Associação quilombola combate ao racismo ao resgatar e preservar a memória de quilombo em formato audiovisual

Por Edmara Pereira e Ingrid Ferreira

“1 milhão de reais pra mim é aquilo que ontem foi passado lá, o mundo inteiro nos conhecer, saber que existe mais uma comunidade no Brasil que vem lutando por justiça, pela preservação das nossas raízes, pelo nosso passado… E vocês chegaram para iluminar cada vez mais o nosso caminho, para abrir a estrada…” (Vicente da Conceição Victor ex-presidente da Associação dos Moradores Amigos e Amigas da Fazenda Santa Justina)

Vicente da Conceição Victor – Ex-presidente da Associação dos Moradores Amigos e Amigas da Fazenda Santa Justina

Essa fala emocionante é de um quilombola que se orgulha de sua história e luta por visibilidade e acontece logo depois do lançamento do documentário “Quilombo Luta e Resistência”, em agosto de 2022. O documentário é um dos produtos do projeto da Associação dos Moradores Amigos e Amigas da Fazenda Santa Justina apoiado pelo edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça. O edital se constitui em uma oportunidade para que organizações negras fortaleçam estratégias de ativismo, resistência e resiliência diante das injustiças raciais recorrentes.

À primeira vista, pode parecer bastante curioso o porquê de um projeto selecionado escolher caminhar pelo mundo do audiovisual para preservar a memória local de sua comunidade e de seus antepassados, mas a Associação que está localizada na cidade de Mangaratiba – RJ, mais especificamente na Região da Costa Verde, tem na sua história as marcas do tráfico negreiro, como nos informou a historiadora Miriam Bondim, ao relatar que Mangaratiba foi um dos maiores portos de desembarque de negros escravizados no Brasil e que, mesmo depois da proibição do comércio de seres humanos, beneficiou-se da expansão cafeeira, pois continuava sendo um porto de escoamento para cidades que foram o berço da expansão do café no Brasil.

Nas conversas foi  possível perceber que as lembranças do período de escravização ainda são fortemente presentes naquela comunidade,  não só pela historiografia,  pelos vestígios, as ruínas, o alambique desativado, as argolas onde as pessoas  eram amarradas e torturadas mas, principalmente, as narrativas que ilustram  as relações sociais estabelecidas à época. Netos de pessoas escravizadas, que moram no quilombo, narram as histórias de dor contadas por seus avós; falam sobre comportamentos adotados pelos donos da fazenda de café há poucos anos atrás, algo que, em muito se assemelha ao comportamento dos senhores de engenho, os escravocratas.

A fazenda onde está localizado o quilombo foi certificada pela Fundação Palmares como comunidade remanescente de quilombo em 2016, mas a luta é de muito antes. Antes da certificação a fazenda foi vendida, ilegalmente, para uma empresa que ameaçava áreas de preservação, logo o quilombo passou a ser alvo de especulação. O território era cobiçado para a construção de condomínios de luxo, a partir daí começaram com perseguição de líderes políticos da comunidade, ameaças de morte, além de investidas de desocupação, ou seja, a intenção era de expulsá-los de suas casas.

Silvio dos Santos, atual Presidente da Associação,  conta sobre o processo de resistência: “Uma antiga empresa rural era a dona do território e depois vendeu para a atual empresa, nesse período começou uma ameaça de expulsão; uma expulsão provocada pela ausência de recursos, pois não permitem instalar energia elétrica, há dificuldade de locomoção, não podemos ir e vir, a porteira fica trancada e algumas outras questões que passaram a ocorrer depois da ocupação do MST, logo na entrada da fazenda. Depois desse fato, a empresa conseguiu uma reintegração de posse e depois da ocupação começaram a colocar seguranças, dificultando a entrada até hoje”.

Silvio dos Santos – Atual Presidente da Associação dos Moradores Amigos e Amigas da Fazenda Santa Justina

Frente a esse contexto e reconhecendo a importância de seguirem vivendo onde existem as marcas, dores e memórias dos seus antepassados que foram sequestrados, desenraizados de sua cultura e da sua família e,  diante dessas constantes situações de violência e exploração, os moradores resolveram se unir e criar a associação para lutar  por seus direitos. Aliados ao desejo de contribuir e amparar a luta por liberdade e pelo direito à terra, captaram recursos para ações de fortalecimento institucional e para a produção de um documentário. O objetivo é dar visibilidade e contribuir para reflexão sobre a história de luta e resistência da comunidade.

O lançamento do documentário,  no dia 13 de agosto de 2022, consagrou uma das metas da organização e contou com a presença de membros da equipe do Fundo Baobá. De acordo com Silvio: “O documentário vai dar visibilidade e mostrar a importância do que estamos lutando, que é pela preservação da história, da qualidade de vida dos remanescentes e da preservação do meio ambiente. Houve uma grande mobilização em torno do documentário por parte de todos. A entrevista de um complementando e incentivando a do outro, um contando com o outro, narrando a própria história. Isso tudo criou uma expectativa que está se realizando com o lançamento do documentário, perante tudo isso, queria agradecer pela parceria e por essa oportunidade de crescimento”.

Ao contar sua história, a comunidade viveu o despertar de um sentimento de pertencimento e valorização de sua cultura. Para além da mudança que ocorreu com a produção do documentário, Silvio conta também que:

“A comunidade saiu do caminhar só com a diretoria e hoje a totalidade das famílias participam das questões da Associação. Nós já começamos a implementar algumas festas de calendário, como o Festival da Banana. As oficinas dentro do quilombo a partir do projeto do Baobá, que condicionou essa estrutura, foi um período de formação muito importante pra gente”.

A realização dessas festas que o Silvio mencionou é importante, pois gera renda para as famílias já que atrai as pessoas de Mangaratiba a irem para o quilombo e lá eles comercializam comida típicas, seus próprios artesanatos, além de apresentarem um pouco da cultura com a apresentação de dança. 

Outras mudanças aconteceram a partir das oficinas realizadas com as organizações apoiadas pelo edital: a participação em outros editais, tendo sido contemplado em dois da Secretaria Estadual de Cultura e um do Instituto Cultural Vale. Também foi citada a integração dos moradores na Diretoria do Sindicato dos Agricultores de Mangaratiba, e a conquista da Declaração de Aptidão ao PRONAF, dando reconhecimento aos agricultores familiares e possibilitando o acesso a políticas públicas e também a formação de um Sindicato de Trabalhadores Rurais. 

As mudanças individuais e comunitárias relatadas por Silvio são  exemplos daquilo que se espera alcançar com apoio do Fundo Baobá.  Os investimentos financeiros e técnicos são realizados visando ampliar as capacidades das organizações para colocar em prática sua missão, para alcançar com mais autonomia, os seus objetivos. É apoiando as potencialidades da população negra e quilombola que o caminho para a equidade racial é desenhado. “Para nós foi uma honra participar desse momento, não só por acreditar no projeto mas, principalmente por ver a emoção de todos os presentes,  com a materialização do documentário, e ainda  saber sobre as mudanças substanciais ocorridas no processo de desenvolvimento do produto”, afirma Edmara Pereira, que compõem a equipe de programas e projetos do Fundo Baobá.

O edital Vidas Negras: Dignidade e Justiça é uma iniciativa do Fundo Baobá para Equidade Racial e conta com apoio da Google.org. 

Baobá na imprensa em Julho

Por Ingrid Ferreira

No mês de julho, o diretor executivo do Fundo Baobá, Giovanni Harvey, participou da “Live do Valor: além de dinheiro, como dar autonomia e confiança às organizações?”, no Valor Econômico.  No evento  o diretor  falou sobre filantropia negra, estruturação e funcionamento do Fundo.

Já a Revista Afirmativa mencionou o Fundo em sua matéria “Mês da Filantropia Negra’ debate práticas do investimento social privado e da filantropia para equidade racial”, divulgando o evento  organizado pelo GIFE e apoiado pelo Baobá  e Instituto Unibanco, que aconteceu em 04 de agosto. 

O Estadão e o portal Direto da Fonte publicaram sobre o novo edital “Educação e Identidades Negras: Políticas de Equidade Racial” do Fundo Baobá com apoio da Imaginable Futures e da Fundação Lemann, divulgando o lançamento e período de inscrições, de  03 de agosto a 06 de setembro.

A Revista Cenarium Amazônia públicou o título “Discriminação racial e práticas antirracistas são temas de palestra para colaboradores em shopping de Manaus”, em que menciona a participação de Hélio Santos que integra a Assembléia Geral do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá.

APOIADAS DO FUNDO BAOBÁ:

No Coletiva Negras que Movem do Portal Geledés duas publicações foram feitas no mês de julho sendo elas, “Vamos brindar a vida, meu bem! E brindemos com nossas mães e mais velhas” e “Mulheres negras felizes e sorrindo: é esse o Brasil que eu quero”.

E nas redes sociais também teve vários posts dxs apoiadxs falando sobre o Fundo, como é possível ver no instagram em que a @leandracomunica e @averve05 compartilharam a publicação da @juliamoa___ com o seguinte título: “Dança Ancestral: ferramenta de cura e conexão para o corpo negro”.

E a @juliamoa___ também fez outros dois posts, um deles é o “Tecnologia Afrofuturista: mulheres negras impulsionando a ciência e o conhecimento” e o outro é “Mulheres negras lutam pelo direito à cidade como uma garantia para as populações negras e periféricas”.

Ainda no instagram a @institutoconectardiversidade e @estebanciprianooficial publicaram “Lançamento do Programa DS Diversidades”, mencionando o Fundo Baobá em suas hashtags. E a @jo_psicologa_preta_sim e a @johimura fizeram o post “O que nós temos a receber da política?”. E a @jaquefraga_ publicou “Mídias Negras e Jornalismo Antiracista: a comunicação como ferramenta de luta e emancipação das mulheres negras”.

10 anos de Lei de Cotas: O acesso à universidade pública que mudou vidas 

Em um país tão desigual, ingressar no ensino superior  é chave de mudança para milhares de pessoas pretas, pardas e indígenas

Por Midiã Noelle Santana

Completada 10 anos, a Política de Cotas foi uma das principais ferramentas para inserir jovens pretos, pardos e indígenas dentro dos espaços acadêmicos.  A Lei  nº 12.711/2012 garantiu que 50% do total de vagas nas universidades e institutos federais fossem reservadas para alunos que vieram de escolas públicas. Nesse recorte de 50%, as vagas são também oferecidas para pretos, pardos e indígenas. “No começo dos anos 2000, a cada 100 universitários, apenas 2 eram  negros. O Movimento Negro Unificado começou a formular propostas para a inclusão de cotas”, afirma Givânia Maria da Silva, co-fundadora e coordenadora do Coletivo de Educação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).

Para Denise Carreira, coordenadora institucional da organização social Ação Educativa, doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP) e integrante da Coordenação do Consórcio da pesquisa sobre o Balanço da Lei de Cotas, é preciso estar de olho na revisão da lei que está prevista para acontecer ainda este mês. “A revisão visa o aprimoramento e o fortalecimento da política de cotas e não o fim, porém também oferece riscos devido ao momento que estamos vivendo. As cotas sempre foram atacadas, o que oferece risco ao enfrentamento das desigualdades, especialmente o racismo que corrói a nossa sociedade”.

E mesmo com a inserção de jovens pretos, pardos e indígenas no espaço acadêmico ter ocorrido, a realidade está fora do que deveria ser proporcional pensando na população brasileira composta por 54% de pessoas negras. Por isso, a importância do Edital Identidades Negras: Políticas de Equidade Racial, promovido pelo o Fundo Baobá com o apoio da Imaginable Futures e da Fundação Lemann. Com a proposta de combater o racismo e promover a equidade racial no setor da Educação, será oferecido aporte de R$ 2,5 milhões para 10 organizações, grupos e coletivos negros que atuam na educação, implementam ou fomentam estratégias de enfrentamento ao racismo em instituições educacionais formais e não formais e buscam fortalecer a liderança e a representação da gente preta em espaços de decisão e poder por meio de programas, ações e políticas públicas.

“Pretendemos estimular mudanças tanto nos espaços de educação formal – escolas de educação infantil, ensino fundamental, médio, ensino superior-, como em espaços não formais – organizações de base comunitária, espaços populares que preparam jovens e adultos para os vestibulares, afinal nestes espaços também se dão as ações educativas, se ampliam oportunidades e se busca romper com as estruturas que o racismo nos submete”, afirma Fernanda Lopes, diretora de Programa do Fundo Baobá para a equidade racial.

Entre exemplos de iniciativas que já acontecem,  pensando nesse viés proposto pelo Edital, está a ORÍentação Afetiva, que fornece  acolhimento pautado no quilombismo e decolonialidade como prática política, teórica e afetiva. “Acompanho  nove alunos que se encontram em conflito e adoecimento causado pelo racismo institucional do ensino superior e, consequentemente, se sentem desmotivados para finalizar o trabalho de conclusão de curso. Tais discentes residem em diversos estados brasileiros, dentre eles Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Natal e Brasília”, diz  Obirin Odara, idealizadora do projeto,  mestra em políticas sociais pela Universidade de Brasília e integrante do Perifa Connection, uma das organizações à frente da Campanha de 10 anos da Lei de Cotas no Brasil, que através de uma coalizão de iniciativas monitora a revisão da 12.711 para que ocorra de maneira justa e democrática.

O acompanhamento dos universitários acontece sempre pautado na escuta ativa, em construir toda uma narrativa de orientação individual. “Desde que iniciamos, três alunos entregaram a monografia e os seis demais seguem firmes”, diz. Para a idealizadora, em sua vida, as cotas serviram para um momento de reflexão quanto ao se enxergar no mundo. “Ser negra, até então, era algo que eu escondia e tentava fugir. Para a seleção de cotas, em contrapartida, foi o primeiro momento em minha vida que me recordo de falar com orgulho da cor de meus mais velhos e da minha cor. Era como se ali entendessem a importância disso, e eu me senti como quem rasga o silêncio com um sussurro”, afirma.

Midiã Noelle Santana é jornalista e produziu o texto para o Fundo Baobá e Perifa Connection. Apoio de Imaginable Futures e Fundação Lemann

Dia da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha é tema de encontro da MetLife

Por Wagner Prado

A diretora de Programa do Fundo Baobá para Equidade Racial, Fernanda Lopes, foi a palestrante do encontro virtual promovido pela MetLife Brasil em torno do Dia da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha, comemorado em 25 de julho. Fernanda participou do encontro a convite de Edna Alcântara, diretora do Afro Presença, grupo de afinidade composto por  pessoas negras que trabalham na empresa. Cerca de 80 colaboradores, negros e não negros, da MetLife conectaram-se para acompanhar a live.  

O dia 8 de março, mundialmente conhecido por ser o Dia Internacional da Mulher, e o 25 de novembro, Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres, são datas já consagradas no calendário de efemérides mundiais. Ambos, inclusive, estão no calendário oficial da ONU (Organização das Nações Unidas). Datas que alcançam esse, vamos dizer, status, passam a ser reverenciadas mundialmente. 

O Dia da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha ainda não ganhou o carimbo da ONU para se tornar um dia internacional, mas sua importância é tão significativa quanto os outros dois dias já citados. E foi sobre isso a fala de Fernanda Lopes para as colaboradoras e colaboradores da MetLife, empresa parceira do Fundo Baobá no Programa Já É: Educação e Equidade Racial, cujo objetivo é ampliar o acesso de jovens negros ao ensino superior em universidades públicas e privadas e contribuir para sua permanência. Prioritariamente, o programa visa as universidades públicas, pois o que se pretende é o ingresso e a continuidade até a conclusão do curso. 

“O 8 de março é mundialmente celebrado e foi instituído como um dia em defesa do direito das mulheres. Em função de uma grave violação dos direitos das mulheres trabalhadoras,  o que gerou uma revolta feminina. O 8 de março marca a revolta e a ação em defesa dos direitos das mulheres”, disse Fernanda Lopes. E continuou: “Para as mulheres negras existia uma série de desvantagens que eram derivadas do racismo e associadas ao patriarcado, ao sexismo e a essa lógica de muita opressão, uma opressão diferenciada em relação às mulheres brancas, por isso a importância do 25 de julho”.

A diretora de Programa do Fundo Baobá fez um apanhado das transformações sociais pelas quais o mundo passava no início do Século 20 e o contexto em que as mulheres negras se encontravam nele. “A revolta feminina e os movimentos de luta por direitos foram prioritariamente encampados por mulheres brancas, de classe média, com maior escolaridade, que tinham no mundo do trabalho, externo às suas residências, um universo de conquistas. Um mundo de transformação e em transformação. Mas, para que essas mulheres estivessem na rua lutando por seus direitos, fosse o direito ao voto, o direito a ter direitos iguais no ambiente de trabalho; mulheres negras estavam cuidando dos seus filhos, trabalhando nas suas casas como empregadas domésticas, muitas vezes em um contexto de trabalho análogo ao trabalho escravo”, afirmou.  

A partir da década de 1970, as mulheres das diferentes expressões do movimento negro passaram a questionar e discutir, entre elas, independentemente das fronteiras que separam os países, as questões relativas às diferentes formas de opressão que vinham sofrendo. “Desde os anos 1970/80, ganha corpo a discussão sobre como a hierarquização social se manifestava de uma forma completamente diferente para a vivência de mulheres e homens negros quando comparados a pessoas não negras. Essas mulheres negras vinham também explicitando todas as vivências, as sinergias, as intersecções das diferentes formas de opressão, fossem aquelas relacionadas ao sexismo, ao patriarcado, ao etarismo, à lesbofobia, ao moralismo sexual, à xenofobia, e tudo isso vivenciado pela égide do racismo, o que era ainda muito pior”. Revelou Fernanda Lopes. 

O discutir levou à ação. “Em 1992, em Santo Domingo (República Dominicana), mais de uma centena de mulheres negras da América Latina, do Caribe e também da América do  Norte estiveram lá discutindo como essa vivência de opressão racial e opressão sexista poderia ser convertida em potência, em luta, em estratégia de fortalecimento e de ação em rede. Foi assim que surgiu o 25 de Julho. Foi nesse contexto de resistência, de resiliência, de conexão, de ação em rede que surgiu o 25 de Julho,  durante o Primeiro Encontro Latino-americano e Caribenho de Mulheres Negras”, contou a diretora do Baobá.  

Quando o encontro foi aberto para perguntas, Edna Alcântara, diretora do Afro Presença da MetLife, fez um questionamento: “Mulheres sofrem uma carga maior de preconceito. Houve uma diminuição disso? A Educação trouxe maior presença de mulheres ao mercado de trabalho?”  Fernanda Lopes respondeu assim: “Nós somos frutos de muitas conquistas e hoje estamos em muitos mais espaços que nas décadas de 1980, 1990 e início dos anos 2000. As jovens negras e não negras são a maioria no ensino superior, mas ainda não são maioria nos cargos gerenciais no mundo corporativo ou na esfera pública. Ainda há uma sub-representação feminina e feminina negra nos espaços de poder”. 

Você poderá saber mais sobre o 25 de Julho, Dia da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha acessando este link

Diretor executivo do Fundo Baobá fala sobre cultura de doação no Valor Econômico

Por Wagner Prado

A cultura de doação no Brasil é algo a ser construído e incentivado. Diariamente, o noticiário geral dá conta dos problemas que o país vem enfrentando na Educação, Emprego,  Saúde, Cultura e outras áreas sociais. 

Mas o ato da doação ultrapassa a questão do dar o dinheiro. Como promover a autonomia das organizações que recebem doações? Foi para fazer esse debate que o jornal Valor Econômico realizou o encontro do Diretor Executivo do Fundo Baobá para Equidade Racial, Giovanni Harvey, com a Diretora Executiva do Instituto Clima e Sociedade (ICS), Ana Toni. O encontro foi mediado por Laura Ignacio, editora-assistente de Legislação do jornal. 

O primeiro ponto abordado por Giovanni Harvey foi a questão da autonomia que deve ser dada a instituições, como o Fundo Baobá, cujo histórico e projetos já implementados geram confiança em quem está doando. “No Baobá temos como objetivo buscar o maior nível possível de autonomia e sustentabilidade para o enfrentamento direto dos efeitos da  discriminação racial e do racismo no Brasil”, disse.  Para exemplificar, Harvey citou a doação feita pela bilionária e filantropa norte-americana Mackenzie Scott, que em abril doou US$ 5 milhões para o Baobá. “A doação de Mackenzie Scott foi um divisor de águas na história do Baobá porque é a maior doação individual desvinculada da execução de um projeto ou programa específico. Os US$ 5 milhões foram doados para o Baobá usar livremente”, afirmou.

Para Ana Toni, do ICS, o fato de não existirem incentivos fiscais para que pessoas e organizações façam doações no Brasil dificulta o trabalho de captação. “Na Europa e nos Estados Unidos há incentivo fiscal para que, quem faz a doação, não pague alguns tributos.  No Brasil,  tirando algumas isenções,  como acontece nas áreas de esporte e cultura, a maioria dos doadores, principalmente os individuais, têm que pagar entre 4% e 8% a mais sobre a doação”, falou. 

No Brasil, projetos relacionados a direitos humanos, equidade racial, combate ao racismo, homofobia e questões de gênero recebem apoio menor que outras causas, como a defesa climática, por exemplo. Um dos caminhos para que ocorra um equilíbrio e as causas de direitos humanos sejam melhor beneficiadas é o engajamento das empresas a elas. 

Giovanni Harvey finalizou falando da importância da doação individual. “Nós temos uma frente de captação junto a pessoas físicas. Temos um círculo de doação que foi lançado em 2021. Dentro da nossa estratégia, temos a expectativa de que, ao longo dos próximos 10 anos, tenhamos um crescimento da participação significativa das pessoas físicas no bolo de arrecadação do Baobá. Temos a expectativa de que o doador individual, uma vez iniciado o processo de engajamento com a instituição, se mantenha como doador. Estamos buscando formas de mostrar a esses doadores individuais os resultados do investimento que eles fazem”, afirmou Harvey. 

Quando assumiu a direção executiva do Fundo Baobá, em dezembro de 2021, esse foi um dos principais temas abordados por ele. Naquela oportunidade, Harvey citou a convicção que tinha na ampliação do engajamento de mais pessoas físicas no hall de doações para o Baobá. Diante disso, Giovanni Harvey colocou como metas elaborar e dar visibilidade a indicadores, bem como ampliar as ações de comunicação para que as pessoas (doadores) possam acompanhar, com mais nitidez,  o que é feito com os recursos arrecadados e os resultados que têm sido alcançados.   

Fundo Baobá e MOVER Fecham Parceria em Prol da Equidade Racial 

Representantes das duas instituições falam sobre expectativas, valores e metas esperadas com a parceria 

Por Ingrid Ferreira

Um dos parceiros mais recentes do Fundo Baobá é o MOVER. O Movimento pela Equidade Racial é uma coalizão composta, atualmente, por 47 empresas nacionais e transnacionais que têm como compromisso ampliar a participação de pessoas negras no mercado de trabalho, em diferentes posições, incluindo as de liderança; capacitá-las e fortalecer suas habilidades e conscientizar a população geral sobre tais necessidades. 

Após dois anos de negociação, o contrato foi assinado. Inicialmente o acordo tem vigência de três anos, mas poderá ser estendido até 2030 ou mais. Em  2022, será lançado o primeiro edital da parceria Baobá-MOVER. Como em todos os editais que idealiza, a equipe programática do Fundo Baobá está elaborando com o cuidado de sempre cada detalhe. Os próximos passos, de forma paulatina, serão informados em nosso site e redes sociais.

Para abrir os trabalhos e falar um pouco sobre a parceria, Marina Peixoto, Diretora Executiva do MOVER, e Giovanni Harvey, Diretor Executivo do Baobá, pronunciaram-se sobre a parceria, as singularidades das instituições  e as expectativas conjuntas.

Marina Peixoto, Diretora Executiva do MOVER

 

Giovanni Harvey, Diretor Executivo do Fundo Baobá

Quais são os impactos sociais que você considera que a parceria entre o MOVER e o Fundo Baobá pode gerar?

Marina Peixoto – MOVER

As desigualdades no Brasil e no mercado de trabalho podem ser verificadas em diversas estatísticas – as quais nós, como MOVER, lutamos a cada dia para mudar, atuando no combate ao racismo estrutural e na promoção da equidade racial. 

Um dos pilares do MOVER é a Capacitação & Emprego e temos a meta de gerar 3 milhões de oportunidades para pessoas negras até 2030. O Fundo Baobá é nosso grande parceiro nessa frente. Somado às ações promovidas internamente nas empresas e outras iniciativas pontuais, acreditamos que, através de editais, conseguiremos de forma democrática e com abrangência nacional, identificar e fomentar projetos e instituições que trabalham com foco em educação e geração de emprego para a população negra e, com isso, evoluir no atingimento da nossa meta.

Giovanni Harvey – Fundo Baobá para Equidade Racial

Eu acredito que a parceria entre o MOVER e o Fundo Baobá pode gerar impactos, qualitativos e quantitativos, em quatro esferas: no ambiente corporativo e nas capacidades das empresas que participam diretamente da iniciativa; na percepção que os agentes que atuam no mercado (para além das empresas que participam diretamente da iniciativa) têm do tema que orienta a atuação do MOVER; na relação que o investimento social privado tem com as instituições especializadas que atuam nas várias frentes de promoção da equidade racial; e no comportamento dos consumidores, tendo em vista o nível de engajamento da sociedade nesta e em outras causas.

O que motivou o MOVER a escolher o Fundo Baobá para essa parceria?

Marina Peixoto – MOVER

O Baobá é o único fundo dedicado, exclusivamente, para a promoção da equidade racial para a população negra no Brasil e tem mais de 10 anos de existência e experiência. Ter o Fundo Baobá como parceiro, e contar com toda sua expertise, conhecimento do campo e da população negra para nos ajudar na criação e implementação dos editais, nos dá confiança de estarmos investindo nossos recursos da melhor forma para trazer nosso propósito de ser agentes de transformação na luta pela equidade racial.

O que motivou o Fundo Baobá a fechar essa parceria com o MOVER?

Giovanni Harvey – Fundo Baobá para Equidade Racial

O Fundo Baobá é um operador financeiro especializado em captação, gerenciamento de recursos e distribuição de doações para pessoas e organizações que travam a luta diária contra o preconceito e discriminação étnica. Esta operação é potencializada através do aporte de recursos de investidores e do match funding da Fundação Kellogg. A parceria com o MOVER se insere neste contexto e nos permite, a um só tempo, estreitar a nossa relação de confiança com os investidores privados; produzir impacto quantitativo e qualitativo no mercado de trabalho (desenvolvimento econômico é uma das quatro áreas temáticas que priorizamos) e aumentar o nosso fundo patrimonial.

Os valores praticados pelo Fundo Baobá representam os objetivos do MOVER?

Marina Peixoto – MOVER

Os valores do Fundo Baobá (Ética, Transparência, Gestão e Justiça Social) estão diretamente ligados aos esforços que o MOVER realiza diariamente com todas as empresas que são parte do Movimento. 

Os valores praticados pelo MOVER representam os objetivos do Fundo Baobá?

Giovanni Harvey – Fundo Baobá para Equidade Racial

Os princípios e os valores que orientaram a constituição do MOVER foram inspirados na preocupação genuína dos CEOs das empresas que construíram a iniciativa com o cenário de desigualdade étnica no Brasil. Este propósito foi objeto de um diálogo franco entre estes executivos e executivas com a direção do Fundo Baobá. Por esta razão o Fundo Baobá está absolutamente confortável com os termos desta parceria, tendo consciência dos desafios, dos limites e das possibilidades, tanto no ambiente interno das empresas quanto na sociedade como um todo.

Internamente, vocês possuem algum comitê voltado às pautas raciais?

Marina Peixoto – MOVER

O MOVER é uma coalizão formada hoje por 47 empresas que se uniram com o propósito de ser agente de transformação na luta pela equidade racial. Temos 3 pilares estratégicos: Lideranças, Capacitação e Emprego e Conscientização. Para cada frente formamos um comitê de trabalho que conta com a participação de voluntários das empresas e parceiros que ajudam a trazer mais legitimidade no desenho e recomendação dos planos. Além disso, no nosso Conselho Deliberativo, além de CEOs, passamos a contar com membros da sociedade civil que trarão perspectivas complementares e mais representatividade negra na tomada de decisão.

Culinária como meio de resistência na vida de mulheres negras

Donatárias do edital Negros, Negócios e Alimentação contam como a culinária tornou-se mecanismo de emancipação  para elas e suas famílias

Por Ingrid Ferreira 

Julho, para o movimento de mulheres negras,  é marcado por ser o mês das Pretas, mês daquelas que,  há séculos, se reinventam para se sustentarem e às suas famílias; daquelas que, mesmo com todas as dificuldades, movem montanhas e unem forças para transformar suas vidas e das pessoas à sua volta.

E a culinária é um meio de resistência adotado por muitas mulheres negras, como é possível observar no edital Negros, Negócios e Alimentação do Fundo Baobá para Equidade Racial. O grupo de donatários deste edital é composto, em grande parte, por mulheres que usaram da culinária para reconstruir suas vidas e transformar suas histórias, a de suas famílias e a de sua comunidade. 

Rozenir Maria da Silva Nascimento, uma das donatárias, proprietária do Tempero de Rosa conta um pouco da sua história: “Eu comecei meu negócio na frente da minha casa. Eu tive um casamento bem difícil, e um dia, já com duas filhas me vi sem nada pra comer em casa, uma vizinha tinha um pé de coco, e eu meio quilo de açúcar e apenas um pouco de farinha em casa, então pedi para retirar os cocos e fiz um mingau para as minhas filhas. Como eu nunca fui de me conformar com as coisas, me dei conta que havia uma escola na frente de casa, então o que restou do coco eu fiz uma cocada e fui pedir para a diretora da escola se poderia vender lá na hora do intervalo, ela autorizou e eu vendi toda cocada que eu fiz; perguntei a ela se poderia voltar a tarde, ela permitiu, então peguei o dinheiro da primeira venda e comprei mais açúcar para fazer mais para aquele dia e já para o dia seguinte. Consegui dinheiro suficiente para comprar pão, leite, ovos, trigo, margarina… No outro dia, além da cocada, levei bolo, e assim eu fiz até completar 18 anos e poder trabalhar de carteira assinada”.

Rozenir Maria da Silva Nascimento – Proprietária da empresa Tempero de Rosa – Recife

Dona Rosa, como é conhecida,  não conseguiu terminar o ensino médio, contudo, encontrou na cozinha uma forma de persistir, criar suas 4 filhas, forma-las, apoiar sua comunidade e construir uma rede de apoio para outras mulheres. Como ela mesma relatou: “Todos que trabalham comigo, são de Recife, dos bairros, da comunidade, o que me deixou mais orgulhosa”. E ela também conta que dos 22 funcionários, 20 são mulheres e que ela gostaria muito de construir uma rede de funcionárias, exclusivamente constituída por mulheres, pois segundo ela, as mulheres são as que mais enfrentam dificuldades na hora de conseguir um emprego, principalmente as mulheres pretas e pobres como ela.

Há histórias ancestrais na culinária e uma enorme relação de afeto também, tanto que Dona Rosa conta que chegou a fazer um curso de enfermagem, mas nunca atuou na área, porque a sua paixão era mesmo a culinária. Cheia de orgulho,  demonstra que faz e sabe fazer comida e que, por esse caminho, construiu a sua vida.

Além da Dona Rosa, as empreendedoras Rosana Rodrigues Ramos, proprietária da D’licias da Rosana, e Angélica Nobre de Lima Silva, da Angu das Artes também contaram um pouco sobre suas histórias.

Rosana conta que deu início ao seu negócio em 2017, quando saiu do trabalho após o nascimento de sua filha – onde mora não tinha creche e ela não tinha com quem deixar a criança.  E segue seu relato: “Como sempre gostei de cozinhar, e anos atrás tinha feito um curso de doces e salgados,  decidi colocar lanches para vender. No aniversário da minha filha de 1 ano, eu fiz tudo da festa, doces, salgados, bolos e tortas, tanto doce quanto salgada. E todas as pessoas que vieram para festa ficaram perguntando quem havia feito, porque estava tudo muito bom, quando falei que havia sido eu, todos ficaram falando que eu poderia fazer para vender. Logo começaram os pedidos e encomendas, e desde então não parei mais”.

Rosana Rodrigues Ramos – Proprietária da D’licias da Rosana – Recife

A empresária também fala que o que a move na cozinha é amor, e que na culinária é onde ela se conecta com sua ancestralidade, sendo  possível unir todas as nações. Rosana conta que sua comunidade é muito participativa na divulgação de seu negócio, e que ela teve a preocupação de contratar alguém da região para ajudá-la na comunicação e que faz o mesmo quando tem muitas encomendas.

Já Angélica proprietária da empresa Angu das Artes, tem o foco em uma culinária sustentável, com  aproveitamento de todas as partes do alimento e nos conta um pouco sobre como seu negócio começou: “Sou gestora ambiental e comecei na minha comunidade que fica na zona norte do Recife, no Alto Santa Isabel, a fazer conscientização ambiental, aulas de artesanato e com isso a levar lanche que sempre fiz em casa aproveitando toda parte do alimento. As pessoas ficaram encantadas e, em pouco tempo, estava passando o conhecimento para muitas mulheres da comunidade, através de oficinas. Isso aconteceu em 2018 onde no final do ano eu já era chamada pra dar oficina de forma itinerante”.

Angélica Nobre de Lima Silva – Proprietária da empresa Angu das Artes – Recife

Angélica relata que passou por um processo de separação e, com muitas dificuldades financeiras, começou a vender seus produtos em feirinhas, eventos e fazer coffee break. Mas logo veio a pandemia e o seu negócio passou a ser itinerante. Hoje, além de fazer comidas sustentáveis, servir em coffee break, feiras e eventos, está se preparando para desenvolver o turismo criativo e servir num espaço de sua casa, em sua  comunidade. Ademais o envolvimento com a comunidade, a empresa Angu das Arte tornou-se um negócio familiar e hoje os dois filhos de Angélica atuam com ela.

Angélica conta que: “Cozinhar sempre foi minha paixão, mas fazia por hobby, passou a ser necessidade e hoje faço como propósito de vida pois uso do que é desperdício de alimento para a maioria da população, como meio de sobrevivência e como ferramenta de combate à fome. Hoje sou realizada com o que faço e minha maior inspiração é minha mãe pois na minha infância ela tirava da alimentação de porcos que criava, o alimento pra eu e meu irmão não passar fome.”

Essas três mulheres possuem histórias diferentes, conectadas por um fator em comum que as auxiliou a reconstruir suas vidas, a culinária. Ao  dedicarem-se a esse conhecimento milenar seguem buscando superar as dificuldades e a motivar pessoas, em especial mulheres negras, a acreditarem que as mudanças são possíveis. 

Como a aprovação do projeto de lei de “Homeschooling” pode impactar crianças e jovens negros

 Gabi Coelho

O Projeto de Lei 1338/2022 foi aprovado na Câmara dos Deputados no dia 19 de maio de 2022 como PL 3179/2012 devido ao fato de substituir o projeto anterior – proposto pelo deputado Lincoln Portela (PL-MG) – enquanto uma nova proposta idealizada pela deputada Luisa Canziani (PSD-PR). Esse projeto pauta a prática da Educação Domiciliar no Brasil. A palavra “homeschooling” designa um método cujo objetivo seria que o jovem ou criança aprendesse em casa ao invés de frequentar a escola de maneira regular e os encarregados do ensino seriam seus pais ou responsáveis.

CONTEXTUALIZANDO A HISTÓRIA

Quando falamos sobre Educação Domiciliar, precisamos enfatizar os principais aspectos relacionados à realidade brasileira que irão se fundir à nova realidade que poderá ser estabelecida pelo projeto caso ele seja aprovado. O Brasil, por se tratar do último país independente nas Américas a abolir a escravidão, as desigualdades acabaram se tornando um “carimbo” na realidade de pretos e pobres. Esse grupo de pessoas seguiu sua trajetória de maneira desfavorecida e marginalizada. As oportunidades eram quase nulas e a cidadania não lhes era atribuída. No instante em que tiveram acesso à Educação pública – o que definitivamente não aconteceu logo após a expulsão dos jesuítas e as mudanças realizadas por Marquês de Pombal, visto que para essa enorme parcela da população até o que consideramos hoje como um direito básico, o acesso à Educação, era algo difícil (ou até mesmo impossível) de se ter acesso -, tais pessoas passaram a enfrentar novas dificuldades, como a precarização desse serviço público, o que diretamente colocava os jovens negros e pobres em condições educacionais extremamente desiguais em relação aos jovens brancos que possuíam melhor condição financeira e consequentemente acesso a um ensino de melhor qualidade.

A REALIDADE ATUAL

Depois dessa contextualização, podemos “mover” esse cenário para a atualidade: jovens negros e pobres cujo acesso ao ensino é precarizado justamente por se tratar de um serviço público que, por muitas vezes, sofre com o descaso de representantes eleitos que são inaptos para lidar com a pauta educacional. Ainda que esse projeto de lei possua determinadas regras para que seja possível que os responsáveis insiram o jovem/criança nessa prática, quem poderá nos garantir o cumprimento de tais normas se nem mesmo conseguimos ter a garantia de um ensino público de qualidade?

Outra questão importante é que, a partir do momento em que o projeto for aprovado, estarão sendo estabelecidos precedentes para que as verbas públicas destinadas à Educação sejam drasticamente diminuídas utilizando-se do argumento de que seria possível ensinar em casa e por isso reduzir os investimentos nas escolas, além de um outro precedente muito perigoso: a possibilidade de se implementar a obrigatoriedade desse tipo de ensino. O que seriam das nossas escolas? O que seriam dos nossos professores? O que seria da qualidade de ensino se esses jovens fossem todos submetidos ao ensino domiciliar de maneira a “(…) garantir o desenvolvimento pleno das nossas crianças”, como afirmou a autora do projeto durante a sessão em que o PL foi aprovado?

O RACISMO ESTRUTURAL E A ESCOLA

Existem dois outros tópicos que precisamos analisar em relação a essa prática: o racismo e a qualidade do ensino. A escola, enquanto um dos responsáveis pela construção da visão de mundo dos jovens e crianças que a frequentam, estaria sendo diretamente golpeada em uma de suas principais funções. Como essas crianças terão acesso às pautas antirracistas e aos temas que debatem negritude e ancestralidade se os adeptos do homeschooling representam o lado político cuja prática frequente é a descredibilização de abordagens progressistas e a propagação do ideal meritocrático? 

Quando falamos sobre melhor a qualidade da vida em sociedade de jovens, principalmente jovens negros, não podemos cair na armadilha de crer que tudo se trata de mérito, que a meritocracia seria a principal  responsável pela melhora da realidade dos indivíduos. Crer que somente trabalhar duro torna possível alcançar todos os próprios objetivos é algo que soa muito bem para pessoas que têm acesso às oportunidades de maneira quase que instantânea, sem necessitar de esforço, como é o caso de jovens brancos brasileiros que nascem em famílias cuja condição financeira possibilitará frequentar boas escolas, realizar diversos cursos e consequentemente se preparar melhor para o mercado de trabalho. 

Essa discussão não pode e nem deve ser baseada em esforço ou em mérito somente, é necessário falar sobre investimento e suporte para que os menos favorecidos possuam maiores oportunidades. Sem a chance de mostrar o próprio potencial e ocupar novos espaços, não há meritocracia que resolva as desigualdades socioeconômicas que assolam a juventude negra no Brasil.

De acordo com a mostra Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) Contínua Educação 2019 realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), pessoas negras apresentam um nível de analfabetismo três vezes maior do que pessoas brancas. Segundo esses dados, em 2019 8,9% das pessoas pretas e pardas com 15 anos ou mais eram analfabetas, contra 3,6% de pessoas brancas. O Brasil precisa de tempo, mais recursos e melhor administração para se recuperar dos prejuízos que a pandemia nos trouxe. Caso esses jovens negros sejam inseridos numa realidade de  ensino domiciliar, o que será da qualidade de aprendizado e do futuro dessas pessoas?

Evidentemente a pandemia afetou diretamente o acesso ao ensino e dificultou o processo de ensino-aprendizagem. Um estudo divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) no último dia 19 de janeiro mostrou que, entre as crianças com idade de 5 a 9 anos, a evasão escolar aumentou em 197,8% entre 2019 e 2020. Um outro ponto que pode ser visto como, no mínimo, curioso, é o fato de poucas pesquisas estarem focadas em retratar como crianças e jovens negros foram impactados pela pandemia e pelas dificuldades de ter acesso à internet para estudar e mias especificamente retratar as diversas questões que podem ter os levado a abandonar a escola.

A realidade do ensino remoto envolveu problemas que vão desde a dificuldade de acesso a aparelhos eletrônicos e à internet até a necessidade de ajudar nos afazeres de casa e no orçamento familiar. É imprescindível que uma maior quantidade de pesquisas abordem esses aspectos da vida de jovens negros no Brasil, como a evasão escolar, o trabalho infantil e o decaimento da qualidade do ensino devido ao cenário pandêmico.

Em entrevista para o Monitor Mercantil, o psicólogo Filipe Colombini falou sobre a importância da escola: “O ambiente escolar é fundamental para a socialização. A escola vai muito além das provas e avaliações. É neste lugar que, já na primeira infância, a criança vai ter um modelo social, estranho a sua família, onde ela terá de aprender a lidar com seus impulsos e que é fundamental para o seu desenvolvimento”. Colombini também falou sobre a vida em sociedade: “(…) “viver em sociedade é difícil, porém, a escola é um recorte disso, e fugir da escola é também fugir da sociedade.”.

O FUNDO BAOBÁ E O INVESTIMENTO EM EDUCAÇÃO

Com o objetivo de contribuir para o acesso de jovens negros à Educação, o Fundo Baobá apoia iniciativas como oPrograma Já É: Educação e Equidade racial. Trata-se de um projeto cujo objetivo principal é auxiliar jovens negros a entrarem na universidade, prioritariamente universidades públicas, através dos seguintes benefícios: “Bolsa de estudos em cursinho preparatório para o vestibular, Mentorias coletivas e individuais para ampliar habilidades socioemocionais e acadêmicas​, Laptop e acesso à internet e Pagamento de despesas de transporte e alimentação”, de acordo o portal do Fundo Baobá.

Nelson Mandela: A Vitória da Vida Contra a Submissão

    Por Wagner Prado

Em 18 de julho de 1988, um show realizado no antigo estádio de Wembley, em Londres (Inglaterra), chamou a atenção do mundo. Artistas dos Estados Unidos, da Europa e da África estavam unidos para celebrar o aniversário de Nelson Mandela, líder da revolução contra o Apartheid (regime de separação racial) na África do Sul. Mandela completava então 70 anos de vida. Desses 70, 25 ele havia passado na cadeia. Sentenciado a cumprir prisão perpétua em 1963, ele havia sido acusado de traição por liderar revoltas que colocavam o regime segregacionista em cheque. Mandela era líder do CNA (Congresso Nacional Africano) e, para derrubar o Apartheid, encorajava a luta armada.

Rolihlahla Mandela nasceu em 1918 em uma tribo no povoado de Mvezo, província do Cabo Oriental, na África do Sul. Devido à influência inglesa na colonização sul-africana, quando foi matriculado na escola foi determinado a ele um nome inglês. Em homenagem ao almirante Horatio Nelson, da Marinha Britânica, que se tornou famoso por ter enfrentado as tropas de Napoleão Bonaparte, Mandela acabou recebendo o nome Nelson. Ele foi para a escola porque fazia parte da aristocracia tribal. Era sobrinho do rei e isso o ajudou a chegar ao nível universitário. 

A luta contra as injustiças influenciaram a vida de Nelson Mandela desde cedo. Ao ingressar na Universidade de Fort Hare, a única da África do Sul  que aceitava alunos negros, logo  se envolveu com a política estudantil. Ao protestar contra a qualidade da comida que era servida aos alunos, recebeu uma reprimenda. Entre baixar a cabeça, se retratar e seguir a trilha dos contestadores, ficou com a segunda opção, deixou a universidade e mudou-se para Joanesburgo. Acabou concluindo o curso de Direito, por correspondência, na Universidade da África do Sul. Para sobreviver em Joanesburgo, consegue um emprego como guarda em uma mina de ouro. Ali, toma conhecimento de todas as atrocidades pelas quais os negros passavam como funcionários e cidadãos. 

Sua trajetória como advogado começa em 1942. Um escritório de Direito abre uma vaga destinada a um negro. Mandela consegue a vaga e exercendo seu trabalho toma contato com o Congresso Nacional Africano. Crítico, ele discorda da passividade do CNA no que dizia respeito à falta de posicionamento diante das atrocidades que a segregação impunha ao povo preto. Mandela funda a Liga da Juventude do CNA, uma ala radical pela defesa dos valores culturais negros sul-africanos. A Liga da Juventude do CNA prega a desobediência civil contra o regime segregacionista. 

Shaperville

O Massacre de Shaperville, em março de 1960, foi determinante para a prisão de Mandela. A população negra decidiu protestar de forma pacífica contra a Lei do Passe. Eles eram obrigados a portar uma caderneta que determinava os lugares para onde poderiam ir. Quem fosse pego em outra área que não as determinadas na caderneta era preso de forma sumária. Cerca de 30 mil pessoas foram para as ruas pedir o final da Lei do Passe. A polícia decidiu acabar com a Marcha atirando, com isso seus agentes assassinaram 69 pessoas. Outras 186 foram feridas. Mandela foi arrolado como um dos responsáveis pela Marcha, acusado de traição e condenado à prisão perpétua em 1963 com outros líderes do CNA e do Congresso Pan-Africano. 

O massacre, a prisão de Mandela e outros líderes fizeram o mundo prestar maior atenção no que acontecia na África do Sul. Em 1976, com Mandela preso há 13 anos, rebeliões contra o Apartheid eclodiram por todo país. A revolta era principalmente contra a obrigatoriedade de se falar o africâner nas escolas, língua derivada do holandês e que foi desenvolvida na África do Sul no período de colonização. O governo rechaçou as rebeliões matando 1.000 pessoas e prendendo outras 6.000. Movimentos antiapartheid passaram a surgir no mundo todo, pedindo o fim do regime e, a reboque, a libertação de Mandela e de outros líderes. 

Contrainformação

Para provar que o preso Mandela era  bem tratado na prisão de Robben Island, as autoridades sul-africanas promoveram um convite a jornalistas de vários países para irem à prisão e se avistarem com ele. Mandela não perdeu a oportunidade, aproveitou a presença dos jornalistas e falou da situação do seu país. Como resultado, acabou transferido de Robben Island para a prisão de Pollsmoor, onde ficou de 1982 a 1988. Depois de Pollsmoor, uma nova transferência, agora para a prisão de Victor Verster, onde ficou de 1988 a até sua libertação em 1990.  

A Liberdade

Sentindo que a África do Sul poderia passar por uma guerra civil, dado o avanço da extrema direita, que não queria perder os privilégios do Apartheid, e a consequente resistência negra aos direitistas, o então presidente Pieter Botha passou a negociar a libertação de Nelson Mandela. A intenção de Botha era  que Mandela fizesse uma renúncia oficial à luta armada, fato que nunca ocorreu. Tudo estava sendo alinhavado, mas Botha teve uma doença grave que culminou com o seu afastamento da presidência. O bastão foi passado para Frederik De Klerk, que seguiu na mesma estratégia. Em dezembro de 1989, De Klerk manda tirar Mandela da prisão para um encontro na sede do governo sul-africano.  Segundo depoimento de De Klerk, naquela noite do jantar com Mandela, eles não tocaram no assunto da libertação e nem sobre o fim do regime separatista-assassino. Teria sido apenas um encontro de conhecimento mútuo. Porém, dois meses depois, Frederick De Klerk vai até o Parlamento e, em discurso, declara que estavam canceladas todas as prerrogativas que proibiam as atividades do Congresso Nacional Africano, do Congresso Pan-Africano e do Partido Comunista Sul-Africano. Além disso, todos os líderes dessas organizações, detidos pelos seus crimes, seriam libertados. Em 11 de fevereiro de 1990, após 27 anos de cativeiro, Nelson Mandela é libertado. 

Queda do Apartheid    

Para quem pensou que a liberdade colocaria fim aos anseios de Mandela, enganou-se. A busca dele não era pela liberdade. Seu objetivo maior era colocar fim ao regime que oprimia seu povo. Em 13 de fevereiro de 1990, Mandela faz um discurso no estádio Soccer City, em Joanesburgo, e clama pela democracia: “A África do Sul só será livre quando o seu governo for eleito democraticamente”. Mandela sai em viagens ao exterior, angariando simpatia e apoio de grandes líderes mundiais, que o recebiam com honras de chefe de Estado. A pressão pela democracia na África do Sul passou a ser mundial. Frederick De Klerk convoca um plebiscito para saber se as negociações com o CNA continuariam. Apenas a população branca votaria. O “SIM” ganhou de forma esmagadora, com 68% dos votos. O caminho para a convocação de eleições estava aberto. Pelas contribuições em busca do entendimento entre brancos e negros na África do Sul, Nelson Mandela e Frederick De Klerk ganharam o Prêmio Nobel da Paz em 1993. 

Mandela Presidente

Em 27 de abril de 1994 ocorrem as primeiras eleições democráticas na África do Sul. O Congresso Nacional Africano, tendo Nelson Mandela como candidato a presidente, venceu a eleição com 12.237.655 votos; o Partido Nacional ficou com 3.983.690 e o Partido da Liberdade Inkhata ficou com 2.058.294. Mandela se tranformava no primeiro presidente negro a comandar a África do Sul pós-Apartheid. 

Mandela em Filmes, Músicas e Livros

Invictus – filme de 2009

Nelson Mandela é interpretado por Morgan Freeman

Após assumir a presidência, Mandela traça uma estratégia para unir brancos e negros na África do Sul. O esporte é a saída e ele usa a Copa do Mundo de Rúgbi de 1995 para isso.

Mandela: Longo Caminho para a Liberdade – filme de 2013

Nelson Mandela é interpretado por Idris Elba

O filme é baseado na biografia de Mandela, cujo nome é o mesmo do filme. Traça um bom retrato do que forjou o espírito aguerrido e a resiliência de um dos maiores líderes do mundo moderno.

Mandela Day – Música do Simple Minds

A música foi escrita e tocada pela primeira vez no aniversário de 70 anos de Nelson Mandela, durante show no estádio de Wembley, em Londres. O show pedia a liberdade do líder sul-africano.

Free Nelson Mandela – Música do The Specials

Longo Caminho para a Liberdade – Livro de 1994

Relata a infância, juventude, ativismo e os 27 anos em que Mandela passou na prisão.

Cartas da Prisão de Nelson Mandela – O livro traz 200 cartas escritas por Mandela durante os 27 anos em que esteve aprisionado. São registros de inspiradoras reflexões de um homem que soube resistir até alcançar seu objetivo: a queda do regime racista do Apartheid na África do Sul.

Fontes: 

Documentário Nelson Mandela, o Homem por Trás da Lenda – NatGeo

Documentário Nelson Mandela: Apartheid, Racismo e Um Longo Caminho para a Liberdade – Youtube

Show Mandela Day – Julho de 1988 – Youtube

Longo Caminho para a Liberdade – Livro

Programa Já É: Mentoria contribui para fortalecer potencialidades

Estudantes  do Programa que incentiva o acesso ao ensino superior, além das aulas contam com orientação de especialistas para alcançar o objetivo de chegar à universidade e permanecer nela

                                          Por Wagner Prado

Quando é que surge em alguém o sentimento de pertencimento? A resposta é simples: quando a pessoa identifica a si mesma como parte de uma comunidade já estabelecida ou que está se estabelecendo. Apesar da simples resposta, a engrenagem que move sentimentos e sentidos e faz a pessoa alcançar a tal sensação de pertencimento é que é um tanto complicada. Mas não é intransponível. 

Estudantes  do Programa Já É, do Fundo Baobá para Equidade Racial, estão sendo orientados para alcançar a sensação de pertencimento. São jovens negras, negros e negres da cidade de São Paulo e da região metropolitana, moradores de bairros e/ou comunidades periféricas, do sexo masculino e feminino, cis (pessoa que se identifica com o gênero que foi atribuído a ela no nascimento), trans (pessoa que não se identifica com o gênero que foi atribuído a ela no nascimento)  e não binários (pessoa designada como menino ou menina ao nascer, mas que não tem identificação com nenhum desses dois gêneros)

O Já É é um programa de acesso e permanência no ensino superior, de preferência em universidades públicas, para esses jovens negros . Ele procura ampliar as oportunidades de acesso ao ensino de nível superior em algumas das melhores instituições de ensino do país, quer sejam elas gratuitas ou pagas. Acontece que esse grupo de jovens, ao longo de suas trajetórias pessoais, não foi contemplado com o melhor ensino no nível básico. Portanto, carregam algumas defasagens que precisam e estão sendo superadas. O Programa Já É está em seu segundo ano de execução. Neste segundo ano é apoiado pela empresa MetLife, que fez aporte de R$ 1 milhão para o desenvolvimento dos e das estudantes. 

Caminhos da superação

Mas como superar disparidades que colocam quem teve maior poder aquisitivo e pôde frequentar as melhores instituições particulares de ensino, desde a base, no caminho preferencial? O estabelecimento de políticas públicas não governamentais, que sejam afirmativas e gerem oportunidades de desenvolvimento de potencialidades. 

O Fundo Baobá, na elaboração do projeto do Programa Já É, estabeleceu que os estudantes selecionados teriam mentorias de caráter coletivo e de caráter individual com foco na ampliação de suas potencialidades acadêmicas e também suas potencialidades socioemocionais. 

Essa atividade de mentorias é metodologicamente  voltada para pessoas pretas. Ela aborda, de forma sistêmica o processo de estudo que será empregado, considerando os efeitos psicossociais do racismo como algo de extrema singularidade na experiência educacional de cada pessoa. É uma jornada de autoconhecimento em busca de transformação, que reforça as positividades existentes e procura dirimir as negatividades. O resultado pode ser observado em aspectos como a importância de se organizar para a concretização de projetos pessoais, para reter as informações trazidas pelo estudo e também para a realização dos afazeres profissionais. 

A primeira, das 12 sessões de mentoria coletiva foi presencial e aconteceu em 11 de junho. A equipe de mentoria é formada por Ellen Piedade (Gestora de Políticas Públicas pela Universidade Candido Mendes e bacharel em Ciências Políticas pela Universidade de Brasília); Juliana Lima (Pós-Graduada em Direito Empresarial pela Legale Educacional e graduada em Direito pelo Centro Universitário Cesmac, de Alagoas); Jussiara Leal (Graduada em Psicologia pela Universidade de Pernambuco) e Glauber Marinho (Pedagogo pela Universidade de Brasília).

Juliana Lima
Jussiara Leal
Glauber Marinho

Serão feitos outros 11 encontros até o final do segundo semestre, com periodicidade quinzenal e temas variados, como: Planejamento, autoconsciência, autogestão e plano de estudos na prática. Outros dois encontros presenciais estão agendados. 

Ellen Piedade, que coordena o time de mentores,  fala sobre o objetivo acompanhamento e mentoria para o Programa Já É.  “Temos como propósito combater o racismo, por meio de capacitação de alta qualidade e estímulo ao desenvolvimento de habilidades socioemocionais em pessoas negras. Especificamente na mentoria para estudantes, atuamos a partir de uma metodologia afrocentrada,  que oferece ferramentas para lidar com o desafio pré-universitário  e universitário”, diz. 

Fazer com que estudantes negros não represem suas potencialidade e deixem aflorar até as que não tinham conhecimento é fundamental. “A mentoria trabalha a partir de quatro pilares: intelectual, emocional, físico e espiritual. É uma proposta de olhar sistêmico para os recursos necessários para desenvolvimento de competências que impactam diretamente na vida profissional desses jovens. A mentoria trabalha desde métodos de estudo, os efeitos psicossociais do racismo, sustentabilidade e ecologia de projetos profissionais, quilombismo e consciência social. O foco é investir no protagonismo delas e deles como estudantes e profissionais”, afirma Ellen Piedade. 

Ellen Piedade

As variáveis que podem afetar um bom desempenho estudantil e, posteriormente, profissional, são levadas em conta e analisadas. “Além de revelar métodos de estudos que normalmente não foram ensinados de forma explícita para esses alunos, a mentoria tem uma abordagem que considera outras variáveis que afetam a adesão aos estudos: a sensação de pertencimento, as aspirações e o empoderamento dessas e desses jovens. É um olhar real do trajeto que é necessário percorrer para alcançar a universidade, se formar e entrar no mercado de trabalho”, declara Ellen. 

Jovens negras, negros e negres lutando para alcançar um nível educacional que muitos em suas famílias e entre seus amigos não têm. Como lidar com as dificuldades que isso pode trazer? Ellen Piedade explica: “Na mentoria, o coaching é uma metodologia que ampara a organização do projeto profissional definido (entrada na universidade, a permanência nela  e a colocação profissional). É necessário identificar onde se está e para onde se quer ir e,  a partir desse diagnóstico, constroem-se os caminhos possíveis para a realização do objetivo, estimulando uma tomada de decisão coerente. Dessa forma, essa é uma metodologia orientada ao estímulo, ao protagonismo necessário e maior eficiência das ações que levam ao alcance do objetivo. Tudo isso em uma lógica sustentável e que considera a realidade de cada estudante, sem fórmulas mágicas absurdas e irreais”.

Baobá na imprensa em Maio

Por Ingrid Ferreira

No mês de maio os destaques na mídia citando o Fundo Baobá foram diversos, começando pelos veículos internacionais como a Alliance Magazine que publicou o título “Dois anos após o movimento global por justiça racial de 2020, onde estamos agora?” com participação da Fernanda Lopes, Diretora de Programa do Baobá. E o site Pyxera Global enunciou “Construindo Equidade Racial no Brasil com o Fundo Baobá”.

Já nas matérias publicadas em páginas brasileiras encontra-se no site da 4Labs uma matéria sobre o evento Bett Brasil 2022 da organização, que contou com a presença de Giovanni Harvey, Diretor Executivo do Fundo Baobá falando sobre“Políticas públicas para promoção da inclusão”.

O site Para Quem Doar indicou o Fundo Baobá como uma instituição para receber doações com a seguinte legenda: Lute em prol da igualdade de raça apoiando o primeiro fundo dedicado à promoção da equidade racial no Brasil. E o Jornal Empodera falou a respeito do e-book lançado pelo Fundo Baobá divulgando resultados do Programa Marielle Franco.

 O InfoMoney citou o Baobá na matéria “A colaboração no terceiro setor: importância e desafios”, sobre a atuação das  organizações do terceiro setor durante esses dois anos de pandemia da Covid-19 no Brasil. E o Investnews com o seu título “O ‘ESG à brasileira’ precisa dar salto em relação à população negra” que usou o Fundo Baobá como exemplo de uma instituição que mobiliza recursos, no Brasil e no exterior, para apoiar projetos que promovam a equidade racial em todo o território nacional. 

“Fundo Baobá divulga resultados do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco” foi a matéria publicada no Notícia Preta. O Sebrae compartilhou uma planilha em que consta a indicação ao Edital para Apoiar Pessoas e Comunidades no Combate ao Coronavírus, que foi lançado em 2020 pelo Baobá.

Já a página na internet Chico Terra publicou um texto com o título “Território Quilombola do Maracá será a próxima região a ser contemplada com o edital do Fundo Baobá”.

Organizações e lideranças apoiadas pelo Fundo Baobá:

Da coluna Coletiva Negras que Movem do Gelédes, em maio teve postagem no Instagram falando a respeito do artigo “Metaverso – Estamos transformando a vida em game?”, em que Vitorí da Silva fala sobre os saltos tecnológicos que foram dados e os que ainda acontecerão.

Outro artigo publicado também na coluna do Portal Geledés é o “Enegrecida Festival: aquilombamento, protagonismo e cura”, da autora Carolina Brito, falando sobre o evento Enegrecida Festival, que aconteceu em Campina Grande na Paraíba, nos dias 13, 14 e 15 de Maio.

O Empreendedorismo como Caminho da Dignidade na Vida de Pessoas Negras LGBTQIA+

Por Ingrid Ferreira

No dia 28 de junho comemora-se uma data de extrema importância para que a sociedade seja democrática e trate com respeito às especificidades de cada ser humano: o Dia do Orgulho LGBTQIA+. Apesar de ter um dia dedicado, às comemorações se estendem pelo mês todo, o evento mais conhecido e com maior número de frequentadores é a Parada LGBTQIA+ de São Paulo.

O Fundo Baobá,um fundo voltado exclusivamente para apoiar iniciativas de promoção da equidade racial para pessoas negras, reconhece as intersecções entre raça, gênero, território e sexualidades. No Brasil e em outros países onde existe racismo, pessoas pretas LGBTQIA+ enfrentam desafios ainda mais complexos para viver com dignidade, respeito e com seus direitos efetivados.

O intuito do Fundo é contribuir para que  as pessoas negras cuja identidades de gênero não são heteronormativas  estejam próximas e acessem as oportunidades que a instituição oferece seja no campo da educação, comunicação e memória, saúde, enfrentamento à todas as formas de violência, empreendedorismo. 

Em um país onde as oportunidades de trabalho, emprego e renda são escassas, o número de pessoas negras que empreendem em busca de  autonomia financeira cresce todos os dias. 

Como afirma Akuenda Translésbicha, dona da Erzulie Igbalê, apoiada pelo Fundo Baobá no edital Negros, Negócios e Alimentação – Recife e Região Metropolitana: “Eu já vendi várias coisas de diferentes ramos, gêneros e serviços, mas comida é algo que até na guerra conseguimos fazer dinheiro, pois é uma necessidade vital, foi base da colonização e base da economia, está na história de libertação do nosso povo e também é uma forma de consolidar expressões culturais e cosmovisões. Meu negócio entendeu a alimentação como um campo estratégico para propagar uma vivência radical e dissidente, provocando afirmação política, isso faz o diferencial na nossa cozinha.”. 

Akuenda Translésbicha, proprietária do empreendimento Erzulie Lgbalê – Recife- PE

Akuenda também fala sobre a sensação de ter seu empreendimento selecionado em um edital do Fundo Baobá: “Senti que meu negócio é reconhecido por especialistas e que foi avaliado com potencialidade de prosperar, além de que ter outras pessoas acreditando nele, o que me motiva e me faz olhar pra trás e perceber o início dificultoso, mas me sentir recompensada pelo trabalho feito até aqui. Quero sentir essa mesma sensação no futuro, para continuar nesse movimento de construção, alimentando possibilidades de mudança social e pessoal para além das dificuldades com sabor de revolta”.

O donatário Aleff Souza, dono do empreendimento Delícias do Alleff, selecionado também no edital Negros, Negócios e Alimentação – Recife e Região Metropolitana também falou um pouco sobre a sua experiência como empreendedor: “Como dono do meu próprio negócio nesses anos eu não tive nenhum problema referente a discriminação, além de livre me sinto realizado e privilegiado por criar uma rede de contatos que me respeita. Diferente dos meus empregos anteriores,  onde sofri situações de racismo e homofobia. Isso também foi um ponto crucial na decisão de trabalhar pra mim mesmo, pra não ter que passar por certas situações traumatizantes”.

Aleff Souza, proprietário do empreendimento Delícias do Alleff – Recife- PE

Aleff fala como participar do edital tem fortalecido as suas potencialidades emocionais e de sua equipe: “Sem sombra de dúvidas, fazer parte desse edital me fez enxergar o quão  bom eu e minha equipe somos no que exercemos. E sendo um negro, de periferia e homossexual,  me sinto fortalecido estando à frente de um negócio, onde nenhum tipo de racismo ou discriminação é tolerado e na medida em que for crescendo, será um espaço onde todos, todas e todes terão oportunidades de exercerem suas funções e reafirmarem suas identidades sem nenhuma restrição”.

As falas de Akuenda e Aleff provam como empreender pode significar criar um ambiente de trabalho mais digno para pessoas LGBTQIA+ negras. Além de conversar com a donatária e o donatário, o Baobá também conversou com o Flip Couto,  que é um homem negro, gay, produtor cultural e engajado tanto nas pautas do movimento LGBTQIA+ quanto nas pautas raciais, e há pouco tempo colaborou na organização de um evento do Programa Já É: Educação e Equidade Racial.

Flip Couto – Produtor, ativista, artista e militante do movimento negro e LGBTQIAP+ – SP

Ao ser questionado se ele dentro das suas particularidades se sente representado pelo Fundo Baobá, Flip diz que: “Desde que conheci o Fundo Baobá em 2017 através dos editais, eu sempre olhei a organização com admiração pela coerência entre seus projetos e seus fundamentos. Através do movimento pró saúde da população negra, eu me aproximei de Fernanda Lopes (Diretora de Programa do Fundo Baobá) e em 2020 tive a oportunidade de colaborar com o Projeto Já É. Esse processo me fez conhecer as pessoas geniais que semeiam as ações do Fundo Baobá e entendi o diferencial na forma cuidadosa,  trazendo olhares amplos em suas ações; além de todo o legado em colaboração com importantes nomes do ativismo negro no Brasil.”

Também foi perguntado a Flip como ele acha que o Fundo Baobá pode ter mais visibilidade entre a população negra LGBTQIA+, e ele respondeu o seguinte: “Infelizmente,  pessoas negras LGBTQIAP+ seguem com poucas referências de pertencimento, pois durante décadas nossas histórias foram apagadas e silenciadas. Criar encruzilhadas entre a orientação sexual, diversidade de gênero e negritudes nos abre um leque de possibilidades de diálogo. E penso que é nessas aberturas de diálogo que o Fundo Baobá pode gerar mais visibilidade e aproximações com pessoas negras LGBTQIAP+ de diferentes gerações e esse é um importante processo de equidade racial, pois nos faz refletir sobre a pluralidade dentro de nossa comunidade negra.”

Flip também comentou que como produtor, ativista e artista, o Fundo Baobá é uma grande referência para ele por mostrar possibilidades de fortalecimento da comunidade sem se distanciar de suas bases.

Luiz Gama e o seu Legado em Defesa da Liberdade

Por Ingrid Ferreira

Em 21 de junho de 1830, nasceu em Salvador – Bahia um grande ícone da história brasileira; autodidata, abolicionista, republicano, jornalista e advogado, é ele, Luiz Gama, que é comparado a Zumbi dos Palmares em sua importância na luta anti escravocrata no Brasil, como é possível conferir no relato do jornalista e escritor Laurentino Gomes e na produção audiovisual do canal Tempo História.

Gama nasceu livre, filho de uma mulher africana chamada Luiza Mahim e ao que tudo indica, guerreira e islâmica. Há rumores que ela participou da Revolta dos Malês e, por essa razão, não pôde participar da criação do filho. Por outro lado, o pai era um fidalgo português importante na Bahia da época, que estava com dívidas de jogos e vendeu o próprio filho como escravo.

Naquele tempo, as pessoas escravizadas na Bahia tinham fama de revoltosas, o que não despertava o interesse dos senhores de engenho em comprá-las, por isso o menino foi mandado para o Rio de Janeiro e depois para o interior de São Paulo, em Campinas, onde chegou quando estava com 10 anos.

Em São Paulo, aos 17 anos aprendeu a ler, mostrando que além de tudo era autodidata. Em seus estudos sobre direito descobriu que sua venda havia sido ilegal, pois ele era um homem livre. Tendo provas disso, ele fugiu do cativeiro. A história de Luiz Gama se assemelha muito à história do filme norte-americano “12 anos de escravidão”, de 2013, que fala justamente de um homem negro livre, que é sequestrado e vendido como escravo.

Diante de sua história, como forma de tratar desse momento tão difícil de sua vida, Gama decidiu nunca revelar o nome de seu pai; por outro lado, sua mãe sempre foi uma grande figura para ele, tanto que chegou a procurá-la, porém, infelizmente não teve sucesso, como é possível ver nos registros de cartas que deixou, falando de seu pai, sua mãe e suas lutas.

Após esse processo, Luiz Gama serviu durante 6 anos a força pública, depois foi nomeado escrivão de polícia, cargo que ocupou durante 15 anos, até que foi demitido por ser alguém envolvido em causas que lutavam pela liberdade. Após esse acontecimento, ele pediu a um juiz o direito de advogar na comarca de São Paulo, sendo nomeado como um rábula (advogado sem formação), e nesse mesmo período tornou-se jornalista, decidido a escrever contra as injustiças da época como forma de denúncia.

O trabalho no jornal teve início através da parte técnica. Ele aprende o ofício de montagem dos jornais, formatação manual como era na época e distribuição. Nisso ele passa a dedicar-se à escrita, tornando-se sócio e proprietário de uma tipografia e dedicando-se às letras dentro do Direito e do Jornalismo, sendo um homem da mídia do seu tempo, inclusive estampando nos jornais as ameaças de morte que ele recebia.

Por intermédio de sua luta pela abolição e pela república, Luiz Gama foi uma celebridade do seu tempo, ainda que tenha morrido muito jovem aos 52 anos, vítima de diabetes. Gama deixou um legado surpreendente, tendo libertado, ao longo de sua vida,  mais de 500 pessoas escravizadas. 

Apesar de ser um homem negro vivendo uma vida atípica para a época, Gama sabia muito bem das dificuldades que assolavam a vida do seu povo, tanto que declarou que todo escravo que atacasse o seu senhor, independentemente da situação, estava agindo em legitima defesa.

Mesmo com todas as vitórias ao longo de sua vida, Gama não deixou bens em dinheiro para sua família ao falecer, mas com certeza deixou um grande legado para todos, em seu velório, as pessoas se revezavam para carregar o seu caixão. Atualmente, encontra-se na Praça da República em São Paulo , uma estátua de seu busto que o homenageia, além de uma instituição que carrega o seu nome e é uma associação civil sem fins lucrativos formada por um grupo de juristas, acadêmicos e militantes dos movimentos sociais que atuam na defesa das causas populares.

Foto realizada com estudantes do Programa Já É e equipe do Fundo Baobá em tour por São Paulo, com o guia Allan da Rosa

Fundo Baobá anuncia filiação ao GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas)

Por Wagner Prado

O Fundo Baobá para Equidade Racial anuncia sua filiação ao GIFE (Grupo de |Institutos, Fundações e Empresas), organização que congrega 160 associados, responsáveis pelo aporte de mais de R$ 5 bilhões em investimentos sociais no ano de 2020, por intermédio de projetos próprios ou projetos elaborados por terceiros. 

A importância de o Fundo Baobá fazer parte agora do grupo de organizações que estão sob o guarda-chuva do GIFE está no fato de poder trocar a experiência de seus 11 anos de atuação na promoção da equidade racial no Brasil, tendo investido em mais de 900 iniciativas negras em todo território brasileiro. 

O diretor executivo do Fundo Baobá para Equidade Racial, Giovanni Harvey, e o secretário-geral do GIFE, Cassio França, falam sobre as expectativas da chegada do Fundo Baobá ao GIFE. 

O que significa para o Fundo Baobá essa entrada no GIFE? 

Giovanni Harvey O Fundo Baobá se relaciona com o investimento social privado desde a sua fundação e, neste contexto, já mantinha um certo grau de proximidade e interação com o GIFE, que teve incidência direta durante o processo de elaboração do nosso plano estratégico, em 2017. A decisão pela associação formal foi amadurecida ao longo dos últimos anos e nós tivemos o entendimento de que este era o momento oportuno, sobretudo pela dimensão que a agenda da Equidade Racial alcançou no GIFE. O aumento do endowment do Fundo Baobá, o reconhecimento da nossa expertise na realização dos editais e os resultados que a instituição vem alcançando, ampliaram as nossas responsabilidades, tanto junto à Rede de Fundos para a Justiça Social (RFJS) quanto em relação ao GIFE. O nosso propósito é contribuir, fortalecer, trocar e aprender com as pessoas e as instituições que construíram o GIFE e fizeram dele a principal referência quando se fala em investimento social privado no Brasil.

Para o GIFE, o que significa ter o Fundo Baobá em seu portfólio de associados? 

Cassio FrançaA chegada do Fundo Baobá dialoga com a nossa intenção de o GIFE ser, cada vez mais, plural e abrangente.  A pluralidade e diversidade que o GIFE busca tem a intencionalidade de contribuir para decolonizar a filantropia e o investimento social privado no país. Ter uma organização como o Fundo Baobá entre os associados, cuja finalidade é a justiça social e racial, certamente influenciará positivamente todo o campo rumo ao desenho e execução de estratégias de enfrentamento ao racismo, às desigualdades e à antidemocracia. 

No que o GIFE vai contribuir para estender a expertise que o Baobá acumula em 11 anos de trabalho com a filantropia para equidade racial?

Giovanni HarveyComeçar a participar, de forma orgânica, do dia a dia do GIFE já representa um ganho para o Fundo Baobá, pela intensidade das trocas e pela possibilidade da nossa instituição incidir no rumo dos debates internos que subsidiam o processo de tomada de decisões. A decisão pela associação foi tomada sem ressalvas. A  relação com o GIFE é um livro com páginas não escritas. E elas serão escritas em conjunto. O que posso dizer, neste momento, é que o Fundo Baobá tem a expectativa de que a participação no GIFE contribua para a melhoria contínua dos seus processos e permita, através da troca de experiências com os demais associados, aumentar a efetividade e o impacto das doações que a instituição realiza com o intuito de fortalecer as iniciativas lideradas por pessoas e organizações do movimento negro,  que se dedicam a enfrentar o racismo e promover a equidade racial no Brasil.

Quando agregamos alguém ou algo ao nosso cotidiano, olhamos também o que aquele novo elemento pode nos trazer. O que o Fundo Baobá pode trazer para o GIFE? 

Cassio FrançaA expectativa é muito positiva no que diz respeito ao avanço e aprofundamento de temas estratégicos e emergências no campo do investimento social privado e da filantropia, como a filantropia colaborativa, o apoio a organizações da sociedade civil e, sobretudo, a promoção da equidade racial. Esses são temas de nossa agenda e que dialogam diretamente com o trabalho realizado pelo Fundo Baobá e, por isso, acreditamos que a presença do Baobá  enriquecerá ainda mais os debates, especialmente em nossas redes temáticas. 

Quais serão os primeiros passos dessa associação? 

Giovanni HarveyNós começamos a participar das instâncias decisórias formais. Estamos contribuindo na formulação de diretrizes nos temas nos quais temos expertise e assumindo responsabilidades e tarefas afetas à agenda institucional, incluindo debates internos e organização de eventos. Estamos aprendendo bastante e tendo oportunidades de troca com os demais associados.

Cassio França – A associação do Fundo Baobá chega em um momento propício para que os assuntos ao redor do plano estratégico do GIFE ganhem mais potência. 

Existe algo que você queira comentar e não foi abordado aqui?  

Giovanni Harvey O tema das relações raciais e o enfrentamento ao racismo estrutural são os eixos que orientam a atuação do Fundo Baobá. Nós temos o entendimento de que, atuando de forma orgânica e propositiva, nós poderemos ampliar a presença destes temas no contexto dos demais temas que mobilizam a filantropia no Brasil, numa via de mão dupla que também nos fará assumir responsabilidades institucionais no sentido de fortalecer outras agendas que, somadas às nossas causas, são fundamentais para o aperfeiçoamento da democracia no Brasil.

Cassio FrançaO fortalecimento da democracia está no centro do plano estratégico do GIFE para 2022. Traduzimos, para este período, o fortalecimento da democracia em três grandes eixos: enfrentamento às desigualdades estruturais; promoção da equidade racial e fortalecimento da sociedade civil. Isso significa que, ao longo deste ano, estaremos promovendo mais discussões, produzindo conteúdo e incentivando nossos associados a desenvolver ações que fortalecem a democracia. 

Malcolm X teria completado 97 anos neste 2022 e pelo carisma, elegância, discurso e luta ele faz muita falta

Quando cumpriu seis anos de prisão, os livros e a busca do conhecimento foram sua saída 

    Por Wagner Prado

Malcolm Little. O nome é familiar a você? Nascido no início do Século 20, exatamente em 1925, neste ano de 2022 o mundo, especificamente os Estados Unidos, comemora o aniversário de 97 anos de seu nascimento. Little tornou-se um símbolo na luta pelos direitos civis dos negros nos anos 1950/1960. Sua oratória era incendiária. Fazia pensar, refletir e agir. Malcolm Little tornou-se mundialmente conhecido pelo nome que adotou: Malcolm X. Ele talvez seja a mais pura tradução do que o racismo estrutural pode fazer com alguém. As informações contidas aqui são fruto da leitura do livro Malcolm X – Autobiografia, escrita por ele em parceria com o jornalista Alex Haley.  

Malcolm Little nasceu em Omaha, no estado de Nebraska (meio oeste dos EUA). Filho de um pastor, Earl Little, e de Louise Helen Little, perdeu o pai muito cedo, em circunstâncias suspeitas. Oficialmente, Earl Little teria sido atropelado por um bonde. Mas exames feitos em seu cadáver descobriram um ferimento na cabeça, que não foi causado no suposto atropelamento. Earl, em suas pregações, defendia a independência e separatismo negro da sociedade branca. O que se suspeita é que Earl Little tenha sido surrado e seu corpo colocado na linha férrea do bonde para ser atropelado. 

A morte do pastor Earl Little deixou Louise Helen sozinha para cuidar de oito filhos. O estado norte-americano  desfez a família, mandando cada uma das crianças para famílias diferentes. Malcolm foi morar em uma residência branca mas, aos 14 anos decidiu fugir.  Apesar de bom aluno, o racismo o atingiu em cheio quando, ao revelar para um professor que seu sonho era ser advogado, o professor o desencorajou ao dizer que ser advogado não se adequava a um negro. Seria melhor ele pensar em ser um carpinteiro. A partir disso, o então bom aluno tornou-se um menino problema, até ser expulso da escola. 

Malcolm arrumou um bico no trem que ia de Omaha até Nova York (leste dos EUA). Na Big Apple, a vida do menino foi completamente transformada. Vivendo no  Harlem em uma época em que o tráfico de drogas começava a se organizar e ganhar as ruas, o garoto foi crescendo como o que hoje, na gíria, é conhecido por aviãozinho (aquele que faz a intermediação da venda da droga entre o consumidor e o traficante). Daí para outras contravenções, como roubos e furtos, não demorou muito. A lei trancafiou Malcolm.   

A transformação para Malcolm X

Condenado a 10 anos por tráfico de drogas e roubo, a prisão acabou sendo o grande marco transformador na vida de Malcolm Little. Cumprindo pena, ele conheceu John Elton Bembry, a quem ele carinhosamente chamava de Bimbi. Bembry era um autodidata e incentivou Malcolm a procurar conhecimento. Ele passou a ter interesse pelos livros e fez da leitura e do conhecimento suas bases, assim como a oratória transformou-se em sua principal habilidade. Quando saiu da cadeia, após cumprir seis dos 10 aos quais havia sido condenado, juntou-se à Nação do Islã, comandada por Elijah Muhammad, onde já militavam dois de seus irmãos. 

Malcolm Little rompeu com tudo o que dissesse respeito ao homem branco. Daí a decisão de retirar de seu nome o sobrenome Little. O motivo alegado por ele era de que os senhores de escravos davam a estes os seus sobrenomes. Isso caracterizava propriedade. Como ele considerava-se livre e não propriedade de nenhum Little, passaria a ter o sobrenome “X”. 

Nação do Islã

Malcolm X rapidamente foi ganhando espaço dentro da Nação do Islã, comandada por Elijah Muhammad. Tornou-se seu principal porta-voz. Seus discursos fortíssimos fizeram com que a Nação do Islã crescesse de 500 fiéis para mais de 30 mil em apenas dois anos. Ele era o homem que percorria os EUA com pregações e angariava novos fieis. Seu objetivo era fazer com que os negros americanos tivessem seus direitos respeitados, nem que para isso tivessem que pegar em armas. 

Malcolm X passou a ser uma figura midiática. Com frequência estava nas principais redes de tevê dando entrevistas polêmicas. Como não se escondia de dar boas e contundentes respostas, sempre era fustigado pelos entrevistadores. O mundo passou a ter percepção do que ele dizia. Suas opiniões e suas aparições passaram a causar ciúme dentro da Nação do Islã. Seu brilho ofuscava o líder Elijah Muhammad. Uma declaração de Malcolm X quando do assassinato do então presidente John Fitzgerald Kennedy,  em 1963, fez a coisa azedar com a Nação do Islã. Ao ser questionado sobre o assassinato, Malcolm X disse algo como: “Você colhe o que você planta”.  Elijah Muhammad ordenou que ele não mais se manifestasse. Foi nesse contexto que Malcolm X fez uma denúncia contra Elijah. O líder da Nação do Islã estaria utilizando parte do dinheiro arrecadado pela irmandade em proveito pessoal, além de ter filhos com meninas adolescentes que Muhammad utilizava como suas secretárias. Elijah Muhammad era casado. E mesmo que não fosse, aquilo não era comportamento de um líder religioso. 

Traidor e Insurgente

A partir de sua denúncia, Malcolm X foi declarado traidor da Nação do Islã. Ao mesmo tempo, por conta de seus discursos e reivindicações pelos direitos dos negros, o FBI (Federal Bureau of Investigations / Departamento Federal de Investigações) já estava de olho nele e o classificara como insurgente, um subversivo que merecia toda atenção porque poderia levar o país a uma convulsão racial. Ele passou a ser grampeado, seguido e monitorado. 

O atentado

Depois de se desligar da Nação do Islã, Malcolm X viajou para cidade de Meca, na Arábia Saudita, o templo do islamismo. Ao voltar ele fundou a Organização para a Unidade Afro-Americana, (Organization of Afro-American Unity – OAAU), que não era uma organização religiosa de defesa da identidade negra e de combate radical ao racismo. Malcolm X passou a receber várias ameaças de morte. Uma atentado a bomba foi feito em sua casa em 14 de fevereiro. Ninguém se feriu e, em declarações à tevê, Malcolm X culpou a Nação do Islã pelo ocorrido. 

O assassinato

Em 21 de fevereiro de 1965, durante evento da Organização para a Unidade Afro-Americana no Audubon Ballroom, no bairro Washington Heights, em Manhattan (Nova York), enquanto Malcolm X falava no púlpito colocado no palco, um tumulto teve início. Os seguranças tentaram conter o problema e se dispersaram. Nisso, três homens se aproximaram do palco e começaram a disparar contra Malcolm X. Os tiros foram dados em direção ao seu peito. No total, foram 13  tiros. Ele teve morte instantânea. Ali morria o homem, mas nascia o mito, cujo legado de luta e perseverança pela comunidade negra e para a comunidade negra permanece nos dias de hoje. Com certeza em 2025, quando do centenário de seu  nascimento, muito do que ele fez e deixou será rememorado. 

Para saber muito mais sobre Malcolm X 

1 – Livro: Malcolm X – Autobiografia / Autores – Malcolm X e Alex Haley

2 – Filme: Malcolm X (1992) – Direção: Spike Lee – Com: Denzel Washington como Malcolm X

3 – Documentário: Quem matou Malcolm X (2020) – Direção: Rachel Dretzin e Phil Bertelsen

 

Morre o ator Milton Gonçalves, aos 88 anos

Por Wagner Prado

O Brasil perdeu no início da tarde deste 30 de maio uma de suas grandes referências artísticas da dramaturgia. Morreu no Rio de Janeiro, em consequência de problemas relacionados a um Acidente Vascular Cerebral (AVC), o ator Milton Gonçalves, de 88 anos.
Milton Gonçalves fazia parte do elenco de atores da Rede Globo, onde fez praticamente tudo: 40 novelas, casos especiais, minisséries, humorísticos e apresentações. Gonçalves era mineiro de Monte Santo. Ele nasceu em 9 de dezembro de 1933.

Neste ano de 2022, o ator foi homenageado pela escola de samba Acadêmicos de Santa Cruz, do Rio de Janeiro, com o enredo Axé, Milton Gonçalves – No Catupé da Santa Cruz, que mostrou a história do ator desde sua saída de Minas, a chegada no Rio, seu envolvimento no mundo das artes e o engajamento político. Milton foi um dos fundadores do Teatro de Arena, onde se destacou com as peças “Eles não Usam Black Tie” e “Arena Conta Zumbi”. Como ativista político, militou em prol da redemocratização durante a Ditadura Militar. Também foi voz influente no debate racial, dentro e fora do então PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) e desde 2017 MDB (Movimento Democrático Brasileiro).

Na tevê, Milton Gonçalves fez personagens marcantes, como o Braz Canoeiro, na primeira versão da novela Irmãos Coragem (1970/1971). Sua última participação em novelas ocorreu em 2018, quando interpretou o catador de lixo Eliseu em “O Tempo Não Para”.

Baobá na imprensa em Abril

imprensa

Por Ingrid Ferreira

No mês de abril o Fundo Baobá teve uma grande repercussão na mídia internacional por ter sido uma das organizações selecionadas pela bilionária MacKenzie Scott para receber uma doação de parte de sua fortuna, a notícia se estendeu para o mês de maio, e foi tema de uma matéria do UOL com o seguinte título: “Ex de Bezos, MacKenzie Scott doa milhões para incentivar ONGs pelo Brasil”.

E o portal Geledés e o GIFE também falaram sobre o assunto na matéria “Doações de Mackenzie Scott fortalecem sociedade civil brasileira”, em que relata que: “A contribuição financeira de Mackenzie fortalece o trabalho de organizações da sociedade civil atuantes na área de educação, saúde, desenvolvimento urbano, ambiental, mulheres e equidade racial, que é a pauta trabalhada pelo Baobá”.

O Valor publicou a matéria “Quantos e-mails valem US$ 5 milhões?”, em que conta a diligência pela qual a Brazil Foundation, como as demais instituições passaram para receber a doação milionária de Mackenzie Scott, e cita o Fundo Baobá como um recebedores, acompanhado do comentário da Rebecca Tavares CEO da instituição: “Ela escolheu entidades que estão fazendo um trabalho excelente, com uma atuação mais estratégica em direito das mulheres, direitos humanos e em educação para cidadania”.

A Folha de Pernambuco deu destaque ao edital Negros, Negócios e Alimentação, com o título “Empreendedores negros do ramo alimentício receberão aporte de R$ 30 mil”, em que explica que Baobá anunciou os 14 empreendedores (as) negros (as) do ramo alimentício, que receberão R$ 30 mil para crescimento de suas empresas.

Além disso, o Portal Alyne Kaiser falou sobre a participação do estado do Amapá no edital Vidas Negras, Dignidade e Justiça, na matéria “Associação de jovens quilombolas é contemplada com edital do Fundo Baobá”. E o IDIS citou o Baobá na matéria: “Advocacy presencial pelos fundos patrimoniais é retomado em Brasília”.

Organizações e lideranças apoiadas pelo Fundo Baobá:

O artigo  “Pureza e o filme, no enfrentamento ao Trabalho Escravo no Brasil”, publicado no Portal Geledés, é de autoria de Brígida Rocha dos Santos, uma das lideranças apoiada na primeira edição do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco, uma iniciativa do Fundo Baobá para Equidade Racial com apoio da Fundação Kellogg, Fundação Ford, Instituto Ibirapitanga e Open Society Foundations. 

No instagram do Portal Geledés, encontra-se também o artigo “Políticas antirracistas no Governo Federal em 2023: O quê se entrevê em um governo de centro?”, em que a autora Clara Marinho Pereira, fala sobre Lei de Cotas no ensino superior federal, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) das Domésticas e a Lei de Cotas no Serviço Público.

E a página contou também com o artigo “Celebrar nossas conquistas também é ser antirracista”, em que a autora Jaqueline Fraga, fala sobre diversas formas de modificar o ambiente ao qual pessoas pretas estão expostas.

Clara Marinho e Jaqueline Fraga também foram apoiadas pelo Fundo Baobá na primeira edição do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco. 

Entrevista com Tiago Borba do Instituto Unibanco

Por Ingrid Ferreira

No dia 24 de outubro de 2016, acontecia o II Seminário Gestão Escolar para a Equidade – Juventude Negra, e nele foi lançado o II Edital Gestão Escolar para a Equidade – Juventude Negra, atualmente, seis anos depois, conversamos com Tiago Borba que é Gerente de Gestão Estratégica no Instituto Unibanco, que foi o responsável por financiar o edital.

Ao ser questionado a respeito do que o Instituto Unibanco pode dizer sobre a questão racial no Ensino Médio, Tiago fala que: “Não é possível avançar no sentido de uma educação de qualidade sem o enfrentamento às desigualdades. No contexto brasileiro, a racial é a estruturante. Enfrentamento só se faz compreendendo e atacando as alavancas que mantêm e fortalecem a discriminação e a perpetuação do racismo no processo educativo”.

Tiago Borba – Gerente de Gestão Estratégica do Instituto Unibanco

Tiago ressalta: “A gestão tem grande importância, como identificar as fragilidades das escolas e redes, promovendo ações que incidam na implementação da Lei 10.639/2003 que fala a respeito das práticas de diversidade étnico-racial na educação. Institucionalizar ações concretas que valorizem a episteme e cultura africana nas atividades pedagógicas, formando os profissionais da educação, ou gerar dados robustos racializados e a capacidade de analisá-los para tomada de decisão e desenho de políticas públicas são exemplos de ações que são de responsabilidade da gestão, que podem gerar transformações e equidade”.

Como é possível observar, o tema segue sendo muito atual, e a busca da  equidade racial na educação formal deve prevalecer, tanto que Tiago comenta a respeito da importância de a doação ter sido destinada ao Fundo Baobá, ele fala que o fortalecimento institucional de agentes relevantes no campo social e de educação é uma das frentes de atuação do Instituto Unibanco e que no campo do combate às desigualdades raciais, o Fundo Baobá é central, legítimo e possui potência de transformação.

O Gerente de Gestão Estratégica preocupa-se também em falar que o Instituto Unibanco possui missões equivalentes ao Fundo Baobá, como o objetivo de promover a promoção da equidade racial para a população negra no Brasil, e a forma que isso é feito, segundo ele, fortalecendo e investindo em organizações e lideranças negras comprometidas com o enfrentamento ao racismo.

O Instituto Unibanco apóia outras instituições também, sendo elas: ABPN (Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as), CDINN (Coletivo de Intelectuais Negras e Negros), Ação Educativa, IMJA (Instituto Maria João Aleixo) / Uniperiferias e agenda de equidade racial no mundo fundacional. Além do principal programa do Instituto Unibanco, que é o Jovem de Futuro, desenvolvendo e aplicando uma estratégia que envolve formação, autoavaliação e indicação de ações voltadas para a ERER (Educação para as relações étnico-raciais) que as escolas parceiras incluem em seus planos.

Futebol brasileiro continua sem dar chance a treinadores negros e fora do campo crescem os casos de racismo contra jogadores e torcedores 

No futebol feminino os casos de racismo também estão crescendo

Por Wagner Prado

Ao longo dos 128 anos (1894) em que foi introduzido e popularmente consolidado no Brasil, o futebol tornou-se um dos grandes produtos de exportação. Em 2021, segundo dados do relatório Raio X do Mercado, elaborado pela Diretoria de Registro, Transferência e Licenciamento da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), o volume de transferências de jogadores e jogadoras brasileiros para o exterior alcançou mais de um bilhão de reais. Exatamente: R$ 1.012.919.149,00. Somadas as transferências internas, a conta ultrapassa os R$ 2,2 bilhões. 

O sucesso do futebol dentro de campo -o país é o único a ostentar o título de cinco vezes campeão em Copas do Mundo- é que faz dele um sucesso comercial em termos de negociação de atletas. Mas esse sucesso não é refletido em termos de respeito à diversidade racial.

O Brasil gerou inúmeros e lendários craques negros. Ao mesmo tempo, o Brasil tem apenas um treinador negro orientando uma equipe da Série A, a principal do futebol no país. Jair Ventura é responsável pelo Goiás. As demais 19 equipes que disputam a competição nacional em 2022 não têm técnicos negros. Na Série B, também com 20 equipes, os únicos negros são Hélio dos Anjos, orientador da Ponte Preta, equipe de Campinas, e Roger Machado, do Grêmio, de Porto Alegre. 

O Brasil tem, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 56,2% de sua população formada por negros. Maioria absoluta. Mas a discussão sobre a não presença de treinadores de futebol de origem negra em suas principais equipes não é feita. O diretor  executivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, Marcelo Carvalho, opina sobre o fato.  “O mais impressionante desses dados não é que não existam treinadores negros, mas que esse debate nem exista no futebol brasileiro. A sociedade brasileira não se surpreende por não ter negros nesses espaços, porque no Brasil não é comum ter negros nessas posições. O futebol acaba sendo uma repetição da sociedade racista”, disse ele em entrevista à AFP (Agência France Presse).

Seleção Brasileira

De 1930, quando disputou sua primeira Copa do Mundo, até 2022, a  Seleção Brasileira foi dirigida apenas por dois técnicos negros. O primeiro, Gentil Cardoso, em 1959. O segundo, Vanderlei Luxemburgo, de 1998 a 2000. Para o atual técnico da Seleção, Tite, isso se deve ao racismo. “Eu vou me posicionar. Luto e lutei minha vida toda contra minha ignorância. Procurei ler, aprender e estudar. E continuo. E contra a hipocrisia que é brincar de faz de conta, prefiro responder:  Há sim um preconceito. E ele é arraigado, estrutural, sim”, disse em entrevista coletiva em outubro de 2021, antes do jogo Brasil x Venezuela pelas Eliminatórias da Copa 2022. 

Um guerreiro

Roger Machado, atual técnico do Grêmio e que já treinou Bahia, Palmeiras,  Fluminense e Atlético Mineiro, tem se transformado em um dos mais atuantes agentes contra o racismo no futebol brasileiro. Ele é contundente ao falar sobre a questão dos técnicos negros. “O futebol revela o que somos como sociedade. A representatividade da população negra em outras áreas é muito parecida com a do futebol. Quando negros e brancos decidem ascender na pirâmide social, os filtros começam a aparecer. São os filtros da ideologia que criou o racismo e que atribui ao negro uma condição de menor inteligência, menor capacidade de liderança e gestão, justamente as competências de um treinador de futebol”, disse ao jornal Zero Hora.

Falando sobre sua trajetória no futebol e as coisas que teve de enfrentar, Roger Machado relata fatos do seu caminho para se firmar na profissão.  “O racismo velado, à brasileira, construiu falso mito de uma “democracia racial” na qual, em teoria, não havia racismo nem preconceitos no Brasil. A discriminação sistemática, estrutural, é outra, mais complexa. Nos meus primeiros trabalhos como treinador, muitas vezes, quando era demitido, questionavam a minha capacidade de gerir grupos, sendo que essa era uma das grandes capacidades que eu sempre tive como jogador, como liderança, como capitão”, afirmou Roger. . 

Futebol Feminino

O futebol feminino ainda está em fase de consolidação no Brasil. Já existe um Campeonato Brasileiro organizado, as transmissões na tevê estão se popularizando e as mazelas são quase as mesmas do futebol masculino, principalmente no que se refere ao desrespeito às jogadoras. As ofensas raciais e as de gênero são as mais frequentes. 

Um caso marcante ocorreu em novembro de 2021 durante jogo do Campeonato Brasiliense, conhecido como Candangão. O Cresspom (Clube Recreativo e Esportivo de Sub-Tenentes e Sargentos da Polícia Militar do Distrito Federal) enfrentava a Aruc (Associação Recreativa Unidos do Cruzeiro). No Cresspom joga Thamires da Conceição, a Buga. Ela sofreu ataque verbal racial por parte de um torcedor durante a partida e fez a denúncia policial. “Na hora do jogo, segurei a onda por ser profissional. Joguei, me dediquei ao clube, mas depois quando coloquei a cabeça no travesseiro foi um baque, chorei bastante. Doeu, rasgou a pele. De vez em quando me pego pensando no que aconteceu e me vem uma tristeza, mas a manifestação de apoio de várias pessoas me fez seguir para continuar meu trabalho e ir atrás de justiça”, disse Buga em entrevista ao Brasil De Fato. Entre 2014 e 2020 foram contabilizados 163 casos de ofensas raciais  no futebol feminino. Eles foram tipificados como casos de Injúria Racial. 

O caso envolvendo a jogadora Buga, do Cresspom, não é único. Ainda em 2021, durante jogo válido pela Taça Libertadores da América Feminina, o Corinthians enfrentou o Nacional, do Uruguai. A jogadora Adriana, do Corinthians, foi chamada de macaca por uma adversária. O Corinthians, à época, lançou uma nota de repúdio e o caso ficou apenas nisso. Não se tem notícia de qualquer punição à jogadora agressora. 

Impunidade em 2022

A disputa da Taça Libertadores da América começou em fevereiro. Em três meses de jogos, sete casos de racismo contra equipes brasileiras foram vistos. As torcidas e os jogadores de Bragantino, Corinthians, Flamengo, Fluminense, Fortaleza e Palmeiras foram xingados por torcedores na Argentina, Chile, Colômbia, Equador e Paraguai. Mas o grande absurdo  ocorreu em plena Neo Química Arena, estádio do Corinthians, quando o time da casa enfrentou o Boca Juniors, da Argentina. Leonardo Ponzo, torcedor do Boca, passou boa parte do jogo imitando o jeito de andar de um macaco.  Acabou detido pela Polícia Militar e enquadrado por crime de Injúria Racial. Ponzo pagou fiança de R$ 3 mil, foi solto e, ainda em território brasileiro, fez um post nas redes sociais dizendo: Aqui não aconteceu nada!

A tiração de sarro de Ponzo leva à constatação de que a Lei não vem sendo aplicada no Brasil. Racismo é crime. Quem o pratica é criminoso ou criminosa. Criminosos devem ser detidos e apenados. Afinal, é a Lei. 

Revolta dos Malês: com ela o povo preto acreditou na luta pela liberdade

Considerada o maior levante urbano da América Latina no século 19, a revolta não alcançou seu objetivo mas reforçou, nos negros, o desejo de liberdade 

   Por Wagner Prado

O ano era 1979. O mês, fevereiro e, no Brasil, era Carnaval. A escola de samba Mocidade Alegre, de São Paulo, ousou na avenida com um desfile afro fantástico. 

Algo não visto até então. Muita empolgação de seus componentes para falar da que é considerada, até hoje, a maior e mais forte revolta negra ocorrida no país: a Revolta dos Malês. A Mocidade Alegre não ficou com o título de campeã, que foi para o Camisa Verde e Branco com o enredo Almôndegas de Ouro. Informações dão conta de que a Mocidade Alegre teria sofrido um boicote por parte dos militares (o Brasil estava sob a ditadura militar), que não digeriram a ousadia de se falar em uma revolta negra por liberdade. 

Surge em 25 de janeiro, um novo sol de esperança” 

Visto pelo ponto de vista militar, o desfile da Mocidade Alegre era subversivo já no primeiro verso de seu samba. Falar em “sol de esperança” era algo muito mal visto. Poderia dar cadeia. Mas o primeiro verso do samba enredo retratava o que será contado agora, utilizando outros versos marcantes sobre a Revolta dos Malês. 

“Vindos da Mãe África distante, ostentados em toda fidalguia, eles estavam em Salvador, Bahia”

Malê vem de Imalê, palavra yorubá que significa muçulmano. Os malês eram africanos que professavam a fé islâmica. Trazidos à força para o Brasil, foram fixados na Bahia. Lá, continuaram professando sua religião de origem e comunicando-se entre si na língua árabe. Em seus países de origem, muitos deles eram nobres e, dada essa condição, não se conformavam em ser escravizados e expostos a toda sorte de castigos impostos pelos seus senhores. O desejo de liberdade foi crescendo. 

Allah ‘akbar  (Deus é maior) 

A liberdade de professar a religião muçulmana era latente. Os malês passaram a tramar um levante. Oito nomes lideravam as ações: Ahuna, Pacífico Licutan, Manoel Calafati, Sule, Gustardi, Dassalu,  Luis Sanim e Elesbão do Carmo. O principal ideário era transformar a cidade de Salvador em uma nação islâmica.  Isso significava pôr fim ao catolicismo. As pessoas brancas e mestiças teriam seus bens confiscados e, em caso de resistência, seriam mortos. Os não islâmicos também seriam mortos ou escravizados. 

“Num lamento triste e solitário, negro pedia a Alah seu protetor, forças e coragem nessa hora, que a vitória seria em seu louvor”

Os líderes programaram a revolta para a madrugada do dia 25 de janeiro de 1835. A data coincidia o último dia do Ramadã (período sagrado para os muçulmanos, quando eles jejuam buscando o equilíbrio entre corpo e espírito) com o dia de Nossa Senhora da Guia. A cidade de Salvador estaria em festa, muita gente nas ruas e um certo relaxamento por parte das forças de segurança. A ideia era sair do Alto da Vitória até chegar ao prédio onde ficava a sede do governo e tomá-lo. 

“E na hora da razão, foguetes alvorada e traição, da vitória nada resta mais, revolta teve outra solução”

Os revoltosos, porém, não contavam com um fator que mudou tudo: a traição. Movida por um drama pessoal, a escravizada Guilhermina Rosa de Souza delatou o plano dos malês. Guilhermina fora abusada quando jovem e deu à luz uma filha, Teresa. A menina estava com idade por volta dos 13 anos quando o fazendeiro, seu proprietário, decidiu que Teresa seria vendida. Guilhermina não queria ter a filha separada dela e viu na delação a única forma de dar um fim a esse processo. Contou tudo ao fazendeiro que, por sua vez, levou a informação às autoridades. A marcha dos malês foi interceptada e contida no bairro de Água dos Meninos depois de fortes combates.  

Setenta dos malês foram mortos. 200 aprisionados e condenados a penas de açoite, degredo e morte. Alguns líderes foram mortos em 12 de maio de 1835.  

“E na Bahia se comemora assim, tem festas e danças e a lavagem do Bomfim”

A Revolta dos Malês foi frustrada em seus objetivos de tomar a cidade de Salvador e transformá-la em uma república islâmica. Mas o seu grande mérito foi transformar-se no embrião da liberdade. A articulação conseguida por seus líderes em 1835 repercutiu pelo país. Os escravizados perceberam que tinham o poder de articular-se e trabalhar visando a liberdade, que acabou vindo em 1888.  

                  PARA SABER MAIS SOBRE A REVOLTA DOS MALÊS

 

    Livro Documentário / Filme                Live
Rebelião Escrava no Brasil

João José Reis

https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=11221

Revolta dos Malês

Direção: Belisario França / Jefferson De 

https://sesctv.org.br/programas-e-series/revolta-dos-males/

 

Revolta dos Malês 

(História em Minutos) 

https://www.youtube.com/watch?v=JdAo-FMATMg&t=5