil é algo a ser construído e incentivado. Diariamente, o noticiário geral dá conta dos problemas que o país vem enfrentando na Educação, Emprego,  Saúde, Cultura e outras áreas sociais. 

Mas o ato da doação ultrapassa a questão do dar o dinheiro. Como promover a autonomia das organizações que recebem doações? Foi para fazer esse debate que o jornal Valor Econômico realizou o encontro do Diretor Executivo do Fundo Baobá para Equidade Racial, Giovanni Harvey, com a Diretora Executiva do Instituto Clima e Sociedade (ICS), Ana Toni. O encontro foi mediado por Laura Ignacio, editora-assistente de Legislação do jornal. 

O primeiro ponto abordado por Giovanni Harvey foi a questão da autonomia que deve ser dada a instituições, como o Fundo Baobá, cujo histórico e projetos já implementados geram confiança em quem está doando. “No Baobá temos como objetivo buscar o maior nível possível de autonomia e sustentabilidade para o enfrentamento direto dos efeitos da  discriminação racial e do racismo no Brasil”, disse.  Para exemplificar, Harvey citou a doação feita pela bilionária e filantropa norte-americana Mackenzie Scott, que em abril doou US$ 5 milhões para o Baobá. “A doação de Mackenzie Scott foi um divisor de águas na história do Baobá porque é a maior doação individual desvinculada da execução de um projeto ou programa específico. Os US$ 5 milhões foram doados para o Baobá usar livremente”, afirmou.

Para Ana Toni, do ICS, o fato de não existirem incentivos fiscais para que pessoas e organizações façam doações no Brasil dificulta o trabalho de captação. “Na Europa e nos Estados Unidos há incentivo fiscal para que, quem faz a doação, não pague alguns tributos.  No Brasil,  tirando algumas isenções,  como acontece nas áreas de esporte e cultura, a maioria dos doadores, principalmente os individuais, têm que pagar entre 4% e 8% a mais sobre a doação”, falou. 

No Brasil, projetos relacionados a direitos humanos, equidade racial, combate ao racismo, homofobia e questões de gênero recebem apoio menor que outras causas, como a defesa climática, por exemplo. Um dos caminhos para que ocorra um equilíbrio e as causas de direitos humanos sejam melhor beneficiadas é o engajamento das empresas a elas. 

Giovanni Harvey finalizou falando da importância da doação individual. “Nós temos uma frente de captação junto a pessoas físicas. Temos um círculo de doação que foi lançado em 2021. Dentro da nossa estratégia, temos a expectativa de que, ao longo dos próximos 10 anos, tenhamos um crescimento da participação significativa das pessoas físicas no bolo de arrecadação do Baobá. Temos a expectativa de que o doador individual, uma vez iniciado o processo de engajamento com a instituição, se mantenha como doador. Estamos buscando formas de mostrar a esses doadores individuais os resultados do investimento que eles fazem”, afirmou Harvey. 

Quando assumiu a direção executiva do Fundo Baobá, em dezembro de 2021, esse foi um dos principais temas abordados por ele. Naquela oportunidade, Harvey citou a convicção que tinha na ampliação do engajamento de mais pessoas físicas no hall de doações para o Baobá. Diante disso, Giovanni Harvey colocou como metas elaborar e dar visibilidade a indicadores, bem como ampliar as ações de comunicação para que as pessoas (doadores) possam acompanhar, com mais nitidez,  o que é feito com os recursos arrecadados e os resultados que têm sido alcançados.